Michel Reis h | Artes, Letras e IdeiasO poderosamente espiritual Adagio de Barber [dropcap]S[/dropcap]amuel Barber, que tinha frequentado o reputado Curtis Institute of Music de Filadélfia entre 1924 e 1932, sabia que o Curtis String Quartet, formado em 1932, estava a planear uma digressão europeia nos últimos meses de 1936, e projectou escrever um quarteto para o agrupamento tocar em Itália. O compositor tinha passado um ano a estudar na Academia Americana em Roma, depois de receber o cobiçado “Prix de Rome” na Primavera de 1935. Graças a uma extensão do seu Pulitzer Fellowship, pôde permanecer na Europa durante o Verão e Outono de 1936, instalando-se numa pequena casa de campo em St. Wolfgang, na Áustria, com o seu companheiro, o também compositor Gian Carlo Menotti. Foi aqui que a maior parte do quarteto foi composto, durante a sua reclusão de cinco meses na pequena localidade suíça. Barber, no entanto, não concluiria a peça a tempo da digressão do Curtis Quartet. Assim, após ter terminado o quarteto, este foi estreado, numa versão provisória, pelo Pro Arte Quartet, no dia 14 de Dezembro de 1936, na Academia Americana sediada na Villa Aurelia em Roma. A versão final só seria estreada no dia 28 de Maio de 1943, pelo Budapest Quartet, na Library of Congress em Washington, D.C. O Quarteto de Cordas em Si menor, Op. 11, o primeiro e único quarteto de cordas de Barber, não terminou da forma que o compositor pretendia, pois o segundo andamento eventualmente ofuscou toda a obra quando o transcreveu para orquestra de cordas com o título Adagio for Strings, por sugestão do famigerado maestro Arturo Toscanini, com quem tinha travado conhecimento em 1936, em Roma. Além disso, o projecto do último andamento nunca se concretizou realmente, e a peça como um todo ficou marcada como um veículo para dar vida ao Adagio. O primeiro andamento tem mérito, no entanto, na medida em que mostra Barber a experimentar um estilo um pouco afastado do seu idioma hiper-melódico habitual. O trabalho final tem dois andamentos. O primeiro, Molto allegro e appassionato, está estruturado na forma-sonata livre. Reminiscente de Beethoven e diferente, em termos de retórica, da maioria das obras de Barber, é estruturado em torno de motivos rítmicos, em lugar de se basear numa melodia central carregada de emoções. O segundo andamento, Molto adagio; molto allegro, começa com uma das melodias mais famosas da história, a lenta e sensível cantilena que se tornou, na versão para orquestra de cordas, o Adagio for Strings. A segunda metade do andamento, Molto allegro (originalmente destinado a ser o último) é uma recapitulação bastante desinteressante e superficial do material do primeiro andamento. O poderosamente espiritual Adagio for Strings é familiar à maior parte dos ouvintes, mesmo que não sejam capazes de o identificar. A obra, que incorpora sentimentos de profunda perda e dor, nasceu no caos de um continente à beira do apocalipse. O Adagio, estreado no dia 5 de Novembro de 1938 pela NBC Symphony Orchestra sob a batuta de Arturo Toscanini no Studio 8H no Rockefeller Center em Nova Iorque, perante uma audiência seleccionada, estabeleceu uma posição firme na consciência americana como a personificação musical do luto colectivo. Foi tocado nos funerais de Franklin Roosevelt, Albert Einstein e Grace Kelly. Três dias após o assassinato de John F. Kennedy, Jackie Kennedy organizou a sua execução numa sala vazia pela National Symphony Orchestra em sua homenagem; uma gravação desta actuação foi lançada nas estações de rádio e televisão, que a adoptaram como um hino não oficial de luto durante as semanas subsequentes. A obra foi também tocada por orquestras em todo o mundo na sequência das tragédias do 11 de Setembro . Oliver Stone usou-o como tema de seu filme de referência, “Platoon”. O seu poder reside na sua simplicidade e profundidade de sentimento e há poucas obras que tenham um acesso tão directo às emoções das pessoas. Sugestão de audição: Samuel Barber: Adagio for Strings Los Angeles Philharmonic Orchestra, Leonard Bernstein – Deutsche Grammophon, 1993