Hoje Macau China / ÁsiaTimor-Leste/20 anos: Ana Gomes em Díli defende que país tem importância estratégica para Portugal A diplomata Ana Gomes chegou hoje a Díli para as celebrações dos 20 anos da restauração da independência de Timor-Leste, país que defende ter uma importância estratégica para Portugal maior do que muitos portugueses percepcionam. “Vou ficar até domingo, vim convidada pelo Presidente, Ramos-Horta, e é sempre para mim uma emoção vir a Timor e claro que no 20.º aniversário da independência ainda mais”, declarou Ana Gomes à agência Lusa, num hotel em Díli. Questionada pela Lusa, a antiga embaixadora em Jacarta contou que já iniciou a escrita do seu livro sobre o processo de independência de Timor-Leste: “Estava a escrevê-lo quando começou a guerra na Ucrânia, e perturbou-me tanto que o adiei por uns meses. Mas ainda retomarei este ano a escrita, porque acho que tenho obrigação de escrever esse livro”. Ana Gomes era para ter chegado há dois dias, mas houve uma ligação aérea que falhou: “Só cheguei esta manhã, mas cá estou para o dia da independência”. Hoje, em Díli, assistiu à cerimónia do içar da bandeira nacional em comemoração da independência, no Palácio da Presidência, onde também esteve o chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, que representa o Estado português e a União Europeia nestas cerimónias oficiais, na sua primeira visita oficial a Timor-Leste. “Não troquei impressões, mas já cumprimentei o senhor Presidente. A sensação que eu tenho é muito importante, claro, que o nosso Presidente aqui esteja, porque este é um tempo também especial para todos os portugueses que vibraram com Timor”, disse. Ana Gomes acrescentou que “Timor é muito mais muito importante do que a maior das pessoas hoje em Portugal percepciona”, assinalando que “vai em breve ser membro da ASEAN [Associação de Nações do Sudeste Asiático]” e que “é a parte do território asiático que fala português”. “Ao contrário de Macau, aqui fala-se português. Mais e melhor se podia falar se também houvesse mais investimento da nossa parte – e não estou a falar do trabalho extraordinário feito pelos professores de português, mas ao nível, por exemplo, dos órgãos de comunicação social”, considerou. Segundo a ex-eurodeputada, “a televisão e outros media eletrónicos podiam ser aqui muito úteis no aprofundamento da qualidade do português que se fala aqui”. “Eu sou das pessoas que acham que a decisão de escolher o português é estratégica para Timor, para o reforço da identidade timorense. Mas também devia ser entendida como estratégica por Portugal, porque esta é obviamente a nossa grande porta de interesses na Ásia para o tipo de relações que eu penso que são profícuas para Portugal”, sustentou. Na Ásia, Portugal deve procurar relações que não sejam “de dependência de uma grande potência como é o caso da China”, mas antes “de valorização da capacidade do nosso relacionamento económico, comercial, mas também político com todos os povos da região”, advogou. Ana Gomes, militante socialista, foi candidata às presidenciais de 2021 sem apoio do PS, nas quais Marcelo Rebelo de Sousa foi reeleito Presidente da República. Como diplomata, serviu nas missões junto da Organização das Nações Unidas (ONU) em Genebra e Nova Iorque e nas embaixadas em Tóquio e Londres. Entre 1999 e 2003 foi chefe de missão e embaixadora em Jacarta, tendo acompanhado o processo de independência de Timor-Leste, conseguida após uma luta de libertação contra a ocupação indonésia, e de restabelecimento das relações diplomáticas luso-indonésias.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadePresidenciais | Dificuldades de voto dos emigrantes assinaladas em debate No debate televisivo de terça-feira, os candidatos às eleições presidenciais de Portugal, Ana Gomes, Tiago Mayan Gonçalves e Vitorino Silva destacaram as dificuldades que os emigrantes enfrentam para votar e lamentam que o Governo português não tenha ainda instituído o voto por correspondência Os emigrantes que querem votar nas eleições para a Presidência da República de Portugal podem vir a enfrentar dificuldades acrescidas devido à pandemia da covid-19. Este cenário foi lembrado no debate televisivo que juntou todos os candidatos às presidenciais e que foi transmitido na terça-feira na RTP. Ana Gomes destacou o facto de nada ter sido feito para instituir o voto por correspondência. “Já estão de tal maneira a ser afectadas [as eleições] que, neste momento, muitos emigrantes portugueses não podem votar porque a Assembleia da República [AR] não legislou, a tempo e horas, para garantir o que era possível e desejável, que era o voto por correspondência.” Tiago Mayan Gonçalves, candidato apoiado pela Iniciativa Liberal, também lamentou que nada tenha sido feito até agora. “Poder-se-ia ter ponderado um conjunto de outras circunstâncias, de revisão constitucional para que o voto no continente não tenha de ser presencial e possa ser por correspondência. Não obrigar quem está lá fora, as nossas comunidades, a ter de se deslocar centenas de quilómetros para um consulado. Pensar em quem está inscrito nesses consulados, mas está aqui [em Portugal] há meses porque veio fazer teletrabalho no seu país ou veio dar apoio à família e neste momento não vai poder votar.” Vitorino Silva, mais conhecido como Tino de Rans, também lembrou as dificuldades de voto relacionadas com o mau funcionamento dos consulados. “Lembro-me, há cinco anos, no voto dos emigrantes, que havia gente que queria votar, ligava para os consulados e não havia telefonistas. Fico triste quando há muita gente que, ainda hoje, está a tentar três e quatro vezes ligar para votar, cinco anos depois ainda não há ninguém para atender o telefone.” Governo reagiu Paulo Cunha Alves, cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, confirmou à Lusa que os portugueses que residem na região vizinha não vão conseguir votar por não conseguirem deslocar-se a Macau. Esta semana, a deputada Joacine Katar Moreira divulgou uma resposta do Executivo português sobre esta matéria. No documento lê-se que “o Governo criou um grupo de trabalho conjunto com o Ministério da Administração Interna e o Ministério dos Negócios Estrangeiros com a incumbência de estudar, avaliar e propor medidas de aperfeiçoamento do processo de votação dos portugueses residentes no estrangeiro”. “O resultado desse trabalho conjunto culminou no alargamento do voto em mobilidade, na uniformização das normas sobre a realização de actos eleitorais e referendáveis, alterando as leis eleitorais para o Presidente da República, a AR e dos órgãos das autarquias locais […] tendo impacto na votação e recenseamento dos eleitores nacionais residentes no estrangeiro. Ao contrário do que é referido, o Governo tem garantido e promovido o direito constitucional de sufrágio dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro”, lê-se na resposta.
Andreia Sofia Silva China / ÁsiaAna Gomes, ex-eurodeputada: “Carrie Lam não é mestre de si própria” [dropcap]E[/dropcap]m declarações ao HM, a ex-eurodeputada Ana Gomes comentou a resolução ontem aprovada pelo PE, tendo ela própria apelado aos antigos colegas uma votação favorável do documento. “Abordei alguns colegas do PE para os encorajar a levar por diante o debate e a adoptarem uma tomada de posição em solidariedade para com os manifestantes e contra a lei da extradição.” A ex-eurodeputada defende a retirada imediata da proposta de lei do Conselho Legislativo, pois “está em violação da Lei Básica e (a retirada) estaria em linha com os sentimentos da população de Hong Kong.” Ana Gomes defende que “a senhora Carrie Lam não é a mestre de si própria, é telecomandada por Pequim”, uma vez que “a sua actuação demonstra que ela não tem controlo sobre si própria”. Os protestos em Hong Kong foram um dos assuntos abordados na última reunião anual do World Movement Democracy, de cuja direcção Ana Gomes faz parte, e que decorreu em Kuala Lumpur, Malásia, a 7 e 8 de Julho. “As manifestações de protesto em Hong Kong, com a amplitude e a ressonância que têm tido, em particular na população jovem, são muito significativas de que este é um combate que vale a pena e que tem de ser feito”, disse. Na reunião interna dos dirigentes do World Movement for Democracy, Ana Gomes chegou mesmo a questionar o presidente da Federação dos Sindicatos de Hong Kong sobre eventuais impactos destes protestos para Macau. “Questionei que articulação é que havia com Macau e com outras partes da China e foi interessante ouvi-lo sobre essa matéria. É evidente que seria desejável muito mais articulação entre o que se passa em Hong Kong e Macau, tanto mais que os sistemas jurídicos vigentes têm semelhanças, designadamente pela marca deixada pelas administrações portuguesa e britânica, de respeito pelos direitos humanos e em particular pela inadmissibilidade da pena de morte”, rematou. Durante dois dias, o encontro anual do World Movement for Democracy serviu também para “discutir a estratégia de promoção da democracia e da defesa dos direitos humanos em todo o mundo”. “Como estávamos na Malásia houve uma particular atenção ao país e à questão do combate à corrupção e da defesa dos direitos humanos, bem como a situações em Hong Kong”, entre outras zonas do mundo, explicou a ex-eurodeputada portuguesa. O panorama da repressão política do Governo Central na província de Xinjiang também não foi esquecido.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaVistos gold | Vítor Sereno recusa ilegalidades no processo [dropcap]O[/dropcap] ex-cônsul de Portugal em Macau e Hong Kong, Vítor Sereno, disse à TDM Rádio Macau que não existem quaisquer ilegalidades no processo dos vistos gold, em reacção às declarações da ex-euro-deputada Ana Gomes ao HM, tendo dito que “nunca foi confrontado ou teve conhecimento de qualquer situação ilegal ou menos clara”. Sereno, actualmente a desempenhar funções diplomáticas no Senegal, adiantou também que “nunca pactuaria com qualquer situação ilegal ou menos clara”, recordando que seguiu “durante cinco anos e meio uma política de rigoroso cumprimento das instruções que recebia no sentido de promover activamente a diplomacia económica, na qual se inserem os ‘vistos gold´”. Vítor Sereno disse também que os “‘vistos gold’ são parte integrante da política económica do Governo de Portugal e estão previstos e regulamentados por leis aprovadas pela Assembleia da República e por diversos Governos Constitucionais”. Na entrevista publicada na edição de hoje, Ana Gomes, que não se recandidatou ao Parlamento Europeu nas últimas eleições, defendeu que a política dos vistos gold favorece a corrupção e é “criminosa do ponto de vista da lei chinesa”, pois obriga a montantes mínimos de investimento em Portugal acima do que está previsto pelas autoridades chinesas em termos de exportação de capitais. No Parlamento Europeu, Ana Gomes foi vice-presidente da Comissão Especial sobre os Crimes Financeiros e a Elisão e a Evasão Fiscais, que elaborou relatórios sobre os vistos gold.
Andreia Sofia Silva EntrevistaAna Gomes, ex-deputada do Parlamento Europeu, sobre vistos gold: “É uma prostituição da cidadania europeia” Ana Gomes não se recandidatou às eleições europeias e vai reformar-se, mas não pretende abandonar o papel de investigadora na área do crime económico. A ex-eurodeputada defende que o programa dos vistos gold “é criminoso do ponto de vista da lei chinesa”, favorece a corrupção e a entrada de tríades na Europa. Ana Gomes fala de Vítor Sereno, ex-cônsul, como um dos grandes angariadores de vistos gold em Macau [dropcap]M[/dropcap]arcelo Rebelo de Sousa esteve na China há pouco tempo. Foi algo crítica no seu Twitter face à postura do Presidente da República. Que balanço faz da visita? Não conheço os balanços que se estão a fazer internamente, a nível diplomático e económico. Não tenho dúvida de que, ao nível dos media, as autoridades portuguesas procuraram mostrar que tudo é maravilhoso. Não gostei de ver o nosso Presidente da República ir na molhada dos 120 dignitários de países que participam na iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”. Acho que as relações Portugal-China são suficientemente importantes e distintas de outro tipo de relação, e mesmo que os chineses decidissem enquadrá-la na iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, Portugal não teria de ir na molhada. Fala do Fórum que se realizou em Pequim sobre essa política. Sim. Acho que há aqui uma questão de estatuto estratégico para Portugal, e não para a China, que nos deveria ter feito dizer que estaríamos disponíveis para ir este ano à China, mas não permitir um enquadramento de forma indistinta. Por muito que, quer o Presidente da República, quer o Governo, projectem uma imagem de grande triunfo, eu estou para ver qual foi o triunfo. Vi o Presidente da República falar das 48 universidades onde se aprende português. Já aprendiam, não? Não foi por causa desta visita. É algo que tem vindo a acontecer aos longo dos anos. E tem a ver obviamente com os desígnios estratégicos chineses, em relação aos quais não me cabe criticar. Acho muito bem, pois a China tem capacidade e interesse, vê as coisas de maneira global e a longo prazo. Tem os seus recursos para os monopolizar para aquilo que entende ser do seu interesse e naturalmente que isso passa pelo conhecimento das línguas, onde o português é relevante. Portugal não pode embarcar neste tipo de iniciativas, que são estratégicas para a China, só com uma perspectiva de interesse económico. A relação com a China é demasiado importante para ser entendida apenas de uma perspectiva económica e mercantilista, justificada a pretexto de um combate ao proteccionismo. A relação com a China tem de ser vista a várias dimensões. FOTO: Lusa Quais são elas? Falo da dimensão da segurança humana em Portugal no que respeita aos direitos fundamentais dos cidadãos portugueses. Chegou-se ao ponto de se criar um sistema de crédito social, que serve para controlo das liberdades cívicas. Acho isto altamente preocupante, e não me venham dizer que ao falar de direitos humanos a Xi Jinping se cumpriu a nossa obrigação em matéria de direitos humanos. Não só vejo essas obrigações em relação aos cidadãos chineses que não dispõem de direitos básicos e fundamentais, a que a China está veiculada por fazer parte da ONU, mas também do ponto de vista dos cidadãos portugueses. Como é que a segurança dos portugueses pode estar em risco? Quando se contempla importar as redes 5G da Huawei, sabendo que na China não existe um regulamento geral de protecção de dados pessoais. Acho que é altamente hipócrita e perigoso passar-se por cima destes aspectos, já para não falar dos sectores da vida política e económica portuguesa que já estarão nas mãos dos chineses, não só pela via das compras que cá vieram fazer na altura da Troika, com grandes cumplicidades e grandes responsabilidades europeias, mas também nacionais, como pelo controlo que exercem através de tecnologias que tem os seus dados armazenados na China. Visitei a Huawei em 2015, perto de Pequim, e sei bem que qualquer dado que a Huawei obtenha em qualquer parte do mundo é, por imposição chinesa, armazenado na China. Os políticos portugueses deixaram-se seduzir muito facilmente num período de crise económica, e agora é tarde? Não sou ingénua e sei bem que o longo relacionamento com a China através de Macau sempre teve aspectos positivos a nível cultural, político e social, mas também tem aspectos bastante perniciosos, designadamente ao nível de uma lógica economicista que facilitou a corrupção, ao nível dos próprios partidos políticos. Se isso aconteceu no passado ainda mais acontece no presente, ainda por cima depois de Portugal passar este período de aflição tremenda com uma austeridade imposta, onde se privatizaram infra-estruturas críticas e centros estratégicos para Portugal e para a União Europeia (UE). Na altura incomodaram-me muito a atitude das autoridades nacionais e a negligência das autoridades europeias, designadamente as que integravam a Troika. Não viram as questões de segurança, de deixar uma empresa como a REN ser controlada pela State Grid. Na altura coloquei questões à Comissão Europeia, que me respondeu com respostas inenarráveis, de que era o mercado a funcionar. Hoje a sensibilidade na Comissão é outra, mas entretanto já muitas concessões foram feitas em Portugal na área da energia e dos portos, como é o caso do Porto de Sines, e também noutros países europeus. Não é por acaso que a Grécia e países do leste, como a Bulgária e Roménia, estão a ser alvo de um interesse alvo por parte da China. O discurso político vigente não parece estar atento a esses perigos. Até os negligencia totalmente. Reduziram a uma questão ao combate a um proteccionismo induzido pelo lado americano, quando obviamente isso é distorcer o que está em causa. É negligenciar a própria segurança nacional e europeia. Eu vejo grandes vantagens na forma como a China tirou da pobreza milhares de milhões de pessoas, mas no seu relacionamento com países africanos, há aspectos positivos e negativos. Portugal, sabendo o que sabe, e sendo membro da UE, não se pode dar ao luxo de ser ingénuo. Houve uma nova resolução aprovada em Março no seio da UE relativa a crimes financeiros e casos de evasão fiscal. Vem resolver os problemas que se vinham verificando até então? É a quarta directiva sobre branqueamento de capitais, na qual participei, mas já vem a caminho a quinta directiva. Conseguimos que os Estados-membros fiquem obrigados a criar registos centrais dos beneficiários únicos de todas as companhias, e portanto todas tem de registar e identificar quem é detentor de, pelo menos, 25 por cento das suas acções. Esta é a forma mais importante de combatermos a evasão fiscal e o branqueamento de capitais. Isto é importante para Portugal e também para a China, pois vamos cobrir grande parte dos esquemas de branqueamento de capital que se fazem através dos vistos gold, tendo em conta que os cidadãos chineses representam cerca de 80 por cento do número de pedidos. O próprio visto gold implica a compra de imobiliário com o valor mínimo de 350 mil euros, valor que é bastante mais elevado do que o montante que a China permite aos seus cidadãos exportarem anualmente. O esquema em si é criminoso do ponto de vista da própria lei chinesa. Certamente que o esquema se presta muito aos criminosos chineses e às tríades para se infiltrarem na UE, porque além dos adquirentes há os familiares. Este é um assunto que tem estado na mira das autoridades chinesas e eu própria contactei com elementos da polícia chinesa que me contactaram quando participei, há uns anos, num seminário sobre os vistos gold. Sei que estiveram algumas vezes em Portugal e que até houve um cidadão chinês que foi extraditado e que era portador de um visto gold. É um assunto de interesse mútuo, as autoridades portuguesas estão confrontadas com o recente relatório da UE sobre os riscos destes sistemas para a segurança do espaço Schengen, mas o actual Governo tem feito vista grossa e tem actuado de uma forma que considero altamente criticável. Houve apenas um projecto proposto por um partido político português para por fim aos vistos gold, e que foi rejeitado pelos deputados. Apoiei esse projecto e em breve farei uma reunião aqui com o representante da Comissão Europeia. Há cerca de 20 países europeus com esquemas de vistos gold. Que autoridades de vários países continuem a fazer vista grossa a este assunto não me vai impedir a mim e a mais gente de ajudar quem quer expor os casos. No caso de Portugal, o esquema é opaco, porque mesmo Chipre e Malta publicam as listas dos cidadãos que adquirem os vistos gold, mesmo na forma de passaportes. Tenho endereçado cartas a todos os governantes a pedir para consultar os nomes das pessoas e isso não me é facultado. A explicação que me dão é a protecção de dados, num país onde se publicam nomes e moradas por tudo e por nada. A única explicação que encontro é a consciência de que, se eu pudesse consultar essa lista, encontraria uma série de indivíduos que não seriam recomendáveis em nenhum país do mundo, a não ser atrás das barras de uma prisão. Um ex-ministro foi inclusivamente arguido num processo relacionado com os vistos gold. Esse processo, só por si, tirou credibilidade a uma política já frágil? Paulo Portas foi o pai dos vistos gold mas não inventou a roda, porque foi copiar outros esquemas de vistos gold que já existiam e havia obviamente intuitos de favorecer a corrupção. Não sou contra o facto de Portugal facilitar a vinda de cidadãos que tenham cá investimentos, mas não deve ser vendida a residência. Isso favorece a constituição de cartéis, de angariadores de vistos gold, que não só facilitam todo o tipo de criminalidade como eles próprios se sustentam com o financiamento. Da forma como este esquema foi operacionalizado há ligações de ex-ministros e de ex-chefes de gabinetes de ministros, não é só Miguel Macedo. Foi feita a colocação de antigos chefes de gabinete em posições chave do aparelho diplomático, na China, por exemplo, para a angariação de vistos gold, o que favorece a corrupção. Pode dar nomes? O antigo ministro Mário Lino é um dos que me dizem que tem uma empresa envolvida na operacionalização dos vistos gold. Além disso, vi várias vezes Vítor Sereno, na qualidade de cônsul em Macau e Hong Kong, a fazer auto-promoção do seu papel no esquema dos vistos gold. Na China, Marcelo pediu mais investimento na economia real, e esse relatório da UE também fala do facto dos vistos gold não ajudarem a desenvolver a economia real. Contam-se pelos dedos das mãos os vistos gold que foram concedidos em troca de investimento na economia e criação de emprego. A maior parte depende do imobiliário. Isso só por si demonstra que o esquema é perverso e não cumpriu os objectivos. Depois dizem que o Estado ganha imenso dinheiro com os emolumentos. É um esquema de prostituição da cidadania europeia. Não há controlo da origem das fortunas. E não sabemos hoje da missa a metade dos esquemas de corrupção e não sei se algum dia iremos a saber. O ganho económico não pode ser justificação. Macau vai acabar com as sociedades offshore até 2021. Chegou a estar numa lista de paraísos fiscais da UE, depois saiu da lista. O facto de haver uma lei que põe fim às offshore faz com que haja mais transparência? Não sei o que Macau está a prever nessa matéria. Sei que na UE há cada vez maior interesse em expor e conhecer estes esquemas. Já percebemos que não é pela lista de jurisdições que não cumprem as regras (que se resolve o problema), embora isso possa ser importante, mas é sim pela imposição de mecanismos de transparência. Nesse sentido a quarta directiva vai ter impacto além da UE e nas jurisdições que tem íntima ligação com países da UE, como é o caso de Macau. Na quinta directiva aperta-se o controlo. Falou da questão dos partidos e da corrupção com ligações a Macau. Isso continua a acontecer mesmo depois da transição? Pode acontecer por vias mais sofisticadas e através de escritórios de advogados. Estes são frequentemente intermediários desses esquemas e a criminalidade associada à fuga ao fisco e branqueamento está muito sofisticada, e isso faz-se através dos partidos políticos. Estamos atentos e penso que haverá mais investigação sobre isso. A Comissão Europeia passou recentemente uma directiva sobre as entidades obrigadas no quadro do branqueamento e incluem-se também agências imobiliárias ou escritórios de advogados, entre outros. Pessoalmente vou continuar a trabalhar nisso aqui. Este ano comemoram-se os 20 anos da transferência de soberania de Macau para a China. A Lei Básica tem sido cumprida? Acho que a Lei Básica tem muitos aspectos importantes e estruturantes para Macau, mas penso que ela poderia ter ido mais longe na altura. Em que sentido? Na área da defesa dos direitos dos cidadãos, acho que teria havido soluções mais próximas do modelo de Hong Kong que poderiam ser importantes. Mas em última análise a verdade é que tudo depende da China e da sua evolução. Apesar de Hong Kong ter uma Lei Básica mais rigorosa em termos de defesa dos direitos humanos, na prática a China não a tem respeitado e tem intimidado líderes de partidos políticos. Se faz isso em Hong Kong mais facilmente pode fazer em Macau, pela dimensão e pela facilitação da Lei Básica que deixámos. Não tenhamos ilusões, nunca seria Portugal ou a Grã-Bretanha a fazer valer os direitos, isso depende da capacidade dos cidadãos de Macau e Hong Kong. Há a harmonia e liberdade que é permitida por Pequim. Os chineses não respeitam quem não se faz respeitar. A Grã-Bretanha cometeu alguns erros, mas sabe fazer-se ouvir e respeitar. E Portugal não sabe. É por isso que acho que faço uma apreciação negativa da visita do Presidente da República. Sobre a Lei Básica, o ex-jurista da Assembleia Legislativa Paulo Cardinal defendeu que Portugal deveria fazer relatórios sobre a sua aplicação em Macau, mas o ministro Augusto Santos Silva afastou essa hipótese. Não estou surpreendida que a postura de Portugal seja de abdicação. Esse jurista tem certamente razão, mas isso seria se estivesse a lidar com autoridades que levassem a sério as suas responsabilidades históricas face aos cidadãos de Macau, o que não é o caso.
Andreia Sofia Silva InternacionalTiroteio em Estrasburgo | Assessor de Ana Gomes recorda tensão no Parlamento Europeu A França está em estado de alerta. O tiroteio ocorrido na noite de terça-feira, em Estrasburgo, provocou a morte de duas pessoas e as autoridades fizeram quatro detenções “próximas do suspeito”. Vasco Batista, assessor no Parlamento Europeu, recorda momentos de tensão dentro do edifício, de onde ninguém podia sair [dropcap]O[/dropcap] trabalho decorria de acordo com a agenda estabelecida, até que a notícia de que estava a acontecer um tiroteio no mercado de natal de Estrasburgo, bem no centro da cidade francesa, obrigou a parar a sessão plenária do Parlamento Europeu (PE) desta terça-feira. “Estava numa reunião de trabalho, perto das 21h (hora de Estrasburgo) na qual se estava a debater precisamente o relatório com as conclusões e recomendações da Comissão Especial sobre o Terrorismo do PE. Fomos avisados de que um ataque teria decorrido no centro da cidade e que haveriam vítimas. Uma coincidência infeliz”, contou ao Vasco Batista, assessor da eurodeputada Ana Gomes. Seguiu-se uma longa espera dentro do edifício do PE, de onde as pessoas só puderam sair na madrugada de ontem. “Fomos acompanhando as notícias do exterior através da comunicação social, em particular da televisão francesa, e do Twitter, e fizemo-lo unidos na companhia de colegas, aliviados por estarmos em segurança mas apreensivos com o que se estava a passar. Todos nós conhecíamos alguém que estaria no centro da cidade onde o ataque decorrera.” O assessor recorda momentos de tensão, enquanto esperavam pela ordem de saída, mas também de apoio. “Durante este período em que as pessoas ficaram confinadas no interior do PE, foi fulcral o apoio dos serviços e funcionários. Todos eles, trabalhando horas extras, asseguraram a protecção de todos.” Para Vasco Batista, é importante que as comunidades muçulmanas a residir na Europa deixem de ser vítimas de discriminação. “Há agora que pensar nas verdadeiras vítimas e os que ficaram feridos em resultado deste acto repugnante e os seus familiares. E não estigmatizar migrantes e minorias, evitando fazer o jogo dos terroristas.” O suspeito do atentado, de nome Chérif C., está actualmente a monte e já poderá ter saído de França, apontaram ontem as autoridades. Morreram duas pessoas e ficaram feridas outras 14 num ataque levado a cabo pelo homem de 29 anos, nascido em Estrasburgo, e que já tinha cadastro. Uma das vítimas é um homem tailandês, de nome Anupong Suebsamarn, com 45 anos, que morreu vítima de um disparo na cabeça quando caminhava com a sua esposa pelo mercado de natal. O incidente obrigou à visita do embaixador tailandês à cidade francesa. Quatro detidos Ontem ficou a saber-se que as autoridades francesas já detiveram quatro pessoas consideradas próximas do suspeito. “As detenções continuam em curso”, precisou o chefe do departamento antiterrorista do Ministério Público francês. Segundo o procurador, várias testemunhas terão ouvido o suspeito gritar “Allah Akbar” (Deus é grande) antes de começar a disparar. “Tendo em conta o local, o modo de operar, o perfil e testemunhos recolhidos junto de pessoas que o ouviram gritar ‘Allah Akbar’, o departamento antiterrorista do MP de Paris tomou conta da investigação”, disse. O Ministério Público francês abriu uma investigação por homicídio e tentativa de homicídio relacionada com uma organização terrorista, assim como por associação terrorista. Entretanto, a polícia alemã intensificou o controlo nos postos fronteiriços com a França após o atentado. Uma região diferente Miguel Martins é jornalista português e reside em Paris. Ao HM, o repórter falou-nos das especificidades de uma região que nunca seguiu as mesmas regras respeitantes ao laicismo que vigora em França. “Estrasburgo tem um papel completamente distinto em relação à França, e quando o país recuperou a zona da Alsácia-Lorena, permitiu que se mantivesse um estatuto próprio”, começou por dizer. Nesse sentido, “a religião tem um papel preponderante e não obedece a todos os parâmetros da lei de laicidade que vigora no resto da França, e que data de 1905.” “Em Estrasburgo há feriados religiosos e os clérigos podem até receber ajudas públicas, uma coisa que não existe no resto da França. É uma região muito específica”, aponta Miguel Martins, que relata até casos de queixas levadas a cabo pela comunidade islâmica em relação a eventuais desigualdades na forma de expressão religiosa. “Há reclamações sempre que uma autarquia decide instalar uma árvore de natal e há críticas da parte de associações muçulmanas que gostariam que isso não acontecesse.” Num país onde as pessoas se habituaram a viver o seu dia-a-dia com segurança reforçada, o tiroteio em Estrasburgo acabou por deixar mais uma marca. “Foi um atentado que chocou, que está a provocar um estado de sítio na cidade, uma grande capital europeia, com dispositivos de segurança fora do comum, escolas encerradas. O pânico é real, de facto.” O presidente do PE, Antonio Tajani, disse ontem na abertura dos trabalhos no hemiciclo que a força da democracia ganha à violência do terrorismo. “Foi um ataque criminoso contra a paz, contra a democracia, contra o nosso modelo de vida. Mas é preciso reagir fazendo exactamente o oposto daqueles que querem ferir a democracia”, referiu. Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, também reagiu ao tiroteio. “Todos os meus pensamentos vão para as vítimas do ataque de ontem à noite em Estrasburgo, assim como para as suas famílias. Continuamos todos unidos ao lado da França em mais esta provação”, escreveu no Twitter. Jean-Claude Jucker, presidente da Comissão Europeia, condenou “com grande firmeza” o acto, lembrando que “Estrasburgo é, por excelência, uma cidade símbolo da paz e da democracia europeias, que defenderemos sempre”. O relatório da Comissão Especial sobre o Terrorismo foi aprovado ontem. Na sua página oficial de Facebook, a eurodeputada destacou os pontos principais de um documento onde participou como porta-voz e coordenadora do grupo dos Socialistas e Democratas. “Trabalhámos construtivamente neste relatório para tentar encontrar consenso e fornecer respostas reais aos cidadãos. O perigo não vai desaparecer, mas podemos melhorar as nossas políticas internas e externas para dificultar a operação de grupos terroristas e melhorar a nossa capacidade de responder a ameaças.” Ana Gomes disse também que é necessário “agir para acabar com a lavagem de dinheiro e outras práticas financeiras obscuras utilizadas por terroristas e criminosos para financiar as suas atividades.” “Temos trabalhado arduamente para tentar garantir que este relatório se concentre em medidas práticas para combater o terrorismo. Na sequência de ataques como o que ocorreu aqui em Estrasburgo ontem à noite [terça-feira], devemos tentar unir as pessoas em vez de ceder a quem quer dividir as nossas sociedades. Estigmatizar migrantes não nos tornará mais seguros”, concluiu.