Andreia Sofia Silva EventosIFFAM | Dois filmes em língua portuguesa exibidos este fim-de-semana O filme português “A Herdade” e o brasileiro “The Invisible Life of Eurídice Gusmão” são as duas únicas películas na língua de Camões e podem ser vistas este fim-de-semana no âmbito do Festival Internacional de Cinema de Macau. Mike Goodrigde destaca a qualidade destes filmes e convida a comunidade portuguesa a vê-los [dropcap]O[/dropcap] Portugal profundo do Estado Novo, metaforizado numa propriedade rural no Alentejo, é o pano de fundo do filme “A Herdade”, de Tiago Guedes e produzido por Paulo Branco. Este é um dos grandes destaques em língua portuguesa da edição deste ano do Festival Internacional de Cinema de Macau (IFFAM, na sigla inglesa), que será exibido esta sexta-feira, dia 6, no Centro Cultural de Macau, às 20h00. Sobre este filme, Mike Goodrigde, director do IFFAM, falou, em entrevista ao HM, da sua enorme qualidade. “Acompanho o cinema feito em Portugal porque queremos passar aqui bons filmes para quem fala português. ‘A Herdade’ é um filme realmente bom, é um grande épico. Acho que todos os portugueses o vão achar interessante porque aborda uma janela temporal de quase 60 anos da história de Portugal, desde os anos 40, passando pela revolução de 1974, até aos dias de hoje. Adorei-o quando o vi na competição de Veneza e em Toronto. Não é um filme fácil pois é longo, mas é épico e altamente apelativo.” Mike Goodridge destacou ainda o papel do produtor Paulo Branco, por quem diz ter “uma grande admiração”. “A Herdade” é uma “grande saga com grandes actores portugueses” e, por isso, o director do festival espera que “a comunidade portuguesa apareça em peso para o ver.” O cartaz do IFFAM, no que diz respeito aos filmes em língua portuguesa, fica completo com a produção brasileira “The Invisible Life of Eurídice Gusmão”, de Karim Aïnouz, exibido no domingo, dia 8, na Cinemateca Paixão. Sobre este filme, o director do festival adiantou que se trata de “um fabuloso épico realizado pelo realizador brasileiro Karim Aïnouz”. “É realmente bom e, ou muito me engano, ou será nomeado para os Óscares”, frisou. Para residentes Na mesma entrevista, Mike Goodrigde lembrou o facto de “A Herdade” ser “um grande melodrama que tem por base uma família disfuncional, mas que está maravilhosamente bem feito. Adorei-o quando o vi na competição de Veneza e em Toronto e disse logo que o tínhamos de passar aqui.” O director do IFFAM referiu ainda que o cinema português poderia ter mais destaque a nível internacional. “É uma pena, porque Portugal tem um legado cultural tão rico que gostaria que o cinema português fosse mais entusiasmante, e não acho que seja.” O filme “The Invisible Life of Eurídice Gusmão”, do realizador brasileiro, a viver actualmente na Alemanha, conta a história de duas irmãs inseparáveis, Eurídice e Guida. No Rio de Janeiro, no ano de 1950, as duas possuem sonhos bem diferentes da vida tradicional que levam: enquanto Eurídice deseja ser uma pianista famosa, Guida espera encontrar o amor verdadeiro. Um relacionamento de Guida, que a faz ir para a Grécia com um marinheiro, acaba por se tornar num ponto de partida para dois destinos separados, uma vez que, quando Guida regressa ao Brasil, solteira e grávida, o novo marido da irmã comunica-lhe que esta foi estudar música para Viena, não querendo mais manter o contacto com ela.
admin EventosIFFAM | Dois filmes em língua portuguesa exibidos este fim-de-semana O filme português “A Herdade” e o brasileiro “The Invisible Life of Eurídice Gusmão” são as duas únicas películas na língua de Camões e podem ser vistas este fim-de-semana no âmbito do Festival Internacional de Cinema de Macau. Mike Goodrigde destaca a qualidade destes filmes e convida a comunidade portuguesa a vê-los [dropcap]O[/dropcap] Portugal profundo do Estado Novo, metaforizado numa propriedade rural no Alentejo, é o pano de fundo do filme “A Herdade”, de Tiago Guedes e produzido por Paulo Branco. Este é um dos grandes destaques em língua portuguesa da edição deste ano do Festival Internacional de Cinema de Macau (IFFAM, na sigla inglesa), que será exibido esta sexta-feira, dia 6, no Centro Cultural de Macau, às 20h00. Sobre este filme, Mike Goodrigde, director do IFFAM, falou, em entrevista ao HM, da sua enorme qualidade. “Acompanho o cinema feito em Portugal porque queremos passar aqui bons filmes para quem fala português. ‘A Herdade’ é um filme realmente bom, é um grande épico. Acho que todos os portugueses o vão achar interessante porque aborda uma janela temporal de quase 60 anos da história de Portugal, desde os anos 40, passando pela revolução de 1974, até aos dias de hoje. Adorei-o quando o vi na competição de Veneza e em Toronto. Não é um filme fácil pois é longo, mas é épico e altamente apelativo.” Mike Goodridge destacou ainda o papel do produtor Paulo Branco, por quem diz ter “uma grande admiração”. “A Herdade” é uma “grande saga com grandes actores portugueses” e, por isso, o director do festival espera que “a comunidade portuguesa apareça em peso para o ver.” O cartaz do IFFAM, no que diz respeito aos filmes em língua portuguesa, fica completo com a produção brasileira “The Invisible Life of Eurídice Gusmão”, de Karim Aïnouz, exibido no domingo, dia 8, na Cinemateca Paixão. Sobre este filme, o director do festival adiantou que se trata de “um fabuloso épico realizado pelo realizador brasileiro Karim Aïnouz”. “É realmente bom e, ou muito me engano, ou será nomeado para os Óscares”, frisou. Para residentes Na mesma entrevista, Mike Goodrigde lembrou o facto de “A Herdade” ser “um grande melodrama que tem por base uma família disfuncional, mas que está maravilhosamente bem feito. Adorei-o quando o vi na competição de Veneza e em Toronto e disse logo que o tínhamos de passar aqui.” O director do IFFAM referiu ainda que o cinema português poderia ter mais destaque a nível internacional. “É uma pena, porque Portugal tem um legado cultural tão rico que gostaria que o cinema português fosse mais entusiasmante, e não acho que seja.” O filme “The Invisible Life of Eurídice Gusmão”, do realizador brasileiro, a viver actualmente na Alemanha, conta a história de duas irmãs inseparáveis, Eurídice e Guida. No Rio de Janeiro, no ano de 1950, as duas possuem sonhos bem diferentes da vida tradicional que levam: enquanto Eurídice deseja ser uma pianista famosa, Guida espera encontrar o amor verdadeiro. Um relacionamento de Guida, que a faz ir para a Grécia com um marinheiro, acaba por se tornar num ponto de partida para dois destinos separados, uma vez que, quando Guida regressa ao Brasil, solteira e grávida, o novo marido da irmã comunica-lhe que esta foi estudar música para Viena, não querendo mais manter o contacto com ela.
Hoje Macau EventosCinema | Filme português “A Herdade” na edição deste ano do IFFAM [dropcap]F[/dropcap]oi ontem anunciado que a quarta edição do Festival Internacional de Cinema de Macau (IFFAM, na sigla inglesa), que acontece entre os dias 5 e 10 de Dezembro, conta com um programa actualizado que inclui o filme português “A Herdade”, de Tiago Guedes, que tem recebido inúmeros elogios em Portugal e que estreou no Festival de Cinema de Veneza. O filme, protagonizado por Albano Jerónimo, conta a história de um proprietário de uma herdade em pleno Alentejo que passa por um tumulto causado pelo 25 de Abril, sem esquecer a tragédia da própria família. O cartaz do IFFAM inclui também o filme “I’m Livin It”, com direcção de Wong Hing-Fan e protagonizado por Aaron Kwok, estrela do cinema de Hong Kong. Aaron Kwok foi o Embaixador Talento do IFFAM o ano passado e, no filme, actua ao lado de Miriam Yueng, que foi Embaixadora Talento do IFFAM em 2017. “Dark Waters”, de Todd Haynes, é outro dos filmes incluídos no programa do festival, protagonizado pelos actores Mark Ruffalo e Anne Hathaway. Esta será a apresentação especial de Hollywood da edição deste ano do IFFAM. O mais recente filme de Terrence Malick, “A Hidden Life”, também integra o cartaz deste ano do IFFAM. A película conta a história de um jovem austríaco, muito católico, de nome Franz Jagerstatter, que se recusa a lutar a favor dos Nazis na II Guerra Mundial. O filme estreou no Festival de Cinema de Cannes, sendo esta a sua estreia na Ásia. “Flowers of Shanghai”, de Hou Hsiao-hsien, a versão deste clássico datada de 1998, será exibida no festival como apresentação especial do Festival Internacional de Cinema de Xangai. O filme remete para o século XIX em que jovens cortesãs recebiam propostas de homens em “casas de flores”. Na secção “Escolha do Director” o destaque é para “Blow-Up”, que será apresentado pelo seu director Wang Xiaoshuai no dia 9 de Dezembro. Na secção “Novo Cinema Chinês” destaque ainda para o filme “Over the Sea”.
Hoje Macau EventosCinema | Filme português “A Herdade” na edição deste ano do IFFAM [dropcap]F[/dropcap]oi ontem anunciado que a quarta edição do Festival Internacional de Cinema de Macau (IFFAM, na sigla inglesa), que acontece entre os dias 5 e 10 de Dezembro, conta com um programa actualizado que inclui o filme português “A Herdade”, de Tiago Guedes, que tem recebido inúmeros elogios em Portugal e que estreou no Festival de Cinema de Veneza. O filme, protagonizado por Albano Jerónimo, conta a história de um proprietário de uma herdade em pleno Alentejo que passa por um tumulto causado pelo 25 de Abril, sem esquecer a tragédia da própria família. O cartaz do IFFAM inclui também o filme “I’m Livin It”, com direcção de Wong Hing-Fan e protagonizado por Aaron Kwok, estrela do cinema de Hong Kong. Aaron Kwok foi o Embaixador Talento do IFFAM o ano passado e, no filme, actua ao lado de Miriam Yueng, que foi Embaixadora Talento do IFFAM em 2017. “Dark Waters”, de Todd Haynes, é outro dos filmes incluídos no programa do festival, protagonizado pelos actores Mark Ruffalo e Anne Hathaway. Esta será a apresentação especial de Hollywood da edição deste ano do IFFAM. O mais recente filme de Terrence Malick, “A Hidden Life”, também integra o cartaz deste ano do IFFAM. A película conta a história de um jovem austríaco, muito católico, de nome Franz Jagerstatter, que se recusa a lutar a favor dos Nazis na II Guerra Mundial. O filme estreou no Festival de Cinema de Cannes, sendo esta a sua estreia na Ásia. “Flowers of Shanghai”, de Hou Hsiao-hsien, a versão deste clássico datada de 1998, será exibida no festival como apresentação especial do Festival Internacional de Cinema de Xangai. O filme remete para o século XIX em que jovens cortesãs recebiam propostas de homens em “casas de flores”. Na secção “Escolha do Director” o destaque é para “Blow-Up”, que será apresentado pelo seu director Wang Xiaoshuai no dia 9 de Dezembro. Na secção “Novo Cinema Chinês” destaque ainda para o filme “Over the Sea”.
Rui Filipe Torres h | Artes, Letras e IdeiasHerdade [dropcap]C[/dropcap]om estreia em 62 salas, este é o filme a que se tecem os mais rasgados elogios por parte de comunicação social e dos actores do sector. É bom o conseguimento de um produtor, o Paulo Branco, e da equipa de comunicação do filme, desta vontade que exprime também a mudança significativa no acolhimento da produção cinematográfica portuguesa, que da indiferença e da crítica assente em pré-conceitos sobre a qualidade das obras, passou a um enaltecer, vendo pérolas cinematográficas nas obras que o cinema português vai conseguindo produzir. E isto é bom, mesmo que nem tudo seja pepita de ouro nos filmes que, por vezes após anos de insistência, vão conseguindo chegar ao grande ecrã. Um dos problemas com que o cinema português se tem confrontado nas últimas décadas, é o do acesso aos públicos, o que é o mesmo de dizer, enorme dificuldade no acesso à exibição e distribuição. Um filme português ter estreia em 70 salas, a par de outras produções recentes que também chegam ao primeiro contacto com os públicos em 50, 60 ecrãs, é um dado novo que indica uma mudança de enaltecer, e até festejar. Nas contas do primeiro fim de semana, de 19 a 22 de Setembro o filme foi visto por 19.424 pessoas, nos 62 ecrãs, o que representa uma receita bruta de 105.372,11€. Herdade, é um excelente filme para, uma vez mais, se colocar a pergunta “O que é o cinema?”, já tantas vezes formulada no seguimento da formulação primeira, por André Bazin, na segunda metade da década de 40 do séc. XX. Curiosamente é também nos anos 50 que se inicia a materialidade cinematográfica deste fresco cinematográfico assinado por Tiago Guedes. A resposta à pergunta é vasta e depende do modelo de abordagem; dispositivo estético, modelos de produção, recepção, linguagem, géneros cinematográficos, cinema mainstream ou cinema indie, cinema-cinemas, são alguns dos possíveis ângulos para a análise e circunscrição da questão. O espaço permitido à escrita de uma crónica de cinema não é o lugar para uma aproximação/resposta à pergunta tantas vezes formulada, mas talvez seja oportuno pensar sobre uma outra pergunta que, por razões várias, anda próxima; o que é escrever sobre filmes?, ou que é hoje, escrever crítica cinematográfica? Todos os filmes se confrontam com a memória cinematográfica, e o filme vive este aparente paradoxo de ser simultaneamente obra única e obra partilhada. Nunca é pouco o que se exige a cada filme. E ainda bem, esta exigência, esta expectativa de revelação, de emoção, racionalidade e maravilhamento perante cada nova obra cinematográfica que pela primeira vez chega ao grande ecrã é uma das condições para diferenciação cinematográfica na imensa produção audiovisual. Ao contrário do que muitos profissionais do marketing afirmam quando decidem antecipar o que os públicos querem, gostam, ou não gostam, um olhar atento mostra que os públicos de cinema, reconhecem e procuram a excelência cinematográfica, a qual raramente dispensa a história e o processo inteligível de a contar. Escrever sobre um filme é, obviamente, escrever sobre a fotografia, o argumento, a montagem, os actores, a produção, a realização, mas talvez que seja sempre o fora de campo, que a própria escrita sobre qualquer objecto cinematográfico já é, aliás, o aspecto mais revelador e de interesse na escrita sobre filmes. Afinal, é eco do filme em nós, o que nos apaixona ou distancia da obra cinematográfica. A primeira cena da Herdade começa com um plano geral no Alentejo, e uma situação narrativa de enorme força. Um sobreiro na paisagem de terra quente onde se adivinha o trigo e a determinação sem reservas nem complacência do confronto fenomenológico entre vida e morte. Alguém, um homem trabalhador da herdade, decidiu pôr fim à vida. O corpo permanece inerte alguns metros acima da terra, enlaçado e pendurado pelo pescoço na corda grossa atada ao ramo vigoroso do sobreiro. Um outro trabalhador prepara-se para descer o corpo, a acção é interrompida por mando do dono da herdade, é dada ordem para ir chamar o filho – João Fernandes (o personagem interpretado por Albano Jerónimo quando adulto – aqui ainda criança). O pai quer que o filho olhe a realidade, diz-lhe que vai aprender uma lição de vida, indica-lhe o olhar para o enforcado. A criança, perante a crueldade da imagem, após um primeiro momento de confronto com a materialidade da morte, afasta-se a correr, refugia-se no isolamento oferecido pela pequena ilha, a ermida de Stº António, uma pequena ruína, no lago da propriedade. O lugar tenente do pai corre para apanhar a criança mas à voz do patrão que lhe dá ordem para o não fazer, imobiliza-se, regressa ao trabalho de descer do ramo do sobreiro o corpo do companheiro enforcado. Estamos perto da década de 50. A sequência seguinte é já com João Fernandes no lugar do pai, é ele agora o dono da grande Herdade, estamos ainda no Estado Novo, a Guerra Colonial exige esforços e alianças. João Fernandes está no picadeiro com o seu puro sangue, o cavalo negro, é-lhe anunciada a visita sem convite de um ministro de Estado. Nesta sequência conhecemos a família, o lugar tenente do patrão, uma personagem magistralmente criada pelo Miguel Borges, que é sem grande discussão merecedora de um prémio de interpretação pela contenção e desenho do personagem. E claro o contexto da época. A importância, ou melhor o poder do senhor do latifúndio, e a forma do exercício do Poder do Estado, as necessárias visibilidades das alianças, os améns às decisões do Presidente do Conselho. O tema é tratado com exagero, é forçada a boçalidade e falta de cortesia por parte de altos funcionários do Estado, com comportamentos onde não há distinção nem as regras básicas da urbanidade. É um exagero mas foi a escolha. Se quando se trata de funcionários da polícia política o tom grosseiro e sem urbanidade é justo e adequado, é desajustado quando em ministro ou seus secretários. Ficamos a conhecer a Herdade, a família, o trabalho e a polícia política. Há um trabalhador ligado ao PCP que é preso, e o patrão vai a Lisboa libertá-lo. Afinal é casado com a filha do general que comanda a polícia política, e isto das relações de parentesco, antes do 25 de Abril como agora, continuam ser passaportes de grande validade nas mais diversas situações sociais. A progressão na narrativa vai tendo lugar na maioria das vezes no tom e de forma adivinhada, e o golpe de Estado do 25 de Abril acontece. Seguem-se os momentos de convulsão social conhecidos, a reforma agrária tentada na forma de ocupação da terra a que com pulso e sem vacilar João Fernandes faz frente, continuando a gerir a Herdade. Paulo Branco, de quem parte a ideia inicial do filme, não por acaso, convidou para montador do filme Roberto Perpignani, que foi quem montou o famoso documentário “Torre Bela”, onde é dado a ver a ocupação revolucionária da herdade com o mesmo nome. Roberto Perpignani, para além de ser uma vedeta dado ter montado filmes do Orson Welles e do Bertolucci, é um conhecedor do que foram os tempos da reforma agrária em Portugal no chamado verão quente da revolução. O tempo vai passando. O filho cresce. Uma nova linha de dramaturgia explorada, e neste grande fresco pelos perto de 60 anos da paisagem social e política deste país, surge uma estória de amor com contornos de Romeu e Julieta no contexto das barreiras da origem social de classe, a que o interdito do sangue vem acrescentar um toque queirosiano dos Maias, por razões de uma espécie de infidelidade consentida a quem é senhor de terras e patrão de gentes. A Democracia está instalada, e se antes o problema da permanência da terra da Herdade passou por fazer frente à mudança de propriedade em razão da vontade e legitimação revolucionária, a que João Fernandes conseguiu fazer oposição vitoriosa, agora o problema vem da banca, e a Herdade vai desaparecendo, em parcelas vendidas aos próprios bancos. Um extenso terreno de cultivo de arroz é entregue. Outros já foram. Se a reforma agrária não conseguiu ocupar a Herdade, consegue-o agora a banca, na realidade neo-liberal da democracia. O homem-tenente do patrão, dádiva irrepreensível do Miguel Borges, pai oficial, do jovem por quem a filha do patrão se apaixona e que é afilhado do patrão, morre num acidente que se adivinha propositado. O filme termina com a queda e morte do cavalo de raça, e o recolhimento à pequena ilha no lago na infância do personagem principal do filme, num tratamento de arco de personagem de grande fôlego e muito bem conseguido. Filme poderoso, que nos transporta nesta viagem pela história recente dos grandes territórios da agricultura em Portugal, com uma versão de série para televisão que terá bom acolhimento dos públicos com todo o merecimento. Escrever sobre cinema é também isto, falar um pouco do filme visto, apelar à vontade de descoberta do filme sabendo que cada espectador tem um filme único à sua espera, e essa é também uma das muitas maravilhas do cinema. Produzido por Paulo Branco, “A Herdade”, tem argumento de Rui Cardoso Martins e Tiago Guedes, estreou no festival de Veneza e esteve presente no festival de cinema de Toronto. É o candidato de Portugal aos Óscares (EUA) e também aos Goya (Espanha). Diz o realizador, “A Herdade” é “um filme de personagens, de atores, de interpretações fortes, da grandeza das paisagens que os envolvem e das consequências dos segredos que transportam”. https://www.youtube.com/watch?v=NsMH22Lybyo Título original: A Herdade. Realizador: Tiago Guedes. Montador: Roberto Perpignani. Produtor: Paulo Branco. Com: Albano Jerónimo, Sandra Faleiro, Miguel Borges, João Pedro Mamede, Diogo Dória, Victória Guerra, Ana Bustorff, entre outros. Portugal, cores, 166 minutos