Literatura | António Lobo Antunes nomeado para o Prémio Literário Internacional de Dublin

O escritor português António Lobo Antunes é um dos 49 nomeados para o Prémio Literário Internacional de Dublin 2021, com o livro “Até que as pedras se tornem mais leves que a água”, anunciou a organização. O autor português faz parte da lista longa escolhida por bibliotecas de todo o mundo, da qual constam autores oriundos de 30 países.

Entre os primeiros finalistas daquele prémio encontram-se os já distinguidos “Rapariga, Mulher, Outra”, de Bernardine Evaristo (Prémio Booker), “Pátria”, de Fernando Aramburo (Prémio Nacional de Narrativa), e “Os Rapazes de Nickel”, de Colson Whitehead (Prémio Pulitzer de ficção).

Da lista constam ainda autores como Elif Shafak (“10 Minutos e 38 Segundos Neste Mundo Estranho”), Colum McCann (“Apeirogon”), Heather Morris (“A Coragem de Cilka”), Elizabeth Acevedo (“Clap when you land”), Fernanda Melchor (“Hurricane season”), Carina Sainz Borgo (“Cai a Noite em Caracas”), Ocean Vuong (“Na Terra Somos Brevemente Magníficos”), Brit Bennett (“The vanishing half”) e Daniel Kehlmann (“Tyll. O Rei, O Cozinheiro e O Bobo”).

Traduzido para o inglês com o título “Until Stones Become Lighter Than Water”, o livro de António Lobo Antunes foi editado em Portugal em 2017 pela D. Quixote e é um regresso do autor aos fantasmas da guerra de Angola.

Numa crónica com o mesmo título publicada em 2016 na revista Visão o autor escreveu: “O meu trabalho é escrever até que as pedras se tornem mais leves que a água. Não são romances o que faço, não conto histórias, não pretendo entreter, nem ser divertido, nem ser interessante: só quero que as pedras se tornem mais leves que a água”.

O Prémio Literário de Dublin é organizado pela autarquia da capital da Irlanda e gerido pelas bibliotecas públicas da cidade, com um valor monetário de 100 mil euros, a serem entregues na totalidade ao autor da obra vencedora, se esta for escrita em inglês, ou, no caso de tradução, a dividir entre escritor e tradutor, no valores de 75 mil euros e 25 mil euros, respectivamente.

A lista de finalistas do Prémio Literário Internacional de Dublin 2021 será conhecida no dia 25 de março e o vencedor será revelado a 20 de Maio. A escritora irlandesa Anna Burns foi a vencedora da edição de 2020, com o romance “Milkman” (que já antes vencera o Prémio Booker).

5 Fev 2021

A Desordem e o Ódio

[dropcap]É[/dropcap] famosa a fúria de Samora Machel quando descobriu que afinal Mutimati Barnabé João (autor de “Eu O Povo”) fora uma invenção de António Quadros e não um guerrilheiro frelimista, morto em combate.

Percebe-se mas denota a ingenuidade do líder moçambicano, nesta matéria. Não se fazem bons poemas por ordem e graça do Espírito Santo. E a poesia não brota da sageza, da espontaneidade, ratice ou boa vontade, mas do domínio, técnico, e duma feliz dosagem entre as valências da memória e da imaginação, e quando a uma certa tradição retórica se conjuga a circunstância e a oportunidade. Ademais, por gracioso que seja António Aleixo não se compara a Fernando Pessoa.

Durante o regime socialista, como aconteceu nos outros países da mesma feição política, Moçambique foi habitado pelo dogma de que toda a gente era poeta ou artista. O que é confundir os iguais direitos que a todos cabe a montante com o que cada um faz disso a jusante.

Do mesmo modo que não me tornei cientista atómico nem escultor, a poesia não é para todos. Embora continue a haver muitos mais imitadores de poetas do que poetas.

O Cartier-Bresson fez dos mais notáveis enquadramentos da fotografia do século xx porque tinha atrás de si um curso de pintura – arte a qual abdicou, depois de ter interiorizado toda a história da disciplina. Não nasceu do nada aquele “vício natural” de enquadrar as fotos como se cristalizasse num clic a harmonia condensada de um universo.

Sim, o desejo é capaz de produzir objectos ou acções que transmutam o saber em novas formulações ou relações, mas para isso é necessário sublimar algo já existente, seja da ordem da sexualidade, duma crença ou de qualquer repertório técnico-discursivo.

Vale o mesmo para a rebeldia política, como movimento capilar, se por um lado fascina o apelo romântico da luta hoje é um crime abstrairmo-nos da história política dos últimos cem anos, pois esta destruiu a idade da inocência, e não foi só para os militantes.

Já estes caracterizam-se por presumirem uma unidade formal para a luta por via de uma transcendência – personificada no comité central do partido, ou nos dogmas da ideologia ou do nacionalismo, como realidades superiores. Depois, com mais ferocidade acrescida exercem as suas tarefas de organização e de exterminação. E os fins valem sempre os meios.

Sempre preferi os rebeldes, aquele que actualizam uma potência sem o filtro de uma filiação, que a uma necessidade visceral de justiça ou de mudança aliam uma causa concreta ou uma reavaliação dos valores. O que por vezes deu mudança de paradigmas, como em Maio de 68.

Mas isso assusta. Daí que Carvalho da Silva, o antigo dirigente sindical, tenha dito sobre os “coletes amarelos”:

“Não há democracia sem estruturas de mediação, os sindicatos, como muitas outras organizações, existem para representar interesses específicos, e a quem a sociedade pode responsabilizar; nestes movimentos inorgânicos perante a ausência de estruturas de mediação, isso torna-se uma bagunça e nega a democracia”.
É uma evidência que a democracia pode ser a primeira vítima do seu próprio sucesso mas esta será uma forma simplista de colocar as questões.

Como não simpatizar com os “coletes amarelos”?

Ainda que a sua força seja a sua fraqueza: a sua recusa de líderes e porta-vozes é eficaz (já foi) numa acção pontual, em prolongando-se pode cair na indistinção e na instrumentalização por grupos radicais.

Macron começou arrogantemente e afinal a sua inflexão neo-liberal dobrou como o junco diante da violência da realidade. Agora, dada a capilaridade da comunicação hoje em dia e os contágios que daí advêm é de perguntar se a reivindicação de que Macron abdique não terá já uma dedada da extrema-direita.

Em Portugal o movimento tem a sua primeira manifestação marcada para esta semana. O poder está apreensivo – foi de cem euros, a cedência de Macron no aumento do ordenado mínimo – e curiosamente a UGT e a CGTP já se colocaram de fora das reivindicações. Não querem estar “fora do sistema”, serem considerados arruaceiros.

Entretanto, o que mais desconcerta e ninguém quer pensar é a atmosfera de uma crispação latente que borbulha quer nas redes sociais, quer no descontrole com que num ápice os comentários dos leitores nos jornais se aproximam da arbitrariedade do ódio. É um sintoma acabrunhante.

O ódio toma conta das sociedades. Com profetas eleitos: Trump e Bolsonaro, que elevaram à legitimidade a arbitrariedade, o espírito arruaceiro e a impunidade. Tudo o que é arcaico, as pulsões mais retrógadas têm agora uma âncora para se assumirem sem vergonha.

A notícia mais simples e anódina é trampolim para exercícios de picardia e de desqualificação mútua entre os comentadores, o objecto da notícia não passa de um pretexto.

Na semana passada, António Lobo Antunes deu uma entrevista em que se afirmava a favor de uma só nação ibérica. Com raras excepções não se trocaram argumentos nos comentários que se lhe seguiram, não se discutiu uma ideia; antes se amontoaram as notas denegridoras sobre o escritor, as sentenças e a condenação sem freio que roça o ódio.

Todavia, há vinte anos, se um Virgílio Ferreira, um Eduardo Lourenço, um Prado Coelho, uma Agustina ou o Abelaira, manifestavam uma ideia considerada controversa havia em primeiro lugar uma suspensão da opinião. Se aquela criatura dizia tal, ponderava-se, porque a autoridade de milhares de páginas escritas por aquele autor pesava.

Agora há uma manifesta falta de humildade e a sentença de um mecânico de automóveis, de um marceneiro, de um polícia, de uma empregada doméstica, de um trolha, de um enfermeiro, parece equivaler-se à de um escritor consagrado. Também as democracias liberais caíram na distorção do socialismo e confundem o justo direito à igualdade a montante com a propriedade da opinião a jusante. Todos pensadores de primeira água, todos são poetas e artistas.

E entretanto esconde-se um fascista não declarado entre cada três comentadores.

20 Dez 2018

António Lobo Antunes lamenta que Portugal e Espanha não sejam o mesmo país

[dropcap]O[/dropcap] escritor António Lobo Antunes lamentou que portugueses e espanhóis não sejam cidadãos do mesmo país, numa entrevista dada ao jornal catalão La Vanguardia no âmbito da Feira Internacional do Livro de Guadalajara e publicada ontem.

“Não consigo descobrir muitas diferenças entre a gente da península, somos a mesma coisa, temos a mesma maneira de reagir, embora se coma melhor na Catalunha do que em Portugal. É uma pena que não sejamos o mesmo país, todos os ibéricos. Filipe II de Espanha e I de Portugal tinha todo o direito de ser nosso rei, era neto do monarca legítimo”, afirmou Lobo Antunes logo na primeira resposta da entrevista, antes de acrescentar que o “grande amor” da sua infância foi uma criada galega que trabalhava para os pais.

O autor que lançou recentemente em Portugal “A última porta antes da noite” realçou que o escritor que mais o comove “ainda é um grande poeta do século de ouro” da Península Ibérica, Francisco Gómez de Quevedo, a quem só Camões se pode igualar, na opinião de Lobo Antunes.

“O meu pai lia-nos em voz alta aos seis filhos, gostava muito de poesia”, lembrou o escritor nascido em 1942.

Há mais de dez anos, o Nobel da Literatura José Saramago (1922-2010) disse, ao Diário de Notícias, que Portugal acabaria por se integrar em Espanha, tornando-se uma província de um país que se chamaria Ibéria, para não ofender “os brios” portugueses.

Na mesma entrevista em que recorda que “a ditadura é violência, com os cabrões da polícia política a perseguir a gente”, quando a imprensa escrevia que os presos políticos se suicidavam (“sim, com um tiro nas costas”), Lobo Antunes é ainda questionado sobre se ainda reside em Lisboa, ao que responde que sim, ressalvando que “Lisboa está horrível agora”.

“É um inferno desde que a Madonna e tantos famosos vieram viver para lá. A vida é barata, eu almoço sempre em restaurantes de bairro por seis ou sete euros. Vivo na periferia, porque sou uma espécie de emblema do país e, no centro, as pessoas querem tirar fotos comigo. Só estou tranquilo no meu bairro, onde as pessoas me conhecem e me protegem”, afirmou o escritor.

A dada altura, o entrevistador diz não se atrever a perguntar-lhe pelo prémio Nobel, ao que Lobo Antunes lembra ter entrado na coleção Pléiade, “que é muito mais importante que ganhar o Nobel”, acrescentando que os seus livros estão a ser traduzidos também para o árabe, antes de questionar: “Que mais posso desejar?”

“A única coisa que me interessa dos prémios é o dinheiro. Quando me telefonam a dizer que ganhei um, a primeira coisa que pergunto é ‘quanto?’”, acrescentou.

Antes de terminar a entrevista, Lobo Antunes ainda referiu que estar casado “é uma coisa muito boa para trabalhar, caso contrário perde-se muito tempo a perseguir mulheres”.

12 Dez 2018

Literatura | Universidade de Milão inaugura cátedra António Lobo Antunes

A Universidade de Milão, em Itália, decidiu homenagear um dos grandes escritores portugueses contemporâneos com a criação da cátedra António Lobo Antunes. A cerimónia de lançamento aconteceu ontem com a presença do escritor

[dropcap]A[/dropcap] cátedra António Lobo Antunes, que visa “promover e potenciar o ensino e a difusão da língua e cultura portuguesas”, foi ontem inaugurada, na Universidade de Milão, com a participação do escritor.

António Lobo Antunes, de 76 anos, encontra-se em Itália, onde recebeu no passado sábado, o Prémio Bottari Lattes Grinzane, no castelo Grinzane Cavour, na região de Piemonte.

“Sob a direcção de Vincenzo Russo, professor de Língua e Literaturas Portuguesa e Brasileira, esta Cátedra tem como finalidade e propósito, promover e potenciar o ensino e a difusão da língua e cultura portuguesa”, afirma em comunicado o Camões – Instituto da Cooperação e da Língua.

A cerimónia de inauguração da cátedra realizou-se ontem na Sala Crociera Alta di Giurisprudenza, em Milão, durante a qual foi assinado o protocolo entre o Instituto Camões, representado pelo embaixador de Portugal em Roma, Francisco Ribeiro Telles, e o reitor da Università degli Studi di Milano, Elio Franzini.

A inauguração da cátedra “será celebrada com uma ‘lectio magistralis’ proferida pelo escritor mais importante da contemporaneidade portuguesa: António Lobo Antunes, autor desde 1979 de uma rica e vastíssima obra que conta com mais de 30 romances e cinco volumes de crónicas, traduzida, lida e admirada em todo o mundo”, segundo o mesmo comunicado.

António Lobo Antunes publicou recentemente um novo romance, “A última porta antes da noite”, que dedica ao seu amigo George Steiner, crítico literário e professor nas universidades de Cambridge e Genebra, que lhe falou nesta frase, da personagem Judite, da ópera “O castelo do Barba Azul”, de Béla Bartók.

No final da ópera, a personagem “pede que lhe abram ‘a última porta antes da noite’”, explicou Lobo Antunes, numa entrevista à agência Lusa. “Uma frase que não foi criada para este livro, já existe há muito tempo, e foi uma frase que sempre me tocou, e em certo sentido é uma homenagem a um amigo [George Steiner]”.

23 Out 2018

Escritor António Lobo Antunes diz-se “um cidadão comum” e “grato” pelas distinções que recebe

[dropcap]O[/dropcap] escritor António Lobo Antunes, em vésperas de receber o Prémio Bottari Lattes Grinzane e de inaugurar uma cátedra com o seu nome na Universidade de Milão, disse que se considera um “cidadão comum sem qualquer importância”, “grato” por estas distinções. Lobo Antunes, de 76 anos, que publicou recentemente um novo romance, “A última porta antes da noite”, recebe, no sábado, o Prémio Bottari Lattes Grinzane, em Monchiero, no norte de Itália, e vai inaugurar, na segunda-feira, uma cátedra com o seu nome, na Universidade de Milão.

Em entrevista à agência Lusa, o autor referiu-se ao Prémio Grinzane, cujo júri é constituído por intelectuais, professores universitários, jornalistas culturais e escritores, como “uma generosidade” e “uma prova de consideração pela nossa língua”.

A “jornada italiana” começa na sexta-feira ao meio da manhã, em Monchiero, nos arredores de Turim, na região italiana do Piemonte, com uma conferência de imprensa, apresentando o escritor, à tarde, no Teatro Social de Alba, a sua “Lectio Magistralis” (“Lição Magistral”, em tradução livre). No sábado à tarde, no castelo Grinzane Cavour, que faz parte da lista do Património Mundial da UNESCO, António Lobo Antunes recebe o galardão.

Relativamente aos prémios, Lobo Antunes afirmou que “as pessoas têm sido muito generosas” consigo, em diferentes países.

“É evidente que tenho de estar grato, mas tomo isto mais como uma prova de consideração pela nossa língua e pelo nosso país, e isso é que interessa”, sentenciou.

A cerimónia de entrega do galardão e a inauguração da cátedra António Lobo Antunes, no Departamento de Línguas e Literaturas Estrangeiras da Università degli Studi di Milano, faz parte do seu ofício de escritor, disse o autor de “Auto dos Danados”.

“Vou ter que falar e ver pessoas, não é uma coisa que me agrade especialmente, mas faz parte do ofício e é bom que o nome de Portugal seja falado”.

Quanto à literatura, “é só trabalho, não há segredo nenhum, não há mistério, é só trabalho”, afiançou.

“Escrever é trabalho. Podia ter outra profissão qualquer, tenho esta, portanto tenho que fazer um bom trabalho, da mesma maneira de que, quando era médico, tinha de tratar bem os meus doentes, era o meu trabalho”, disse, para acrescentar relativamente aos seus livros: “As pessoas não têm o direito de receber um mau produto”, e daí trabalhar neles até os considerar bons, contou.

“Escrever não é uma brincadeira”, asseverou, garantindo que faz o melhor que pode.

Quanto ao convite para participar como “convidado de honra” na Feira de Guadalajara, que decorre de 24 de novembro a 02 de dezembro, naquela cidade mexicana, Lobo Antunes considerou o convite “muito generoso”.

“Vamos ver como corre a feira. É a segunda maior do mundo”, disse o escritor que já por duas vezes esteve em Guadalajara, e justificou a honraria, por ter ganhado, há dez anos, o Prémio Juan Rulfo, pelo romance “Até Que as Pedras Se Tornem Mais Leves Que a Água”.

Lobo Antunes insistiu que é “um cidadão normal”, que não tem mais importância do que isso, mas acha “simpático” a atenção que lhe é dada.

“Nunca pensei nisso, mas acho simpático que se preocupem comigo, talvez um dia me arranjem uma estátua equestre”, disse.

Questionado se gostaria de se ver representado numa estátua equestre, respondeu: “Não tenho nada contra, se fosse a cavalo de um político que não gosto, não me importava”, e prosseguiu: “Depende de quem a gente monta, o meu prazer de estar em cima, depende de quem eu estiver a montar”, e recomendou que, “antes [de se montar], deve-se olhar para o animal”.

O autor insistiu que vive “no mundo de toda a gente” e acrescentou: “Às vezes parece-me que quem está num mundo só deles são os políticos, não sou eu”.

Referindo-se a políticos, o escritor adirmou gostar do atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a convite do qual participou, em fevereiro último, na iniciativa “Escritores no Palácio de Belém”.

“Tenho uma boa relação com o Presidente [da República], gosto dele, penso que ele gosta de mim, ainda há pessoas que me são simpáticas”, disse.

Lobo Antunes reconhece, porém, que se isola, principalmente quando está a trabalhar, a escrever os seus livros, não lhe sobrando tempo para mais nada.

“Quando estou a trabalhar tenho muito pouco tempo, começo a trabalhar às sete da manhã até à uma [da tarde], depois das duas até às oito da noite, por isso não tenho muito tempo para saber. Mas também a sensação que eu tenho é que a vida em Portugal é tão previsível, que não vale a pena… Não compro jornais, não leio jornais, raramente vejo noticiários na televisão. Não tenho tempo, tenho que fazer as coisas, vou sabendo assim… Sei que houve uma remodelação governamental”.

Sobre o novo livro, “A última porta antes da noite”, é dedicado ao seu amigo George Steiner, crítico literário e professor nas universidades de Cambridge e Genebra, o autor de “Errata”, “Antígonas” e “As artes do sentido”, que lhe falou nesta frase, que é da personagem “Judite”, da ópera “O castelo do Barba Azul”, de Béla Bartók, (que também dá título a um livro do pensador – “No castelo do Barba Azul – Algumas notas para a redefinição da cultura”).

No final da ópera, a personagem “pede que lhe abram ‘a última porta antes da noite’”, explicou Lobo Antunes.

“Uma frase que não foi criada para este livro, já existe há muito tempo, e foi uma frase que sempre me tocou, e em certo sentido é uma homenagem a um amigo [George Steiner]”, de quem gosta, que respeita e admira.

A amizade é “uma coisa sagrada”, disse Lobo Antunes à Lusa. E recordou o seu avô, que lhe dizia que “um homem pode não ter dinheiro, não ter mulheres, não ter trabalho, mas se tiver amigos nunca fica sozinho”.

Autor de mais de 30 romances, além de cinco livros de crónicas e de um volume de cartas, António Lobo Antunes afirmou: “Não estou à procura de nada. A gente não procura, encontra. Uma das coisas que me agrada na vida é a imprevisibilidade do futuro. Claro que é aborrecido se o futuro for desagradável. Mas enquanto houver futuro, a nossa vida tem um sentido, e uma razão”, disse o escritor, referindo em seguida: “Já tive alturas em que não tive futuro, com doenças, com guerras, com isto e aquilo. E não é agradável”.

17 Out 2018

Obra de António Lobo Antunes vai ser publicada na editora francesa Pléiade

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] obra completa de António Lobo Antunes vai ser publicada na Pléiade, uma prestigiada coleção francesa pertencente à editora Gallimard, que integra raros autores vivos e apenas um português, Fernando Pessoa, disse à Lusa a editora do escritor.

A Pléiade é uma casa editorial francesa, fundada em 1931, que “reúne as maiores obras do património literário e filosófico francês e estrangeiro”, segundo a informação constante do ‘site’ oficial desta editora.

A notícia da escolha de António Lobo Antunes para integrar esta coleção considerada de luxo e restrita, da qual faziam parte, até agora, apenas três autores vivos – Mário Vargas Llosa, Milan Kundera e Philippe Jaccottet – e um único português – Fernando Pessoa – foi recebida hoje à tarde pela editora portuguesa de António Lobo Antunes.

Em declarações à Lusa, Maria da Piedade, contou que recebeu, “há instantes, um telefonema da editora francesa de António Lobo Antunes” e da agente que trata dos direitos para as publicações internacionais da obra do autor.

“Para a editora é muito importante. Não há notícia melhor”, ainda para mais quando se avizinha a publicação, dentro de um mês, do mais recente livro de Lobo Antunes, “A última porta antes da noite”, disse.

“A entrada na Pléiade é o que de melhor há em termos de literatura internacional, em termos de prestigio internacional, só o Nobel se equipara”, considerou.

Maria da Piedade destacou ainda que a extensão da obra de Lobo Antunes implica um “trabalho longuíssimo de revisão”, pelo que a sua escolha pela editora francesa se reveste ainda de maior importância, porque, para escolher uma obra tão trabalhosa, tem mesmo de ser considerada extraordinária.

“É preciso um grande empenhamento da Gallimard para publicar a obra do Lobo Antunes, porque é uma obra muito vasta. São 30 livros”, declarou.

13 Set 2018

António Lobo Antunes vence Prémio Bottari Lattes Grinzane 2018

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] escritor António Lobo Antunes venceu o Prémio Bottari Lattes Grinzane 2018, organizado pela fundação italiana com o mesmo nome, e vai recebê-lo em outubro, anunciou a sua editora.

O Prémio Bottari Lattes Grinzane 2018 teve como júri intelectuais, professores universitários, jornalistas culturais e escritores, segundo a mesma fonte.

António Lobo Antunes, de 75 anos, recebe o galardão no próximo dia 20 de outubro, no Castelo Grinzane Cavour, nos arredores de Turim, no norte de Itália.

O ano passado este prémio foi entregue ao escritor britânico Ian McEwan, de 69 anos, e em edições anteriores distinguiu autores como Enrique Vila-Matas, Patrick Modiano, Alberto Arbasino, Martin Amis, Javier Marias e Amos Oz.

Entretanto, o autor português viu o seu romance “Os Cus de Judas” ser selecionado, em França, para o Exame Nacional de Agregação para professores e investigadores do Ensino Secundário em Literaturas Modernas.

“Os Cus de Judas” foi publicado pela primeira vez em 1979, e atualmente já na 36.ª edição, segundo as Publicações D. Quixote.

Ao lado de António Lobo Antunes, que se tornou o primeiro escritor português vivo selecionado, estão Joseph Conrad (1857-1924) e Claude Simon (1913-2005).

O escritor António Lobo Antunes recebeu no passado dia 14 o Grande Prémio do Centenário da Reunificação da Roménia, onde foi o convidado de honra do Festival Internacional de Poesia de Bucareste.

Lobo Antunes estreou-se literariamente em 1979, com “Memória de Elefante”, obra que vai na 30.ª edição, segundo a mesma fonte.

Em pouco mais de um ano, seguiram-se “Cus de Judas” (1979), “Conhecimento do Inferno” (1980) e “Explicação dos Pássaros” (1981).

De “Fado Alexandrino” (1983) e “Auto dos Danados” (1985), até “Da Natureza dos Deuses” (2015) e “Para Aquela Que Está Sentada no Escuro à Minha Espera” (2016), António Lobo Antunes soma mais 23 romances, num total de 27, incluindo vários livros de crónicas e um livro para crianças – “A História do Hidroavião” (1994), ilustrado por Vitorino -, entre outras obras.

O escritor foi distinguido com o Prémio Camões, o Grande Prémio de Romance da Associação Portuguesa de Escritores, que recebeu por duas vezes (por “Auto dos Danados” e “Exortação aos crocodilos”), o Prémio de Literatura Europeia da República Austríaca, o Prémio da União Latina, pelo conjunto da obra, os prémios Juan Rulfo e Rosalía de Castro, o Prémio Melhor Livro Estrangeiro publicado em França (“Manual dos Inquisidores”), entre outras distinções.

Na Feira do Livro de Lisboa, que abre na sexta-feira, Lobo Antunes vai estar presente em três momentos, no dia 27 de maio, e nos dias 03 e 10 de junho.

22 Mai 2018

Livros | Lobo Antunes e Carmen Miranda para os mais novos

[dropcap]E[/dropcap]ntre as novidades literárias deste ano da Imprensa Nacional Casa da Moeda para 2018 estão as biografias ilustradas do escritor António Lobo Antunes e da artista Carmen Miranda, assim como um livro informativo sobre a águia-imperial-ibérica.

De acordo com o plano editorial divulgado, na colecção “Grandes Vidas Portuguesas” sairá uma biografia sobre António Lobo Antunes, escrita por Jorge Reis-Sá e ilustrada por Nicolau. Quanto à biografia de Carmen Miranda, é assinada por Tito Couto e ilustrada por Sofia Neto. As biografias do General Humberto Delgado é da autoria de José Jorge Letria, com ilustração a cargo de Richard Câmara.

Está também planeada, apesar de ainda não ter data de publicação, uma biografia em moldes semelhantes sobre Mário Soares.

À agência Lusa, o director de arte e coeditor das obras, André Letria, explicou que está prevista ainda a edição de livros informativos sobre a águia-imperial-ibérica, com texto de Carla Maia de Almeida e ilustração de Susa Monteiro, e sobre exemplos de etnografia portuguesa, dos caretos ao bordado de Castelo Branco, da autoria da antropóloga Vera Alves e da ilustradora Carolina Celas.

Desde 2014, a Imprensa Nacional tem investido na edição de livros para a infância e juventude, com grande destaque para a vertente visual.

“É uma forma de trabalhar com autores diferentes e prestar um serviço público com estes temas e estes ilustradores”, explicou André Letria, ilustrador, autor e editor.

O plano editorial para 2018 incluirá ainda um livro sobre a Biblioteca Nacional, escrito por Luísa Ducla Soares, ainda sem ilustrador definido, e outro de Pedro Vieira e André Letria, com histórias sobre o Diário da República, cuja origem, com outra designação, remonta ao século XIX.

A colecção infanto-juvenil da Imprensa Nacional reúne quase duas dezenas de títulos, a maioria já recomendada pelo Plano Nacional de Leitura.

7 Mar 2018

Ivo M. Ferreira, realizador de cinema | O bom filho à casa torna

Ainda a sentir réplicas de “Cartas da Guerra”, filme pré-seleccionado para os Óscares, e com destaque em tudo que é festival de cinema internacional, Ivo Ferreira volta a Macau para fazer um filme. O cineasta abriu as portas do seu escritório e recebeu o HM

[dropcap]O[/dropcap] que pode dizer-nos acerca deste novo projecto?
Comecei a escrevê-lo, precisamente, durante a paragem do “Cartas da Guerra”. É um filme que revisita uma Macau dos últimos cinquenta anos, ou dos próximos dez. É meio intemporal e assenta na ideia da erosão, da destruição física da cidade, como um catalisador que cria unidade e entidade. A ideia é um bocado romântica, louca, drástica e divertida, espero.

E a narrativa?
A narrativa gravita à volta de um hotel, que não é bem um hotel, é um prédio muito degradado onde os hóspedes acabam por ficar a viver, fazendo as suas casas dentro dos quartos. O dono é um português, que vive com a filha no topo do edifício, sem se preocupar com qualquer tipo de manutenção. Nisto, há um personagem que chega à cidade e que pretende deitar o edifício abaixo para construir um hotel novo. No fundo, é uma estória de resistência.

De onde lhe surgiu a ideia para o filme?
Vim para Macau em 1994, estive cá quase quatro anos e depois fui voltando. Filmei cá a minha primeira longa-metragem, “O Estrangeiro”. Apeteceu-me revisitar a cidade. Crio relações especiais com os lugares, algo que não tenho em mais nenhum lado do mundo, a não ser Lisboa. Quando regressei para rodar “O Estrangeiro” tentei revisitar esses primeiros dias de Macau, o hotel de prostitutas onde vivi, por exemplo. Os sítios que queria filmar tinham desaparecido e, pronto, fui filmar o vazio. Foi a minha tentativa inicial de somatizar a primeira experiência de Macau. Havia outro filme para fazer, eu sabia, e haverá outros. Pode ser que me saia o Euromilhões… Olha, gastava tudo mal gasto. Neste momento, vivo um estado compulsivo, estou a fazer este projecto, mas já estou a preparar um trabalho sobre os FP 25. Será um grande filme, muito caro e bastante explosivo.

Como está a ser voltar a trabalhar num filme em Macau?
Eu gosto muito disto, tenho uma relação muito especial com a cidade. Gosto imenso de Portugal, mas dá-me uma seca imensa passado um tempo, aborrece-me. As pessoas queixam-se muito, e pior, a maioria das vezes têm razão.

Este sempre foi o meu plano, filmar dos dois lados. Mesmo sabendo que em Macau é muito, muito difícil. Mesmo apesar do passo enorme que o Instituto Cultural deu, espero que tenham consciência que o próximo passo tem de ser maior ainda, mas este primeiro já é de louvar. Sinceramente, é um desafio porque é muito difícil filmar cá. Posso dar-te um exemplo: uma coisa que há em Macau em abundância são quartos de hotel, mas estou há oito meses a pedir licença para filmar uma cena num quarto de hotel. Uma coisa completamente normal, ainda para mais com uma estrela de Taiwan, Rhydian Vaughan. Qualquer hotel no mundo até lhe pagaria o quarto. Aqui não, nada. Tudo é assustador, há uma espécie de medo que não sei explicar. A Sophia Coppola no Lost In Translation transformou o bar do hotel num destino turístico, as pessoas querem ficar lá por causa do filme. Estou há um ano para ter resposta do turismo, outro exemplo. As coisas avançam a um ritmo muito lento. É, absolutamente, desesperante, falta um bocadinho de frescura e dinâmica.

O “Cartas da Guerra” tem corrido os festivais internacionais e foi pré-seleccionado para os Óscares…
Devia estar em Washington agora, o filme está a passar lá. Para teres hipóteses nos Óscares precisas gastar pelo menos 300 mil euros. Primeiro, tens de anunciar nas revistas, depois vêm as sessões privadas. Mas ser pré-candidato é muito bom, é super sexy e cria buzz em torno do filme. É muito bom sair de um filme e entrar noutro, mas por outro lado é horrível. Este mês perdi alguns 15 festivais fantásticos. No entanto, a exposição dá muito jeito, por exemplo, para falar aqui com um co-produtor de Hong Kong. É óptimo, agradeço imenso a toda a gente que votou em mim e, se chegar lá é muito bom, principalmente na repercussão que trará às vendas.

Tirando os benefícios práticos, como tem sido lidar com o protagonismo?
O que me assusta mais é a conta bancária. Continuo teso, a ver vamos se isto alguma vez endireita. Agora, a sério. Fico muito contente, mas a verdade é que este filme, de certeza absoluta, não o teria montado financeiramente com esta velocidade se não fosse tudo isso. Pronto, se calhar lá terei de ir passear na red carpet, o que, sinceramente, não tem assim tanta graça, mas a Margarida adora vestidos e ainda arranjamos uns descontos. Mas dá muito trabalho, não tenho vida para isso.

Voltando ao “Cartas da Guerra”. Quais foram as maiores dificuldades?
A montagem foi um paraíso, agora, até lá foi tudo horrível. Primeiro concorremos e ganhámos o financiamento do ICA [Instituto do Cinema e do Audiovisual], o que é importante para depois pedir mais dinheiro lá fora. Estava tudo a correr bastante bem, mas depois Portugal foi à falência e não chegámos a receber o dinheiro. Depois, outros eventuais parceiros que existiam também saltaram fora. Começámos aí uma travessia do deserto. Assumimos que não iríamos ganhar dinheiro com o filme, porque se ia gastar tudo na rodagem. Era algo que estava assumido, e a única forma de poder filmar em Angola. Não iria esperar mais não sei quantos anos para tentar financiamento. Já tinham passados tantos, que era agora ou nunca, e se continuasse a arrastar, às tantas também já não queria fazer o filme. De repente, em três horas, o filme estava financiado. Houve uma viragem total. Não foi nenhuma sorte, foi o filme em si que fez isso. O filme que nos deu pesadelos, também nos deu a bonança e a felicidade. Finalmente, avançámos.

Foi uma rodagem problemática.
As rodagens em Angola foram horríveis, apesar do apoio local do exército angolano. Foi muito duro, também por questões inerentes à natureza do projecto. Quis filmar numa zona que se parecesse com o local onde se desenrolou a acção. O próprio sítio foi um dos maiores inimigos. Houve muitas doenças, paludismo, febre tifóide, foi muito chato. Era tudo tão duro e absurdo. Tivemos acidentes muito graves na equipa. Nessa altura, realmente, pensei: “Epá, nunca mais quero fazer filmes”. Depois chegava ao quarto e pensava “faz-se mais um dia”, e assim se foi andando. Agora, como já passou algum tempo, a memória selectiva leva-me para as coisas positivas, ficamos com uma imagem mais romântica à distância.

Então e a montagem?
A montagem foi super simpática. Temos uma casa no campo e montámos lá um estúdio. Essa parte foi fixe, podia estar com os putos.

Como foi trabalhar com a Margarida Vila-Nova?
Ninguém acreditava que eu ia pôr a voz da Margarida, nem que a ia filmar. Não sabia como é que havia de filmar, tinha vários décors em mente, como a Praia das Maçãs, que é muito referida no livro. Mas o décor foi na casa do pai do António Lobo Antunes, onde a Maria José e o António viveram, num segundo andar. Havia caixotes no chão, e eu fui lá ver o apartamento só por curiosidade. Decidi filmar tudo dentro da casa, porque não queria mais ninguém no plano, assim tudo aquilo poderia ser uma memória dela. Foi no último dia, estávamos todos estoirados, mas eu queria filmar planos que retratassem o encontro, desencontro, a perda, uma espécie de intangibilidade.

Um ambiente que criasse intimidade.
Avisei-a uns dias antes quanto à cena de amor. “Olha, se calhar vais ter de te masturbar na cena. “Ah, não, nem penses”. Não disse mais nada. Era uma cena de intimidade, e faltava-me os dois juntos, apesar de não se tocarem. Uma história de amor do caraças sem uma cena de cama, oh Ivo, que conceptual do caraças. Já tinha filmado a cena do Miguel, evidentemente, a pensar nisso.

ivo_ferreiraÉ um filme que suscita emoções.
Tenho ouvido muito falar nisso. Foi muito importante para mim o contacto que tive com aqueles homens que me acolheram e que me puseram dentro da companhia. A ante-estreia em Lisboa foi no âmbito do IndieLisboa, no 25 de Abril, o filme estava por todo um mundo, era absurdo não passar por Portugal. Sabia que estavam lá os camaradas, até tinham farnel. Não os vi, procurei-os porque queria dedicar-lhes a sessão. Eles estavam lá ao fundo, na última fila da Culturgest, para não serem vistos. Assim podiam sair caso não gostassem do que estavam a ver. Nunca lhes mostrei nada. Claro, mostrei à Zé e à Joana. Depois, chegámos ao fim do filme e lá estavam com lágrimas nos olhos. Um dos antigos combatentes dizia para outro: “Conheço-te há 50 anos, estivemos num funeral de um grande amigo e nunca te vi chorar, o que é esta merda? E o outro diz “olha lá para ti”. Mesmo as mulheres deles ficaram muito emocionadas, porque os maridos nunca lhes haviam falado da guerra. Uma das esposas disse-me: “Ao longo de todos estes anos o meu marido nunca falou disto comigo, eu sabia que depois do filme ele ia ter pesadelos, e teve. Teve pesadelos, acordou e começou-me a falar de coisas de quais nunca me tinha falado em 40 anos”. As coisas também têm uma altura para acontecerem e os portugueses têm tendência para lidarem muito mal com as suas coisas, adiar eternamente. Procurei aquilo que me pareceu ser a essência daquela vivência, sobretudo o isolamento, a vida interrompida. Não sei bem porquê, chora-se muito à volta deste filme. É muito forte, mesmo para mim, não é só o filme, a forma, o que aconteceu, os camaradas que me ajudaram em todo o processo. Acho que agora já passou, mas eu e o Ribeiro tivemos alturas em que olhávamos um para o outro e ficávamos com lágrimas nos olhos sem razão alguma.

E como foi a relação com o António Lobo Antunes?
Toda a gente que achava que poderia correr mal, não houve um único problema entre nós ao longo destes anos todos. No momento que propus a ideia disseram-me que era louco, aquilo nem era para sair em livro, mas foi uma vontade expressa da Maria José antes de morrer. O António disse-me uma vez que nunca o tinha lido, apesar da personagem não estar só neste livro, está também nos “Cus de Judas”, e no “Memória de Elefante”. Sabia que historicamente teria de ser certeiro. Nunca tinha visto uma pistola na vida, nem fui à tropa. De repente, tenho uma estória intimíssima que duas amigas me estão a deixar adaptar, com detalhes da intimidade da sua mãe, e de não sei quantas pessoas. Também explora o lado biográfico de um grande escritor vivo, e uma personagem bastante particular. Desde o início, nós tivemos a relação que o António quis ter. Agora, olhando para trás, recordo as grandes conversas que tive com ele e, também, os grandes silêncios enquanto ele fumava sem parar. Em retrospectiva, tudo o que aconteceu foi o que eu queria que tivesse acontecido. O António tem problemas em ver o filme, porque não está ainda preparado, segundo ele. É algo muito pessoal, porque ela foi o grande amor da sua vida, são episódios muito importantes. Sei que já fez algumas tentativas, e haverá um tempo. Gostava que ele visse o filme, se ele o quiser ver, mas se lhe fizer aflição, não faz mal.

9 Dez 2016