Andaimes | Governo admite substituir bambu por metal

Sem uma posição de fundo sobre a questão, a Direcção dos Serviços de Solos e Construção Urbana admite avançar com alterações ao método actual se existir “um consenso social” entre a população e as construtoras

A Direcção dos Serviços de Solos e Construção Urbana (DSSCU) admite ponderar a substituição dos andaimes de bambu por metal. A posição foi divulgada por Mak Tat Io, subdirector da DSSCU, ontem no programa Fórum Macau do canal chinês da Rádio Macau.

A discussão sobre a utilização dos andaimes de bambu foi lançada na sequência do incêndio em complexo residencial em Tai Po, em Hong Kong, que resultou em pelo menos 159 mortos. “Os andaimes de bambu e os de metal têm as suas vantagens e desvantagens. O Governo da RAEM vai ter uma atitude de abertura e fazer as alterações necessárias, quando houver um consenso entre o sector da construção e a sociedade”, afirmou Mak Tat Io.

Mak Tat Io ainda apontou que após o incêndio grave de Hong Kong, a DSSCU cooperou com as autoridades no reforço das inspecções às medidas de segurança e que nestas tarefas tem assumido critérios cada vez mais rigoroso. Sobre as inspecções, o responsável indicou a necessidade de garantir a segurança contra incêndios ainda antes da licença de construção ser emitida e que um dos aspectos especificamente visado foi a instalação dos andaimes e o cumprimento dos padrões de segurança.

Desde o início do incêndio em Hong Kong que o Governo da RAEHK ligou a propagação das chamas ao bambu, pelo que propôs uma substituição total por andaimes de metal.

Decisão pouco científica

Por seu turno, a Associação dos Barraqueiros de Macau defendeu que a proibição de andaimes de bambu não tem base científica e alertou que vai ter um impacto indesejado no sector de construção. Em declarações ao jornal Ou Mun, o presidente da associação, Chio Tak Sio, argumentou que é necessário investigar a fonte do incêndio em vez de proibir de forma irracional os andaimes de bambu.

Chio Tak Sio também alertou que a montagem de andaimes de bambu faz parte do património cultural intangível e tem lugar importante na história arquitectónica de Macau, e sugeriu ao Governo que opte antes por elaborar critérios de segurança.

Além disso, o dirigente associativo apontou que o preço de andaimes de metal é três vezes superior aos de bambu, pelo que se for seguido este caminho as obras de manutenção de paredes exteriores dos edifícios vão ser mais caras.

O responsável também sublinhou que actualmente apenas 30 lojas fornecem serviços de instalação de andaimes de bambu e somente 50 pessoas conhecem as técnicas de instalação. Por isso, Chio Tak Sio apontou que este sector está a enfrentar um problema grave de envelhecimento da população.

Para salvar o sector, Chio indicou que muitas empresas querem formar aprendizes pelos seus próprios meios. Contudo, como os apoios do Governo são limitados, é difícil atrair jovens para o sector.

4 Dez 2025

Incêndio em Hong Kong | Equacionado futuro dos andaimes de bambu

O incêndio em Tai Po gerou um debate em torno dos andaimes em bambu, uma tradição que já corria riscos de extinção devido à falta de novos trabalhadores especializados. O arquitecto Nuno Soares acredita que, antes de se questionar a segurança do bambu, é preciso reforçar a fiscalização do uso ilegal de materiais inflamáveis

Pode uma indústria já de si em risco de extinção desaparecer mais rapidamente do que se julgava, devido ao trágico incêndio de Hong Kong? A questão tem-se levantado desde que, na passada semana, um grande incêndio num complexo residencial em obras, na zona de Tai Po, resultou em, pelo menos, 159 mortos, segundo o balanço mais recente.

Os arranha-céus tinham andaimes em bambu e outros materiais inflamáveis usados no processo de construção. Na sexta-feira, as autoridades de Hong Kong concluíram que o incêndio foi agravado devido aos andaimes de bambu e painéis de isolamento de espuma inflamáveis. Além disso, o chefe dos bombeiros de Hong Kong, Andy Yeung, corroborou o que muitos testemunhos entrevistados pela AFP afirmaram. “Constatámos que os sistemas de alarme nos oito edifícios não estavam a funcionar correctamente”, afirmou.

Segundo noticiou a agência Lusa, o relatório, ainda de peritagem preliminar, concluiu que os materiais utilizados em obras contribuíram para que as temperaturas fossem mais elevadas.

“Com base nas informações iniciais que temos, acreditamos que o fogo começou na tela de protecção (material de plástico para proteger contra propagação de pós e queda de objectos) localizada na parte externa dos andares inferiores (…), e subiu rapidamente devido aos painéis”, que protegiam as janelas, disse o chefe de segurança da região administrativa especial vizinha, Chris Tang.

Ao HM, o arquitecto Nuno Soares, ligado ao estudo da construção em bambu, e que tem lutado pela sua preservação, considera que antes de se apontarem culpas ao material, é preciso reforçar a fiscalização dos estaleiros.

“Sabemos que o bambu é de difícil ignição. Ou seja, o bambu arde, mas é difícil de arder e, quando o faz, a combustão é lenta, e é fácil combater [um eventual incêndio]. Agora quando existe uma rede à volta, que não é à prova de incêndios, tudo incendeia muito rapidamente, não é? Já há dados conhecidos [do incidente], e sabemos que os andaimes eram, efectivamente, de bambu, mas existia uma rede de plástico à volta que não era à prova de incêndios, além do uso de esferovite para tapar as janelas, que é um material altamente inflamável”, destacou.

Nuno Soares referiu ainda a ocorrência, em Tai Po, “de problemas com o sistema de detecção e combate aos incêndios no próprio edifício, feito nos anos 80, e que já estava desactualizado”. “Também são conhecidos vários problemas na fiscalização, e com os dados que temos não conseguimos concluir, de forma sumária, que o bambu foi o fio condutor desta situação, e temos de ser rigorosos nesse tipo de análise”, acrescentou.

Desta forma, Nuno Soares considera que é preciso cautela e não entrar em análises simplistas ou precipitados. “Não podemos, com os dados que temos neste momento, dizer que o bambu não tem responsabilidade nenhuma”. “Se existisse aquela rede de nylon em volta de andaimes de metal teria acontecido uma situação muito semelhante, porque a propagação do incêndio se faria por essa rede e depois através da esferovite das janelas. Os regulamentos de segurança contra incêndios já são bastante rigorosos em Macau e Hong Kong, mas onde acho que há campo para melhorar, é na fiscalização”, disse.

Uma questão material

O jornal Global Times escreveu na segunda-feira sobre as dificuldades que existem em acabar, em pouco tempo, com a construção de andaimes em bambu. Num artigo intitulado “Tradição sob fogo”, lê-se que “alguns defensores argumentam que os andaimes em bambu, como técnica tradicional de construção, são de baixo custo, flexíveis de montar e desmontar, e especialmente adequados aos espaços apertados dos bairros urbanos antigos”, existindo “vozes contrárias que se focam nos riscos de segurança”.

Citado pelo mesmo jornal, Lee Kwong-sing, presidente do Instituto de Profissionais de Segurança de Hong Kong, referiu que, dado as informações disponíveis, “os materiais inflamáveis nas paredes externas incendiaram as redes de segurança, e não o bambu em si”. Demonstrando uma posição semelhante a Nuno Soares, o responsável adiantou que “mesmo que tivessem sido usados andaimes metálicos, as redes de segurança seriam necessárias, e se os materiais inflamáveis não fossem removidos, o risco de incêndio não mudaria muito”.

Zhao Shixing, engenheiro-chefe do Instituto Provincial de Design e Pesquisa Arquitectónica de Sichuan, disse ao Global Times que as fraquezas do bambu residem na sua segurança e estabilidade, pois o bambu cru e não tratado tem classificação de combustibilidade B2 segundo os padrões da China, e pode incendiar facilmente quando exposto a outros materiais inflamáveis. Zhao disse, portanto, que “essa vulnerabilidade ficou totalmente exposta nesse incêndio”.

Segundo o jornal estatal, já em 1994 as autoridades da vizinha cidade de Shenzhen tinham proibido o uso de bambu, sendo que em Janeiro de 2022 o Ministério da Habitação e Desenvolvimento Urbano-Rural do país proibiu o uso de “andaimes de bambu (ou madeira)” em obras de construção e engenharia municipal em todo o país.

Difícil apagar a tradição

Nas regiões administrativas especiais, a construção de andaimes em bambu continua a ser uma realidade, apesar da alegada falta de pessoal mais jovem interessado em aprender a técnica.

Nuno Soares destaca que a técnica “está muito enraizada”, por “existir há décadas em Macau e Hong Kong”, sobrevivendo devido à versatilidade e por ser adaptável às condições climatéricas locais. O arquitecto realça também entre os factores decisivos para o uso do bambu a “mão-de-obra e tipo de construções em elevada altura que se fazem em Macau e Hong Kong”.

Logo nas horas a seguir ao acidente, as autoridades de Macau realizaram uma série de inspecções a estaleiros de obras, além de terem organizado dezenas de palestras a alertar para os riscos de incêndios.

Tal postura foi “sábia e preventiva”. “Não se retiraram os andaimes em bambu, mas sim as redes que são inflamáveis e que estavam em vários prédios em Macau. O que temos de fazer é mais testes, ou seja, não basta termos o certificado do fabricante a dizer que aquele material é à prova de incêndio. A fiscalização tem de ser mais rigorosa.”

“Um dos motivos pelos quais acho que os andaimes de bambu tiveram tanto sucesso ao longo da história recente de Macau e Hong Kong é por serem seguros, no sentido de resistirem bem a ventos e tufões, e protegerem os trabalhadores que usam elementos de protecção”, frisou o arquitecto.

De modo geral, Nuno Soares diz que “não faz sentido” uma proibição súbita, e total, do uso do bambu na construção de andaimes. “Tendo em conta os dados que temos, essa medida de impedir a construção em bambu não faz sentido.”

Quando o fogo ainda estava longe de ser extinto, a polícia já tinha anunciado a detenção de três suspeitos de “negligência grosseira” após a descoberta de materiais inflamáveis abandonados durante os trabalhos, que permitiram ao fogo “propagar-se rapidamente” devido ao vento forte. As investigações prosseguem.

Citado pela CNN, Xinyan Huang, professor associado da Universidade de Hong Kong, declarou que o bambu é “definitivamente um material inflamável”. “Esta época é muito seca em Hong Kong, então a possibilidade de combustão do bambu é muito elevada. Uma vez a combustão feita, o fogo propaga-se muito rapidamente”, rematou.

Numa nota conjunta do Corpo de Bombeiros, Direcção dos Serviços de Solos e Construção Urbana, Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais e Instituto para os Assuntos Municipais, de sexta-feira, o Executivo da RAEM disse estar “extremamente atento ao grave incêndio que ocorreu recentemente na região vizinha”, mas não revelou se vai ou não proibir o uso de bambu.

“Após verificação dos equipamentos de combate a incêndios, gestão do armazenamento de substâncias perigosas e vias de evacuação de emergência, todos cumpram os requisitos de segurança aplicáveis.”

Além disso, e mencionando dados estatísticos mais recentes, lê-se que “existem actualmente cerca de 566 estaleiros de obras em Macau, dos quais, mais de 60 envolvem obras com andaimes”, ficando a promessa de realização de “inspecções intensivas a todas as obras com andaimes, exigindo-se aos empreiteiros o cumprimento rigoroso das suas responsabilidades de prevenção de incêndios”.

Porém, o Executivo admitiu ontem poder vir a substituir os andaimes em bambu pelos de metal, mas apenas se houver “consenso social” entre a população e as construtoras, disse Mak Tat Io, subdirector dos Serviços de Solos e Construção Urbana.

4 Dez 2025

Albergue SCM | Arquitectura moderna e bambu em discussão amanhã

O Albergue SCM acolhe amanhã uma discussão sobre a aplicação do bambu na arquitectura moderna e as questões identitárias colocadas por um contexto de globalização. Conduzida pelo arquitecto e médico austríaco Markus Roselieb, a palestra irá incidir sobre o papel da arquitectura na preservação da natureza e na promoção da sustentabilidade

 

Amanhã, a partir das 14h30, o Hall D1 do Albergue SCM acolhe a palestra “Que Identidade? Num mundo globalizado, que papel tem a identidade numa cultura arquitectónica específica? Aplicação do bambu na arquitectura moderna”, evento patrocinado pelo Fundo de Desenvolvimento da Cultura.

Conduzida em inglês pelo arquitecto austríaco Markus Roselieb, a palestra propõe a dissecação do uso do bambu enquanto material de construção natural aplicado a uma perspectiva contemporânea de arquitectura e design.

A organização do evento, que cabe ao Círculo dos Amigos da Cultura de Macau, escreve em comunicado que o bambu é material natural, “um tubo reforçado e altamente funcional quando usado correctamente”. “Pode ser usado em estruturas de grande dimensão, num sistema de vigas cruzadas em áreas vastas, ou para criar tectos com formas orgânicas que permitem ventilação natural. Tem elevada durabilidade e é agradável aos sentidos, gerando um ambiente acolhedor”, é acrescentado.

Radicado na Tailândia, Markus Roselieb é fundador da Chiangmai Life Architects and Chiangmai Life Construction, que aposta na “arquitectura como via para colocar as pessoas em contacto consigo próprias e com o ambiente contruído”, missão para a qual o bambu é uma ferramenta de conexão.

O arquitecto defende que o bambu tem características que lhe conferem a capacidade de substituir o aço em muitas aplicações estruturais, tendo em conta a maior elasticidade e resistência à tração, ao mesmo tempo que é muito mais leve que o aço.

“A nossa identidade visual é moldada pelas formas que podemos observar na natureza, por longas e fluídas curvas e arcos. Conexão e combinação são conceitos importantes. Ligar uma pessoa a um lugar, ao planeta, mas também ligar a natureza à modernidade”, refere Markus Roselieb em comunicado, lançando premissas para a palestras de amanhã.

Do corpo à casa

Formado em medicina na Universidade de Viena, na Áustria, Markus Roselieb é um arquitecto autoditacta, que aprendeu através da observação de micro-estruturas, como o esqueleto humano, mas também pela via empírica, com experiências registadas desde os tempos de estudante na construção de estruturas. Roselieb viria a especializar-se em arquitectura sustentável e com sensibilidades ecológicas, focando-se também em projectos arquitectónicos virados para a educação, comércio e habitação de luxo.

O arquitecto ajudou também a fundar a Panyaden International School, em Chiang Mai no norte da Tailândia, que promove uma nova abordagem educativa focada na criatividade, proximidade com a natureza e ciências ambientais.

A entrada para a palestra é livre, mas requer inscrição prévia. Os interessados têm até hoje às 13h para se inscreverem através do site https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSdGKQAU86lDk9ftqMhobPeBsUOfk-A-Z2EQtLExP0tF7cZFVg/viewform. Não há lugares marcados e a organização vinca que os lugares sentados são limitados.

18 Nov 2022