O homem chamado Jesus

“Jesus wanted them to know that if they intended to live by the law, they couldn’t just pick and choose the parts they liked in order to feel good about themselves. They had to follow all the law or they might as well not follow any of it.”
“Jesus Is: Find a New Way to Be Human” – Judah Smith and Bubba Watso
Anónimo, Ecce Hommo, século XVI

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] tempo que vivemos – e que se prolonga na tradição católica surgida no século VIII, até ao dia de veneração dos “Reis Magos”, Belchior, Gaspar e Baltazar a 6 de Janeiro de 2018 – é considerado como a quadra natalícia, tornando interessante recuperar a autêntica pessoa do homenageado Jesus, que presumivelmente nasceu a 25 de Dezembro, o essencial da sua mensagem e o melhor do seu impacto histórico, porque apesar de não ter deixado nem uma só palavra escrita, nenhuma figura histórica exerceu uma influência maior ou igual na história da humanidade. Muitas vezes se tem apresentado Jesus como um personagem intemporal, uma alma pacata sem retiro, alegrias, desejos e paixões, como uma peça de museu, como um cordeiro manso que cumpria cabalmente com as suas obrigações, como alguém que nunca desfrutou da ousadia de um jovem, porque sempre encarnou os sonhos da velhice, quase um fetiche.

A pessoa de Jesus é mais conhecida todos os dias graças à história, arqueologia e antropologia cultural e social que o colocam em determinada circunstância, numa sociedade de tradição oral que cultivava a memória. É de presumir que tenha aprendido o ofício do seu pai, carpinteiro, mas tudo indica que depressa tomou outro rumo, deixando a família, indo de encontro ao chamado do profeta João Baptista que desencadeou um movimento de conversão, tendo em vista uma rápida e definitiva vinda de Deus, facto que liga a vida de Jesus com a tradição profética do seu tempo.

O seu relacionamento com João Baptista, seu primo, foi decisivo para a sua experiência religiosa. Tendo-se separado do seu primo, percorreu os caminhos da Galileia à procura de pessoas para anunciar a proximidade do “Reino dos Céus”. Fazendo a eliminação de todos os aspectos escatológicos e futuristas da sua pregação, alguns autores apresentaram erroneamente, Jesus como um sábio anti-sistema e contra-cultural. Todavia, não é um apocalíptico iluminado que vive debaixo da urgente e eminente catástrofe, como pretenderam demonstrar alguns outros autores.

O judeu fiel que foi Jesus cumpriu as leis e radicalizou alguns dos seus aspectos embora, ao mesmo tempo, relativizasse alguns preceitos rituais, especificamente os que se referem ao Sábado, ao afirmar que “o homem é mais importante que o Sábado” e as normas da pureza. O amor ao próximo é a regra de todos os rituais (Marcos 12, 28-31). Sem escapar da sociedade, quem aceita as normas do “Reino de Deus” caminha sempre no fio da navalha. “Os últimos serão os primeiros”; “o filho do homem não veio para ser servido, mas para servir”. O dinheiro não é mais um sinal de bênção divina, como a teologia rabínica considerou, mas pelo contrário, será o maior impedimento para entrar no “Reino dos Céus”. Alguns autores defendem que os milagres narrados nos Evangelhos seriam fruto e invenção da imaginação popular, e outros ampliados e engrandecidos, o que não é de aceitar pelos cristãos, nos quais me incluo.

É evidente que uma das características de Jesus, que ajuda a explicar a irresistível atracção que exerceu sobre os que o conheciam era o de curar e apaziguar o povo das suas maleitas físicas, psíquicas e sociais. “Uma grande multidão ao ouvir o que fazia, veio até ele “ (Marcos 3, 10). Muitos estudiosos interpretaram como um desafio para a ordem social estabelecida, a libertação de muitos dos seus concidadãos dos espíritos imundos que conseguia com o seu amor e a sua capacidade de acolhimento.

Os estudos antropológicos, actualmente, sobre xamãs e curandeiros podem ajudar os mais duvidosos a entender a literatura sobre os milagres de Jesus. Ainda que, entre as multidões, o conceito do “Reino de Deus” criasse resistência, assim como a esperança, Jesus teve um enorme grupo de seguidores e crentes na Galileia e depois em Jerusalém. As multidões foram atraídas pela sua personalidade extraordinária e pela autoridade de tipo carismático das suas pregações. Entre todos os seguidores e fazendo eco da restauração das doze tribos de Israel mencionadas no Antigo Testamento, um dos elementos mais constantes da escatologia judaica, escolheu doze discípulos e mais tarde enviou-os a pregar por todo mundo a suas “Boas Novas”.

A coerência da sua vida e a nobreza dos seus ensinamentos fazem todos os pesquisadores, crentes ou ateus, excluir a possibilidade de fraude. O cristão deve ser o promotor de uma cultura de caridade, igualdade e dignidade das pessoas. Todas as outras formas de entender Jesus, reforçadas pela cultura pop dos nossos dias, são envenenadas pela condição e expiração efémeras. Muitas dessas imagens de Jesus não são o resultado de estudos conscienciosos, mas de uma fábrica de sonhos como o cinema. Jesus faz parte do universo transbordante de filmes, revistas, vitrinas e exposições, meios com uma enorme capacidade de adaptar-se aos tempos.

Quase todos tentam apresentá-lo como um personagem não convencional que veio transformar as condições de vida e mentalidades ao serviço do novo homem. O mundo dos nossos dias, que sente o fascínio com o mágico, teatral e o festivo, multiplica as imagens de Jesus, como de qualquer bem destinado ao consumo comercial e emocional. Para muitas pessoas, Jesus é um sistema estelar mais que o céu das celebridades mais famosas da história. Nesta cultura fragmentada e líquida, multiplicam-se as mestiçagens mais variadas que afectam também a imagem de Jesus, que muda a um ritmo vertiginoso para responder às procuras que chegam de diferentes locais geográficos e culturais.

Existem grupos viciados às mudanças que forjam uma imagem de Jesus para diferentes situações e necessidades. Muitos estão preocupados com a estetização da mensagem de Jesus, como um produto da ética estética hipermoderna que tem pouco a ver com a mensagem de austeridade e pobreza do Nazareno. Trata-se da comercialização por grosso da figura de Jesus. O Jesus, familiar para milhares de pessoas, é um produto da hibridação estética, da moda e da mercadologia. O culto da expressão nova e subjectiva substituiu a revelação antológica. A quadra natalícia, para muitos, é um momento de tristeza porque lembra e faz viver mais intensamente as ausências presentes dos seus entes queridos. O homem que não assimila as ausências dos entes queridos que o tempo lavra será sempre um ser infantil, que está longe de ser uma criança.

A ausência é um vazio que só pode preencher a memória. O Natal é um memorial, uma referência temporária que converte em “Kairós”, tempo significativo, o “Kronos”, tempo normal. Além de ser social e lúdico, o ser humano é ritual. Os presentes da quadra natalícia, originalmente, significam a gratuidade do presente que recebemos do céu. Algumas pessoas aborrecem-se pelo facto de outras desejarem felicidade, paz, amor e prosperidade. Mesmo que fosse o único dia do ano em que tal acontecesse, seria melhor do que nada. As crianças vivem esse tempo sem problemas ou falsos pensamentos.

É infeliz o que não se permite manifestar, expressar-se à criança que tem dentro. Jesus provoca uma série de perguntas que o antropólogo não pode responder a partir da antropologia ou da história simples, embora ambas possam ver sinais de que, por trás dessa pessoa, há algo mais do que um homem simples. Tal está escondido por trás dessa fascinante humanidade? Para muitas marcas, multinacionais, e instituições, a estrela do Natal não é Jesus, mas as ídolos sociais que transmitem os seus interesses. Os cristãos confessam uma realidade que transcende a História.

A teologia moderna diz que a fé é acreditar numa pessoa que se torna o modelo da vida em que os valores artísticos, sociais e filosóficos se fundem mais que uma moral. Tradicionalmente, a fé em Jesus-Homem-Deus estava ligada a uma categoria hereditária, uma herança familiar e comunitária; modernamente é mais o fruto de uma decisão pessoal, da fé individual. A fé em Jesus, segundo os cristãos, deve ser traduzida em um modo de vida. O cristão deve ser o promotor de uma cultura de caridade, justiça e solidariedade, de igualdade e dignidade das pessoas.

Os que acreditam na mensagem original da quadra natalícia não se resignam a fugir e a deixar campo livre aos que querem esquecer a origem e o significado do tempo que vivemos. Iremos continuar a comemorar esta quadra do Natal, um memorial do nascimento de Jesus, sem esquecer que o mundo muda e que a maneira de actualizar eventos também deve ser alterada.

29 Dez 2017

Megacidades, urbanização e desenvolvimento sustentável

“For better or worse, megacities – by virtue of their resources, their size and their impact – are at the leading edge of change in many countries. Reading the social science literature seems to tell us that this is for the worse. A very broad current in urban sociology has associated economic globalisation with the creation of a wider spectrum of jobs and with a challenge to traditional social ties, leading to more segregated societies. Many urban scientists and urban geographers continue to condemn gigantism”
“Governing Megacities in Emerging Countries” – Dominique Lorrain

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] “Conferência Internacional sobre a Água, Megacidades e Mudança Global” da “Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO na sigla inglesa)” foi um evento que fez parte da programação da “21.ª sessão anual da Conferência das Partes (COP 21, na sigla inglesa)” da “Convenção – Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (CQNUAC ou UNFCCC, na sigla inglesa)” e da “11.ª sessão da Conferência das Partes enquanto Reunião das Partes no Protocolo de Quioto (CMP 11, na sigla inglesa)”, que se realizou em Paris, entre 30 de Novembro e 12 de Dezembro de 2015.

A “COP 21” reuniu cento e cinquenta chefes de estado e de governo de todo o mundo. que aprovaram o “Acordo de Paris” sobre redução de emissões com vista a travar as alterações climáticas, e que entrou em vigor a 4 de Novembro de 2016. A “Conferência”, mostrou o papel fundamental que as cidades desempenham na prossecução dos “Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, especialmente o “Objectivo 6” da “Agenda de 2030”, que é o direito humano e fundamental de acesso à água e saneamento.

A visão geral da ONU, de quinze megacidades emblemáticas, como são Buenos Aires, Cidade do México, Chicago, Ho Chi Minh, Istambul, Lagos, Londres, Los Angeles, Manila, Mumbai, Nova Iorque, Paris, Pequim, Seul e Tóquio é simultaneamente o resultado de apresentações científicas concretas e um apelo à mobilização geral, para elaborar as políticas urbanas sustentáveis de que carece o mundo. Todos esses centros urbanos partilham um conjunto de características comuns, como o tamanho colossal, disparidades entre zonas ricas e pobres, procura ambiental e industrial que afecta os recursos naturais de uma região inteira, sem mencionar o peso económico do país, como um todo, e uma ampla gama de recursos culturais, científicos e educacionais.

A ONU designou Nova Iorque e Tóquio como as duas primeiras megacidades, tendo em 1975 acrescentado a Cidade do México, passando em 2000, a ser dezoito, em 2005, vinte e em 2015, vinte e duas megacidades, todas com populações de dez milhões de habitantes ou superiores. As previsões indicam que existirão quarenta e uma megacidades até 2030, muitas delas localizadas nos países menos desenvolvidos do mundo. Ao longo da história constatou-se, que a essas cidades muitas vezes faltam quer o tempo como os meios para desenvolver os imprescindíveis serviços urbanos, inclusive os relacionados com o acesso à água, saneamento e drenagem de águas pluviais como direitos humanos e fundamentais. Tal situação cria vulnerabilidades profundas e desafios complexos.

É crucial que as megacidades compartam as suas experiências, de modo a desenvolver serviços capazes de atender às expectativas dos seus habitantes. A gestão inclusiva dos recursos hídricos, também é solução para uma variedade de desafios sociais, em particular, as desigualdades de género, dado que as mulheres são frequentemente mais atingidas por dificuldades de acesso à água, e estão na linha de frente quando se trata de uma melhor gestão dos recursos. As áreas urbanas, globalmente consideradas, crescem rapidamente, sendo de esperar que mais de dois terços da população mundial viva em cidades até 2050.

A urbanização influencia o meio ambiente e pode contribuir, por exemplo, para as alterações climáticas, degradação do solo e redução da biodiversidade. Ao mesmo tempo, os ecossistemas urbanos são muito sensíveis às mudanças globais, e a sua adaptação é necessária para sustentar a funcionalidade e os importantes serviços dos ecossistemas. A urbanização, historicamente, foi estudada principalmente, como uma potencial ameaça ambiental, resultando na degradação do solo, água, atmosfera, floresta e perda de biodiversidade. O estado ecológico desfavorável dos ambientes urbanos, foi documentado no início do século XXI, e um ecossistema urbano estabelecido difere fortemente de um ecossistema natural ou agrícola.

Os ecossistemas urbanos são caracterizados pelas paisagens humanas modificadas e muitas vezes artificiais com distúrbios antropogénicos consideráveis como, por exemplo, a poluição ambiental, selagem do solo e eliminação de resíduos. As cidades geralmente consomem muito mais energia do que fornecem, resultando em emissões de calor, poluentes do ar, água e gases de efeito estufa. O aumento contínuo da população urbana global fez surgir novos conceitos como as cidades sustentáveis. O conceito de sustentabilidade urbana resultou no projecto de cidades modelo ou ideais como, por exemplo, cidades livres de emissões e cidades adaptadas ao clima que consideram as áreas urbanas como fonte de recursos únicos naturais e urbanos específicos e não como uma ameaça ambiental.

A “Conferência” teve assim como objectivo encontrar soluções para problemas ambientais das megalópoles modernas, tendo introduzido ecossistemas urbanos, considerando a sua variabilidade espacial, dinâmica temporal, riscos ambientais e que fossem potenciais para fornecer funções importantes e serviços ecossistémicos. O conceito geral de megacidades como ecossistemas diversos e complexos foi apresentado e defendido. Manter a qualidade do ar, sequestro do carbono e mitigação do aquecimento global e as alterações climáticas por meio de emissões reduzidas de gases com efeito de estufa, são os principais serviços prestados pelos ecossistemas urbanos.

Os solos urbanos são fundamentais para regular os ecossistemas urbanos saudáveis. Os serviços e funções dos ecossistemas fornecidos pelos solos urbanos afectam o meio ambiente, a saúde humana e o bem-estar. Os solos urbanos que formam condições e características diferem principalmente, dos solos naturais e agrícolas, mas as suas funções e serviços permanecem pouco quantificados. A atenção e o interesse em entender a capacidade dos solos urbanos para suportar funções e serviços específicos, tem aumentado. Actualmente, os solos urbanos enfrentam um paradoxo onde, por um lado, é o valor mais alto para o desenvolvimento da propriedade e, por outro, é quase totalmente ignorado no que diz respeito ao ecossistema que podem fornecer.

É importante considerar os diferentes aspectos da monitorização e avaliação de solos urbanos em escalas múltiplas, desde o nível local até a escala regional e global, bem como os problemas semelhantes, como por exemplo, a poluição com metais pesados que foram apresentados para solos urbanos localizados em diferentes climas e zonas de vegetação, proporcionando uma oportunidade única para avaliações comparativas. As infra-estruturas verdes são as principais ferramentas para integrar soluções baseadas na natureza do desenho e gestão urbana, bem como promover um conjunto de tecnologias para monitorizar e gerir ecossistemas urbanos, incluindo biotestes, sistemas de apoio à decisão e engenharia ecológica.

A “Conferência” recebeu comentários de uma audiência ampla e multidisciplinar, incluindo a comunidade científica, os serviços municipais, os serviços de protecção ambiental e outras partes interessadas dos países e que trabalham na gestão urbana e flora. A discussão multidisciplinar é um passo essencial para o desenvolvimento urbano sustentável, porque a implementação de tecnologias inovadoras e soluções baseadas na natureza, depende de uma colaboração de todas as partes interessadas, tendo como objectivo a gestão urbana inteligente. Ainda que, os pesquisadores tentem encontrar soluções para os problemas enfrentados pela humanidade, durante as últimas décadas do século XX, o tratamento dessas situações continuam a existir, bem como as respectivas perguntas e respostas.

Apesar de não ter aparecido um novo paradigma, o empresário italiano Aurelio Peccei que, conjuntamente com o cientistas escocês Alexander King, fundou em 1966 o “Clube de Roma” que é constituído por um grupo de pessoas ilustres, que se reúnem para debater um vasto conjunto de assuntos relacionados com a política, economia internacional e, sobretudo, o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, e que foi igualmente, fundador do “Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicados (IIASA na sigla inglesa)”, que é uma organização internacional de investigação científica multidisciplinar, localizada no Luxemburgo e na Áustria, e considerado um dos melhores laboratório de ideias do mundo. Aurelio Peccei, a propósito do tema, afirmou que seriam necessários argumentos convincentes para prever uma potencial catástrofe nas próximas décadas e que existe a necessidade de uma grande mudança da direcção das actividades humanas

As predições não foram aceitas. A ciência moderna não pode prever mudanças evolutivas na biosfera, que garantirão a segurança da população humana. É necessário precisar o significado social, científico e profissional das cidades sustentáveis. O conceito de “EcoPólis” como estratégia de urbanização e experiência, iniciou-se em 1980 na União Soviética, desenvolvendo comunidades que são coerentes com a capacidade de transporte de ecossistemas regionais. A ciência começou com a determinação de metas e termos e tenta monitorizar e modelar a dinâmica, enquanto os filósofos e outros pensadores tentam entender as tendências para definir os limites da urbanização.

Após o projecto urbano de Leonardo da Vinci e da sua “Cidade Ideal”, elaborado em 1488, vários projectos utópicos foram realizados e desenvolvidos. A “Cidade Jardim”, que é um modelo de cidade elaborado no século XIX, abriu uma nova área para os seres humanos, o eco-retorno para um meio natural razoável. A industrialização, desde o século XIX, levou à expansão populacional, enorme densidade urbana, engolindo florestas e áreas agrícolas no interior dos países, o que trouxe impactos na biosfera que não foram previstos. A nova profissão de “Eco-urbanista” surgiu através do projecto de pesquisa e prática de projectos ecológicos. Durante as últimas décadas na Rússia, por exemplo, foi eliminado o planeamento e a estratégia de longo prazo na política de assentamentos humanos.

A direcção da urbanização em geral não foi clara e actualmente é necessário revisitar os valores a longo prazo e apoiar a estratégia dos países nos projectos de urbanização. Os modelos devem ser seguidos pelo desenvolvimento de cenários de baixo risco na capacidade de ecossistemas regionais e no contexto etnocultural local. Assim, surgiram importantes projectos como bio-regionalismo, “EcoPólis” e “Ecocidades”, como assentamentos auto-sustentados. Na Rússia, por exemplo, vários projectos em larga escala, foram realizados a partir do início do século XX nas proximidades de Moscovo. A aproximação “EcoPólis”, foi testada em uma antiga estação de metro de Moscovo e numa outra cidade vizinha.

As megacidades, como outro tipo de assentamento humano, sugerem um certo metabolismo social, onde a matéria e a energia fluem. O problema da ecologia humana não está numa pequena lista do progresso moderno. Devido a alguns cenários de crescimento populacional, podem ser esperados novos limites de gestão centralizada, dado que os sistemas desenvolverão um nível muito complexo com riscos de desastres imprevistos e acidentes normais. A estratégia de urbanização global está lentamente a dirigir-se para uma nova política integrada que é influenciada pelas alterações climáticas, mudança para a energia alternativa, aumento do nível do mar, diminuição do solo per capita no planeta, abastecimento limitado de água potável para os cidadãos a nível mundial e “stress” ambiental.

Os diferentes riscos exigiram a integração de um sistema com menores riscos integrativos por meio do novo modo de urbanização, a “EcoPólis”, que é uma unidade multifuncional no planeamento e que produz parcialmente recursos vitais, como água potável, alimentos como peixe, produtos de caça, gado, legumes, trigo e frutas, bagas naturais, cogumelos e plantações adicionais de espécies de plantas locais. O serviço ecológico da cidade é realizado através da monitorização ambiental e de assentamentos, restauração de ecossistemas, conexão da rede ecológica entre ecossistemas regionais e a “EcoPólis”. A “EcoPólis” como um projecto começou com a “Cidade da Ciência” da capital russa, na era da União Soviética e que seria de alguma forma a cidade do futuro, pois não havia impacto industrial, apenas recreativo.

O impacto foi cuidadosamente estudado em todas as áreas e mostrou que as necessidades recreativas como por exemplo, andar, pescar, caçar e correr usam uma superfície seiscentas vezes maior que a superfície da cidade. O treino e a educação dos líderes locais podem melhorar a visão oficial do planeamento e, possivelmente, expandi-lo para a escala de tempo geológico. Apenas e após a participação em experiências de criação de modelos de longo prazo e projectos participantes como por exemplo, com voluntários, políticos e cientistas locais, é que foi possível serem motivados e preparados para pensar e discutir futuras mudanças da paisagem, cidade e hábitos humanos, e modelar a visão comum do futuro desejado.

Os valores do desenvolvimento sustentável devem começar pela mente humana e as reservas naturais da cidade devem ser planeadas e a força de trabalho deve ser dedicada a cuidar delas. A experiência da “Ecopólis” deve estabelecer um vínculo entre a filosofia académica e a prática humana diária para que se possa perceber os primeiros passos do desenvolvimento coerente dos ecossistemas regionais e do meio urbano. Esse será o novo significado das cidades modernas, a recuperação da biodiversidade e dos ecossistemas deve tornar-se o centro da criação de modelos da dinâmica do sistema urbano no caminho da satisfação sustentável das necessidades humanas.

20 Dez 2017

A emergência da China (II)

“New China’s was not a capitalist economy on the basis of private ownership, as in European and American countries, nor was it a socialist economy on the basis of public ownership, as in the Soviet Union and Eastern Bloc countries. It was something altogether novel: a new-democratic economy, with both a capitalist sector and a socialist element. The regime of the new democracy was a system of democratic centralism designed by the National People’s Congress. It was totally different from the parliamentary system of the former democracy, and belonged to the classification of the representatives’ conference of the socialist Soviet Union. However, it was also completely different from the Soviet system, because it eradicated class, while the Chinese system was based on an alliance of all revolutionary classes.”
“Characteristics of the Common Programme Draft by the Chinese People’s Political Consultative Conference, September 22, 1949” – Zhou Enlai

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] primeiro-ministro chinês Zhou Enlai, apesar do seu motivado discurso em Bandung, e das suas negociações com Kissinger, não era visto pelo Ocidente como um diplomata. A sua visita a África, em 1963, deixou-o muito desiludido quando os africanos rejeitaram o seu pensamento sobre a revolução, pois era o última ideia que os recém independentes países africanos procuravam. Tais países desejavam estabilidade. A China talvez tenha cometido erros com a África, assim como esta cometeu muitos erros consigo mesma, dado que o continente ficou dividido em cinquenta e cinco países e com duas mil subdivisões históricas, culturais e linguísticas. A China aprendeu como ser um estado o mais rápido possível, especialmente com os poderes coloniais que foram enfraquecidos pela II Guerra Mundial e que começaram a sair com mais avareza sem preparar as estruturas governativas e a administração pública dos estados que rapidamente se tornaram independentes.

A Nigéria teve a sua sangrenta guerra civil no final da década de 1960. O Congo desmoronou-se desde o início da década de 1960. Nos países onde as potências coloniais se recusaram a sair, e ressalve-se a situação de Portugal que se recusou a descolonizar Angola, guerras sangrentas de libertação entraram em erupção, traduzidos em conflitos originados por movimentos competitivos de libertação. A China, em Angola, apoiou o movimento errado, ou seja, a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA). O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) no poder desde a independência, em 1975, foi apoiado pelos soviéticos e cubanos.

A China apoiou no Zimbábue a luta armada de Robert Mugabe contra o governo da minoria branca conservadora que, em 1965, declarou unilateralmente a independência como Rodésia, e liderado por Ian Smith. Robert Mugabe tornou-se primeiro-ministro, em 1980, ao ganhar as primeiras eleições democráticas. Em Abril desse ano, é declarada a independência, passando o país ter o nome que actualmente ostenta, e a partir de 1982 Mugabe começa a liderar o país como ditador, até 21 de novembro de 2017, quando renuncia a favor de Emmerson Mnangagwa que tomou posse como presidente, a 24 de Novembro de 2017. O apoio da China a Robert Mugabe significou não só amizade duradoura, como o Zimbábue sempre manteve com a China desde a independência em 1980, um rápido e ardiloso trabalho diplomático para reparar as relações com os países que não tiveram a ajuda chinesa, como foi o caso de Angola.

Ainda que a China tenha começado a fornecer assistência ao desenvolvimento de África pouco depois de Bandung, é facto que iniciou uma nova fase dessa ajuda de forma mais aguerrida, muito ligada a futuras parcerias comerciais e exploração de recursos, após a era da libertação da maioria negra na década de 1990, quando a África do Sul finalmente alcançou o domínio da maioria negra sob a liderança de Nelson Mandela (prémio Nobel da Paz de 1993) e líder do Congresso Nacional Africano (CNA na sigla inglesa), fundado em 1940. Nelson Mandela foi presidente do país de 1994 a 1999.

As parcerias comerciais e a exploração de recursos começaram em boa verdade, dez anos após a enunciação formal de Deng Xiaoping sobre as “quatro modernizações”, em 1978, de forma a que sua máquina industrial funcionasse e pudesse fabricar mercadorias para o comércio, que exigiam recursos minerais e petrolíferos em grande escala e que a África poderia fornecer. A remoção das tensões políticas com os Estados Unidos, juntamente com a plenitude de todas as liberdades diplomáticas, foram igualmente importantes para o sentido chinês de globalização que, desde esse período, começou a alarmar o mundo ocidental, e com o assento no Conselho de Segurança da ONU, percebeu o seu significado, o que aplacou todos os seus presentimentos sobre ser o “império do meio”, apesar do longo período de marginalização.

Apesar da caducidade da “Teoria dos Três Mundos”, a aspiração a um papel de liderança nunca desapareceu completamente da China, que entendeu que devia ser realizado pela diplomacia económica e não pela diplomacia política. Mesmo assim, a enunciação da teoria, conjuntamente com o reconhecimento diplomático da China pelos Estados Unidos, que conduziram a ter o referido assento no Conselho de Segurança da ONU, e ao sucesso das “Quatro Modernizações”, estabeleceu uma era de prosperidade e uma forma peculiar de globalização chinesa, pois o seu poder começou a estender-se a todos os cantos do planeta.

O papel da África foi crucial, embora seja de enfatizar que o alarme ocidental sobre a compra chinesa de tanta influência económica no continente nasce de análises muito fracas. Em primeiro lugar, a influência foi literalmente adquirida. A China não forçou a colonização da África, como a Europa o tinha feito. A China não apoiou o racismo por causa da expropriação mineral, como os Estados Unidos o fizeram e acima de tudo, a África não é um continente negro tolo e inocente que não podia fazer escolhas por si e em seu benefício.

A China sempre teve que negociar as portas de entrada para a África e apareceu com um novo modelo económico, que poderia ser chamado de “modelo de Xangai”, em oposição a um “modelo de Washington” baseado nos imperativos políticos e na condicionalidade económica do Ocidente. O “modelo de Xangai”, era a condição leve, com um generoso carregamento de liquidez, projectos de desenvolvimento e fundos, que precederam a exploração de recursos minerais e petrolíferos. Se os africanos muitas vezes conduziram negócios difíceis, apesar dos medos ocidentais de inocência e da ingenuidade africana, os chineses geralmente, configuravam a África de forma condescendente e superior, e que foi especialmente real para as empresas privadas chinesas que poderiam ser terrivelmente ingénuas e racistas nas suas ideias acerca da forma de operar em um contexto africano.

A difícil gestão chinesa das minas da Zâmbia, por exemplo, levou a muitas mortes de trabalhadores locais sem condições adequadas de saúde e segurança, no quase inexistente sistema nacional de saúde do país.  Tal situação alargou-se a um sistema de valores que sustentava o modelo oficial chinês. A experiência e os ganhos de trabalhar na África ajudaram os chineses nos seus planos para o futuro. A África trouxe um novo amanhecer para a China. O Ocidente sempre desfilou, ao lado da sua generosidade, às vezes como condição para receber benefícios, valores de democracia, pluralidade e transparência. A generosidade chinesa foi retratada como suborno e sem valor.

O que provavelmente está no trabalho realizado é a ética confucionista de “guanxi”, que descreve a dinâmica básica de redes de contactos e influências pessoais, e que constitui um conceito central da sociedade chinesa. No entanto, é uma reciprocidade em uma cadeia de hierarquias verticais. Enquanto os valores ocidentais na sua forma mais pura são horizontais, como em uma democracia, os valores confucionistas não o são. O respeito e a obediência fluem, desde a pessoa ao imperador.  Todavia, a provisão e cuidados devem fluir para baixo, caso contrário, o imperador perderia o mandato do Céu. Além disso, a personagem superior não deve apenas causar um fluxo de valor, deve fazê-lo primeiro e, se o destinatário abaixo for particularmente fraco (ou subdesenvolvido), o fluxo para baixo deve ser generoso, o que revela a visão chinesa do destinatário africano, que é (talvez inconscientemente) de uma entidade mais fraca e comprovadamente menos desenvolvido.

O provimento chinês de acordos com adoçantes abundantes, pode ser visto como parte da responsabilidade chinesa em um arranjo hierárquico, mesmo quando toda a retórica é sobre parcerias iguais.  Tal, como na “Teoria dos Três Mundos”, o ethos subjacente era uma liderança chinesa e, implicitamente, de superioridade. Tal senso de liderança era, em um sentido mais verdadeiro, uma expressão do realismo chinês como uma abordagem das relações internacionais. A China considerou que era impotente e foi um grande choque psicológico, após milénios de poderio. Actualmente considera-se livre para voltar a ser novamente uma super potência, mas por causa da era de humilhação, teve um genuíno e confucionista senso de solidariedade com os outros que emergiam da mesma condição. Era um idealismo empático com realismo, o mesmo sentimento de afastamento cultural que levou a China a um perigoso estádio um século antes.

É de considerar que desta vez, com grande parte dos recursos do mundo em seu poder, está certa de que ganhará em parte a batalha da globalização. O caso chinês sugere que a apreciação cultural se torna importante para a compreensão da política externa, de forma que o “stress” da escola inglesa sobre a história e o “stress” da escola de Copenhaga sobre as formações discursivas, devemos acrescentar o “stress” nas formações culturais. No que concerne à China, o “stress” seria confucionista,  mas também no sentido preconizado pela escola inglesa, totalmente histórico, dada a memória íntima e a recordação do século de humilhação pelos poderes imperiais. O comportamento dos Estados Unidos após a II Guerra Mundial em relação à China não teria sido mais que um eco contínuo dessa situação.

O avanço nas relações com os Estados Unidos, ocasionado em grande parte pelos esforços de Kissinger e Zhou, foi intuitivo e, na medida em que um actor intuitivo pode ser racional, lideraram sem a panóplia de ambos os lados do aparelho de formulação governamental de política externa, com toda a sua organização burocrática, e sem as respostas de repertório. Simplesmente não havia um repertório nesta situação. Há um outro exemplo em África, no qual o presidente da Zâmbia, Kenneth Kaunda, entrou em negociações com Frederik Klerk (presidente da África do Sul de 1989-1994 e vice-presidente de 1994 a 1996, sendo no último período presidente, Nelson Mandela) acerca do racismo sul-africano em 1989, sem qualquer preparação racional, resumos de políticas ou biográficos.

O presidente Kaunda, desconsiderou o seu Ministério dos Negócios Estrangeiros e o seu pessoal da Casa do Civil, entendendo que era uma racionalidade formada inteiramente pela intuição e fé na força moral da igualdade e no desejo pela paz. A China, no caso da África, estabeleceu um longo namoro, e está a receber o retorno à medida que os acordos de longo prazo de exploração de recursos naturais se concretizam. O sentimento nasceu de uma empatia chinesa pela humilhação de África nas mãos dos poderes coloniais e Zhou Enlai, em 1956, criou como marco da política chinesa, o princípio da não-intervenção nos assuntos internos dos outros países.

Esta foi simultaneamente uma observação do princípio fundamental do vestfalianismo, e também um compromisso com a África, de que a China não seria como as grandes potências que foram ao continente nos séculos XVIII e XIX.  A reforma da Organização da Unidade Africana (OUA), em 2000, viu a adopção do princípio da não-indiferença. É um princípio que tem sido irregular e selectivo, talvez simplesmente convenientemente observado, diante da turbulência e das matanças que continuam em certas partes da África até ao presente.

Os chineses, associados com uma posição do século XX, nada têm a dizer à formal posição africana do século XXI. Talvez, e uma vez mais, olhando para trás se poderia negar à China a possibilidade de olhar o futuro que lhe pertence. Todavia, deve haver a consideração sobre a formulação da política externa chinesa que está a ser sujeita ao impulso e à tracção, nos termos que Graham Tillett Allison, Jr. descreve no seu livro “Reaking Foreign Policy: The Organizational Connection”, de diferentes organizações na ordem ideológica, económica e política chinesa, em que todos procuram adquirir posições em matéria de relações externas. Existem as estruturas organizadas do governo, como o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Gabinete do Primeiro-ministro do Conselho do Estado. Podemos dizer que as estruturas de pesquisa, particularmente do Ministério dos Negócios Estrangeiros, têm sido até agora menos fortes, pois há os órgãos de política externa do Exército de Libertação do Povo Chinês, e acima os comités de política externa do Partido Comunista Chinês.

As instituições financeiras chinesas, cada vez mais, têm uma grande palavra a dizer em toda a conjuntura. Todavia, os órgãos do partido são os mais importantes em matéria de tomada de decisões e ninguém sabe como funcionam. Na ausência de uma figura como Zhou Enlai, que foi correctamente e propositadamente impenetrável, pela sua sobrevivência política, poucos líderes existem com carácter ou personalidade, que se possa dizer terem carregado um poderoso ethos pessoal para o domínio global, como foram os casos de Zhou Enlai e Kissinger.

1 Dez 2017

A emergência da China (I)

“Zhou Enlai was a quintessential Chinese leader and devoted his postwar career to preserving and promoting Chinese national interests until his death.”
“The Making of China’s Peace with Japan: What Xi Jinping Should Learn from Zhou Enlai” – Mayumi Itoh

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Imperador Napoleão afirmou que o mundo devia ter cuidado com o dragão adormecido, para que não o despertasse. A China não estava apenas adormecida, mas perdida num tempo antes da modernidade e incapaz de emergir do sonho denso de um mundo anterior, no qual tinha sido o país mais avançado do planeta, certamente o mais virtuoso e sábio, mas de alguma forma foi submerso pelo poder e pelos saques do que antes eram Estados bárbaros com regras primitivas e populações rudes. O arrastamento de uma China sonâmbula para a globalização foi um enorme choque para um império que se tinha isolado. As potências imperiais do século XIX, unidas por uma rápida modernização do Japão, sujeitaram a China a enormes humilhações que continuaram no século XX, especialmente por parte do Japão que ocupou uma grande parte do seu território nos anos anteriores à II Guerra Mundial.

Os chineses não se solidarizaram, pois encontravam-se divididos em dois campos armados concorrentes, com aspirações para duas formas muito diferentes de República, uma administração de fantoches japoneses, e vários enclaves do senhor da guerra. Os exércitos chineses, não importa o quão desesperadamente e tardiamente se procuraram modernizar-se, acabaram por sucumbir diante dos japoneses devido à sua terrível liderança. A facção nacionalista do “Kuomintang” (Partido Nacionalista Chinês), liderado por Chiang Kai- shek, foi um aliado dos Estados Unidos, Reino Unido e da União Soviética durante a guerra, e lutou com os britânicos na Birmânia, mas enfrentou quer o exército o japonês, como o exército comunista do Presidente Mao. No final da II Guerra Mundial, a luta continuou na China, e os comunistas saíram vitoriosos em 1949, dirigindo as forças nacionalistas de Chiang para o exílio na ilha de Taiwan.

Todavia, a China estava em ruínas e o regime comunista iniciava as suas novas políticas sociais e económicas, com grande custo para a estabilidade do país. A diplomacia foi, com excepção da União Soviética comunista uma prioridade e os Estados Unidos como aliado dos nacionalistas derrotados, determinante no congelamento da China à diplomacia internacional, retirando-lhe respeitabilidade. Os Estados Unidos, utilizando o seu poder de veto nas novas Nações Unidas, impediram a China de ocupar o seu lugar no Conselho de Segurança, mantendo o regime nacionalista no seu lugar da ONU. As relações com a União Soviética começaram a arrefecer, em 1956, quando Nikita Khrushchev iniciou o processo de repudiar os excessos tirânicos de Estaline. Os chineses consideraram como o ínicio de um revisionismo muito longo, o que justificou uma nova diplomacia, com o fim de encontrar aliados em um mundo mais vasto. O lugar de primeiro secretário do partido comunista soviético foi ocupado por Khrushchev, após a morte de Estaline em 1953, e não havia indicações públicas de que se iria desviar significativamente do legado que tinha herdado. O discurso de quatro horas de Khrushchev, em 25 de fevereiro de 1956, foi de acusação a Estaline por ter conduzido um culto de personalidade, assustando desse modo todo o mundo comunista, incluindo a China.

Tornou-se claro para os chineses, mesmo antes do discurso, que confiar unicamente na União Soviética, em termos de apoio diplomático era imprudente. O primeiro-ministro chinês Zhou Enlai, assistiu à “Conferência Afro-asiática de Bandung”, que se realizou entre 18 e 24 de Abril de 1955, e que foi uma enorme reunião de líderes do mundo emergente e o precursor-chave para o “Movimento dos Países Não Alinhados (MNA)”, que reuniu cento e quinze países, tendo proferido um discurso que constituiu um marco no movimento. A incursão diplomática do primeiro-ministro chinês teve como fim a procura de aliados diplomáticos e grangear a apreciação internacional para o que China tinha realizado. Simultaneamente, foi uma tentativa da China de reconhecer que outros também tinham passado por um século ou mais de uma terrível imperialização. Os chineses tinham estado demasiado isolados do mundo, não tinha fundamentos empíricos para a solidariedade e não poderiam ser por razões ideológicas, pois a maioria do mundo afro-asiático não era comunista, embora muitos países tivessem inclinações para uma forma ou outra de socialismo.

O primeiro-ministro Zhou fez um discurso de empatia, baseado essencialmente em principios éticos, referindo o facto de outros países os terem despojado e que os chineses os ajudariam. Outros países impuseram a sua soberania e os chineses não interfeririam nos assuntos internos dos países, cujo funcionamento pertencia exclusivamente aos seus governos. A combinação de assistência e não-intervenção ou não-interferência tem sido algo que os chineses aplicaram como principío e grande motivação desde essa época. A China, no seguimento da “Conferência de Bandung”, iniciou a sua assistência financeira às nações emergentes, apesar da Republica Popular da China (RPC) ter apenas sete anos de existência e o seu governo, gerir um país desesperadamente pobre e subdesenvolvido. Os modelos de arranque rápido do presidente Mao para apressar a modernização e a industrialização não resultaram e tiveram enormes custos em termos de deslocamento social. O presidente Mao era um poeta visionário que tentava ser um planeador industrial, com desconhecimento de indústria ou industrialização, dado não ser esse o seu mester.

Os que o rodeavam, como o primeiro-ministro Zhou e mais tarde Deng Xiaoping, pegaram nas peças do quebra-cabeças e tentaram construir com sucesso uma ordem pragmática e científica para o desenvolvimento chinês. O primeiro-ministro Zhou liderou o caminho em termos de relações internacionais com o seu discurso de Bandung, tendo sido extremamente influente e pioneiro nos conceitos das “quatro modernizações”, em 1963. O primeiro-ministro Zhou, também foi pioneiro no que mais tarde se designou pela “Teoria dos Três Mundos”, que considera que as relações internacionais compreendem três mundos político-económicos, em que Primeiro Mundo, compreendia as superpotências, o Segundo Mundo, compreendia os países aliados das superpotências e o Terceiro Mundo, compreendia os países do MNA. Ainda que, esta teoria tenha sido articulada como a visão oficial do mundo chinês, novamente por Deng Xiaoping, num discurso na ONU, em 1974, foi o primeiro-ministro Zhou, que estabeleceu o seu conteúdo na década de 1960. Foi bastante poético para o presidente Mao ter-se entusiamado com o tema e ter sido oficialmente declarado como uma formulação sua, aplaudida pela presidente da Zâmbia, Kenneth Kaunda, considerado como um rei-filósofo africano, durante a visita à China, em 1974.

Os temas enunciados pelo primeiro-ministro Zhou, em Bandung, desenvolveram-se, mas antes de 1974, ocorreu um evento diplomático inovador, que deu à China a liberdade internacional para desenvolver a sua visão de Bandung e a aproximação com os Estados Unidos ocorreu. A teoria das quatro modernizações foi mais tarde considerada como política pelo sucessor do presidente Mao, Deng Xiaoping, em 1978. As modernizações foram fundamentais para a China desenvolver o seu sector industrial e, portanto, a base económica que era necessária às suas relações internacionais de assistência aos outros países, bem como para a concorrência com o mundo ocidental desenvolvido. A aproximação dos Estados Unidos e da China foi um objectivo de Henry Kissinger, que desejava três situações, sendo a primeira, a liberdade de enfrentar a União Soviética, como uma superpotência antagonista única, sem a interferência da China. como outro poder conflituante; em segundo, um sentido de limites responsáveis ao comportamento regional chinês, devendo os Estados Unidos sair com sucesso da guerra de Vietname; e, em terceiro, a incorporação da China no concerto das grandes potências, quer para o tornar credível e viável, com nenhum país a jogar cartas viciadas fora da mesa e obrigar os chineses a respeitar as regras de ser parte de um concerto de nações, e, fossem previsíveis as suas acções.

Os chineses consideraram razoável, o que significava que China não tinha que enfrentar, quer a União Soviética, como os Estados Unidos, sendo um enorme passo para uma região mais pacífica, se de facto os Estados Unidos resolvessem os seus interesses no Vietname. A China seria reconhecida, finalmente, como uma grande potência, mesmo estando dentro do concerto de nações, terminando assim a era das humilhações e que poderiam ser tomadas medidas para alcançar o progresso económico, em um regime comercial que não excluía o Ocidente e, em particular, os Estados Unidos. Todavia, Kissinger não tinha ligações diplomáticas directas com a China. Além disso, o conhecimento da China por parte dos Estados Unidos era limitado, dada a purga de linguistas e sinólogos do Departamento de Estado durante a era de McCarthy, anti-comunista de caça-bruxas. Os chineses não se encontravam em melhor posição.

Até certo ponto, sem processos organizacionais e sem planeamento dos temas, os papéis fundamentais desempenhados por Kissinger e Zhou, representaram a forma mais pura de comportamento do actor racional, visto na diplomacia internacional do pós-guerra, embora, no bom sentido deva ser entendido que as duas individualidades confiaram altamente na intuição. O seu sucesso em poder desenvolver uma formidável empatia pessoal foi um acidente da história. Kissinger teve que fazer a referência a ditadores como porta de entrada, e os chineses tiveram que implantar o ténis de mesa como símbolo de que uma nova história era possível. Olhando para trás, revela que tal estratégia foi de certa forma idiota. Kissinger fez as conversações secretas de abertura diplomática em 1970 com o presidente paquistanês Yahya Khan, ex-responsável pela rebelião no Paquistão Oriental no mesmo ano, e eventualmente da sangrenta secessão do Bangladesh e com o romeno Nicolae Ceausescu, o último ditador comunista que certamente não lamentou as atrocidades cometidas de sessenta mil mortos, quando foi sumariamente executado, a 25 de Dezembro de1989, tendo Kissinger pedido a ambos que usassem os seus bons ofícios para demonstrar a vontade de conversar com a China.

A China mostrou que estava disposta à abertura de conversações diplomáticas e usou o subterfúgio de convidar atletas dos Estados Unidos a jogar uma partida de ténis de mesa no seu território, tendo acontecido em Abril de 1971. No isolamento diplomático da China, após a II Guerra Mundial e na era subsequente de hostilidade política, nenhum contacto desse tipo parecia possível. Foi o advento da “Diplomacia de Ping-Pong”, e o sentido geral internacional foi de que as relações entre os Estados Unidos e a China poderiam estar descongeladas. Mesmo assim, Kissinger fez duas visitas secretas à China, em Julho e Outubro de 1971, e trabalhou com o primeiro-ministro Zhou Enlai na preparação da visita pública do presidente Nixon à China, em 1972. A visita foi cheia de pompa, mas era apenas o rosto de uma aproximação, cujos detalhes tinham pouco a ver com Nixon ou Mao. Ainda que do lado chinês tivesse quase tudo a ver com Zhou, não existia uma confiança total nos Estados Unidos, como nunca se daria até ao presente. Após tantos anos de hostilidade, não era possível uma transformação do dia para a noite no que concerne à política externa. Os chineses continuaram a trabalhar na “Teoria dos Três Mundos”.

A teoria real não durou muito tempo como uma conceptualização activa do mundo. Era mais um sentimentalismo que qualquer outra coisa, tendo o sentido de que a China tinha um papel de liderança, especialmente, entre os que também estavam a sair da humilhação. A teoria propôs um Primeiro Mundo de alcance e ambição imperial, e isso era uma união conjunta dos Estados Unidos e da União Soviética, ou seja, as duas grandes superpotências ainda procuravam o domínio global. O Segundo Mundo era constituído por uma zona intermediária, consistindo nos países da Europa, embora a teoria não o dissesse, pois os chineses nunca tiveram uma abordagem articulada da América do Sul. Este mundo poderia ser cortejado pelo Primeiro ou pelo Terceiro Mundo e o sucesso desse namoro poderia determinar a luta de poder entre o Primeiro e o Terceiro. Nesse sentido, a teoria tinha objectivos diplomáticos. O Terceiro Mundo era basicamente o mundo emergente, o não alinhado, mas com um retoque que consistia em ser um mundo liderado, defendido e protegido pela China.

Foi esse conceito de que a China poderia fazer essas coisas e que outros países do Terceiro Mundo desejariam que as fizesse mas que nunca as faria contra os interesses desses países, que em muito pouco tempo se revelaria falso. A União Soviética, em 1979, de “fora de um céu azul”, que tem o significado de um evento que ocorre inesperadamente, sem qualquer aviso ou preparação, como os estrategistas militares ocidentais descreveram, ou seja, sem sinais de alerta ou mesmo sinais visíveis de preparação, invadiram o Afeganistão. O Ocidente não conseguiu impedi-lo e nem o poderia fazer a China. Uma parte do Terceiro Mundo foi ultrapassada por metade do Primeiro Mundo e a China, longe de ser o seu efectivo campeão e protector, só podia assistir, tão surpreendida e despreparada como o Ocidente.

Todavia, outro evento significativo ocorreu entre 17 Fevereiro a 16 de Março de 1979, que foi a invasão do Vietname pela China. Tendo sido aliado do Vietname do Norte na guerra contra os Estados Unidos e o regime por estes apoiado no sul, os chineses envolveram-se num conflito com o estado unificado que ajudaram a criar. A invasão foi breve. Os vietnamitas sentiram o embaraço e afastaram as forças chinesas, sem ter havido um derrotado. Endurecidos por anos de luta contra os Estados Unidos, os chineses eram simplesmente mais do mesmo. Mas esse foi precisamente o problema. A China comportou-se como um gigante do Primeiro Mundo, não estando a defender essa parte do Terceiro Mundo. Após 1979, a teoria nunca foi novamente mencionada. Isto não significou que os chineses abandonaram o princípio da solidariedade com o mundo emergente. A China simplesmente percebeu que não poderia ser automaticamente o seu líder. A China também percebeu que tinha muito a aprender sobre as complexidades e as ambições desse mundo. Estas podiam não coincidir com as ambições chinesas, podendo até, no caso dos vietnamitas, ser contra elas.

25 Nov 2017

A China e a liderança na Ásia Oriental (II)

“The emerging U.S.-China bipolarity will be tense but stable because balancing will be efficient and misjudgments about each other’s capabilities and intentions will be minimized.”
“Managing Hegemony in East Asia: China’s Rise in Historical Perspective” – Yuan-kang Wang

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China no mar da China Meridional, contra as Filipinas muito mais fraca e o Vietname não-alinhado, está disposta a intensificar o discurso do seu primado histórico auto-declarado na região. O confronto de Scarborough Shoal, refere-se às tensões entre a China e as Filipinas que começaram a 8 de Abril de 2012, com a apreensão pela marinha filipina de oito navios de pesca chineses no disputado local, tendo no mesmo dia um avião de vigilância, avistado oito navios de pesca chineses ancorados nas águas objecto de reivindicação. O navio patrulha foi enviado no mesmo dia para pesquisar o local e confirmou a presença das embarcações de pesca, e as suas actividades, tendo a 10 de Abril de 2012, constatado a captura de peixe, pelos navios de pesca chineses.

A equipa de inspecção filipina descobriu corais apanhados ilegalmente, mariscos e tubarões vivos dentro de um dos navios. O navio patrulha filipino tentou prender os pescadores chineses, mas foram impedidos pelos navios chineses de vigilância marítima e desde então, a tensão continuou entre os dois países. A defesa económica que a China teve na região foi mostrada pela resposta de muitos legisladores e empresários filipinos que advertiram o governo para não provocar a China, pois prejudicaria as relações comerciais entre os dois países. A reacção chinesa era de congelar a importação de frutas filipinas, arriscando o emprego de duzentos mil trabalhadores da indústria bananeira, e limitar os voos para as Filipinas por alegados motivos de segurança.

Alguns meios de comunicação social chineses solicitaram que o governo se envolvesse numa guerra de pequenas dimensões com as Filipinas para resolver de vez o conflito. Após dois anos, em 2014, a China instalou uma grande plataforma de exploração de petróleo dentro da Zona Económica Exclusiva do Vietname, acompanhada de navios de guerra e da guarda costeira. Todos os navios vietnamitas que tentaram entrar nas imediações foram atingidos ou atacados com canhões de água de alta pressão. Ainda que a China esteja a explorar o petróleo, o Vietname tenta manter o equílibrio com outras potências regionais e comprou à Rússia seis submarinos de ataque a diesel, bem como uma grande quantidade de mísseis antinavio.

As Filipinas, por outro lado, decidiram renovar a sua antiga aliança com os Estados Unidos, apesar das menos boas e complexas relações que os dois países atravessam, depois da eleição do Presidente Rodrigo Duterte, que pretende fazer uma política externa independente, sem a vassalagem dos seus aliados. Os Estados Unidos são o país-chave em qualquer tentativa de formar uma coligação de equilíbrio para conter o poder da China. É de relembrar que um dos momentos mais complexos dos últimos quarenta anos das relações sino-americanas, foi a crise do Estreito de Taiwan, em 1996. A política de uma China única, exerceu influência sobre os eleitores da ilha para não votarem em um partido político pró-independência, realizando uma série de exercícios militares no Estreito.

Os Estados Unidos, retaliaram, em ingerência de política considerada interna chinesa, enviando dois porta-aviões para a área, sem que se tenha produzido qualquer conflito. A China, desde meados da década de 1990, empreendeu um programa bem financiado de modernização militar. É uma tentativa de contrariar a potencial projecção das forças armadas americanas, dentro das águas disputadas do primeiro grupo de ilhas. A desvalorização das forças navais dos Estados Unidos e a liberdade de movimento nos mares do Leste e do Sul da China é vital. A capacidade da China de manter a marinha dos Estados Unidos afastada das águas da Ásia Oriental, constitui uma condição necessária e quase suficiente para deter uma hegemonia regional.

A grande maioria dos académicos nacionalistas reconhecem que a China cometeu um erro histórico, ao ignorar os oceanos e que a falta de preparação para a guerra naval, levou às humilhações do século XIX, e esta sensação foi mostrada em uma conferência na Universidade de Pequim, em 2007, onde a maioria dos oficiais militares, analistas do governo e académicos participantes, apoiaram a construção de uma grande marinha equipada com porta-aviões. Todavia, não é uma tarefa fácil, construir e criar uma frota de mar que poderá levar várias décadas a concretizar pela marinha do Exército de Libertação Popular, para alcançar a paridade com a marinha dos Estados Unidos.

Os militares chineses estão a construir a possibilidade e a capacidade de deter as operações americanas no Leste Asiático. A sua estratégia de dissuasão poderá ser o do uso de uma táctica militar chamada de “negação de área”, que inclui o uso extensivo de mísseis anti-aéreos e antinavio, que podem causar uma alta taxa de risco para os aviões dos Estados Unidos em qualquer conflito, dentro do primeiro conjunto de ilhas, o que faria afastar a marinha americana para longe do continente chinês, dificultando a sua flexibilidade operacional. Todavia, qualquer tentativa de consideração de hegemonia regional será reduzida por várias desvantagens da China.

A China, em termos de tecnologia militar, ainda se encontra muitos anos atrás dos americanos, ainda que esteja a evoluir a passos de gigante, dependendo da Rússia para a maioria dos seus equipamentos militares de ponta, incluindo motores para o seu avião de combate. Os submarinos nucleares que estão a ser construidos são similares à tecnologia da Guerra Fria e não são comparáveis ao actual equipamento da marinha americana. Os Estados Unidos, por outro lado, têm as suas debilidades. A guerra económica provavelmente funcionaria melhor contra a China, mesmo integrada mundialmente, quando comparada com a Guerra Fria contra a União Soviética que criou enormes prejuízos aos Estados Unidos e o assassinato do presidente John Kennedy.

Os Estados Unidos e a China estão em um relacionamento mutuamente seguro economicamente, e cada um pode retaliar em uma guerra económica iniciada pela outra. Todas as acções mal calculadas dos Estados Unidos podem empurrar alguns dos seus aliados do Leste Asiático para o lado da China. A força da influência económica da China não deve ser subestimada. Actualmente, existem oitenta países no mundo que têm a China como seu maior parceiro comercial. O comércio com a China é vital para a prosperidade dos países da ASEAN, pois dado o tamanho da classe média chinesa ainda em crescimento, é óbvio que a Organização Regional precisa mais do mercado chinês, do que o inverso. É de prever que até 2018, a China seja a maior economia do mundo, em termos de PIB. É natural que a China deseje dominar a sua região, porque em um mundo sem uma autoridade hegemónica, somente os países que maximizam o seu poder podem, tal como defende o realismo ofensivo, garantir a sua sobrevivência.

A China pode precisar de hegemonia regional para garantir o seu acesso às reservas mundiais de combustível fóssil, dado que na década de 2030, prevê-se que precisará de importar 80 por cento das suas reservas de petróleo, provenientes do Golfo Pérsico e do Estreito de Malaca. A situação, indiscutivelmente levará a China a ser ainda mais assertiva na reivindicação do primado no Mar da China Meridional. Além disso, se o crescimento económico actual da China continuar nas próximas décadas, e os seus gastos militares seguirem uma trajetória idêntica, pode ser difícil para os actores regionais resistirem ao seu poder. Se os Estados Unidos e os seus aliados regionais não conseguirem criar uma coligação de equilíbrio efectiva, terão grandes dificuldades em fazer face às movimentações da China. A China poderia alcançar a hegemonia regional de forma viável, e ser inatacável em virtude do seu tamanho económico e da sua capacidade militar.

A China foi o poder hegemónico no Leste Asiático durante séculos, antes dos europeus e americanos abrirem a região ao comércio no século XIX. Após o sucesso das reformas económicas de Deng Xiaoping, a China é mais uma vez um jogador na região e no cenário mundial e de acordo com a teoria do realismo ofensivo, é provável que a China faça uma tentativa em direcção à hegemonia regional. O seu comportamento nos mares do Leste e do Sul da China, bem como o crescente poderio militar e o surgimento do nacionalismo no país, dão a entender que tal processo se iniciou. A China, no entanto, ainda não possui as capacidades militares para desafiar os Estados Unidos em um confronto directo. Se os Estados Unidos puderem criar uma coligação efectiva de equilíbrio, o poder chinês será contido.

A China ainda não é uma hegemonia regional, mas se o seu potencial continuar a crescer de forma económica e militar como se prevê, pode ser uma força irresistível de conter, pelo que os actores regionais podem não ter outra escolha senão o de acomodar a China devido à sua própria sobrevivência econômica, e por falta de capacidade para contrabalançar militarmente. Se vasculharmos a memória o Comunicado de Xangai, também chamado de Comunicado Conjunto dos Estados Unidos da América e da República Popular da China (RPC), que foi assinado durante a visita do presidente Richard Nixon à China, em 1972, tendo levado a uma aproximação sino-americana que teve um impacto dramático na geopolítica asiática. Tal, aconteceu após a visita igualmente importante e secreta à China do então conselheiro de segurança nacional de Nixon, Henry Kissinger.

As palavras consignadas no comunicado são particularmente significativas, afirmando que não devem procurar a hegemonia na região da Ásia-Pacífico, e cada uma das potências opõe-se aos esforços de qualquer outro país ou grupo de países para estabelecer tal hegemonia… A China nunca será uma superpotência e opõe-se à hegemonia e política de poder de qualquer tipo. Os Estados Unidos naquele momento não reconheceram a RPC. O assento chinês na ONU foi ocupado pela designada República da China, até 25 de Outubro de 1971, quando foi aprovada a resolução 2758, pela Assembleia Geral da ONU, substituindo Taiwan pela RPC, em todas as suas instâncias e organismos. A 23 de Novembro de 1971, tornou-se membro permanente do Conselho de Segurança com direito a veto. Os Estados Unidos, contudo, só reconheceram oficialmente a RPC como o único governo legítimo da China, a 1 de Janeiro de 1979.

O que fez os Estados Unidos mudarem a sua política em relação à RPC? A União Soviética e a RPC sofreram um conflito fronteiriço em 1969. A divisão sino-soviética foi um dos principais determinantes da política americana para com a China. Era geopolíticamente prudente que os Estados Unidos dividissem o conjunto de irmãos comunistas A RPC de Mao Tsé-Tung nunca se viu como um pequeno irmão da União Soviética. Existia um pensamento geopolítico bastante simples para enfrentar uma nação comunista contra outra e verificar a expansão daquele que era o inimigo e concorrente dos Estados Unidos no ambiente de segurança global. O inimigo era a União Soviética. À China, importava o entendimento com um poder extra-regional para verificar os avanços de um grande poder ao seu redor e nada melhor que a estratégia de uma nação comunista unida a uma nação capitalista para verificar as tendências hegemónicas de outra nação comunista na Ásia-Pacífico.

Todavia, os cálculos geopolíticos, parecem ser muito estranhos no século XXI. Um documento de estratégia divulgado pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos, em Janeiro de 2012, com o título “Sustentando a liderança global: prioridade para a defesa do século XXI” afirma que o crescimento do poder militar da China deve ser acompanhado por uma maior clareza das suas intenções estratégicas para evitar causar fricção na região. Além disso, as considerações resultantes de subsequentes debates, examinam a probabilidade de uma armadilha de Tucídides nas relações entre os Estados Unidos e a China, pelo que se sentia a inevitabilidade da procura da hegemonia regional da China na Ásia-Pacífico, que poderia criar um iminente conflito entre os dois países. Assim, existe matéria combustível suficiente na região, incluindo a estratégia de negação de área/anti-acesso da China aos mares do Sul e do Leste da China versus a posição da América quanto à liberdade de navegação e operações marítimas na região e as tensões sobre o Estreito de Taiwan.

O que tais situações implicam em termos de comportamento para uma grande potência e a continuidade e mudança das suas percepções de ameaças? Tal, significa que qualquer país que goze de um grande estatuto de poder ao ter uma hegemonia estabelecida no seu hemisfério, como os Estados Unidos no hemisfério ocidental, detestaria o surgimento de outro concorrente em outro hemisfério, neste caso o provável aumento da China como uma hegemonia no hemisfério oriental? Nesse caso, o medo do surgimento de outra hegemonia regional que restringa o acesso do estatuto hegemónico a essa região certamente será desafiado, independentemente de quem é o actor.

A União Soviética durante a Guerra Fria foi claramente o inimigo dos Estados Unidos e teve que ser combatida por todos os meios possíveis, incluindo cedências e acordos impressionantes com uma China que tinha mais ou menos os mesmos valores políticos e que transtornou os Estados Unidos. Os Estados Unidos tentaram de tudo, incluindo apoiar as forças do Kuomintang contra as forças comunistas na Guerra Civil chinesa e, mais tarde, espicaçar uma Índia não-alinhada para actuar como contrapeso contra uma China comunista antes de procurar uma aproximação. Actualmente, um dos maiores desafios para os Estados Unidos é usar velhas e novas ferramentas que variam entre estratégias de cooperação e coerção para gerir o crescimento da China.

Os Estados Unidos, que parecem querer retirar-se da liderança global, enfrentam uma China que, sob o comando do seu poderoso líder, presidente Xi Jinping, abandonou a estratégia de ocultar e abraçou plenamente a estratégia do “Sonho Chinês” que querem partilhar com o mundo, e em particular com os Estados Unidos, para que reconheçam que o tempo da China chegou. Os chineses desejam mais influência, respeito e espaço. Esses desejos parecem todos abrangentes em termos das implicações de uma China que tem visto o crescimento político, económico e militar e mostra intenções de remodelar normas e regras globais à sua imagem.

A influência económica da China é palpável mesmo entre os países com os quais compartilha equações de segurança adversas, levando a análises que alguns países queiram alinhar com a China em questões económicas e com os Estados Unidos em questões de segurança. A demarcação enganosa e simples dificilmente se desenrola facilmente na complexa geopolítica do século XXI. Os empreendimentos económicos da China, incluindo a ambiciosa “Iniciativa uma cintura, uma estrada (BRI na sigla inglesa) ”, têm objectivos estratégicos. O nome dado à iniciativa não ajuda a esclarecimentos. A “cintura” refere-se às ligações terrestres entre a China e a Ásia Central, reproduzindo a rota da seda que durante séculos foi o eixo que dominou o comércio mundial entre o Extremo Oriente e a Europa, pois foi a descoberta do caminho marítimo para a Índia por Vasco da Gama, no final do século XV, que coincidiu com o seu declínio. A “estrada” trata-se da rota marítima através da qual a China pretende reforçar a sua ligação ao Sudeste Asiático, e conectá-la a África, onde a presença de empresas chinesas é assinalável.

Os corredores de conectividade e os seus resultados económicos para a China são ingredientes do pensamento do país de distribuir bens públicos no sistema internacional como uma grande potência. Mas ainda não está claro quais são os compromissos para a generosidade chinesa e qual a oportunidade que os países estão dispostos a pagar por enredar-se com os projectos geopolíticos e geoeconómicos chineses. O que tudo isso implica para a liderança global dos Estados Unidos e compromissos com países preocupados com uma China forte, ainda estão enredados na rede económica chinesa? O julgamento ainda está fora da natureza da dinâmica Estados Unidos-China e das suas implicações para a geopolítica global. No entanto, uma coisa parece ser clara, que é a procura da hegemonia e do jogo do equilíbrio de poder ser uma constante, pois apenas os actores mudam.

[LEIA A PRIMEIRA PARTE DESTE ARTIGO]
8 Nov 2017

A China e a liderança na Ásia Oriental  (I)

“China’s rising power is chipping away at the unipolar structure of the world. The power gap between China and the United States continues to shrink. China’s rise will challenge the U.S policy of maintaining the balance of power in Asia. President Obama’s “pivot” to Asia is an effort to rebalance the distribution of power in the region. Most Asian nations prefer to have the United States as an offshore balancer, an option that they did not have in their pre-modern history. A security dilemma is operating in U.S.-China relations, causing a deepening strategic distrust between the two countries.”
“Managing Hegemony in East Asia: China’s Rise in Historical Perspective” – Yuan-kang Wang

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China foi o poder dominante na Ásia Oriental durante séculos antes da chegada do imperialismo ocidental no século XIX. Após quase trinta anos de crescimento económico espectacular, a China está novamente preparada para retomar o seu lugar, como poder hegemónico regional. O argumento advém do facto da China, apesar das suas aspirações a um novo domínio na Ásia Oriental, ainda não estar em condições de desafiar a preponderância militar dos Estados Unidos no Pacífico Ocidental. Fazendo uso da epistemologia objectiva do neorrealismo e das ferramentas teóricas do realismo ofensivo, damo-nos conta das razões que motivam a China a querer ser o poder regional dominante.

O desejo de hegemonia levou a acções contudentes nos mares do Leste e do Sul da China, bem como a um crescimento do nacionalismo chinês, o que conduziu alguns países da região a reforçar os seus laços com os Estados Unidos, aumentando as probabilidades da tentativa de formação de uma coligação de equilibrio, para conter a ideia da China de domínio regional. Todavia, é reconhecido que o crescimento aparentemente imparável da economia chinesa, em conjunto com o aumento dos gastos com a defesa, pode ser uma força irresistível a longo prazo, o que pode levar a uma situação, em que a maioria dos actores regionais concilie a necessidade económica, bem como a realidade militar, e aceite a primazia chinesa no Leste Asiático, conjuntamente com o aumento das despesas de defesa.

A definição proeminente de hegemonia tem subjacente a ideia neo-gramsciana do consentimento, o que significa a aceitação do pensamento de hegemonia a liderar as forças sociais dentro de um determinado Estado. O termo mais correcto, é o proposto pelo cientista político americano, John Mearsheimer, que claramente o define no texto “The Gathering Storm: China’s Challenge to US Power in Asia” de 2010, desenvolvido no seu livro “The Tragedy of Great Power Politics”, e que desde 2001, data em que lançou a primeira versão da sua teoria sobre o realismo ofensivo, defende que a hegemonia é o facto de um país ser tão poderoso que domina todos os outros, ou seja, nenhum outro país tem os recursos militares para o enfrentar em um conflito sério.

É de considerar que em essência, uma hegemonia é o único grande poder no sistema, pois de  acordo com a teoria do realismo ofensivo, é natural que uma grande potência como a China procure a hegemonia regional, que é uma posição que os Estados Unidos actualmente detém no Hemisfério Ocidental.  Ainda, considerando um sistema internacional anárquico, sem autoridade principal para recorrer, a sobrevivência é o principal objectivo, uma vez  que os países nunca podem ter a certeza das intenções de outros actores.

Assim, em um mundo de auto-ajuda, a China ganha por ser o poder mais seguro, económico e militar. Chegar à posição de ser uma hegemonia regional sem concorrentes de igual peso, dar-lhe-ia a capacidade de alterar o equilíbrio de poder em outras regiões do mundo. O neorrealismo, alternadamente chamado de realismo defensivo, difere nesta matéria do realismo ofensivo. O americano, neo-realista ou realista estrutural, cientista de relações internacionais, Kenneth Waltz, argumenta que um  poder excessivo pode induzir outros países a aumentar os seus aliados e a agrupar os esforços e segundo essa visão, podem formar uma “coligação de equilíbrio” para evitar o aumento de um poder dominante.

Tendo em conta essas premissas, seria bastante racional para a China não antagonizar os seus vizinhos construindo um predomínio de poder que juntamente com os Estados Unidos, levem a formar uma aliança contra si. Os realistas ofensivos, no entanto, argumentam que a hegemonia regional é a única forma segura de manter a sobrevivência. Os actores estatais, portanto, devem estar sempre atentos a momentos oportunos para maximizar o seu poder. Talvez, tenha sido a perda da hegemonia regional da China, em meados do século XIX e o subsequente “século de humilhação”, que ilustra perfeitamente esta situação. Por mais de dois mil anos, a China e a civilização sínica foram a força política e cultural dominante na Ásia Oriental.

A sua hegemonia sobre a região foi demonstrada pelo sistema de tributo institucionalizado, após o qual as nações estrangeiras reconheciam o seu estatuto inferior em comparação com os chineses. Uma das formas como o  faziam era enviando missões diplomáticas ao imperador chinês. Essas missões levaram consigo presentes caros e incluíam elaborados procedimentos de subserviência ao imperador, que deveriam ser conduzidos por embaixadores estrangeiros para que as relações comerciais se iniciassem.  É de referir que esse sistema esteve activo, e impediu que as guerras interestaduais se estendessem e até mesmo restringissem o comportamento chinês, em relação aos seus vizinhos mais fracos. Mas essa ideia de um sistema regional pacífico sob hegemonia chinesa é negada pela estimativa de que os estados chineses lutaram em três mil e setecentas e cinquenta e seis guerras desde de 770 aC até 1912, com uma média de 1.4 guerras por ano.

O sistema de tributo ainda era uma ordem internacional de natureza anárquica, mas com um arranjo hierárquico que tinha a China como o poder predominante,  e que por força desse poder e recursos esmagadores, desenvolveu um conjunto de regras e instituições para governar as ligações entre si e os outros actores políticos. A China desenvolveu relações externas dentros dos seus canônes, o que sem dúvida, poderia explicar a razão pela qual a Ásia Oriental era pacífica, sob o domínio chinês, não sendo tão consensual quanto submissa diante de uma poderosa hegemonia. A predominância de poder da China, em termos neorrealistas, era o garante  da paz, pois nenhuma combinação de actores regionais poderia coligar-se contra si. Todavia, nas áreas onde estavam em desvantagem militar, como, por exemplo, contra as tribos nómadas do norte, que tinham um excelente conhecimento táctico da guerra de cavalaria, o conflito não foi evitado, porque os nómadas se recusaram a aceitar a superioridade chinesa. O problema psicológico que o sistema de tributo pode ter causado, foi de que a China não se apercebeu do quanto dominante era, tendo ficado em situação de negligência com a sua primazia regional. Assim, quando o imperialismo ocidental chegou à Ásia Oriental no século XIX, o pensamento chinês era muito intuitivo para poder enfrentar o desafio da superioridade tecnológica do Ocidente.

Os acontecimentos do passado foram demonstrados pela humilhação da China ao ser derrotada pela Grã-Bretanha na Primeira Guerra do Ópio de 1840 a 1842, tendo nas décadas subsequentes produzido a abertura do país pelos europeus e americanos, em uma série de tratados desiguais. Talvez, a lição mais importante que os chineses tenham aprendido sobre a necessidade de acumular o máximo de poder possível, foi a da  ocupação humilhante que o Império japonês lhes infligiu, após o incidente da Ponte Marco Polo, em 1937. Os fortes sentimentos negativos da ocupação japonesam, estão na memória dos chineses, e foi demonstrado pelos tumultos anti-japoneses de 2005. Tal, ocorreu depois do Japão introduzir um livro escolar em que os crimes de guerra japoneses cometidos na China, estavam amenizados.

O nacionalismo está em ascensão na China em paralelo com o seu ressurgimento como potência regional e mundial. É a ferramenta usada para legitimar a regra do Partido Comunista Chinês, embora, até à década de 2000, a China ainda estivesse a seguir a estratégia de Deng Xiaoping para facilitar o seu crescimento, traduzido na máxima de observar com calma; assegurar a posição do país; lidar com os assuntos tranquilamente; esconder as capacidades e aguardar pelo melhor  tempo; manter um baixo perfil e nunca reivindicar a liderança. A China é uma potência muito mais forte do que há três décadas e, até 2010, graças às reformas económicas de Deng em 1978, é a segunda maior economia do mundo.

A conquista do crescimento económico tem sido tremenda, sendo o PIB da China em 1979 de apenas 10 por cento do Japão. O seu PIB, actualmente, é duas vezes e meia maior que o do Japão. Alguns intelectuais chineses pediram uma nova ordem internacional hierárquica inspirada no termo relativo ao antigo conceito cultural chinês, denominado de “Sob o céu” ou “Tianxia”,  que conota o mundo geográfico ou o reino metafísico dos mortais, e mais tarde foi associado à soberania política e que teria melhor capacidade de resolver os conflitos do mundo que a ONU,  podendo ajudar a criar uma utopia pacífica mundial.

O mais provável, é que “Tianxia”  não é mais que uma nova hegemonia que reproduz o império hierárquico da China para o século XXI. Todavia, existe indubitavelmente um desejo na China de mudar a ordem internacional dominada pelo Ocidente. O enfraquecimento percebido dos Estados Unidos após a crise financeira de 2008, tornou a China mais confiante em afirmar os seus interesses na Ásia Oriental e sabemos que no início da década e milénio, o país era muito mais conciliador para com os seus vizinhos e quando se juntou ao Tratado de Amizade e Cooperação (TAC) da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN na sigla em inglês), em 2003, parecia estar a aceitar um mundo de instituições multilaterais sob o domínio americano. A China, entretanto, tornou-se mais poderosa e desenvolveu uma posição cada vez mais forte em relação aos seus vizinhos, podendo-se afirmar que segue na direcção da teoria do realismo ofensivo.

À medida que ganha mais poder, bem como interesses globais, é provável que deseje dominar a sua região para garantir a sua segurança, começando por tentar resolver as disputas territoriais segundo as suas regras. Os três principais conflitos que a China tem são com o Japão no Mar da China Oriental e com as Filipinas e o Vietname no Mar da China Meridional. As relações sino-japonesas, foram as mais amargas e contenciosas por vários motivos históricos. A China em 2004, foi oficialmente considerada como uma ameaça à segurança pelo Japão. A China considera fortemente a reivindicação do Japão às Ilhas Diaoyu/Senkaku, alegando que só foram entregues,  após a guerra sino-japonesa de 1894-1895 e deveriam ter sido devolvidas à China, após a II Guerra Mundial.

As reivindicações de reservas de petróleo na área variam entre os sessenta e cem milhões de barris calculados pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos e mais de cem mil milhões de barris calculados pela China. O nacionalismo também tem sido um factor igualmente importante na disputa, não estando nenhum dos lados disposto a mostrar qualquer fraqueza. No entanto, a falta de vontade da China de impulsionar a sua reivindicação fora dos limites do direito internacional, mostra o respeito pelas Forças de Autodefesa do Japão, e uma cautela quanto à estreita aliança do Japão com os Estados Unidos, sendo um exemplo de como a China ainda não atingiu o poderio suficiente para ser poder hegemónico na Ásia Oriental, mas acabará por sê-lo a seu tempo.

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27 Out 2017

A diplomacia do hambúrguer

“Eight months ago, Donald Trump proposed a round of burger diplomacy with North Korea’s leader Kim Jongun. He wouldn’t give him a state dinner, he said, possibly in an attempt to sound judicious, but “eating a hamburger at a conference table” would be a good way to open “a dialogue”. At the time, Mr. Trump’s words aroused much derision. Everyone with any opinion informed or not, agreed that it was simply ludicrous to propose a shared burger moment with the reclusive leader of a totalitarian state that is known for much bellicose posturing and some belligerent actions.”
“Can burger diplomacy win North Korea over?” – Rashmee Roshan Lall

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] mudança de acontecimentos incrivelmente perturbadora e muito previsível na Ásia Oriental, começou a 3 de Setembro de 2017, quando a Coreia do Norte testou com sucesso uma nova bomba nuclear. Tratou-se de um teste subterrâneo de uma bomba de hidrogénio, colocada na ponta de um míssil balístico intercontinental. O evento teve e imediatamente resposta por parte do presidente dos Estados Unidos, que condenou, afirmando que a Coreia do Norte é uma nação desonesta que se tornou uma grande ameaça e constrangimento para a China, que está a tentar ajudar, mas com pouco sucesso e qualquer ameaça para a América e seus territórios, incluindo as ilhas Guam ou os seus aliados, terá uma resposta militar maciça, eficaz e esmagadora.

O líder norte-coreano Kim Jong Un deve atender à voz unida do Conselho de Segurança da ONU, tendo todos os membros concordado unanimemente sobre a ameaça que a Coreia do Norte representa, e permanecem unânimes no seu compromisso com a desnuclearização da península coreana, não pondo sequer a hipótese da aniquilação total do país. A bomba de hidrogénio é muito mais poderosa que as bombas atómicas, ou bombas de fissão, que o país testou. A Coreia do Norte afirmou ter testado uma bomba de hidrogênio em Janeiro de 2016, mas os outros países, incluindo os Estados Unidos duvidaram.

A bomba nuclear que foi testada foi a maior e mais potente alguma vez efectuada pela Coreia do Norte. O Secretário-geral da ONU afirmou que o teste foi profundamente desestabilizador para a segurança regional, e o Conselho de Segurança da ONU reuniu-se de emergência no mesmo dia para discutir a questão, sendo de total condenação. O Conselho de Segurança tinha-se reunido uma semana antes depois da Coreia do Norte ter disparado um míssil que sobrevoou a ilha japonesa do norte de Hokkaido, tendo reprovado veementemente o acontecido. O Conselho de Segurança no início de Agosto aprovou por unanimidade um novo conjunto de sanções destinadas a travar a capacidade da Coreia do Norte de obter fundos para custear o seu programa nuclear.

É de recordar que durante meses, a Coreia do Norte absteve-se de realizar qualquer teste nuclear e de lançar mísseis sobre o Japão, mas parece ter decidido acabar com essa restrição. A nova série de sanções pode não ter efeitos práticos imediatos, pelo que o Japão e a Coreia do Sul defendem uma maior pressão diplomática sobre a Coreia do Norte. A rapidez que a Coreia do Norte tem usado para desenvolver o seu programa nuclear, apanhou muitos analistas desprevenidos, pelo facto de Kim Jong Un perseguir tão obstinadamente a aquisição de um poderio militar nuclear, mas que não constitui grande surpresa. Todavia, a grande parte das notícias actuais e as teses académicas explanam sobre a forma como o ditador norte-coreano, percorreu esse caminho, simplificando o entendimento sobre o mesmo, pela sua lógica. É importante corrigir o que existe de errado nas razões que levam a Coreia do Norte a este estádio, e entender o raciocínio de Kim Jong Un, pois é essencial para encontrar uma solução viável para a actual crise de tensão que amarra a região, como resultado das suas acções.

Os mais realistas pensam que compreendem completamente a sua motivação e estão a tocar trombetas aos quatro ventos, dado que que Kim Jong Un sente-se assustado com a possibilidade de potências exteriores  invadirem a Coreia do Norte para mudarem o regime. O ditador norte- coreano deve ter assistido com horror às acções do Ocidente, quando derrubou os governos no Afeganistão, Iraque e  Líbia porque possuíam regimes tirânicos que perseguiam o povo e ameaçavam a civilização ocidental. O líder norte-coreano, quase certamente, concluiu que o seu regime poderia ser o próximo e decidiu que o aumento da sua dissuasão nuclear seria a única forma de garantir a sua sobrevivência, e consequentemente, está à procura do rápido desenvolvimento do seu programa nuclear, preferindo que o seu povo coma erva, devido às  sanções hiper-restritivas, que abandonar o caminho do poderio nuclear.

A resposta americana foi a de aumentar o seu sistema de “Defesa Terminal de Alta Altitude (THAAD na lingua inglesa)” em países viznhos, aumentar o estado de alerta das suas forças navais na região, realizar exercícios militares de alto nível de dificuldade e complexidadel com a Coreia do Sul, procurar sempre mais restritivas sanções económicas e diplomáticas e uso de retórica inflamatória, que promete fogo e fúria, o que fez aumentar a determinação de Kim Jong Un de adquirir mais armas nucleares e mísseis balísticos, criando uma espécie de corrida armamentista. Ainda que possa parecer anacrónico, para ser justo com os mais realistas, parece que estão certos.

Todavia, as suas exposições apenas capturam metade da história, pois uma parte da razão pela qual Kim Jong Un perseguiu o seu programa de mísseis nucleares e balísticos,  é  por ser uma das bases centrais da sua plataforma de política interna. Quando Kim Jong Un sucedeu ao seu pai, Kim Jong-il, em 17 de Dezembro de 2011, herdou o seu programa “Songun Chongch’i” ou modelo de política militar, como orientação para a governança interna e política externa, e que enfatizou a expansão do exército norte-coreano e a sua prioridade sobre a população civil. Esta doutrina deu imenso prestígio e poder às forças armadas e, quando Kim Jong Un tornou-se líder, ficou rapidamente preocupado com o facto da sua influência estar fora de controlo e poderia ameaçar o seu governo.

 Os seus medos, provavelmente, foram agravados por divisões devido a conflitos dentro das forças armadas, que o poderiam derrubar. O líder norte-coreano como resposta, substituiu  o programa “Songun Chongch’i” por um novo programa, denominado de “Byungjin (Desenvolvimento Paralelo na tradução para a língua inglesa).” O “Byungjin” é uma criação peculiar, que envolve o duplo avanço da economia da Coreia do Norte e o seu programa nuclear. Os militares não baixam formalmente de estatuto, mas não recebem os privilégios especiais que lhes eram concedidos pelo programa “Songun Chongch’i”. Esta ausência implica que as forças armadas não são mais os meninos bonitos, favoritos e não desafiados do regime, mas que foram substituídos pelo Partido dos Trabalhadores da Coreia.

O lado económico do programa tem como objectivo ajudar a reequilibrar o poder dentro do país, para que os militares não sejam a força suprema. O lado nuclear destina-se a contentar o ânimo dos militares sobre essa mudança radical, ao sugerir que não foram destituídos de importância, mas que a visão mudou da força convencional para a nuclear, permitindo que Kim Jong Un continue a ser visto como um líder corajoso e um advogado dos militares, enquanto também extermina os elementos mais perigosos das forças armadas por questões de segurança interna e pessoal. É uma façanha dificil e Kim Jong Un não se pode arriscar a ser visto como um líder militarmente fraco, enquanto a transição do programa “Songun Chongch’i”  para “Byungjin” não estiver concluída.

A sua habilidade para abordar o confronto actual sobre o seu programa nuclear com os Estados Unidos de forma conciliadora é bastante limitada. O líder norte-coreano  sente que deve ser visto pelas suas forças armadas, como uma figura forte o suficiente para enfrentar o mundo exterior, e se recuar ou procurar um acordo, poderá ser olhado como um covarde ou mesmo um traidor do legado do pai aos olhos das forças armadas. Tal, pode aumentar a possibilidade de oficiais desencantados considerarem a realização de um golpe de estado, que tarde ou cedo, será dado. A acrescentar aos medos de Kim Jong Un é o seu conhecimento sobre o destino do ex-primeiro-ministro soviético, Nikita Khrushchev, que foi deposto em um golpe interno, dois anos depois de recuar frente à determinação americana, aquando da crise dos mísseis cubanos.

A percepção de que Khrushchev havia sido humilhado durante o conflito, contribuiu em grande parte para a decisão dos conspiradores de se moverem contra ele. A ironia para Khrushchev foi que, de facto, conseguiu disputar concessões significativas dos Estados Unidos, incluindo a remoção dos seus misseis nucleares da Turquia. Todavia, esses ganhos foram mantidos secretos que mesmo os conspiradores que o derrubaram não estavam cientes deles, e Khrushchev pareceu quer a nível  nacional, como mundial ter perdido o confronto com o presidente Kennedy.

Os esforços dos Estados Unidos para resolver a actual crise com a Coreia do Norte, deve levar em consideração o facto de que a Kim Jong Un é motivado por preocupações de segurança internas e externas, ao invés de considerarem simplesmente a última inquietação. É de ressaltar que durante a chuva de crispações que acompanharam as ameaças de Kim Jong Un contra as ilhas Guam, a administração Trump reagiu na direcção errada para que Kim Jong Un não atacasse o território insular dos Estados Unidos. Ao louvar a sua decisão, o Presidente Trump fez Kim Jong Un sentir-se como se tivesse recuado, o que arriscava a torná-lo fraco internamente. A incapacidade de Kim Jong Un de aceitar esse resultado, pode muito bem ter ajudado a alimentar a sua decisão de reactivar a situação, testando uma nova bomba nuclear em seguida, permitindo-lhe demonstrar à sua audiência militar interna que não se curvará diante das pressões estrangeiras, mas simplesmente se movia indirectamente para um confronto ainda maior e mais importante.

A resposta para os Estados Unidos não pode ser tão simples como oferecer concessões a  Kim Jong Un, pois traria os seus inerentes problemas. Primeiro, os esforços comerciais anteriores para trocar tecnologia e alimentos com a Coreia do Norte, para interromper o seu programa nuclear não alcançaram o objetivo desejado, porque o regime norte-coreano enganou descaradamente todos, e continuou a desenvolver as suas armas.  Tentar de novo a mesma situação, poderia simplesmente levar a uma repetição do ciclo, em que a Coreia do Norte obtém novas distribuições, em troca das mesmas promessas vazias de interrupcão do programa nuclear que ofereceu antes, e continuaria a desenvolver as suas capacidades bélicas.

É de considerar, em segundo lugar, que  subornar um estado hostil para travar o seu programa nuclear com presentes de ajuda e tecnologia, abriria um desagradável precedente de que qualquer Estado que quisesse extorquir benefícios similares dos Estados Unidos deveria prosseguir o seu programa nuclear. Em terceiro lugar, existe uma dimensão humanitária extremamente importante que não pode ser ignorada, que é o facto de Kim Jong Un ser um ditador totalitário horroroso, e os Estados Unidos não devem tolerar qualquer solução que o ajude a aumentar o nível de sofrimento que pode infligir ao seu povo. É improvável, por exemplo, que o presidente Trump decida o levantamento das sanções que foram impostas à Coreia do Norte, em 2016, em resposta aos seus abusos contra os direitos humanos, porque estes foram especialmente dirigidos para minar a capacidade do regime de prejudicar o seu povo.

Se os Estados Unidos realmente querem resolver a crise actual, tem que oferecer a Kim Jong Un uma saída que não só acalme os seus medos de segurança externa, mas também permita que evite perder a face internamente. Ao mesmo tempo, deve fugir da situação de ter sucumbido à chantagem nuclear aos olhos da liderança norte-coreana e do mundo em geral, evitando também ajudar a facilitar o aumento do abuso infligido à população norte-coreana pelo seu regime. Será complicado criar esta solução, mas é um caminho que é muito mais desejável do que a alternativa realista de uma corrida aos armamentos cada vez maior, e a uma guerra de palavras que poderia facilmente resultar ao uso intencional ou não de armas nucleares.

A outra opção pode ser a do presidente Trump  convidar Kim Jong Un a comer um hambúrger, como sugeriu durante as eleições presidenciais de 2016. Os dois líderes sentados para uma refeição, talvez em um pitoresco local das ilhas Guam, permitiria que Kim Jong Un  voltasse ao seu país como um líder em igualdade de poderio bélico que o presidente dos Estados Unidos, o que seria considerado como não tendo sido uma especial façanha, pois nenhum presidente americano deu a oportunidade e possibilidade de cumprimentar e falar com um líder norte-coreano. Ao mesmo tempo, esta solução impediria os Estados Unidos de oferecerem alguma coisa tangível, que pudesse ser entendida como suborno na Coreia do Norte ou no mundo, ou que poderia ser usado para intensificar o sofrimento da  população norte-coreana.

Todavia, permitiria que os dois líderes se envolvessem em um diálogo directo, o que por sua vez, poderia criar empatia e encorajá-los a resolver os seus actuais problemas e futuros através de conversações, em vez de ameaças e acções hostis. Os Estados Unidos podem não ser capazes de forçar a Coreia do Norte a abandonar o seu programa de mísseis nucleares e balísticos, mas podem, pelo menos, encorajá-los a comunicarem-se com o mundo, usando a diplomacia em vez de atiçar birras nucleares e falsas declarações de guerra. Se a  “diplomacia do hambúrguer” pudesse ajudar a alcançar esse fim, seria um esforço que valeria a pena.

11 Out 2017

Os Estados Unidos e a saúde mundial

“Global Health Governance must be understood broadly. Health is made in all policy and political areas-from agricultural through education policy. Without adequate nutrition, education and hygienic standards, mechanisms to fight global pandemics will remain a drop in an ocean.”
“Coordinating Global Health Policy Responses: From HIV/AIDS to Ebola and Beyond” – Annamarie Bindenagel Sehovic

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] governo dos Estados Unidos tem permanecido na vanguarda do estabelecimento de políticas internacionais, o que até à eleição do Presidente Donald Trump trouxe maior segurança para os cidadãos americanos e de outros países, através da melhoria da saúde e ajudando a criar sociedades mais estáveis em outros países e um mundo mais humano para milhões de pessoas que enfrentam sérias e graves doenças.Os Estados Unidos trabalham com outros países para criar a “Aliança das Vacinas (GAVI na sigla inglesa)” que é uma organização internacional, constituída em 2000, para melhorar o acesso a novas e subutilizadas vacinas para crianças que vivem nos países mais pobres do mundo. Tem sede em Genebra e reúne os sectores públicos e privados, com o objectivo comum de criar acesso igual a vacinas para crianças, onde quer que vivam.

A GAVI tem desempenhado um importante papel na redução da mortalidade por doença evitável por vacinação, sendo um contribuinte importante para se atingirem os “Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM)”. Os Estados Unidos a trabalhar com Oganizações Não Governamentais (ONG`s) apoiaram a criação da “Iniciativa Global de Erradicação da Pólio (GPEI na sigla inglesa)” que é uma parceria público-privada liderada por governos nacionais, com cinco parceiros, a “Organização Mundial da Saúde (OMS)”, o “Rotary International”, os “Centros para o Controlo e Prevenção de Doenças (CDC na sigla inglesa)” dos Estados Unidos, o “Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF na sigla inglesa)” e a “Fundação Bill & Melinda Gates”.

O seu objectivo é erradicar a pólio em todo o mundo e conta com vinte milhões de voluntários, catorze mil milhões de dólares de investimento internacional, duzentos países envolvidos e mais de dois mil e quinhentos milhões de crianças vacinadas, o que levou o mundo à beira da permanente vitória sobre o vírus da pólio. A indústria dos Estados Unidos e as ONG`s têm estado na linha da frente  para dar resposta a emergências sanitárias globais, e ao avanço da pesquisa e inovação que ajudou a reduzir os patógenos mais perigosos do mundo. Os esforços de colaboração internacional, especialmente o fortalecimento da capacidade dos sistemas nacionais de saúde, são essenciais para prevenir e se preparar para um variedade de ameaças, de pandemias de doenças infecciosas aos assassinos silenciosos de doenças não transmissíveis crónicas.

O “Comité de Saúde Global e Futuro Papel dos Estados Unidos” tem lutado pelo bom equilíbrio no cumprimento do seu mandato para examinar o papel dos Estados Unidos no futuro da saúde global, ao mesmo tempo que reflecte como membro da comunidade global de estados, que tem desafios e lições comuns para aprender com outros para influenciar o nosso futuro. O Comité deu prioridade aos desafios globais da saúde com o potencial de perda catastrófica da vida e impacto na sociedade e na economia, como pandemias, doenças transmissíveis persistentes, como a SIDA, tuberculose e malária e doenças não transmissíveis, como a saúde cardiovascular e diversos tipos de cancro, bem como áreas onde os investimentos significativos dos Estados Unidos criaram ganhos que devem ser consolidados e sustentados, como promover a saúde das mulheres e das crianças, aumentar a capacidade,  inovar e implementar a saúde global.

O Comité concluiu que o governo deve manter a sua posição de liderança na saúde global como um interesse nacional urgente e como um benefício público global, que melhore a posição internacional da América. Embora seja necessário um investimento adicional, pois o dinheiro por si só não é a única resposta. O Comité elaborou um relatório qur contém catorze recomendações, significativas, para fortalecer os programas de saúde globais dos Estados Unidos, reconhecendo que muitas outras áreas merecem atenção. A fim de maximizar o trabalho em direção aos desafios de saúde globais priorizados, o Comité concentrou-se em como aproveitar os recursos, fazendo negócios de forma diferente, especialmente através do uso de processos de pesquisa e desenvolvimento aperfeiçoados, e mecanismos de financiamento de saúde digital para maximizar o retorno dos investimentos, e demonstrar a liderança dentro da arquitectura e governança da saúde global.

Ao investir na saúde global nos próximos vinte anos, existe a possibilidade de salvar a vida de milhões de crianças e adultos. Além desses benefícios de saúde para os indivíduos, a saúde global está directamente ligada à produtividade e ao crescimento económico em todo o mundo. Assim, e de acordo com a “Comissão Lancet sobre Investir na Saúde”, o retorno dos investimentos em saúde global pode ser substancial, pois os benefícios podem exceder os custos, nos países de baixo rendimento e países de baixo rendimento médio. Trata-se de a nível mundial, investir em capacidades básicas para prevenir, detectar e responder a surtos de doenças infecciosas através do desenvolvimento de sistemas multidisciplinares.

O “One Health” focado na interacção da saúde humana e animal pode resultar em uma economia estimada em quinze mil milhões de dólares anuais contra a prevenção de surtos isolados. À luz desses benefícios, bem como o surgimento contínuo e ressurgimento de doenças infecciosas e a crescente ameaça de resistência antimicrobiana, um compromisso sustentável com a segurança sanitária global é um imperativo para todos os países. É de recordar que “One Health” é um esforço de colaboração de múltiplas disciplinas, a trabalharem a nível  local, nacional e global para alcançar a saúde ideal para pessoas, animais e meio ambiente.  O “One Health” é uma nova frase, mas o conceito  remonta aos tempos antigos.

O reconhecimento de que os factores ambientais podem afectar a saúde humana, foi defendida pelo médico grego Hipócrates no seu texto “On Airs, Waters e Places”, em que promove o conceito de que a saúde pública dependia de um ambiente limpo. Os Estados Unidos têm sido um líder na saúde global, inclusive através de programas de alto desempenho como o “Plano de Emergência do Presidente dos Estados Unidos Para Alívio do Sida, (PEPFAR na sigla inglesa)”; a “Iniciativa Presidencial Contra a Malária (PMI na sigla inglesa” que foi criada em 2005; o “Fundo Mundiall de Combate à Sida, Tuberculose e Malária (GFATM na sigla inglesa).”

O GFATM é uma associação criada em 2002, entre governos, sociedade civil, o sector privado e as pessoas afectadas pelas doenças e concebida para acelerar o fim das epidemias de SIDA, tuberculose e malária, recolhendo e investindo quatro mil milhões de dólares anualmente, para financiar programas dirigidos por especialistas locais nos países e comunidades mais necessitados, tendo salvo mais de vinte e dois milhões de vidas, e recentemente a “Agenda Global de Segurança da Saúde (GHSA na sigla inglesa)” que foi criada em 2014, e é uma parceria crescente de mais de cinquenta países, organizações internacionais e partes interessadas não governamentais para ajudar a construir a capacidade dos países a criar um mundo seguro e protegido contra ameaças de doenças infecciosas, e elevar a segurança sanitária global como uma prioridade nacional e global.

A GHSA prossegue uma abordagem multilateral e multissectorial para fortalecer tanto a capacidade global, quanto a capacidade dos países de prevenir, detectar e responder a ameaças de doenças infecciosas humanas e animais, que ocorrem naturalmente, acidentalmente ou deliberadamente. Todavia, os recursos não são ilimitados, e o compromisso contínuo deve ser realizado.  A nova administração americana no contexto do legado influente dos Estados Unidos no desenvolvimento da saúde global, enfrenta a escolha de garantir ou não os ganhos na saúde global, tendo em conta os beneficios de milhares de milhões de dólares, anos de dedicação e programas fortes que são sustentados e preparados para um maior crescimento.

O enorme crescimento das viagens e do comércio internacional que ocorreu nas últimas décadas, aumenta a urgência de investimentos contínuos na saúde global. A crescente interconexão do mundo e a interdependência entre os países, economias e culturas trouxeram melhor acesso a bens e serviços, mas também a uma variedade de ameaças para a saúde. A assistência externa é muitas vezes considerada um tipo de caridade, ou suporte para os menos afortunados. Ainda que,  possa ser verdade para as populações mais pobres e vulneráveis, a maioria desses auxílios, especialmente,  quando direccionado para a saúde, são um investimento na saúde do país receptor, bem como dos Estados Unidos e do mundo em geral.

Tal motivação de investimento para os Estados Unidos tem duas vertentes, a de proteger contra ameaças globais à saúde e promover a produtividade e o crescimento económico em outros países. Embora o ónus das doenças infecciosas recaia predominantemente em países de baixo rendimento, essas doenças representam ameaças globais, que podem ter consequências terríveis para qualquer país, incluindo os Estados Unidos, em termos de custos humanos e económicos. Aproximadamente duzentas e oitenta e quatro mil mortes foram atribuídas ao surto gripe  H1N1 em 2009, por exemplo, e dois milhões de mortes são previstas em caso de surto de uma pandemia de gripe moderada futura. Em apenas alguns meses, de 2003, o surto do “Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS na sigla inglesa) custou ao mundo entre quarenta e cinquenta e quatro mil milhões de dólares, enquanto em 2014 os Estados Unidos dispenderam 5,4 mil milhões de dólares como  resposta ao surto Ebola, dos quais cento e dezanove milhões foram gastos em monitorização doméstica e acompanhamento dos passageiros das companhias aéreas.

A crescente prevalência de doenças não-transmissíveis (DNTs) também afectou negativamente as economias globais, ameaçando ganhos societários na expectativa de vida, produtividade e qualidade de vida global. As perdas de produtividade associadas à incapacidade, ausências não planeadas ao trabalho e aumento dos acidentes incidem em custos até 400 por cento superiores aos custos de tratamento. As pesquisas também mostram que os investidores são menos propensos a entrar em mercados onde a força de trabalho sofre uma pesada carga de doenças. Assim, populações saudáveis são importantes em vários níveis. Investir no capital humano contribui significativamente para o crescimento económico, prosperidade e estabilidade nos países e cria parceiros mais confiáveis e duradouros no mundo. Tal estratégia mostrou-se bem-sucedida, como é evidenciado pelo facto de onze dos quinze principais parceiros comerciais dos Estados Unidos serem ex-receptores de assistência estrangeira.

O Comité foi encarregado de realizar um estudo de consenso para identificar prioridades globais de saúde à luz das ameaças e desafios actuais e emergentes para a saúde global e fornecer recomendações ao governo dos Estados Unidos, e outras partes interessadas, para aumentar a capacidade de resposta, coordenação e a eficiência para enfrentar essas ameaças e desafios, estabelecendo prioridades e mobilização de recursos. Tendo o apoio de um conjunto amplo de agências federais, fundações e parceiros privados, foi nomeado um Comité ad hoc composto de catorze membros para realizar esta tarefa ao longo de seis meses e com base em um processo de consenso rigoroso e fundado em evidências. Os membros do Comité formularam um conjunto de catorze recomendações que implementadas, oferecerão uma forte estratégia global de saúde e permitirão aos Estados Unidos manter o seu papel como líder mundial em saúde.

As recomendação passam por melhorar a coordenação internacional de resposta às  emergência, combater a resistência antimicrobiana, construir a capacidade de saúde pública em países de baixo e médio rendimento, observar o próxima actuação do PEPFAR, confrontar a ameaça da tuberculose, sustentar o desenvolvimento na eliminação da malária, melhorar a sobrevivência de mulheres e crianças, assegurar uma vida saudável e produtiva para mulheres e crianças, promover a saúde cardiovascular e prevenir o cancro, acelerar o desenvolvimento de produtos médicos, melhorar a infra-estrutura digital da saúde, realizar investimentos de transição para bens públicos globais, optimizar recursos através de financiamento inteligente e comprometer-se a liderar continuamente a saúde global. A paisagem da saúde global é vasta, e com prioridades novas e por vezes díspares em todo o sector da saúde, pelo que considerar cada questão ou doença no seu local próprio pode ser contraproducente. Uma perspectiva tão estreita, dificulta a capacidade de incentivar investimentos em outros programas e adaptar recursos de programas existentes quando surge uma nova ameaça.

Assim, embora a prioridade para os recursos seja necessária, também é essencial adoptar conceitos holísticos e centrados no sistema de integração, capacitação e parceria para obter resultados de forma mais abrangente e com esse entendimento, o Comité identificou quatro áreas prioritárias para acções de saúde global que, se abordadas, terão um maior efeito positivo na saúde, sendo a primeira alcançar a segurança da saúde global, pois nos últimos dez anos, os surtos de pandemia de gripe,  no  Médio Orienteo, o síndrome respiratório  coronavírus (MERS-CoV), Ebola e, mais recentemente, o Zika ameaçaram populações em todo o mundo. A segunda, será manter uma resposta sustentada às ameaças contínuas de doenças transmissíveis. Os esforços dedicados dos governos nacionais, das fundações e da comunidade global resultaram em milhões de vidas salvas da SIDA, tuberculose e malária, mas as três doenças continuam a apresentar ameaças imediatas e de longo prazo para a saúde das populações em todo o mundo. Mais de trinta e seis milhões de pessoas vivem com o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV na sigla inglesa), com dois milhões de novas infecções em cada ano.

A terceira área, será economizar e melhorar a vida das mulheres e das crianças. Os esforços para salvar a vida de mulheres e crianças em todo o mundo, historicamente foram um múcleo importante para o governo dos Estados Unidos, embora as taxas de mortalidade infantil e materna tenham diminuído a partir de 2000, em cada ano cerca de seis milhões de crianças morrem antes de fazerem cinco anos de vida e mais de trezentas mil mulheres morrem por causas relacionadas com a gravidez e o parto. A quarta área, será promover a saúde cardiovascular e prevenir o cancro, pois as doenças infecciosas muitas vezes atraem os meios de comunicação, mas uma preocupação igualmente importante é o aumento das taxas de doenças não transmissíveis, em todos os países, independentemente do seu  nível de rendimento. Os custos para gerir essas doenças está a aumentar. As doenças cardiovasculares deverão custar ao mundo um trilião de dólares por ano em custos de tratamento e perdas de produtividade até 2030.

22 Set 2017

O planeta Eaarth

“If we don’t go back, we will go down. Whoever denies it has to go to the scientists and ask them. They speak very clearly, scientists are precise. Then they decide and history will judge those decisions. Man is a stupid and hard-headed being (a stern warning to climate change deniers).”
Pope Francis

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s implicações políticas, económicas e sociais a longo prazo da desestabilização climática são preocupantes. O tempo indicará se o “Acordo de Paris” aprovado a 12 de Dezembro de 2015, e negociado durante a 21.ª sessão anual da “Conferência das Partes (COP 21 na sigla inglesa) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (CQNUAC)” e “11.ª sessão da Conferência das Partes”, enquanto, “Reunião das Partes no Protocolo de Quioto (CMP 11 na sigla inglesa)” é o início de um sério esforço global para evitar o pior que poderá acontecer ao planeta e à humanidade.

O nosso clima e outros sistemas terrestres não alcançarão um novo equilíbrio durante muito tempo e a Terra pode tornar-se um planeta diferente, que o ambientalista americano Bill McKibben chama de “Eaarth”, com um clima mais quente e incerto. Os números são assustadores. A concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, em Março de 2016, passou o limite de 402 partes por milhão (ppm), o que significa um aumento de 42 por cento em relação ao nível pré-industrial.

O total de outros gases de captura de calor medidos em unidades equivalentes de dióxido de carbono é talvez superior entre 50 a 70 ppm. A temperatura da Terra, como resultado, é maior em um grau Celsius, com talvez outro meio grau de aquecimento no percurso, devido ao atraso entre o que sai dos nossos tubos de escape e das chaminés e os efeitos climáticos resultantes das alterações climáticas que experimentamos. É possível ter sorte de cobrir os níveis de CO2 em 450 ppm, para manter o aquecimento de dois graus Celsius, e andar nos bicos dos pés com sucesso, à volta do retorno do ciclo de carbono, que poderia desencadear alterações catastróficas. Todavia, temos todos os motivos para agirmos com prudência, moralidade e instinto de sobrevivência para atingir e superar esses alvos o mais rápido possível.

A humanidade está a aprender que o sistema climático é complexo e não-linear, isto é, imprevisível e totalmente implacável do erro humano e do atraso diário. Foram geradas mudanças muito grandes na atmosfera da Terra com uma duração medida em séculos e milénios, mas as nossas instituições, organizações, sistemas de governança, economias e pensamento estão voltados para o curto prazo, medido em anos e algumas décadas. O outro lado da equação está a capacidade tecnológica em rápido crescimento para impulsionar as economias americana e globais por uma combinação de maior eficiência energética e energia renovável em várias formas. Existem aqui boas razões para um optimismo sóbrio, mas o caminho pela frente não será fácil.

A física da energia e as leis da termodinâmica são inamovíveis, assim como os factos obscuros do retorno energético do investimento e da densidade da energia. O base da energia do mundo moderno foi construída sobre combustíveis fósseis altamente concentrados, transportáveis e relativamente baratos. A energia renovável nas suas diversas formas é difusa, mais difícil de se concentrar, dispendiosa, com menor densidade e retorno no investimento. A demografia e o comportamento humano também agravam as dificuldades colocadas pela física.

A população mundial era de sete mil e quinhentos milhões de pessoas em Abril de 2017, a caminho de um apogeu de talvez onze mil milhões de pessoas. As nossas expectativas materiais e necessidades de mobilidade são maiores do que nunca e continuam a crescer. Existem boas razões para acreditar que superamos a capacidade de suporte da Terra e contra este cenário, as possibilidades de conseguir travar as piores situações resultantes das alterações climáticas são de 50 por cento. Existe sempre a perspectiva de que nenhuma pessoa sã entrará em um carro com a possibilidade de ocorrer um acidente fatal. É de considerar que algumas das mudanças ocorrerão, para que o mundo sinta o que podem ser os perigosos anos do caos climático.

O principal olhar não é sobre a transformação tecnológica, mas sobre as mudanças mais profundas de governança, economia, educação e outras que estão subjacentes à presente situação e sua solução. As mudanças de “hardware” e “software” são necessárias, mas nenhuma é suficiente e ambas devem ser recalibradas para um horizonte mais largo. Os nossos problemas são compostos, porque as alterações climáticas são apenas uma das várias ameaças inter-relacionadas ao nosso futuro comum. É de considerar que cada uma dessas ameaças é global, permanente e sintomática de falhas mais profundas, incorporadas nos nossos sistemas de governança, política, economia, ciências, dados demográficos e culturais, e que juntas representam uma crise do sistema que se prolongará por séculos.

O Papa Francisco na sua Enciclica “Laudato Si”, afirma que não somos confrontados com crises separadas, mas sim com uma crise complexa que é social e ambiental. Será dificil acreditar que estamos destinados a destruir a Terra pelo fogo, calor, ou tecnologia usada de forma incontrolável e disruptiva. Mas, se existir um futuro mais feliz, o que certamente acontecerá, devemos agir com generosidade, prudência, energia e entender de forma inteligente que somos apenas uma parte de um sistema global inter-relacionado. Será necessário actuar de forma eficaz e justa, pelo que devemos ser governados por instituições democráticas responsáveis, transparentes e robustas; e para agir de forma sustentável, devemos viver e trabalhar dentro dos limites dos sistemas naturais a longo prazo, ou seja, devemos aprender e encontrar um modelo que inclua estruturas humanas de economia, governança, educação, tecnologia, sociedade, cultura e comportamentos incorporados na ecosfera do ar, terra, águas, outras espécies e ciclos biogeoquímicos complexos.

O problema é que não somos muito bons na solução de problemas de sistemas que são grandes ou podem durar por um período largo. Primeiro negamos o problema e colocamos de lado; e, quando finalmente somos forçados a agir, tendemos a ignorar as causas estruturais subjacentes e mover pequenas peças marginais que muitas vezes têm efeitos imprevisíveis e contra-intuitivos. Por estes e outros motivos, as mudanças necessárias provavelmente começarão em bairros, cidades, estados, regiões e redes de cidadãos globais, devendo iniciar em uma escala capaz de ser gerida eficazmente e de forma compreensível por um processo de tentativa e erro, devendo paralelamente em catadupa mudar os sistemas maiores de governança e economia. É de aceitar que na actual conjuntura mudará tudo, como diz a jornalista, escritora e activista canadense, Naomi Klein, incluindo a nossa economia, hábitos de consumo, expectativas, governança, distribuição de riqueza e a prática da democracia.

O cientista de ciências da computação e escritor inglês, James Martin, no seu livro “The Meaning of the 21st Century “, expressa a crença de que precisamos de outra revolução, que implemente a gestão desejável, leis, controlos, protocolos, metodologias e governança de meios. O economista ecológico americano, Herman Daly, acredita que as mudanças necessárias exigirão algo como o arrependimento e a conversão. É de acreditar que ambas e muito mais serão necessárias para navegar nos perigosos anos do futuro e uma sociedade sustentável, decente, equitativa e de densidade real não pode existir por muito tempo, como uma ilha em um sistema global governado por ameaças, violência e a perspectiva de guerra nuclear. Algum dia acontecerá algo de horrivelmente errado. Enquanto isso, o sistema de conflitos poderá sugar e destruir tudo, desperdiçar pessoas e recursos valiosos, secar a prática da democracia, corromper os serviços de comunicações e obscurecerá a nossa consciência acerca de melhores possibilidades.

O hábito da violência predispõe-nos a pensar na natureza como algo meramente a ser conquistada. É de entender que não pode haver economia e harmonia lentas e justas entre humanos e sistemas naturais em uma sociedade governada pelo medo, ameaças, violência e guerra. Uma casa tão dividida não subsistirá. O movimento ambiental, desde o inicio, esteve ocupado a lutar contra a poluição, preservando o deserto e os rios férteis e que ofereciam paisagens deslumbrantes, travando todo o tipo de situações más ou prejudiciais. Era em grande medida um movimento agrário. As cidades eram principalmente negligenciadas ou tratadas como uma reflexão tardia. Todavia, o herói americano, David Crockett, sabia que um futuro humano decente seria essencialmente urbano. Mais de metade da população mundial vive em cidades e continua a crescer essa percentagem. As cidades geram 70 por cento das emissões de CO2 em todo o mundo, bem como a maioria de outros impactos ambientais e políticas de inovação, revelando o quanto as cidades são importantes.

Onde a maioria dos outros viu apenas apenas o feio, crime, poluição e o alargamento desordenado, David Crockett e os primeiros pioneiros do urbanismo verde viram possibilidades e oportunidades. As cidades podem ser educativas com aquários, museus, centros naturais e universidades, e abranger uma vida cívica robusta que inclua espaços ao ar livre para debates públicos, leituras de poesia e arte. Os municipios podem promover a convivência autorizando cafés e arte de rua, teatros e locais de música, incluir jardins urbanos e terraços verdes, misturar o urbano com o rural, às vezes com um toque de região selvagem, introduzir pistas de bicicleta, trilhas para caminhadas e trânsito ferroviário ligeiro, que proporcione mobilidade sem poluição e congestionamento automóvel.

As cidades podem ser limpas, verdes, seguras, educativas, emocionantes e excitantes incubadoras de conquistas e criatividade humanas e com políticas bem orientadas e incentivos adequados, podem reduzir uma grande parte as emissões de CO2 do mundo. Os primeiros urbanistas verdes que rapidamente entenderam a cultura de massas, deram-se conta que criar cidades verdes requer uma estrutura intelectual e política diferente. As cidades são as mais complicadas e complexas criações humanas. As suas patologias, incluindo o crime, poluição, expansão e congestionamento de trânsito têm muitas causas, entre elas a fragmentação das funções por zona e a falha em contar com a totalidade do organismo que deve ser alimentado, regado, servido de esgotos, informado, entretido, transportado e empregue, em particular, o seu enorme volume de resíduos aéreos sob forma de partículas, sólidos e lodo, que deve ser descartado, limpo e reciclado, permitindo o movimento de um grande número de pessoas e quantidades maciças de alimentos e bens diariamente.

As cidades, dada toda a sua vitalidade e potencial dependem de cadeias de suprimentos longas e vulneráveis. Qualquer falha no sistema de suprimento de alimentos, água e electricidade causaria o caos em questão de horas e a falha total em apenas alguns dias. Existem outrass ameaças e muitas cidades costeiras enfrentam a certeza do aumento dos níveis das águas dos oceanos e furiosas e enormes tempestades como foi o caso do tufão Hato, que assolou o Sul da China, entre 23 e 24 de Agosto de 2017 e o furacão Irma as Caraíbas e a costa leste dos Estados Unidos, entre 6 e 10 de Setembro de 2017, como fruto das alterações climáticas e consequente aquecimento global, cuja tendência é de piorar, apesar da existência do “Acordo de Paris”, que entrou em vigor a 4 de Novembro de 2016, mas que muitos dos países signatários não cumprirão por falta de meios ou vontade política.

As cidades continentais médias serão expostas a secas prolongadas e maiores e mais tempestades e tornados. As cidades também são alvos fáceis para os detentores de qualquer tipo de fraqueza e sempre serão vulneráveis a grupos de ódio, seitas religiosas, terroristas e perturbadoras, o que não é algo pequeno em um mundo onde o meio tecnológico para causar estragos letais tem sido amplamente disperso. As cidades são sistemas complexos e dispersos.

O seu futuro depende em larga medida do nosso entendimento de como trabalha o complexo sistema, como torná-las mais resilientes em uma multitude de situações e como desenhar as novas políticas, leis e incentivos económicos para torná-las mais limpas, verdes e seguras. O estudo do comportamento de sistemas complexos tem uma longa história. As décadas do pós-guerra entre 1950 e 1980, foi a grande era para a teoria dos sistemas, pois tendo como fundamento os avanços nas comunicações, pesquisa operacional e cibernética da II Guerra Mundial vários cientistas escreveram persuasivamente sobre o poder da análise de sistemas. Os benefícios eram muitos. O pensamento sistémico permitia erceber os padrões que se conectam de formas diferentes e detectar a lógica contra-intuitiva e uma importante realidade enganosa, criando análises, planos e políticas mais coerentes e efectivas.

Os benefícios reais da teoria dos sistemas, no entanto, foram evidentes em computadores e tecnologias de comunicação, que, por sua vez, foram baseados em avanços na teoria da informação e na cibernética durante a II Guerra Mundial. As actividades, em muitas latitudes com confiança caminharam sem perturbações. Apesar da lógica inerente ao pensamento sistémico, os governos, bem como as fundações, universidades e organizações sem fins lucrativos, ainda funcionam, principalmente, decompondo os problemas nas suas partes e trabalhando cada uma isoladamente. A separação de instituições, departamentos e organizações especializadas em energia, solos, alimentos, ar, água, vida selvagem, economia, finanças, regulamentos de construção, política urbana, tecnologia, saúde e transportes existe como se cada uma não estivesse relacionado às demais.

Os resultados, não são surpreendentes, pois muitas das vezes são contraproducentes, excessivamente caros, arriscados, desastrosos e irónicos. A modelagem de sistemas, por exemplo, ajuda a entender as causas das mudanças climáticas rápidas, os casos de falhas sistémicas do governo, a formulação de políticas e a economia evitando um vazio no muito que poderá ser feito e os consequentes prejuízos. A teoria dos sistemas, em suma, ainda não teve o seu momento copernicano e as razões estão ironicamente incorporadas na revolução científica. O atraso no seu estudo e implementação só vêm causar graves prejuízos, em particular, na compreensão, prevenção e minimização dos graves fenómenos naturais resultantes das alterações climáticas.

14 Set 2017

O terrorrismo cibernético

“Organizations employing terrorism have also brought materials which in the past could only be distributed clandestinely and often with much danger to the attention of not only current members but future recruits and anyone else who might “benefit” from the destructive capabilities which are taught. Thus, training videos featuring instructions on how to build explosive devices and prepare gunpowder have recently appeared on several Web sites regularly used by militant Islamic groups. These sites also feature tips on money laundering and many other organizational needs.”
“Cyber terrorism: a clear and present danger, the sum of all fears, breaking point or patriot games?” – Michael Stohl

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] tema de capital importância na agenda mundial diária o exame crítico das estratégias de recrutamento e propaganda “on-line” de organizações terroristas, a sua evolução, razões para o seu apelo e respostas governamentais destinadas a combatê-las. Os estudos mundiais que têm sido efectuados apresentam uma metodologia de resposta táctica que pode aumentar as estratégias actuais destinadas a contornar o extremismo “on-line”.  As organizações terroristas aproveitam-se cada vez mais da oportunidade, proporcionada pelo rápido surgimento de novas tecnologias da Internet, para explorar os sentimentos anti-ocidentais entre os muçulmanos em massa e, consequentemente, acelerar as suas estratégias de recrutamento “on-line” e de disseminação em massa da sua propaganda ideológica.

Além disso, esses programas governamentais, até ao momento, não foram adeptos da luta contra esse fenómeno crescente. Ao examinar a literatura académica actual sobre propaganda e recrutamento de terroristas “on-line”, a sua evolução, atracção motivacional e como os governos procuraram lidar com o problema, pode-se perceber uma imagem mais clara sobre o porquê do aumento e o que pode ser feito para atenuar. Após o exame, os avanços tecnológicos e a inovação na “web” foram estimulados no crescimento da propaganda e recrutamento de terroristas “on-line”, alimentados por longas e existentes queixas não resolvidas em segmentos da comunidade islâmica.

A facilidade de acesso e o anonimato oferecidos pelas tecnologias “on-line” permite ver os grupos terroristas mais facilmente, e sem medo de captura, explorar esses sentimentos de injustiça utilizando o ambiente “on-line”. Os programas governamentais destinados a combater essa ameaça “on-line” mostraram eficácia nominal e uma abordagem mais pró-activa que utiliza intervenções lideradas por serviços de segurança que pode ser um benefício adicional.A evolução das estratégias de recrutamento e propaganda da organização terrorista “on-line”, necessária em resposta a uma maior securitização, ocorreu paralelamente à mudança tecnológica. Historicamente, o alcance das estratégias de recrutamento e propaganda de terroristas foi tecnicamente e geograficamente restringida.

A atenção audiovisual e de média impressa forneceu exposição limitada a representações subjectivas da sua causa. Na década de 1990, deu-se  a ascensão da “Al Qaeda”, que ampliou o alcance do terrorismo para além da média ocidental tradicional, aproveitando as simpatizantes fontes jornalísticas do Médio Oriente. No final da década de 1990, as organizações terroristas começaram a aproveitar as novas tecnologias da Internet para fins de angariação de fundos e publicidade. Esta média proporcionou maior autonomia em relação ao conteúdo da mensagem e à segmentação do público. A Internet, em 1999, tornou-se a arena principal para a disseminação da propaganda jiadista. Após os atentados de 11 de Setembro de 2001, a “Al Qaeda” diversificou-se, fornecendo traduções multilingues da sua propaganda “on-line”.

Após a invasão do Afeganistão pelos Estados Unidos, uma “Al Qaeda” desmoralizada alterou a sua mensagem. Os adeptos estrangeiros foram  chamados a fazer a jihad nos seus países de origem com o treinamento metodológico fornecido através de canais terroristas “on-line”. Em 2005, quarenta organizações terroristas mantiveram uma presença “on-line”, envolvendo mais de quatro mil e quinhentos sítios e o advento do “YouTube” permitiu a disseminação mundial de propaganda audiovisual profissional e de vídeos comerciais. A década de 2000 viu um novo meio para a distribuição da propaganda terrorista, através do advento das médias sociais.

Ao contrário das tecnologias da “web 1.0”, as médias sociais permitiram entre os terroristas e o seu público, a capacidade de abordar recrutas demograficamente. Esta profissionalização aumentou a sua capacidade de recrutar e disseminar propaganda de forma anteriormente apenas disponível para os estados-nação. A radicalização tornou-se mais uma atracção do que um jogo de empurrão, resultando em uma explosão no número de novos adeptos que se reúnem para causas terroristas “on-line”. A ascensão do Estado Islâmico (IS na sigla inlesa) após 2010 continuou este impulso de profissionalização da média, ampliando ainda mais o alcance da mensagem terrorista e aumentando o recrutamento no Médio Oriente e em todo o mundo. Em primeiro lugar, assumindo o ponto de vista da organização terrorista, há um grande apelo na utilização de meios de comunicação “on-line” para a disseminação de mensagens de propaganda e para fins de recrutamento.

A tecnologia da nova média resultou em ofertas de causa “on-line” de procura profissional, que se enquadram na capacidade das organizações com conjuntos de habilidades e recursos orçamentais mínimos. Além disso, altos níveis de anonimato, deslocalização e transportabilidade de sitíos são oferecidos pela publicação “on-line”, permitindo assim um menor risco de evasão ou apreensão por parte das autoridades policiais. Em segundo lugar, a simplicidade de aceder a recursos e grupos “on-line” torna este mundo, em um ambiente atraente e nutritivo, através do qual participar de uma causa terrorista ou explorar ideologias terroristas sem as ásperas ramificações do envolvimento físico real. A estratégia do terrorista envolve a prestação de uma participação auto-estimada que pode gradualmente levar a uma radicalização posterior em grande escala.

Através da exploração de alguns sentimentos amplamente mantidos, como o sentimento de discriminação religiosa e vitimização por potências ocidentais que existe entre alguns povos islâmicos, os potenciais recrutas estão progressivamente expostos ao doutrinamento e ao envolvimento organizacional. Um crescente senso de interconexão com outros recrutas e membros da organização, é cultivado em uma experiência “on-line” evidentemente segura. O grupo terrorista mais importante actualmente, o IS, utiliza estratégias de mídia “on-line” como  sua principal ferramenta de propaganda e recrutamento. O IS procura divulgar propaganda de média carregada emocionalmente, que atrai uma ampla gama de grupos de pessoas, tipos de personalidade, afiliações sectárias e motivações políticas. Atrás ficaram os dias de simples apelos ideológicos, baseados em uma mensagem unipolar consistente. A abordagem do IS não é complexa de discernir.

Trata de atrair recrutas para a causa usando mensagens motivacionais e, em seguida, doutriná-los para estabelecer pela força um califado islâmico de um califa recentemente abatido. Dado o poder significativo de atracção que as organizações terroristas modernas adquiriram através do seu uso rígido da média “on-line”, é claro que é necessário um grande esforço para conter o crescimento da sua radical presença.Também deve ser percebido que este esforço para combater a propaganda terrorista “on-line” pode resultar na redução de algumas das liberdades, que a sociedade civil dá por garantida, em troca de maior segurança e protecção contra o que oferece o terrorismo. No entanto, alguns académicos e estudiosos não estão convencidos de que a presença “on-line” dos terroristas seja um factor significativo na radicalização.

Alguns afirmam que esses diálogos “on-line” permitem que os indivíduos descartem as suas frustrações de forma catártica, sem realmente recorrer à violência física. Não há garantias de que um indivíduo que se envolve em violência retórica “on-line” siga automaticamente com actos de terrorismo, e há uma escassez de evidências que mostram que tal relação causal existe além da especulação. Consideradas em conjunto, ambas as perspectivas, carregam algum peso da verdade e seria um erro abordar uma análise da propaganda e recrutamento de terroristas “on-line” sem considerar as duas. As abordagens de “laissez-faire” e/ou altamente reactivas para o extremismo “on-line”, podem ser igualmente úteis para reduzir a propagação do terrorismo.

Os governos alistaram uma combinação de três estratégias amplas que lidam com narrativas extremistas “on-line” que passam por uma estratégia de linha dura, que procura suprimir a actividade extremista “online”; uma estratégia de diplomacia suave envolvendo narrativas contáveis, distensão e a promoção do pluralismo social visando a contra-radicalização, e por último, uma estratégia liderada pelos serviços de informação estatais que utiliza actividades extremistas “on-line” e que fornece informação que permite identificar e processar fisicamente os envolvidos no terrorismo.

Apesar de todos os três visarem combater a disseminação do extremismo violento, interagem com a narrativa terrorista “on-line” de formas muito diferentes pois, são seguidas de várias aplicações significativas do mundo real, examinando os méritos práticos e as deficiências de cada abordagem. A maioria dos governos exibe alguns elementos da política de tolerância zero ao negar acesso e/ou apagar da sua abordagem a forma de lidar com espaços “on-line” envolvidos em propaganda terrorista ou recrutamento.

A negação de acesso a uma versão não filtrada da Internet ou a supressão assertiva de conteúdo terrorista são uma ferramenta importante na luta contra o terrorismo “on-line”. A China, por exemplo, tem sido bastante bem sucedida na luta contra o terrorismo, usando a negação e não excluindo políticas que procuram controlar a informação disponibilizada aos seus cidadãos. A estratégia impediu com êxito que a propaganda externa atinja a grande maioria da população, embora alguns utilizadores da Internet tenham podido contornar essas políticas e obter algum grau de acesso irrestrito à mesma. A estratégia foi prevenida exaustivamente. No entanto, a aplicação bem sucedida da China tem sido a excepção e não a regra. Na maioria das aplicações internacionais desta estratégia, a inovação tecnológica e a desatenção de detalhes por parte daqueles que realizam o bloqueio e supressão permitiram que este método de contra-radicalização “on-line” fosse prejudicado.

O governo da Síria, por exemplo, em 2012 procurou, mas falhou, ao limitar a disseminação da propaganda “on-line” em relação a uma revolta popular, negando 90 por cento do acesso da população à Internet. O governo turco, mais uma vez, em 2014, procurou eliminar a retórica anti-governamental “on-line”, sem sucesso. As vozes dissidentes encontraram uma rota alternativa usando mensagens instantâneas de celular para comunicar a sua propaganda. Por fim, em 2014, durante o crescente conflito no Iraque, aos cidadãos foi negado o acesso às médias sociais, mas ainda encontraram formas de se comunicar usando plataformas alternadas e desbloqueadas na “Web”. Sem dúvida, os governos ocidentais e os serviços de informação estatais, utilizando tecnologias e pessoal devidamente preparado, tiveram maior sucesso no bloqueamento e eliminação dos sítios de propaganda terrorista.

No entanto, apesar desta superioridade tecnológica, ainda são vítimas dos mesmos problemas encontrados nos exemplos anteriores. Os avanços tecnológicos e a natureza dinâmica da Internet também frustraram os seus esforços para efectivamente controlar o conteúdo. Tão rápido quanto um sítio,  grupo ou aplicativo é eliminado, outro surge para preencher o vazio e dá a entender não haver uma solução a longo prazo nesta estratégia, em vez disso, parece uma medida decididamente paralisada. Também é considerado como essas estratégias são efectuadas pelos diferentes ambientes políticos que podem existir no momento da sua implantação.

As estratégias de linha dura estão mais em sintonia com os partidos políticos orientados para o realismo e que estariam mais inclinados a promulgar a legislação necessária para a uma conduta eficiente. Por outro lado, as abordagens políticas liberais podem encontrar níveis mais elevados de resistência filosófica e moral nas suas fileiras e podem ter escrúpulos quanto à implementação de legislação. As tentativas de promulgar esse tipo de estratégia, por exemplo, na Austrália podem ser impedidas pelas garantidas liberdades civis que a nação abraça. A estratégia pode afectar o direito comum à privacidade pessoal e representar um sufoco das liberdades civis, nomeadamente da liberdade de expressão e associação.

8 Ago 2017

Os Estados Unidos e o Acordo de Paris

“On 11 November 2014, a remarkable event occurred. President Barack Obama of the United States and President Xi Jinping of China announced a bilateral agreement to reduce the emission of greenhouse gases (GHGs) that cause global warming by their respective nations. The Obama–Xi announcement was instrumental in the framing of the Paris Climate Agreement. The INDCs submitted by the USA and China were built closely upon the November 2014 bilateral announcement. China and the USA rank number one and two, respectively, in terms of national emission of GHGs. Practically speaking, unified global action to combat global warming required these two nations to get on the same page.””
“Paris Climate Agreement: Beacon of Hope” – Ross J. Salawitch, Timothy P. Canty, Austin P. Hope, Walter R. Tribett and Brian F. Bennett

[dropcap]A[/dropcap] 21ª Conferência das Partes sobre alterações climáticas (COP-21 na sigla inglesa) realizou-se a 12 de Dezembro de 2015, em Paris, tendo os líderes mundiais presentes adoptado por consenso o “Acordo de Paris”. Os representantes dos Estados presentes na COP-21 concordaram em manter a temperatura média global abaixo dos 2 graus Célsius, acima dos níveis pré-industriais, e prosseguir os esforços para limitar o aumento da temperatura para 1,5 graus Célsius, acima dos níveis pré-industriais. As promessas efectuadas, foram seguidas do esclarecimento das medidas que os países tomariam, para atingirem os seus objectivos e concordaram que os países desenvolvidos ajudariam os países em desenvolvimento, a atingir os objectivos de energia renovável.

A menos de um ano após a adopção do “Acordo de Paris”, a 4 de Novembro de 2016, passou a valer na ordem jurídica internacional como um tratado, com apoio universal sem precedentes. Apenas para salientar a importância do “Acordo de Paris”, a 22ª Conferência das Partes designada por (COP-22 na sigla inglesa), realizou-se a 6 de Dezembro de 2016, em Marraquexe. A causa principal do aquecimento global é o dióxido de carbono (CO2), que compõe a maioria dos gases de efeito estufa (GEE) que criam o calor na atmosfera, aquecendo a terra e os oceanos.

O dióxido de carbono é um subproduto da queima de combustíveis fósseis, principalmente carvão, petróleo e gás natural, que é lançado na atmosfera à medida que são queimados, não desaparecendo o dióxido de carbono de alguma forma e imediatamente, pelo contrário, permanece na atmosfera por muito tempo, deixando vestígios por mil anos. A concentração global de dióxido de carbono na atmosfera, actualmente, ultrapassa o que aconteceu nos últimos seiscentos e cinquenta anos, e é cerca de 30 por cento maior do que era há cento e cinquenta anos. À medida que o planeta aquecer, as consequências serão maiores, como por exemplo, o derretimento do gelo no Árctico e na Antárctica que farão aumentar a taxa de aumento do nível das águas dos oceanos, bem como alguns lugares na terra serão muito quentes para serem habitados, assim como será impossível o cultivo de terras aráveis.

É de considerar que muitos países pequenos, os denominados estados insulares, simplesmente desaparecerão e muitas espécies de aves, animais e insectos se extinguirão, e para além do aquecimento, o clima tornar-se-á cada vez mais instável e imprevisível. Dados os níveis extraordinariamente elevados de GEE encarcerados na atmosfera, é necessário reduzir as suas emissões para zero até 2070, para limitar o aumento da temperatura média global, a fim de atingir o objectivo de 1,5 graus Célsius. É possível, pois existem muitas fontes de energia renovável, como a energia solar, vento, marés, nuclear, geotérmica, biomassa e biodiesel. A questão mais complicada é de como os países poderão alcançar tal objectivo, ou mais especificamente, quais são as bases sociais que possibilitarão a cooperação global? A ideia deve ser a das igualdades e diferenças que nos unem, solidariamente, na procura do bem-estar colectivo e de um planeta habitável.

Os seres humanos, são todos iguais e titulares de dignidade e de direitos humanos fundamentais. Esta é a premissa da Declaração Universal dos Direitos Humanos, inúmeros tratados internacionais e a maioria das constituições dos países. Tal, é o que quer dizer com o termo “humanidade” e “género humano”. Ao mesmo tempo, reconhecemos plenamente que nenhum dos seres humanos é semelhante ou o idêntico, ou seja, temos línguas, famílias, e personalidades diferentes e, em todas as outras formas, somos distintos uns dos outros. Todos os seres humanos são iguais e diferentes, o que pode ser um paradoxo e, no entanto, é uma das contradições que devemos aceitar com alegria.

Além disso, porque reconhecemos que essa dualidade é a base da humanidade, e temos a capacidade de empatia, bem como o reconhecimento da vulnerabilidade. Ajudamos as crianças, os deficientes, os idosos, as pessoas sem alojamento e outras mais fracas que precisam do nosso auxílio, mas também somos capazes dos actos opostos à solidariedade e mais extremados, a ponto de destruirmos os demais seres humanos, retirando-lhes a dignidade, idoneidade, saúde, liberdade e vida por ódio, raiva, vingança e outros sentimentos negativos, e como se não bastasse no vão propósito de acumular riqueza levam à destruição do planeta e da vida nesse desvario. Parece que quem actua debaixo de tais irracionais sentimentos negativos contra a natureza humana e meio ambiente, forçosamente terá de padecer de grave e séria desordem mental, não justificável. Em suma, porque somos iguais e diferentes uns dos outros, temos muitas habilidades e interesses, de facto, infinitos, uma grande capacidade de empatia e uma compreensão compartilhada da vulnerabilidade.

A necessidade urgente de enfrentar o imenso desafio de desacelerar e de travar o aquecimento do planeta exige que reconheçamos a nossa singularidade e igualdade. Tal irá animar as nossas capacidades subjacentes de empatia, compreensão das nossas vulnerabilidades e aumentar a apreciação da humanidade compartilhada e da própria individualidade. No entanto, existem obstáculos capitais. Um são os conflitos em curso que não são apenas catastróficos por si, mas gastam a energia e os recursos humanos. Outro é a indiferença ou a ignorância (muitas vezes amedrontada). Um terceiro é o nosso fracasso em questionar o capitalismo destrutivo e homogeneizador que põe em perigo culturas, identidades e as nossas idiossincrasias únicas.

Os americanos, por qualquer motivo, em comparação com as pessoas de outros países, não estão especialmente preocupados com as alterações climáticas e aquecimento do planeta que é um sintoma de irresponsabilidade total e absoluta, e bem demonstrado pelo presidente americano ao querer retirar o país de membro signatário do “Acordo de Paris”, ao considerar uma falácia o aquecimento global, com as consequentes alterações climáticas. É uma tragédia pois os americanos pretendem desconhecer, que o seu país, têm a maior responsabilidade pela emissão de CO2 para a atmosfera e nela permanece por um milénio. Tal significa que tudo o que foi emitido ao longo do período de industrialização, durante os séculos XVIII e XIX, permanece na atmosfera, uma vez que as novas e actuais emissões também se acumulam. É verdade que tanto os Estados Unidos como a China são os principais emissores do mundo. Ambos são partes no “Acordo de Paris” e enquanto os desafios são extraordinários, as aptidões humanas para enfrentá-los são infinitas.

O grande desafio para os americanos é garantir que os Estados Unidos assumam as suas responsabilidades internas e internacionais para ajudar a manter o planeta habitável, e que Donald Trump veementemente tem a audácia e ousadia de negar, assistindo o mundo impávido a esta aberração. A COP-22 pode ser lembrada como a mais decisiva para o destino da humanidade, ou melhor, para o destino do planeta habitável. O “Acordo de Paris” entrou em vigor a 4 de Novembro de 2016. É o tratado internacional que obriga os estados a fazerem a transição dos combustíveis fósseis, que são os responsáveis pelas emissões que aquecem a Terra, para as energias renováveis e estabelece directrizes para os países ricos, em grande parte responsáveis pelas emissões presentes na atmosfera a ajudar os países pobres.

Os países adquirem tecnologias para as energias renováveis, nomeadamente as tecnologias solar, eólica e das marés. O número de pessoas presentes na COP-22 foi superior a vinte e cinco mil, incluindo cientistas, chefes de estado e ministros, agricultores, representantes de instituições de fé, povos indígenas, pescadores e mulheres, líderes de multinacionais, trabalhadores de organizações não-governamentais e jornalistas. As apresentações e sessões de discussão ficaram marcadas pela defesa de limites mais rigorosos para o aquecimento do planeta do que os propostos anteriormente, de 1,5 graus Célsius, ao invés de 2 graus Célsius, e que os combustíveis fósseis fossem eliminados até 2050.

A COP-22 anunciou que Novembro de 2016, provavelmente seria o mês mais quente até então registado, bem como 2016, igualmente, o ano mais quente. Era evidente para qualquer pessoa que tivesse assistido a essas reuniões, ficasse ainda mais determinada a convencer o resto do mundo de que, quanto mais cedo os países conhecessem as metas para terminar com a dependência de combustíveis fósseis, mais seguros estariam. Mas então, como se um raio os tivesse atingido, os participantes ficaram a saber na madrugada de 9 de Novembro de 2016 que a pessoa que tinha proclamado que as mudanças climáticas eram um engano, tinha sido eleita presidente dos Estados Unidos.

A ansiedade misturada com raiva e um clima de desânimo fizeram-se presentes nas reuniões durante dois dias, mas de seguida, a atmosfera mudou dramaticamente, tendo os participantes mostrado maior determinação para forjar parcerias internacionais, tendo em vista a colaboração e cooperação para combater as alterações climáticas. Após a reunião, os participantes salientaram que era imperativo reduzir o uso de combustíveis fósseis, nomeadamente o carvão e o petróleo, acabar com as emissões de gases de efeito estufa e adaptar as energias renováveis, nomeadamente, a energia solar, eólica e das marés. O limite de 1,5 graus Célsius não só foi reafirmado conforme consta da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do “Acordo de Paris”, como também que os países mais ricos ajudariam os países menos desenvolvidos a adquirir tecnologias renováveis ou ecológicas. O então secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, fez um discurso vigoroso, positivo e ousado, afirmando o imperativo da cooperação global para travar o ritmo das alterações climáticas, e sugeriu que a China assumisse o papel de liderança abdicado pelos Estados Unidos.

O presidente americano está no inicio do seu mandato e ainda que difícil, é possível que seja persuadido de que o aquecimento do planeta é inevitável e deve comprometer-se a avançar nos esforços que os Estados Unidos já estão a fazer para reduzir a intensidade e velocidade do aquecimento climático. São necessários quatro anos para que qualquer parte saia do “Acordo de Paris” conforme estipula o seu artigo 28.º e, além disso, muitas empresas dos Estados Unidos, incluindo grandes multinacionais, já aproveitaram oportunidades para desenvolver tecnologias ecológicas, e alguns estados, como a Califórnia, e especialmente as cidades costeiras, como Boston, Honolulu, Miami, Nova Iorque e São Diego estão a prepara-se para reduzir as emissões e diminuir o impacto do aumento do nível das águas do mar.

O último dia da COP-22, foi marcado pelos Estados Unidos que apresentaram um relatório ambicioso que estabelece planos para reduzirem internamente as emissões e armazenar ou sequestrar o carbono. O objectivo é de reduzir os gases de efeito estufa em 80 por cento até 2050. Todavia não é claro se o relatório aliviou as ansiedades dos participantes ou não, mas o plano é inequívoco, ou seja, os Estados Unidos cooperariam plenamente com outros países para, finalmente, dentro do século atingirem a meta de zero emissões de gases de efeito estufa.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 afirma a igualdade de todas as pessoas, enfatizando que as vulneráveis como as crianças merecem protecção especial. No entanto, as pessoas não são iguais. Somos diferentes de forma infinita. A globalização, pelas muitas falhas que a caracterizam, fez-nos conscientizar da nossa igualdade e diferenças, proporcionando a todos os povos o incentivo e a capacidade de colaborar em solidariedade para que possamos reduzir o aquecimento do clima, colectivamente. A solução não é tão esotérica, pois envolve o abandono de combustíveis fósseis como fontes de energia, e mudança para energias renováveis, principalmente, a energia solar, as marés e o vento.

A 2 de Dezembro de 2015, em Paris, os chefes de Estado de cento e noventa e cinco estados soberanos concordaram, em solidariedade, que, apesar dos muitos e grandes desentendimentos e diferenças ideológicas, históricas, económicas, culturais e sociais, deviam cooperar para diminuir as alterações climáticas. O “Acordo de Paris”, como sabemos, foi aprovado por consenso e posteriormente, foi aberto para assinatura e ratificação no “Dia Mundial da Terra”, a 22 de Abril de 2016. A 3 de Setembro de 2016, os presidentes Barack Obama e Xi Jinping concordaram formalmente em adoptar o tratado, acelerando ainda mais o seu cumprimento. A estipulação do n.º 1 do artigo 21.º do “Acordo de Paris” é de que entraria em vigor no trigésimo dia após a data em que pelo menos 55 partes do Acordo, representando no total pelo menos 55 por cento das emissões globais de gases de efeito estufa, o ratificassem. Esta estipulação foi cumprida, a 5 de Outubro de 2016, quando um total de 55 partes o ratificou.

A Organização Internacional da Aviação Civil (OACI) que é uma agência especializada da ONU criada em 1944, com 191 países-membros e a sede em Montreal, no dia seguinte, ou seja, a 6 de Outubro de 2016 impôs restrições às emissões dos aviões, exigindo que as companhias aéreas comprassem créditos de carbono de projectos ambientais, em todo o mundo, para compensarem o crescimento das emissões. No entanto, surpreendentemente, a 15 de Outubro de 2016, em Kigali, Ruanda, cento e noventa e sete países aprovaram uma importante alteração ao “Protocolo de Montreal” para reduzir hidrofluorocarbonos (HFCs). A ONU descreveu os HFCs como os comumente usado em refrigeração e ar condicionado como substitutos de substâncias que destroem o ozono. Os HFCs são actualmente os gases de efeito estufa de crescimento mais rápido do mundo, aumentando as suas emissões em 10 por cento anualmente. Também, são um dos mais poderosos componentes, aprisionando milhares de vezes mais calor na atmosfera da Terra do que o dióxido de carbono (CO2).

É de considerar, no entanto,  que independentemente desses grandes sucessos e acordos extremamente importantes, existem profundas divisões internacionais alimentadas por guerras e conflitos, bem como a pobreza e a desigualdade. Existem ciências cépticas e os Estados Unidos têm a sua parcela no ceptcismo.  Os americanos estão menos informados sobre as alterações climáticas do que as pessoas de muitos outros países e, é importante que reconheçam que contribuem mais para o aquecimento global, e isso ocorre porque as emissões geradas durante a era da industrialização permanecem na atmosfera até ao momento. É assente e reconhecido que a China e os Estados Unidos são os piores poluidores do mundo, sendo importante que ambos os países concordem em em cumprir o conteúdo do “Acordo de Paris”.

A Cimeira de Hamburgo do G-20 de 7 e 8 de Julho de 2017, foi marcada por fortes dissensões entre os Estados Unidos e os restantes dezanove países no combate às alterações climáticas, mantendo-se Donald Trump irredutível, desde que a 1 de Junho de 2017 aunciou que o país se  iria desvincular do “Acordo de Paris”. O presidente francês anunciou que irá organizar uma cimeira, a 12 de Dezembro de 2017, em Paris, por ocasão do segundo aniversário da assinatura do acordo, para discutir medidas adicionais às previstas. O “Acordo de Paris” deve dar mais ênfase aos avanços tecnológicos que moldaram a evolução da humanidade e como podem desbloquear as  formas de combater as alterações climáticas e as ameaças ambientais. Devem existir novas perspectivas sobre as alterações  climáticas e o desenvolvimento sustentável, aproveitando a tecnologia.

Face às  condições actuais, apenas um vegano desabrigado poderia alcançar uma pegada ecológica sustentável. Na realidade, seria impossível e até destrutivo tentar salvar o planeta interrompendo o consumo. Isso perturba a evolução e ameaça as forças motrizes da tecnologia que são a nossa esperança de combater as alterações climáticas e as ameaças ambientais no futuro. O crescimento global contínuo como o aumento do bem-estar são perfeitamente possíveis dentro das limitações ecológicas do nosso planeta se aprendemos a colocar a tecnologia a nosso proveito, um planeta será suficiente.

31 Jul 2017

O desprezível regime da Coreia do Norte

“Throughout the post–Cold War period, U.S. responses to North Korea’s nuclear ambitions have been based on a simple premise: a nuclear North Korea would destabilize regional stability and thus cannot be permitted under any circumstances. At the height of each of the North Korean nuclear crises, both the Clinton and Bush administrations imposed a series of economic sanctions and considered military options.”
“Global Rogues and Regional Orders: The Multidimensional Challenge of North Korea and Iran” – Il Hyun Cho

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Coreia do Norte tem sido particularmente contraditória nos últimos meses, aumentando acentuadamente o número e a ambição dos seus testes de mísseis balísticos. Ainda não é claro, porque razão o seu governo optou por se comportar de uma maneira tão desviante em termos internacionais. A opinião convencional é de que o regime de Kim Jong-un parece sente-se repentinamente muito mais ameaçado pelos Estados Unidos e pelos seus aliados, temendo que seja o próximo país escolhido para uma intervenção militar em grande escala e subsequente mudança de regime político. Assim, e de acordo com essa linha de pensamento, Kim e os seus seguidores estão à procura desesperadamente por construir um programa de mísseis balísticos e armas nucleares, que seja suficientemente grandioso, potente e de grande alcance para dissuadir os americanos e s o seus aliados de os atacar militarmente.

Se considerarmos em termos de valor nominal, esta posição parece razoável, pois a Coreia do Norte é um estado desonesto, que é amplamente criticado pela maior parte do mundo, não fazendo uma análise minuciosa da situação em termos globais. Em primeiro plano, não existe motivo para que a Coreia do Norte se sentira mais ameaçada, actualmente, do que nos anos anteriores. As doutrinas de invasões preventivas e mudanças de regime chegaram ao seu ponto culminante, sob o governo George W. Bush, declinaram com Barack Obama e não há motivo para acreditar antes da crise actual, que Donald Trump teve algum interesse real em uma guerra com a Coreia do Norte.

Os comentários de Trump sobre o Kim Jong-un, em verdade, foram geralmente corteses durante a sua campanha eleitoral e, recentemente, em Maio de 2017, Trump elogiou Kim como um biscoito muito inteligente, e sentir-se-ia feliz por sentar-se à mesa e comer na sua companhia um hamburguer. A declaração de que o regime começou a testar mísseis com mais rapidez do que nunca, porque se tornou dominada por um súbito terror de que os Estados Unidos e os seus aliados iriam invadir o país sem aviso, não tem qualquer fundamento. Em segundo lugar, há poucos desejos estratégicos da parte dos Estados Unidos e dos seus aliados de derrubar o regime de Kim Jong-un e os norte-coreanos bem o sabem.

Os sul-coreanos preocupam-se com os milhões de refugiados que inundarão as suas fronteiras, se o regime de Kim Jong-un entrar em colapso, e o gigantesco custo financeiro que uma unificação subsequente poderia acarretar. Os japoneses estão mais preocupados com a ameaça representada pela China do que pela Coreia do Norte, e temem que uma mudança de regime neste país possa reduzir o número de forças militares dos Estados Unidos estacionadas na região, o que também reduziria a necessidade estratégica que une a Coreia do Sul e o Japão, apesar das nefastas memórias que existem entre os dois estados, sobre o horrível tratamento japonês dado ao povo coreano de 1910 a 1945. Sem a ameaça da Coreia do Norte, o Japão poderia sentir-se abandonado pelos seus dois principais aliados e ter de enfrentar só o emergente gigante chinês.

A Coreia do Norte fornece aos Estados Unidos um pretexto para estacionar as tropas e forças navais na região, o que ajuda a conter a China, enquanto minimiza a necessidade de fazer uma menção exagerada ao elefante na sala da região. Em terceiro lugar, mesmo que Kim Jong-un realmente se sentisse em pânico sobre a administração Trump, já possui o dissuasor mais efectivo, que pode realisticamente esperar alcançar. O regime testou com sucesso, em termos nucleares, uma bomba atómica em 2006 e, posteriormente, construiu uma reserva pequena, mas letal, de armas nucleares. Tem a capacidade de fazer ataques nucleares contra os parceiros americanos na Ásia-Pacífico, nos próximos anos, e poderá até atacar os Estados Unidos usando a sua grande força submarina ou colocando ogivas em contentores de carga, que poderiam ser enviados e não detectados para os portos americanos e detonados remotamente.

Além disso, as suas ogivas foram feitas de forma impenetrável contra um primeiro ataque americano por algum tempo, inclusive através da ocultação em “bunkers” subterrâneos fortificados. Pelo menos alguns seriam provavelmente carregados em submarinos lançadores de mísseis, que a Coreia do Norte testou com êxito em Setembro de 2016. Isso garante que a Coreia do Norte possui uma capacidade nuclear poderosa de retaliação. Ao reforçar a sua dissuasão nuclear, a Coreia do Norte também possui a capacidade de responder a uma invasão ou ataque nuclear americano, infligindo uma destruição terrível aos aliados dos Estados Unidos e aos americanos com base na Ásia-Pacífico usando meios não-nucleares, incluindo o ser capaz de devastar a capital sul-coreana com rajadas massivas de artilharia aptas a realizar ataques químicos, ainda que exista qualquer proximidade entre a Coreia do Norte e os Estados Unidos em termos de paridade nuclear.

Temos de considerar que em quarto lugar se a Coreia do Norte realmente procura evitar ser atacada, deve manter uma atitude tão moderada quanto possível. A Coreia do Norte não tem escassez de problemas internos e externos que estão sob observação da administração Trump, e seria fácil manter-se em segurança se resolver deixar de ser o centro das atenções mundiais. As acções da Coreia do Norte foram particularmente provocatórias, quase deliberadamente estudadas para fomentar uma resposta hostil. O assassinato de Kim Jong-nam em Fevereiro, usando uma arma química em plena luz do dia em um aeroporto da Malásia, só faz sentido se o objectivo fosse estimular os actores estrangeiros a níveis mais altos de hostilidade.

O retorno do cidadão dos Estados Unidos, Otto Warmbier, em estado de coma e que acabou por falecer a 19 de Junho de 2017, quando tinha sido condenado a uma pena de quinze anos de trabalho e não era visto há mais de um ano, parece intencionalmente preparado para inflamar os ânimos. Porque não o mantiveram escondido, fingindo que ainda estava a cumprir a sua sentença? Mesmo os próprios testes de mísseis foram realizados de forma mais conflituante possível, com o regime norte-coreano a responder às críticas dos Estados Unidos, proclamando que realizaria os testes semanalmente, mensalmente e anualmente, juntamente com o lançamento de novos vídeos de ataques nucleares da Coreia do Norte contra importantes cidades americanas.

O momento para o teste do mais recente míssil efectuado pela Coreia do Norte, foi no dia de feriado nacional dos Estados Unidos, a 4 de Julho de 2017, sendo uma verdadeira bofetada provocativa. Se a Coreia do Norte tivesse realmente medo de uma invasão pelos Estados Unidos e seus aliados, chamar deliberadamente e repetidamente a atenção de forma negativa é uma acção completamente descabida. Ainda podia testar os mísseis, mas tentaria evitar anunciar ao máximo o que está realmente a preparar. Se a série de testes de mísseis que aumentam rapidamente não está a ser feita principalmente para evitar um ataque dos Estados Unidos contra a Coreia do Norte, qual a razão porque o regime está agir tardiamente de forma tão beligerante?

Alguns dos possíveis motivos são bem conhecidos e um deles é que o governo pode estar a usar os novos testes para divulgar a força e as conquistas técnicas do regime à sua população, a fim de distraí-los e reduzir o seu descontentamento. O outro motivo é de que Kim Jong-un pode acreditar que inúmeros testes permitirão fazer os Estados Unidos retornarem às negociações, e fazerem novas concessões à Coreia do Norte, tendo como moeda de troca a paralisação do seu programa de armas nucleares.

Há também, no entanto, outra razão potencial que recebeu pouca consideração nos círculos políticos e académicos, que é o facto da Coreia do Norte estar intencionalmente a incitar os Estados Unidos, ao lançamento de ataques punitivos em pequena escala contra si. Tal pode parecer contra-intuitivo, qual a razão porque um país quer ser atacado por forças externas? Os ganhos em popularidade do seu líder, provavelmente, superariam as perdas materiais incorridas pelos bombardeamentos, especialmente porque a história mostrou que tais ataques de mísseis americanos raramente têm qualquer efeito militar significativo.

A história também mostrou que um governo sob ataque de um inimigo internacional muitas vezes experimenta um enorme impulso de popularidade, como resultado do aumento de patriotismo, um maior desejo de cooperação contra um agressor, e uma melhor disposição para tolerar as dificuldades internas como parte do esforço de guerra e conhecido como “Síndrome ao redor do efeito de bandeira.”

O mesmo aconteceu, por exemplo, no início da campanha de bombardeamento da OTAN a Belgrado, durante a Guerra do Kosovo, o que levou a uma explosão de popularidade para o anteriormente aviltado presidente Slobodan Milosevic, e que permitiu que permanecesse no poder por mais tempo do que seria possível (a sua popularidade apenas possibilitou, depois de se saber que os bombardeamentos seriam sustentados, algo que a dissuasão norte-coreana desde longa data, bem como as protecções chinesas e russas, converteriam em suicidas para que os Estados Unidos se acaso tentassem). O regime norte-coreano vem a trabalhar para acumular benefícios de popularidade, por estar em estado de animosidade com os Estados Unidos há décadas, mas a realidade do conflito essencialmente ilusório que descreve para o seu povo, sofre de uma grande falha que é a ausência de ataques inimigos palpáveis que a população pode ver, ouvir e sentir. Um ataque real dos Estados Unidos preencheria bem esse vazio.

Além disso, uma das fraquezas da posição de Kim Jong-un como líder é a ausência de credenciais militares reais. Ter a oportunidade de agir como o líder que, valentemente, enfrenta o poder da superpotência mais importante do mundo e sobrevive, ajudaria também, a preencher essa lacuna com facilidade. Kim Jong-un tem uma razão clara para desejar um impulso interno em termos de popularidade. O estado fortaleza sobre o qual reina, está a ser atacado por uma multiplicidade de factores que podem prejudicar o controlo do seu regime sobre a população, incluindo uma escassez generalizada de alimentos, prestação inadequada de cuidados de saúde, extrema escassez de energia e aumento do acesso da população a informações do mundo exterior, através de meios ilegais.

Apesar de o regime parecer ser seguro contra o risco de revolta interna ou golpe militar em futuro previsível, só se mantém devido ao intenso e contínuo trabalho do governo e das suas forças de segurança para manter o “status quo”, e patrocinar uma manifestação patriótica em torno do regime de Kim, face a ataques americanos abertos, bem como elevar o próprio líder a herói militar, pode ser visto como suficientemente benéfico para valer a pena o sofrimento de um dano físico, resultante de um ataque que um míssil ou drone pode causar. Assim, Kim Jong-un recuaria na ideia de um ataque nuclear americano ou de invasão em grande escala, que significaria o fim do seu regime.

A dificuldade para o seu governo é de encontrar a resposta correcta. Se agir de forma muito beligerante, ao disparar uma ogiva nuclear contra Tóquio ou Seul, por exemplo, provavelmente criaria uma resposta de grande intervenção ou erradicação nuclear. Ao invés, trata de irritar e ofender os Estados Unidos a um nível que seja suficiente para incitar um bombardeamento em pequena escala, mas não a nível tão grave que possa vir a incorrer em algo pior. As acções que o regime tomou nos últimos meses, incluindo o teste de novos mísseis, mas que na verdade não atacaram país algum, matando ínfimas pessoas, em vez de grande número de civis estrangeiros, e nivelando as ameaças que são preenchidas com hipérbole, mas cuja pouca essência alinharia exactamente com esta estratégia.

É altamente improvável que os Estados Unidos arrisquem que a Coreia do Norte dispare armas nucleares contra os seus aliados, ou fazendo explodir um contentor de carga nuclear em São Francisco, ou provocando uma retaliação nuclear maior da China, ou mesmo lançando uma invasão em grande escala da Coreia do Norte por causa de um único cidadão morto e alguns testes de mísseis ilegais. Todavia, não é de todo improvável que possa responder com o mesmo tipo de ataques militares que Trump usou contra a Síria este ano, depois do governo de Assad ter usado armas químicas contra a sua população, Bill Clinton usou contra o Afeganistão e a Somália após os ataques da embaixada dos Estados Unidos em 1998, e contra o Iraque no mesmo ano, por não terem cooperado com os inspectores de armas da ONU, e Ronald Reagan utilizou contra a Líbia em 1986, após o bombardeamento da discoteca de Berlim e contra Beirute, em 1983, pelo bombardeamento de um quartel militar multinacional.

É de considerar que, enquanto a administração Trump considera as suas respostas ao recente aumento de beligerância da Coreia do Norte, deve ter em consideração que o lançamento de ataques limitados pode, de facto, ser exactamente o que o regime de Kim Jong-un quer. Existem muitas outras razões pelas quais os Estados Unidos devem agir com extrema prudência, antes de tomar esse caminho, que não deve ser negligenciado. Fazer exactamente o que um ditador totalitário desprezível quer, pode em geral ser uma má decisão. A verdade é que as sanções ocidentais e as promessas de acção da China não conseguiram controlar o seu programa nuclear, tendo a Coreia do Norte realizados testes de mísseis a cada duas semanas desde o início do ano. As sanções são destinadas a prejudicar a economia, mas apesar de toda a miséria, o país está a crescer entre 1 por cento a 5 por cento ao ano.

A ONU tentou bloquear o acesso da Coreia do Norte ao dólar americano, limitando a quantidade de carvão que o estado pode exportar, potencialmente privando-o de mais de um quarto da sua receita total de exportações. A China, compradora de 99 por cento das vendas de carvão da Coreia do Norte, afirmou em Fevereiro de 2017 que suspenderia todas as importações. Tais medidas não tem impedido que a Coreia do Norte continue por meios fraudulentos a vender carvão e a ter acesso a moeda estrangeira, bem como usa agentes de terceiros países para vender drogas, armas e produtos falsificados. O governo permite que as pessoas singulares criem negócios lucrativos, Além de produzirem para o Estado, os agricultores e as fábricas têm alguma liberdade para procurar os seus clientes. As imagens de satélite mostram que os mercados crescem em tamanho e número entre as cidades. As pequenas e médias empresas estão a proliferar e seis empresas de táxi operam em Pyongyang.

A fúria apocalíptica da Coreia do Norte na realização de um programa de armas nucleares, incluindo o seu não cientificamente e militarmente provado primeiro lançamento de mísseis balísticos intercontinentais é fundamentado no que dizem ser um conjunto racional de metas em que o mais importante é a auto-preservação. O regime diz que quer uma bomba nuclear porque viu o que aconteceu, quando o Iraque e a Líbia ficaram sem as armas de destruição massiva. Os seus regimes foram derrubados por intervenções apoiadas pelo Ocidente. A Coreia do Norte quer travar outros países de fazerem o mesmo, nomeadamente a administração do presidente Donald Trump, de derrubar o seu regime totalitário.

14 Jul 2017

Brexit, nacionalismo e anti-migração

“Trump was a supporter of Brexit- the proposition that the UK should leave the EU – and had accurately proclaimed during his campaign that Brexit was a sign that he would win, too. The voters were in revolt against their traditional rulers. The election in the US was so similar to the Brexit campaign; the result was always going to be the same, too: victory for those on the outside.”
“The Rise of the Outsiders: How Mainstream Politics Lost its Way” – Steve Richards

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] referendo de 2016 sobre a saída ou permanência na União Europeia (UE) deveria oferecer uma resolução final ao debate sobre a Europa, que dividiu os partidos políticos da Grã-Bretanha durante décadas. No entanto, ao invés de pôr fim ao debate, os resultados das eleições gerais, de 8 de Junho de 2017 demonstraram que o “Brexit” continuará a ser um factor de divisão e influência na política britânica dos próximos anos. A palavra “Brexit” continua a ser usada como uma abreviatura para descrever o voto da Grã-Bretanha para abandonar a UE, em 23 de Junho de 2016 e activar o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, a 29 de Março de 2017, tendo o significado do termo sido objecto de reflexão.

A primeira-ministra britânica no discurso proferido na Conferência do Partido Conservador, em Birmingham, a 2 de Outubro de 2016, afirmou que o significado do termo era simples, pois “Brexit significa Brexit”. O objectivo desta divisa era duplo.  Por um lado, Theresa May claramente afirmou a sua intenção de retirar o Reino Unido da UE.  Por outro lado, a sua mensagem “Brexit significa Brexit” procura eliminar todas as sugestões de que haveria um segundo referendo.  O andamento rápido para o momento actual é difícil de avaliar se qualquer uma dessas mensagens intencionadas atingiu o público-alvo.  Todas as situações consideraram a incerteza sobre o que esta palavra realmente significa, e que ainda é generalizada.

O resultado confuso do referendo, as múltiplas possibilidades e tecnicismos do “Brexit” e o prazo prolongado significam que, tanto para o Reino Unido como para a UE, as relações futuras se assemelham a cinquenta tons de cinza, ao invés de alguma divisão estabelecida, a preto e branco. O objectivo dos analistas acerca do tema não é fazer um balanço das extensas prosas em torno do que significa o “Brexit”. Mesmo após os resultados das eleições gerais de 8 de Junho de 2017, esta palavra significa muitas realidades para pessoas diferentes.  Não tem uma iteração singular.  Não tem voz unificada.  Pelo contrário, esse termo está em evolução, pois desde o referendo de 2016, ouve-se falar de um “Brexit duro”, um “Brexit suave” e um Brexit “áspero”, para citar apenas alguns rótulos linguísticos frequentemente associados a este termo.

À medida que as tentativas da primeira-ministra britânica de recuperar o equilíbrio depois de perder a maioria no Parlamento se produzem, é motivo para especular que não tem autoridade para garantir um “Brexit duro”. Pelo contrário, é de esperar que a aliança com o “Partido Unionista Democrático (DUP na sigla inglesa) ” da Irlanda do Norte signifique o surgimento de estratégias de negociação alteradas e mais suaves.  É difícil avaliar os efeitos que os resultados das eleições gerais terão na posição de negociação do Reino Unido com a UE. À medida que os jogos de linguagem do “Brexit” continuam a acumular, é importante não perder de vista um argumento omnipresente que os mantém juntos.  Para evitar tal descuido, deve-se demonstrar que a securitização da migração continua a ser uma âncora linguística constante, em relação às vagas de incerteza criadas pelo “Brexit”, e das consequências das eleições gerais de 8 de Junho de 2017, ou seja, a argumentação usada pelos actores políticos quando falam de segurança para enquadrar os migrantes como uma ameaça existencial para o país e legitimar o uso de medidas extraordinárias.

O segundo objectivo é considerar visões alternativas do “Brexit” oferecidas por meios de poder concorrentes.  Em particular, é de destacar os movimentos opostos à securitização, realizados pelo gabinete do Prefeito de Londres, através da campanha “London Is Open”. O slogan “Vote Leave, Take Back Control” adoptado pelos chamados “Brexiteers”, reflecte o que exactamente está em jogo, pois durante a acumulação dos argumentos do referendo de 2016, afirmou-se que o “Brexit” salvaria o país de despender enormes somas de dinheiro, em vez de aforrar os bolsos dos burocratas em Bruxelas, ou pagar o cheque em branco da crescente crise de refugiados.  Outros “Brexiteers” observaram rapidamente que o “Brexit” iria habilitar o governo a recuperar a autonomia completa sobre as leis e regulamentos nacionais.

A campanha ” Vote to Leave “, em vez disso, assegurou aos eleitores que o “Brexit” faria o Reino Unido recuperar o controlo completo das fronteiras e, portanto, uma maior capacidade de regular a migração. O “Vote to Leave” defendia que se votassem a favor do “Brexit”, conseguiriam economizar trezentos e cinquenta milhões de libras por semana, que podiam ser gastos em prioridades, como o “Sistema Nacional de Saúde”, escolas e habitações, e em um mundo com tantas ameaças, é mais seguro controlar as fronteiras e decidir por si quem pode entrar no país, e não ser governados pelos juízes da UE, bem como controlar a imigração e ter um sistema mais justo que acolhe pessoas no Reino Unido, com base nas aptidões que possuem, e não no passaporte que têm, e iriam comerciar livremente com todo o mundo, dado que a UE não permite a assinatura dos acordos comerciais com aliados chave como a Austrália e Nova Zelândia e economias em crescimento, como a Índia, China e Brasil e seriam livres para aproveitar novas oportunidades, que significam novos empregos e poderiam fazer as suas leis, por pessoas que pudessem escolher e retirar, o que seria mais democrático.

Se votassem por permanecer na UE, esta alargar-se-ia, o que representaria a adesão de cinco países como a Turquia com setenta e seis milhões de habitantes, a Sérvia com sete milhões e duzentos mil habitantes, a Albânia com dois milhões e oitocentos mil habitantes, a Macedónia com dois milhões e cem mil habitantes e o Montenegro com seiscentos mil habitantes. A UE custaria cada vez mais para o Reino Unido. Se a UE custa actualmente os referidos trezentos e cinquenta milhões de libras semanalmente, que seriam suficientes para construir um hospital para o “Sistema Nacional de Saúde” semanalmente, sendo que o Reino Unido recebe menos de metade desse dispêndio e não se pronuncia acerca da forma como os fundos foram gastos, bem como a imigração continuaria fora de controlo, pois quase dois milhões de pessoas vieram para o Reino Unido da UE nos últimos dez anos. É de imaginar o que seria nas próximas décadas, quando países novos e mais pobres aderissem à UE. O Reino Unido teria de continuar a resgatar o Euro, pois os países que o usam já têm uma maioria construída. Teriam de pagar a conta pelo fracasso do Euro. O Tribunal Europeu continuaria a monitorizar as leis, dado que controla tudo, de quanto impostos pagam, quem podem deixar entrar e sair do país e quais os trâmites. Escusado será dizer que essas linhas de argumentação não apareceram do vazio.

Os mais bem entendidos na política britânica devem estar profundamente conscientes de que securitização da migração não é um fenómeno novo no Reino Unido, nem é uma característica única do “Brexit”, mas pelo contrário, a sua base foi esculpida pelo ex-primeiro-ministro David Cameron, e pelo seu governo muito antes do termo “Brexit” ter sido inventado. É de recordar do furor político criado pelas  observações de David Cameron, a 30 de Julho de 2015, aquando da “Crise de Calais”, referindo-se a “enxame de migrantes” que foi condenada e considerada desumanizadora. Os comentários de Theresa May no seu papel como Secretária do Interior, também, podem sugerir a mesma condenação, quando a 6 de Outubro de 2015, afirmou que a imigração prejudicava a coesão social, e a 19 de Maio de 2017, os Conservadores afirmavam que os altos níveis de imigração tornavam impossível uma sociedade mais coesa.

É de considerar que essas tramas culminaram na construção de políticas governamentais, que deliberadamente visavam a migração líquida que ainda estão vivas actualmente. Torna-se claro que a liderança de “Brexiteers” soou forte e orgulhosamente a partir dessa lista de hinos securitizada ao longo do referendo de 2016. O cartaz “break point” anti-migrante, com a imagem de Nigel Farage, que foi líder do “Partido de Independência do Reino Unido (UKIP na sigla inglesa)”, de 5 de Novembro de 2010 a 28 de Novembro de 2016, que defende ideais conservadores e eurocépticos, mostra uma fila de migrantes e refugiados e incita ao ódio racial. Esse cartaz pode ser visto como um acto de linguagem visual que mobilizou, reforçou e acelerou activamente as intrigas preexistentes, que enquadraram os migrantes como uma ameaça existencial para o Reino Unido. A imagem na opinião de muitos constituiu um discurso de ódio e fazia eco da propaganda nazi.

Se considerarmos as consequências dessas intrigas securitizadas e imagens, damos conta que um céptico pode perguntar, porque as devemos considerar se os migrantes foram securitizados todo o tempo que o ex-primeiro-ministro David Cameron exerceu funções?  Porque devemos chamar a atenção de Farage e do seu cartaz anti-imigração?  Um ano após o referendo da UE, não é o momento de aceitar o consenso anti-imigração no Reino Unido e não nos devemos preocupar mais com a luta contra os difíceis negociadores da UE que aguardam o Reino Unido? Embora seja tentador evitar que essas questões sejam inconsequentes, é de argumentar que o discurso sobre a imigração que prevaleceu tão fortemente durante o referendo da EU, ainda exige um exame por dois motivos.   O primeiro, porque o plano dessas tramas de securitização semeadas antes do voto do “Brexit” ajudam a explicar, porque Theresa May está disposta a retirar o Reino Unido da UE, mesmo que isso signifique afastar o país do mercado único, mesmo que o possa prejudicar grandemente.

Se analisarmos os principais discursos que pronunciou desde que se tornou primeira-ministra, é claro que Theresa May colocou a soberania nacional acima de tudo, e até ao presente absteve-se de negar categoricamente que existe a necessidade da Grã-Bretanha manter o acesso ao mercado único e aos passaportes comunitários em matéria de prestação de serviços de investimento financeiros ao abrigo da “Directiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros (2004/39/CE – DMIF) ”. A prática revelará o prejuízo futuro quanto a estas matérias, e o efeito certamente serão o suicídio político e comercial. Poderá existir um suspiro colectivo de alívio e talvez possa aparecer um final alternativo depois de tudo? Talvez a securitização da migração possa ser desfeita para prevenir tais eventualidades extremas? Os “Brexiteers” alcançaram o seu objectivo e podemos ver um amolecimento da sua posição anti-imigração? É entendimento que esses cenários são improváveis de acontecerem.

A falta de clareza sobre os direitos e o estatuto dos cidadãos da UE serve como uma recordação importante de que Theresa May não mostrou sinais de atenuar a securitização de contextos de migração, durante as negociações que começaram a 19 de Junho de 2017. A UE considera como temas fundamentais e prioritários, o estatuto dos cidadãos prejudicados pelo “Brexit” , ou seja, os europeus que vivem no Reino Unido e os britânicos que residem nos vinte e sete Estados-membros, descrever as contribuições financeiras assumidas pelo Reino Unido enquanto membro do bloco comunitário e conhecida como factura do divórcio, e o estatuto da fronteira entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda.

A primeira-ministra britânica pretende fechar as portas do Reino Unido ao princípio da liberdade de movimento que está no centro do projecto constitutivo da UE. Deste ponto de vista, a probabilidade de um “Brexit duro” se materializar no futuro próximo parece crescer em vez de diminuir. Embora os resultados das rápidas eleições que Theresa May convocou tenham lançado uma luz caótica sobre as negociações do “Brexit”, não é sensato esperar que renuncie à sua promessa de retirar o Reino Unido do mercado único. Também não é óbvio que a UE tenha a intenção de repensar este ponto. É de observar que de uma perspectiva europeia, não importa se o Reino Unido tem um governo minoritário ou não, pois depende de como essas negociações desenrolarem e quais as cartas estratégicas que serão colocados na mesa de negociações, sendo possível que o contexto da securitização ressurja com vingança em vez de desaparecer.

A segunda razão pela qual é necessário (re)considerar as questões descritas é porque existem argumentos alternativos a serem considerados quando viajamos pela estrada com destino ao “Brexit”. Se voltarmos atrás na revisão dos contextos secuturizantes que saíram do governo e das atitudes políticas que envolveram as eleições gerais de 2017, damo-nos conta de uma questão que muitas vezes não é formulada. Qual é a alternativa para o “Brexit”? Esta questão estava visivelmente ausente da campanha. Ao dar um passo para trás para encontrar uma resposta adequada, foi refrescante descobrir que existem movimentos desidratadores em jogo.  A resposta da capital do Reino Unido ao “Brexit” com a campanha “London Is Open”, liderada pelo prefeito de Londres, Sadiq Khan, reflecte um contraste deliberado com o enquadramento descrito.

As mensagens de interiorização, nacionalismo e anti-imigração do governo, e as do município, foram refutadas intencionalmente e publicamente por uma nova campanha sob a bandeira de “Londres é aberta”.  A campanha foi lançada a 16 de Julho de 2016, menos de um mês após os resultados do referendo do “Brexit”, com o objectivo de mostrar que “Londres está unida e aberta para os negócios e para o mundo, após o referendo da UE”. O pequeno vídeo produzido pelo gabinete do Prefeito tornou-se viral, poucos dias após o seu lançamento, enquanto os cartazes que reforçavam a mensagem, eram colocados no metro de Londres. A campanha defende não apenas o relacionamento de Londres com a Europa e os cidadãos da UE, mas também a diversidade global da cidade com a garantia de que continuaria a ser bem-vindo e celebrado em Londres. A ênfase da campanha na inclusão global, em vez de meramente europeia, confirma a noção de que o “Brexit” não se trata apenas de melhores negócios ou de retorno do controlo da UE, mas tem sido sobre imigração, identidade, raça e história.

7 Jul 2017

A imoralidade do terrorismo

“The purpose of terrorism is to destroy the morale of a nation or a class, to undercut its solidarity; its method is the random murder of innocent people.”
“Just and Unjust Wars: A Moral Argument with Historical Illustrations” – Michael Walzer

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]emos assistido aos mais diversos eventos mundiais, desde os atentados de 11 de Setembro de 2001, nos Estados Unidos até ao último ataque terrorista em Londres, a 3 de Junho de 2017. Temos vivido acontecimentos violentos e reais, de guerras a genocídios. No entanto, quando se trata de eventos simbólicos à escala mundial, ou seja, não apenas factos que têm a atenção da comunicação social a nível mundial, mas que representam um fracasso para a globalização, não encontramos nenhum. Durante a inércia da década de 1990, os eventos entraram em greve na expressão do escritor argentino Macedonio Fernández.

A greve terminou e os acontecimentos não estão mais em risco e com os ataques ao World Trade Center, em Nova Iorque, podemos até dizer que temos diante de nós o evento absoluto, a mãe de todos os eventos, o evento puro que unifica em si todos os eventos que nunca aconteceram. Todo o jogo da história e do poder é interrompido por esse evento, mas também são as condições de análise. Temos que aprisionar o nosso tempo. Enquanto os eventos estavam estagnados, tínhamos que os antecipar e movermos mais rapidamente do que eles. Mas quando aceleraram, tivemos de caminhar mais devagar, embora sem permitir enterrá-los sob uma infinidade de palavras, ou reunir nebulosas de guerra, e preservar intacta a incandescência inesquecível das imagens. Tudo o que foi dito e escrito tem sido a evidência de uma aberração gigantesca para o evento em si e do fascínio que exerce.

A condenação moral e a santa aliança contra o terrorismo estão na mesma escala que o prodigioso júbilo de ver essa superpotência global destruída, ou melhor, vê-la, em certo sentido, destruindo-se e suicidando-se em uma chama de glória, pois pelo seu poder infernal, fomentou toda essa violência que é endémica a nível mundial, e, logo, essa imaginação terrorista (involuntariamente) que habita em todos nós. O facto de termos sonhado com esse evento, pois todos, sem excepção, sonharam com o mesmo, porque ninguém pode evitar sonhar com a destruição de qualquer poder que se tornou hegemónico a um nível considerado inaceitável para a consciência moral ocidental. No entanto, é um facto, e que pode ser medido pela violência emotiva de tudo o que foi dito e escrito no esforço para o dissipar.

É possível dizer em simples pincelada que fizeram, o que desejávamos que fosse feito. Se tal não for levado em conta, o evento perderá qualquer dimensão simbólica. Torna-se um puro acidente, um acto puramente arbitrário, a fantasmagórica assassina de alguns fanáticos, e tudo o que restaria seria eliminá-los. Agora, sabemos muito bem que não é assim. O que explica todos os delírios contrafóbicos sobre exorcizar o mal. É porque está lá, em todos os lugares, como um objecto obscuro de desejo. Sem essa cumplicidade profunda, o evento não teria tido a ressonância e, a sua estratégia simbólica. Os terroristas, sem dúvida, sabem que podem contar com essa cumplicidade indescritível. Tal vai muito além do ódio pelo poder mundial dominante entre os deserdados e os explorados, entre aqueles que acabaram no lado errado da ordem global. Mesmo aqueles que compartilham as vantagens dessa ordem têm esse desejo malicioso nos seus corações.

A alergia a qualquer ordem e poder definitivos são felizmente universal, e as duas torres do World Trade Center eram formas de realização perfeitas, nas suas dimensões, dessa ordem definitiva, não sendo necessário, um impulso de morte, um instinto destrutivo, ou mesmo de efeitos perversos e involuntários. Muito logicamente e inexoravelmente, o aumento do poder aumenta a vontade de destruí-lo. E foi parte da sua própria destruição. Quando as duas torres entraram em colapso, teve-se a impressão de que estavam a responder ao suicídio dos suicidas, com os seus próprios suicídios. Sempre foi dito que mesmo Deus não pode declarar guerra a si mesmo.

O Ocidente simbolicamente, na posição de Deus (omnipotência divina e legitimidade moral absoluta), tornou-se suicida e declarou guerra a si mesmo. Os inúmeros filmes de desastres, testemunham essa fantasia, que claramente tentam exorcizar com imagens, afugentando tudo com efeitos especiais. Mas a atracção universal que exercem, que é parecido com a pornografia, mostra que a actuação nunca foi muito longe, bem como o impulso de rejeitar qualquer sistema que se torne mais forte, à medida que se aproxima da perfeição ou da omnipotência. É provável que os terroristas não tenham previsto o colapso das Torres Gémeas, mais do que os especialistas, pois muito mais do que o ataque ao Pentágono, teve um maior impacto simbólico.

O colapso simbólico de todo um sistema surgiu por uma cumplicidade imprevisível, como se as torres, ao sucumbirem, cometessem suicídio, juntando-se para completar o evento. Em certo sentido, todo o sistema, pela sua fragilidade interna, deu uma mão amiga à acção inicial. Quanto mais concentrado o sistema se tornar globalmente, formando uma única rede, mais se torna vulnerável em um único ponto, pois é como o pequeno “hacker” filipino que havia gerido o mal, desde os recessos escuros do seu computador portátil, ao introduzir o vírus “Eu te amo”, que circundou o mundo devastando redes inteiras. Nos Estados Unidos foram dezoito assaltantes suicidas que, graças à arma absoluta da morte, reforçada pela eficiência tecnológica, desencadearam um processo catastrófico global.

Quando o poder global monopoliza a situação desta forma, quando há uma concentração tão assombrosa de todas as funções na máquina tecnocrática, e quando nenhuma forma alternativa de pensamento é permitida, qual é a outra forma existente para além da mudança por via da prática de actos terroristas? Foi o próprio sistema que criou as condições objectivas para essa retaliação brutal. Ao usar todas as cartas do jogo, forçou o outro a mudar as regras. E as novas regras são ferozes, porque as apostas são desumanas e para um sistema que tem excesso de poder, representando um desafio insolúvel, os terroristas respondem com um acto definitivo que também não é susceptível de troca. O terrorismo é o acto que restaura uma singularidade irredutível ao núcleo de um sistema de troca generalizada. Todas as singularidades (espécies, indivíduos e culturas) que pagaram as suas mortes, pela instalação de uma circulação global governada por um único poder, estão a vingar-se através dessa transferência da situação pela via terrorista. É o terror contra o terror e não há mais nenhuma ideologia por detrás. Estamos além da ideologia e da política. Nenhuma ideologia causa e nem mesmo a islâmica pode explicar a energia que alimenta o terror.

O objectivo não é mais transformar o mundo, mas (como as heresias fizeram no seus dias) radicalizar o mundo pelo sacrifício. Enquanto o sistema pretende realizá-lo pela força, o terrorismo, como vírus, está em toda parte. Existe uma perfusão global do terrorismo, que acompanha qualquer sistema de dominação, como se fosse a sua sombra, pronto para se activar em qualquer lugar, como um agente duplo. Não é possível desenhar uma linha de demarcação em torno dessa situação. É no coração desta cultura que a combate, que a fractura visível e o ódio que permeia os explorados e os subdesenvolvidos, globalmente, contra o mundo ocidental, secretamente se conecta com a fractura interna ao sistema dominante. Esse sistema pode enfrentar qualquer antagonismo visível. Mas contra o outro tipo, que é de estrutura viral, como se toda a máquina de dominação segregasse o seu contra-aparelho, o agente do seu desaparecimento, contra essa forma de reversão quase automática do seu poder, o sistema nada pode fazer.

O terrorismo é a onda de choque dessa reversão silenciosa. Este não é, portanto, um choque de civilizações ou religiões, e fere muito além do Islamismo e do Ocidente, sobre os quais estão a ser feitos esforços para concentrar o conflito, criando a ilusão de um confronto visível e uma solução baseada na força. Há, de facto, um antagonismo fundamental, mas que afasta o espectro da América, que é, talvez, o epicentro, mas em nenhum sentido a única incorporação, da globalização e o espectro do Islamismo, que não é a personificação do terrorismo, mas a globalização triunfante batalhando contra si. Nesse sentido, podemos falar de uma guerra mundial, não a Terceira Guerra Mundial, mas a Quarta e a única realmente global, uma vez que o que está em jogo, é a própria globalização. As duas primeiras guerras mundiais corresponderam à imagem clássica da guerra.

A Primeira Guerra Mundial acabou com a supremacia da Europa e da era colonial. A Segunda Guerra Mundial acabou com o nazismo. A Terceira Guerra Mundial, que de facto ocorreu, sob a forma de guerra fria e dissuasão, acabou com o comunismo e a cada guerra sucessiva, avançamos para uma única ordem mundial. Actualmente, essa ordem, que praticamente atingiu o seu ponto culminante, encontra-se a lutar contra forças antagónicas espalhadas por todo o mundo, em todas as convulsões actuais. Uma guerra fractal de todas as células e singularidades, repugnantes sob a forma de anticorpos. Um confronto tão impossível de definir que a ideia de guerra deve ser resgatada de tempos a tempos por situações espectaculares, como a Guerra do Golfo ou a guerra no Afeganistão. Mas a Quarta Guerra Mundial está em outro lugar. É o que assombra toda ordem mundial e dominação hegemónica e se o Islamismo dominasse o mundo, o terrorismo elevaria contra si, pois é o mundo que resiste à globalização. O evento do World Trade Center, esse desafio simbólico, é imoral e é uma resposta a uma globalização que é imoral. Teremos então de ser imorais para compreender esta dinâmica?

Se quisermos ter algum entendimento de tudo o que está a acontecer em termos de terrorismo têm de ir um pouco além do bem e do mal. Quando, tivermos um evento que desafie não apenas a moral, mas qualquer forma de interpretação, devemos tentar abordá-lo com uma compreensão do mal. Este é precisamente onde se encontra o ponto crucial, no total mal-entendido por parte da filosofia ocidental e do Iluminismo da relação entre o bem e o mal. Acreditamos ingenuamente que o progresso do bem, o seu avanço em todos os campos, como nas ciências, tecnologia, democracia, direitos humanos, corresponde a uma derrota do mal.

Apenas poucos parecem ter entendido que o bem e o mal caminham juntos, como parte do mesmo movimento. O triunfo de um não oculta o outro, longe disso. Em termos metafísicos, o mal é considerado um acidente, mas esse axioma, do qual derivam todas as formas maniqueístas da luta do bem contra o mal, é ilusório. O bem não conquista o mal, nem o inverso acontece, pois são ao mesmo tempo irreduzíveis entre si e inextrincavelmente inter-relacionados. Em última análise, o bem poderia frustrar o mal apenas deixando de ser bem, ao apoderar-se de um monopólio global do poder, dando origem, por esse mesmo acto, a uma reviravolta de uma violência proporcionada. O universo tradicional, continha um equilíbrio entre o bem e o mal, de acordo com uma relação dialéctica que mantinha a tensão e o equilíbrio do universo moral, não sendo diferente da forma como o confronto dos dois poderes na Guerra Fria mantiveram o equilíbrio do terror, não havendo nenhuma supremacia de um sobre o outro.

Assim que houve uma extrapolação total do bem (hegemonia do positivo sobre qualquer forma de negatividade, exclusão da morte e de qualquer força adversa potencial – triunfo dos valores do bem), esse equilíbrio ficou perturbado. A partir desse momento, o equilíbrio desapareceu, e foi como se o mal recuperasse uma autonomia invisível, começando a desenvolver-se exponencialmente, tendo em termos relativos acontecido na ordem política com o desaparecimento do comunismo e o triunfo global do poder liberal, pois foi nesse ponto que emergiu um inimigo fantasmagórico, infiltrando-se em todo o planeta, deslizando por toda parte como um vírus que brota de todos os interstícios de poder que e radicado no Islamismo.

Mas o Islamismo era apenas a frente móvel em que o antagonismo cristalizava. O antagonismo está em todos os lugares e em cada um de nós. Então, é o terror contra o terror. É o terror assimétrico. E é essa assimetria que deixa a omnipotência global totalmente desarmada, em desacordo consigo, só pode mergulhar na sua lógica de relações de força, mas não pode operar no terreno do desafio simbólico e da morte, algo da qual já não tem ideia, que a apagou da sua cultura. Até ao presente, este poder integrativo conseguiu em grande parte absorver e resolver qualquer crise e negatividade, criando, assim uma situação de desespero mais profundo (não só para os deserdados, mas para os privilegiados também, no seu conforto radical).

A mudança fundamental agora é de que os terroristas deixaram de se suicidar sem nada em troca, pois produzem as suas mortes de forma eficaz e ofensiva, ao serviço de uma visão estratégica intuitiva que é simplesmente um senso da imensa fragilidade do oponente – uma sensação de que um sistema que chegou à sua quase perfeição pode ser inflamado pela menor faísca. Os terroristas conseguiram transformar as suas mortes em uma arma absoluta contra um sistema que opera com base na exclusão da morte, um sistema cujo ideal é o de nenhuma morte. Todo o sistema de morte zero é um sistema de jogo de soma zero. E todos os meios de dissuasão e destruição não podem fazer nada contra um inimigo que já transformou a sua morte em uma arma de contra-ataque. Os terroristas estão tão ansiosos por morrer como os demais cidadãos por viver, sendo este o espírito do terrorismo.

28 Jun 2017

Saúde e justiça ambiental

“Environmental pollution is an incurable disease. It can only be prevented.”
“Making Peace With the Planet” – Barry Commoner

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]e está a ler um livro, pare de o ler. Feche-o, apenas por um momento. Levante os olhos e olhe ao redor. Onde se encontra? O que vê? Talvez esteja na biblioteca da universidade, cercado de prateleiras de livros, com tapetes debaixo dos pés e o ar condicionado a cantarolar com ruído suave. Talvez esteja em casa, em um dormitório, um quarto de apartamento ou uma suite de um hotel, ou quiçá na sua cozinha. Talvez esteja deitado debaixo de uma árvore, em um parque, ou talvez esteja em um autocarro ou mesmo em um avião. Como é? Como se sente por estar onde está? A luz é adequada à leitura? A temperatura é confortável? Existe ar fresco para respirar? Existem poluentes no ar, à excepção dos resultantes de um tapete colocado ou de uma parede recentemente pintada?

A cadeira encaixa-se perfeitamente ao seu corpo? Se estiver dentro de uma sala olhe para fora. O que vê pela janela? Existem árvores? Edifícios? O local onde vive é ruidoso ou tranquilo? Existem outras pessoas? Existem ruas movimentadas, com carros, motociclos e autocarros a lançarem nuvens de poluentes pelos escapes e produzindo ruído? Agora imagine que pode ver ainda mais longe, para um restaurante perto do mar, para a rede rodoviária em torno do local onde vive, para as poucas fábricas e instalações em parques industriais, para a central eléctrica e de resíduos sólidos à distância, fornecendo electricidade e incinerando resíduos, para a sala em que está, para o mar a poucos quilómetros de distância. O que veria no restaurante?

A cozinha está limpa? Os alimentos são armazenados com segurança? Existem baratas ou ratos na sala dos fundos? E o rio? O sistema municipal de esgotos despeja resíduos sem serem tratados ou o resultante de defeituoso tratamento no rio e mar, ou existem estações de tratamento de águas residuais que descarregam efluentes tratados e limpos? Existem produtos químicos nas águas do rio e mar? E quanto ao peixes? Pode comê-los? Pode nadar no rio e mar? Pode beber a água do rio? Quanto às estradas, fábricas, central eléctrica e de resíduos sólidos estão a poluir o ar? As estradas estão obstruídas com o tráfego? As pessoas são rotineiramente feridas nas estradas?

Os trabalhadores da construção civil e fábricas estão expostos a produtos químicos perigosos, ao ruído ou a máquinas que os podem ferir ou criar ansiedade? Existe poluição transfronteiriça? Como é tratada? Os alimentos que consome provêm de terrenos agrícolas que aplicam pesticidas, ou estão a controlar os insectos de outras formas? Está confiante de que está seguro de comer os vegetais que aí nascem e crescem? As áreas agrícolas de onde provêm os alimentos que consome, como os vegetais, estão a diminuir à medida que o desenvolvimento urbano se expande? Imagine que tem uma visão ainda mais ampla com linhas flutuantes acima da terra, e olha para baixo e vê as centenas de milhões de pessoas que vivem em circunstâncias extremamente diferentes? Vê vastas megacidades com milhões e milhões de pessoas, e vê aldeias rurais isoladas a três dias de caminho da estrada mais próxima.

Vê as florestas a serem limpas em alguns lugares, rios e lagos a secar em outros? Dá-se conta que a temperatura da superfície terrestre é um pouco mais quente do que era há um século? Vê ciclones formando-se em regiões tropicais, geleiras e cascatas que se derretem perto dos pólos? Pare e volte de novo ao livro. Tudo o que acabou de ver, da sala e no mundo em que está, fazem parte do seu ambiente. E muitos aspectos desse ambiente, do ar que respira, da água que bebe, das estradas que transita, dos resíduos que produz, podem afectar o que sente. Podem determinar o risco de se contundir antes do final do dia, o risco de ficar com disenteria ou falta de ar ou uma dor nas costas, o risco de desenvolver uma doença crónica nas próximas décadas, mesmo o risco dos seus filhos ou netos sofrerem deficiências de crescimento, asma, doenças coronárias ou cancro. O que é saúde ambiental? Qualquer dicionário define o ambiente primeiro, de forma directa como sendo as circunstâncias, objectos ou condições pelas quais o ser humano está rodeado.

A segunda definição que oferece é mais intrigante, sendo o complexo de introdução física, como factores químicos e bióticos (clima, solo e seres vivos) que agem sobre um organismo ou uma comunidade ecológica e, em última instância, determinam a sua forma e sobrevivência. Se o nosso foco é sobre a saúde humana, podemos considerar o meio ambiente, como sendo todos os factores externos ou não genéticos, físicos, nutricionais, sociais, comportamentais e outros, que actuam nos seres humanos. Uma definição amplamente aceite de saúde vem da constituição, criada em 1948, da Organização Mundial da Saúde, como sendo um estado de bem-estar físico, mental e social completo, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade. Esta ampla definição, vai muito além da visão bastante mecanicista que prevalece em algumas configurações médicas para incluir muitas dimensões de conforto e bem-estar.

A saúde ambiental foi definida de muitas maneiras. Algumas definições fazem referência à relação entre as pessoas e o meio ambiente, evocando um conceito de ecossistema, e outras concentram-se mais estreitamente no tratamento de condições ambientais específicas. Alguns preocupam-se em reduzir os riscos, e outros focam-se na promoção de ambientes que melhoram a saúde. Alguns direccionam-se para perigos físicos e químicos, e outros estendem-se mais amplamente, a aspectos dos ambientes sociais e construídos. Uma das definições deixa claro, que a saúde ambiental são muitas coisas, um campo académico interdisciplinar, uma área de pesquisa e anfiteatro de práticas de saúde pública aplicada. Outra definição, afirma que a saúde ambiental representa os aspectos da saúde humana, incluindo a qualidade de vida, que são determinados por factores físicos, químicos, biológicos, sociais e psicossociais no meio ambiente, também se referindo à teoria e prática de avaliar, corrigir, controlar e prevenir esses factores no ambiente, que potencialmente podem afectar negativamente a saúde das gerações presentes e futuras.

A saúde ambiental é o ramo da saúde pública que protege contra os efeitos de riscos ambientais, que podem prejudicar a saúde ou os equilíbrios ecológicos essenciais para a saúde humana e a qualidade ambiental. A saúde ambiental compreende os aspectos da saúde humana e doenças, que são determinados por factores no meio ambiente, referindo-se ainda à teoria e prática de avaliar e controlar factores no ambiente, que podem afectar a saúde. Inclui os efeitos patológicos directos dos produtos químicos, a radiação e alguns agentes biológicos, e os efeitos muitas vezes indirectos na saúde e no bem-estar do amplo ambiente físico, psicológico, social e estético, que inclui a habitação, desenvolvimento urbano, uso do solo e transportes, tal como preconiza a “Carta Europeia de Ambiente e Saúde”.

A saúde ambiental é a disciplina que se concentra nas inter-relações entre as pessoas e seu meio ambiente, promove a saúde e o bem-estar humano e bem como um ambiente seguro e saudável. A preocupação humana com a saúde ambiental data dos tempos antigos, e evoluiu e expandiu-se ao longo dos séculos. A noção de que o ambiente poderia ter um impacto no conforto e no bem-estar, a ideia central da saúde ambiental, deve ter sido evidente nos primeiros dias da existência humana. Os elementos podem ser difíceis, e sabemos que os nossos antepassados procuraram abrigo em cavernas ou sob árvores, em abrigos existentes ou que construíram.

Os elementos ainda podem ser resistentes, tanto diariamente como durante eventos extraordinários, como o tsunami de 2004 nos lembrou. Os nossos antepassados enfrentaram outros desafios, que agora identificaríamos com a saúde ambiental. Um era segurança alimentar.  Deve ter havido procedimentos para preservar alimentos, e as pessoas devem ter ficado doentes e morreram por comer comida estragada. As restrições dietéticas na antiga lei judaica e islâmica, como a proibição de comer carne de porco, provavelmente evoluíram a partir do reconhecimento de que certos alimentos podem causar doenças.

O outro desafio foi a água limpa, e podemos assumir que os primeiros povos aprenderam a não defecar perto, ou de outra forma, contaminavam as suas fontes de águas subterrâneas. Nas ruínas das antigas civilizações da Índia a Roma, da Grécia ao Egipto e à América do Sul, os arqueólogos encontraram os restos de canos de água, sanitários e linhas de esgoto, alguns com mais de quatro mil anos. Ainda outro risco ambiental era o ar poluído. Há evidências nas cavidades dos “sinus” dos antigos habitantes das cavernas de altos níveis de fumo, antecipando preocupações modernas de ar interior, em casas que queimam combustíveis de biomassa ou carvão. Uma passagem intrigante no livro bíblico de Levítico (14:33-45) refere-se a um problema de saúde ambiental bem reconhecido como mofo, míldio ou fungo em edifícios, pois quando uma casa tem uma “doença leprosa”, o dono da casa diria ao sacerdote: “Parece-me que sou uma espécie de doença na minha casa”. Então o sacerdote ordenava que fosse esvaziada a casa antes de examinar a doença, para que tudo o que estivesse nela fosse declarado impuro e só depois entraria na casa e examinaria a doença.

Se a doença estivesse nas paredes da casa com manchas esverdeadas ou avermelhadas, e se parecesse ser mais profunda que a superfície, o sacerdote deve sair da casa e fechá-la por sete dias, voltando ao sétimo dia e examinaria de novo. Se a doença se tivesse espalhado pelas paredes da casa, ordenaria que tirassem as pedras, na qual se encontrava a doença, e as colocassem em um lugar imundo fora da cidade, e faria que o interior da casa fosse raspado, e o gesso raspado, fosse derramado em um lugar imundo fora da cidade, e então tomariam outras pedras e as colocariam no lugar das retiradas e assim como novo gesso na casa. Se a doença aparecesse novamente na casa, depois de terem sido retiradas as pedras e raspado o gesso e colocado a nova argamassa, o sacerdote deveria ir de novo ver. Se a doença se tivesse espalhado pela casa, era uma lepra maligna e o local impuro. Então, seria derrubada a casa, as suas pedras e a madeira e todo o emplastro, e tudo seria levado para fora da cidade para um lugar imundo.

É extremamente interessante especular sobre se as habitações antigas sofreram um crescimento excessivo de mofo, como também é interessante considerar o lugar impuro fora da cidade, como um local de despejo perigoso. Quem retirou os resíduos desse local e qual o impacto na sua saúde é biblicamente desconhecido. O outro antigo desafio de saúde ambiental, especialmente nas cidades, eram os roedores. A história europeia mudou para sempre, quando as infestações de ratos nas cidades do século XIV levaram à peste negra, pois era transmitida por pulgas encontradas em roedores, principalmente nos ratos. As cidades modernas, continuam a lutar periodicamente com infestações de ratos e outras pragas.

A saúde ambiental é um campo dinâmico e evolutivo. À medida que o século XXI se desenrola, as funções sanitárias tradicionais continuam criticamente importantes, e os riscos químicos continuarão a ser um foco de atenção científica e reguladora. Olhando mais adiante, podemos identificar pelo menos cinco tendências que irão moldar a saúde ambiental, que são a justiça ambiental, centralização em grupos sensíveis às questões ambientais, avanços científicos, mudanças globais e movimentos em direcção à sustentabilidade.

A partir de 1980, as comunidades afro-americanas identificaram exposições a resíduos perigosos e emissões industriais como questões de justiça racial e económica. Os pesquisadores documentaram que essas exposições, afectaram desproporcionalmente as comunidades pobres e minoritárias, um problema que foi agravado por disparidades na aplicação de lei ambientais. O movimento moderno da justiça ambiental nasceu, de uma fusão do ambientalismo, saúde pública e do movimento dos direitos civis. Os historiadores observaram que a justiça ambiental representa uma mudança profunda na história do ambientalismo Esta história é comummente dividida em vagas. A primeira vaga foi o movimento de conservação do início do século XX, a segunda vaga foi o activismo militante que floresceu no “Dia da Terra, 1970”, e a terceira vaga foi o surgimento de organizações ambientais grandes, “internas”, como a “Sierra Club”, a “Liga de Eleitores em favor da Conservação do Meio Ambiente (LCV, na sigla em inglês)” e o “Conselho de Defesa dos Recursos Naturais (NRDC, na sigla em Inglês)”, que adquiriram considerável influência política na década de 1980.

A justiça ambiental, então, representa uma quarta vaga, que se distingue pela sua liderança descentralizada, diversidade demográfica e a sua ênfase nos direitos humanos e na justiça. A visão da justiça ambiental, eliminando disparidades em oportunidades económicas, ambientes saudáveis e saúde, é aquela que ressoa com as prioridades de saúde pública, enfatizando que a saúde ambiental se estende muito além das soluções técnicas de exposições perigosas para incluir direitos humanos e a equidade. É provável que esta visão seja uma parte cada vez mais central da saúde ambiental nas próximas décadas. Um dos grandes comprometimentos em termos de combate às alterações climáticas pondo também em risco a almejada justiça ambiental, é a decisão tresloucada e eleitoralista do presidente americano de retirar o seu país do “Acordo de Paris”, mesmo que seja temporariamente, como é de acreditar. Essa saída breve a dar-se, não deixará por certo os Estados Unidos de cumprir as metas acordadas, de forma a não perder o passo, aquando da sua futura readmissão.

14 Jun 2017

A pobreza e a dinâmica das democracias

“The concern that poverty and economic inequality pose a threat to the quality and even survival of democracy has taken on new urgency in recent years.”
“Poverty, Inequality, and Democracy” – Francis Fukuyama, Larry Diamond and Marc F. Plattner

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]ntender as origens do autoritarismo político é de vital importância para as modernas democracias. Os últimos trabalhos em psicologia evolutiva, sugerem que a preferências das pessoas, podem ser uma resposta biológica a duras experiências nas primeiras etapas de vida. Quem viveu a pobreza na infância mostra uma marcada tendência para na vida adulta preferir um líder autoritário. A essa conclusão muito importante. chegou um estudo sobre “A pobreza na infância cria preferência por líderes autoritários”, realizado pelo “Instituto Francês de Neurociências Cognitivas”.

O que vivemos na nossa infância influencia as nossas atitudes políticas? Os resultados a essa pergunta foram recentemente publicados na revista “Evolution and Human Behavior”. Tendo sofrido da pobreza, o jovem está associada a uma maior adesão a atitudes políticas autoritárias na idade adulta, não só na população francesa, mas também, em outros quarenta e seis países europeus, e compreender as origens do sucesso do autoritarismo, é uma chave importante para a manutenção das actuais democracias. A partir do início do ano 2000, a maioria dos países ocidentais tem assistido a um aumento histórico dos partidos autoritários, e as atitudes autoritárias estão a espalhar-se em muitos partidos políticos.

A análise destes fenómenos políticos é mais frequente, e tem base factores contextuais, como a crise económica ou a ameaça do terrorismo, que promovem atitudes de facto autoritárias. Todavia, pesquisas recentes em biologia e psicologia, têm mostrado que o ambiente em que um indivíduo é exposto durante a infância também, pode influenciar o seu comportamento na idade adulta. A primeira questão será a de descobrir se tais processos foram envolvidos no desenvolvimento das atitudes políticas, especificamente, analisando o efeito da pobreza na infância sobre as atitudes autoritárias. Os pesquisadores, para medir as preferências políticas, basearam-se em testes, pedindo aos participantes as suas primeiras impressões sobre rostos.

Os estudos de psicologia anteriores, mostraram que as atitudes políticas influenciavam preferências por determinados tipos de rostos, e julgamentos simples das caras dos candidatos, permitia prever o resultado de eleições políticas. Os pesquisadores do “Laboratório de Neurociência Cognitiva” de França, mediram a preferência por políticos fictícios, representados por rostos modelados por computador e calibrados para representar os níveis de variáveis de dominância e de confiança. As dimensões da confiança e dominância são ortogonais entre si. Todas as combinações são possíveis, pois um rosto pode ser muito dominante e não confiável, muito dominante e muito confiável, um pouco dominante e não confiável ou um pouco dominante e muito confiável. Foram realizados dois testes, sendo um simplificado para crianças e outro para adultos, tendo participado no primeiro, quarenta e uma crianças de sete anos, que tiveram de escolher entre rostos mais ou menos dominantes e  confiáveis, como o seu capitão de equipa para os liderar em uma expedição nas montanhas.

O primeiro teste mostrou que crianças expostas a condições socioeconómicas desfavoráveis, preferiram capitães mais dominantes e menos confiáveis do que seus colegas, que vivem em ambientes mais favoráveis. Tendo por base este efeito precoce da pobreza, os pesquisadores ficaram interessados, então, em saber a sua influência sobre as preferências políticas subsequentes. A parceria com o “Instituto Ipsos”, permitiu medir as preferências de uma amostra representativa da população francesa (mil participantes, método das quotas) para os homens políticos, mais ou menos dominantes e confiáveis. Nesta parte do estudo, os rostos mais ou menos dominantes e de confiáveis foram apresentados aos participantes pares de forma aleatória, com a pergunta “em quem votariam? Este estudo revelou que ter vivido a pobreza durante a infância, aumentou a preferência pelos políticos dominantes e indignos de confiança na idade adulta e que, independentemente do nível de escolaridade e socioeconómico actual dos participantes.

A equipa de investigação ficou finalmente e directamente interessada nas atitudes explicitamente autoritários, pedindo aos participantes para estudar o seu nível de aderência à segunda frase: “Eu acho que ter como líder do país um homem forte que não tem de se preocupar com o parlamento ou eleições é uma coisa boa.”. A análise dessas respostas mostrou que ter vivido a pobreza durante a infância, aumentou a adesão a atitudes explicitamente autoritárias, não só na amostra da população francesa, mas também em mais quarenta e seis países europeus. Através de três testes diferentes, estes trabalhos permitem destacar a importância dos factores iniciais, para determinar as atitudes políticas e assim enriquecer a compreensão das dinâmicas das democracias. As obras empíricas, durante décadas, demonstraram que a dureza do meio envolvente, afecta sistematicamente as preferências políticas.

A ameaça perceptível para a segurança e as visões mundiais perigosas, de facto, correlacionam-se com o autoritarismo de direita, e os cenários de ameaça ou de guerra, induzem sistematicamente, à preferência por líderes mais altos, masculinos, dominantes e menos confiáveis. É importante, que a essa mudança de autoritarismo, também aparece como resposta a ameaças não-políticas. O patógeno e a prevenção de doenças, por exemplo, são um problema importante na evolução humana, e correlacionam-se com o grau de autoritarismo a nível nacional e individual. Em conjunto, esses estudos sugerem que a preferência por líderes fortes é uma resposta evolutiva profundamente enraizada aos agentes externos. No entanto, as sugestões do ambiente actual dos indivíduos não são os únicos sinais que afectam o comportamento. Os sinais percebidos, durante a infância são realmente cruciais para calibrar os comportamentos actuais e futuros.

O ambiente da infância fornece sinais sobre o tipo de meio que os indivíduos provavelmente enfrentarão, como adultos, ou o tipo de recursos físicos que podem confiar para o seu desenvolvimento. Em consonância com esta ideia, pesquisas empíricas mostram que os fenótipos são ajustados às condições iniciais, através de trinta e seis mecanismos de desenvolvimento múltiplos. Os animais, por exemplo, que viveram um período de alto “stress” na fase juvenil, passam a estar mais orientados para o presente, e priorizam a sobrevivência imediata e a reprodução sobre os benefícios a longo prazo. As pessoas que nascem com baixo peso ou que sofrem “stress” psicossocial e interrupção familiar na infância, amadurecem mais cedo e têm o seu primeiro filho mais jovens, que o restante da população.

A dureza nos estádios iniciais de desenvolvimento também induz a mudanças importantes na cognição social. Por exemplo, independentemente do seu estatuto socioeconómico, ulterior na vida, os adultos que cresceram em ambientes com elevado nível de “stress”, são mais sensíveis a ameaças sociais e emoções negativas, que podem ser adaptáveis em ambientes mais competitivos e violentos. O objectivo do estudo realizado pelo “Instituto Francês de Neurociências Cognitivas” aconselha também, estudar se as preferências dos líderes são influenciadas por sugestões de dureza na infância, independentemente das circunstâncias actuais dos indivíduos. Para testar esta hipótese, seria de confiar em uma medida robusta de dureza na infância, como a privação de recursos.

A privação de recursos infantis reflecte realmente níveis mínimos de recursos e aumento da instabilidade e exposição a eventos adversos, ou seja, a privação de recursos constitui um servidor interessante para o nível de “stress” externo, experimentado durante a infância.Logo, avalia-se o impacto da privação durante a infância nas preferências dos líderes infantis, e depois avalia-se o seu efeito duradouro na idade adulta.Para medir as preferências dos líderes de forma consistente em crianças e adultos, depende da percepção dos participantes sobre os rostos, como foi efectuado.Pesquisas extensas em psicologia, de facto, mostraram que os sinais faciais são usados para escolha de líderes tanto em adultos como em crianças, e que seu uso prevê de forma confiável nos resultados eleitorais.

Os estudos transnacionais e manipulações experimentais mostraram que a importância concedida a sinais faciais específicos, como confiabilidade ou domínio, é sensível a factores envolventes. Da mesma forma, as diferenças políticas da vida real entre democratas e republicanos, têm sido associadas a diferenças estáveis nas preferências faciais, ao escolher um líder. Esses resultados sugerem que a confiança das pessoas em sinais faciais específicos para escolher um líder é um “proxy” confiável das suas preferências políticas reais. No referido estudo, foi explorado o embate diferencial de dominância e confiabilidade, nos julgamentos sociais, para investigar o impacto da privação da infância sobre a preferência por líderes autoritários. Mais precisamente, foram usados rostos controlados tanto pela dominância, quanto pela confiabilidade, para medir a forma como a experiência adversa precoce, pode moldar o uso dessas duas questões faciais para escolher um líder. Finalmente, foi confirmada a associação entre as preferências dos líderes e a privação da infância, e analisado o impacto do autoritarismo extremo, auto-relatado em uma amostra nacional francesa e europeia em larga escala.

O objectivo do primeiro estudo foi investigar o efeito imediato da pobreza infantil na preferência das crianças por líderes fortes. Para isso, foi adaptado um projecto experimental existente que desencadeia preferências políticas em crianças. O segundo estudo consistiu no facto dos participantes adultos, terem que escolher em quem votariam em uma eleição nacional, entre o “avatar que defronta-se parametricamente, variando em confiabilidade e domínio. Os participantes também relataram a sua preferência por líderes autoritários, para investigar a relação entre privação na infância e as atitudes autoritárias explícitas. O terceiro estudo teve a ver com o impacto da privação na infância, sobre a preferência por líderes fortes, sendo analisado através de uma pesquisa sociológica de grande escala, realizada em mais de sessenta e seis mil entrevistados residentes em quarenta e seis países europeus.

As experiências efectuadas pelos pesquisadores procuraram compreender o impacto do meio ambiente infantil nas preferências políticas. Em consonância com a sua hipótese, descobriram que viver a pobreza, durante a infância prejudica as preferências em relação aos líderes dominantes. Estes resultados são consistentes com a literatura sobre o efeito de ameaças externas sobre preferências políticas. Por exemplo, as análises de registos históricos revelaram o aumento do autoritarismo durante períodos de ameaça social e económica como a “Grande Depressão” e o final da década de 1960 e 1970 nos Estados Unidos. As ameaças agudas de 9 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos e os atentados de Londres em 2005, igualmente, foram fortemente associadas ao aumento do conservadorismo e do autoritarismo.

Os estudos actuais, no entanto, sugerem que o efeito das ameaças externas é muito mais abrangente do que se pensava anteriormente. Os resultados, de facto, revelam um efeito imediato de experiências adversas precoces nas preferências das crianças, bem como, um efeito adiado nas preferências políticas dos adultos. Este efeito adiado foi evidenciado tanto na tarefa experimental como em auto-relatos, e sugere a existência de um impacto directo da dureza do meio ambiente infantil nas atitudes políticas. No entanto, não se pode excluir a existência de uma variável não observada, que poderia afectar as atitudes políticas dos adultos, e o meio ambiente infantil de forma independente. Além disso, vale a pena notar que mesmo que a descoberta tenha sido a mesma em quarenta e seis países europeus diferentes, factores genéticos, também podem ser parcialmente responsáveis pelos resultados. Na verdade, demonstrou-se que o autoritarismo é parcialmente determinado geneticamente.

As descobertas presentes serão, assim, reforçadas por pesquisas futuras envolvendo choques externos em ambientes experimentais ou ensaios naturais. No entanto, para controlar factores de confusão, deviam ser incluídos vários exames nos modelos que permitissem demonstrar que o efeito da dureza do meio ambiente infantil, nas atitudes políticas é independente do estatuto actual, eventos da vida recente, nível educacional, estilo parental, bem como da confiança dos participantes em instituições políticas. Esta verificação de robustez, sugere um impacto limitado de variáveis observáveis omitidas no estudo. A ideia de que as preferências dos líderes, emergem relativamente cedo na infância e orienta o comportamento dos indivíduos durante toda a vida, é consistente com estudos longitudinais que mostram que a orientação do autoritarismo de direita é estável durante anos. Além disso, a pesquisa de imagens cerebrais mostrou diferenças substanciais, entre adultos que experimentaram ambientes com “stress”, como crianças em áreas cerebrais envolvidas em avaliações de rosto.

O impacto da pobreza na infância evidenciado no estudo pode depender de mudanças profundas no funcionamento do cérebro. Além disso, os estudos também podem lançar luz sobre a base ecológica de atitudes políticas, como o autoritarismo e o seu valor adaptativo. Na verdade, demonstrou-se que as escolhas dos líderes são principalmente determinadas por julgamentos de competência. Essa associação entre a competência percebida e a escolha do líder pode explicar, porque os líderes dominantes são percebidos como mais atraentes em ambientes de elevado “stress”. Do ponto de vista ecológico, os ambientes de elevado “stress” são mais competitivos e menos cooperativos. Nesses ambientes, os indivíduos dominantes, que procuram superar os outros, são naturalmente capazes de adquirir maiores quantidades de recursos e, portanto, aparecem mais competentes. Finalmente, esses estudos podem oferecer uma nova maneira de explicar as mudanças de longo prazo nas atitudes políticas. A calibração inicial das preferências sociais de facto, sugere que a vida política não é apenas influenciada pelas circunstâncias actuais, como as recessões, guerras e actos de terrorismo, mas também pelas circunstâncias experimentadas pelos eleitores quando eram jovens.

Tal pode ter um efeito protector contra as circunstâncias agravantes, quando os eleitores experimentam situações favoráveis ​​como as crianças, mas também podem prejudicar os efeitos benéficos das melhorias actuais no ambiente pessoal. Por exemplo, no início da década de 1970, após trinta anos de prosperidade crescente, cada vez mais pessoas começaram a abraçar valores pós-materialistas, como enfatizava a autonomia e a auto-expressão. No entanto, as crianças nascidas e criadas antes da II Guerra Mundial, que sofreram a recessão dos anos trinta e as restrições da guerra, continuaram a aderir aos valores materialistas, enfatizando a segurança económica e o autoritarismo.

Os países ocidentais, por outro lado, desde a década de 1970, experimentaram mais de trinta anos de estagnação económica e desigualdades crescentes. O efeito do elevado “stress” sobre as atitudes políticas das pessoas, pode ter sido atenuado, algum tempo, pela presença de grandes conjuntos de indivíduos criados durante períodos de prosperidade crescente de 1945 a 1975, e cujas atitudes políticas ainda foram influenciadas por uma infância favorável. Mas, à medida que as gerações mais novas atingem a maioridade e começam a votar, os candidatos autoritários podem tornar-se cada vez mais populares.

7 Jun 2017

Deficit de liderança global

“Traditional leadership in all its forms, even the most liberal and humanistic, has always had to delve deep into what is instinctual and emotive in the collective psyche to find the elements which will lend it force. Democracy, in its fundamental dimension, is a means of limiting the egotism and waywardness of those who exercise power by replacing them with others when their pretensions become intolerable.”
“The Mask of Command” – John Keegan

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] história é movida pela interacção entre a actividade humana e a circunstância, pelo que se dá um grande valor a esta união, particularmente nas matérias de guerra, paz, e de construção das nações. O historiador John Keegan fez a impressionante asserção de que a história de grande parte do século XX, foi um conto da biografia de seis homens, Lenin, Stalin, Hitler, Churchill, Roosevelt e Mao. Onde quer que nos encontremos sobre a questão do papel do indivíduo na história, o seu impacto deve ser incorporado nesta equação, particularmente, quando se trata de explicar os sinais de mudança na história de uma nação.

É que actualmente somos empanturrados com líderes e lideranças como a solução, se não a panaceia, para quase tudo o que nos aflige. Admiramos o atrevido líder transformador, que procura mudanças fundamentais e valoriza menos o cauteloso que negoceia, triangula e se prepara para resultados menos dramáticos, e tendemos a esquecer também, que os grandes líderes quase sempre surgem em tempos de crise nacional, trauma e carência, um risco que corremos, se sentimos a necessidade pelo seu retorno. Ainda assim, como o Santo Graal, procuramos alguma fórmula mágica ou chave para tentar entender a explicação sobre a grande liderança, e devoramos vorazmente as lições dos percursos de quem consideramos líderes eficazes nos negócios, meios de comunicação, ou na política.

Se digitarmos livros de liderança no motor de busca da “Amazon” obtemos oitenta e seis mil e quatrocentos e cinquenta e um resultados, e esse número cresce diariamente. Quer estudar sobre liderança, ou melhor ainda tornar-se um líder? Há certamente um programa até para os mais exigentes. A “International Leadership Association” faz uma lista de mais de mil e quinhentos programas académicos nessa área. Este foco nos líderes é compreensível, particularmente durante épocas de grande incerteza e ansiedade. É natural e até mesmo lógico procurar líderes, quando o nosso destino e futuro, parecem movidos por forças impessoais e imprevistas, além do nosso controlo.

Os psicólogos e mitólogos dizem-nos que a necessidade de procurar o grande líder para nos guiar ou até mesmo nos resgatar é um impulso antigo, mesmo primordial. Esta forte necessidade de forte liderança existe também na América, embora pareça estar em conflito com uma crença americana, que coloca um reconhecimento na auto-suficiência e independência. É suspeita pelo poder e autoridade e, expressa ambivalência sobre a ideia de líderes poderosos. A necessidade exagerada e extraviada de heróis e de liderança heróica, de facto, parece particularmente incongruente e até mesmo inapropriada em uma cultura política que celebra uma liderança eficaz, mesmo quando a constrange, e especialmente em um momento em que parece haver tão poucos líderes políticos predestinados a serem encontrados. Para complicar ainda mais as coisas, não entendemos como os líderes realmente lideram. Na verdade, temos uma visão muito idealizada, até mesmo cartoonista, desta matéria.

Temos a noção de que os melhores líderes são aqueles que são eleitos, prometendo altos princípios, visões elevadas, ou grandes programas e, em seguida, impô-los através do seu poder pessoal e persuasão, e quando os líderes não podem desempenhar o papel do herói, atribuímos o seu fracasso à incapacidade de comunicar e articular uma narrativa tão poderosa e convincente, que os seus seguidores se reúnem e os que duvidam e se opõem, não têm escolha, senão cumprir ou realizar comícios para recobrar forças, e na linha de Shakespeare, que Jacqueline Kennedy amava, Glendower vangloriava-se de Hotspur, em Henrique IV (acto 3), de que poderia “chamar espíritos do repouso profundo”. “Assim pode qualquer homem,” Hotspur respondeu, reflectindo a situação do líder na nossa era, acrescentando: “Mas virão quando os chamar?”

A concepção de liderança “chamada e vinda” é mais apropriada para Hollywood e para uma visão idealizada da nossa história, do que para a vida real no mundo político. O estratega democrata Paul Begala, brincou com referência às acusações de que Barack Obama não conseguiu elaborar uma narrativa convincente, afirmando que não tinha problemas de comunicação, mas um iceberg de problemas. As palavras de um presidente são importantes, mas deve haver contexto para dar-lhes um verdadeiro significado e poder. Tal contexto é muitas vezes uma questão de circunstâncias incontroláveis.

Os líderes não podem criar todo o contexto, se é crise, oportunidade, ou ambas. Karl Marx ao escrever no século XIX, observou que os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias auto-seleccionadas, mas sob circunstâncias existentes, dadas e transmitidas do passado. O líder aspiracional que adora concentrar-se no amanhã, o ontem é ironicamente pelo menos muito importante. Na maioria das vezes, os líderes eficazes intuem o que os tempos tornam possível e, em seguida, se são verdadeiramente habilidosos, exploram e ampliam essa oportunidade para ajudar a moldar a política que os sustenta. Na verdade, hoje em dia aqueles que favorecem e se alinham com a multidão de Carlyle e a visão do “Grande Homem” da história têm um sério problema.

Estamos no século XXI, setenta anos após os seis transformadores de Keegan, que tentaram conquistar ou salvar o mundo. Olhando ao redor, onde se encontram os grandes heróis, os líderes ousados e inovadores, aqueles que simplesmente reagem aos acontecimentos, mas também os moldam? Onde estão os gigantes de antigamente, os transformadores que mudaram o mundo e deixaram grandes legados? Muitos foram líderes muito maus que apareceram e desapareceram como Pol Pot, Idi Amin, Saddam Hussein, Muammar Qaddafi, Slobodan Miloševic, e alguns muito bons, como Charles de Gaulle, Konrad Adenauer, Anwar Sadat, Mikhail Gorbachev, Papa João Paulo II, e Nelson Mandela. Os líderes, com certeza, podem emergir dos lugares mais improváveis e nos momentos menos esperados e mais fortuitos. Pensemos apenas em Abraham Lincoln, Mahatma Gandhi e Martin Luther King Jr., e quem sabe que tipo de círculo longo da história dos líderes pode produzir o futuro? Apostar no futuro é, na melhor das hipóteses, um negócio incerto. Hoje as realidades não se apresentam tão brilhantes.

Enfrentamos um deficit de liderança de proporções globais. Encontramo-nos no que se poderia chamar de era de liderança pós-heróica. A ONU tem cento e noventa e três países membros, dos quais oitenta e oito são democracias livres e funcionais. Os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, os chamados grandes poderes, Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, China e Rússia, não são liderados por grandes líderes transformadores, e nem outros países em ascensão como o Brasil, a Índia e a África do Sul possuem líderes com sinais fortes. O Brasil vive os piores momentos de governança da sua história. Vemos líderes que são hábeis em manter o poder e os seus cargos por muitos anos, como Vladimir Putin e Recep Tayyip Erdogan. Angela Merkel é uma líder poderosa e uma política habilidosa; o primeiro-ministro indiano Narendra Modi pode muito bem revelar-se um líder a ser escutado.

Mas onde estão aqueles líderes que poderíamos descrever honestamente como potencialmente grandes, heróicos ou inspiradores? E quantos não são apenas grandes, mas bons, com humildade e elevados padrões morais e éticos, também? Quantos serão os autores de alguma realização incomparável, inigualável e enobrecedora no seu país ou no cenário mundial, uma conquista que provavelmente será vista ou lembrada como grande ou transformadora? Se fosse pressionado a identificar um líder potencialmente grande, seria impossível oferecer um chefe de Estado tradicional, mas sim uma figura religiosa – o Papa Francisco I, cuja grandeza, bem como a bondade, pode muito bem ser definida pela ironia da sua anti-grandeza, comunhão e humildade. Os grandes eventos ou crises, actualmente, não parecem conduzir a uma liderança afável, mas justamente considerados recipientes para líderes emergentes, pois nem a rebelião nem a revolução parecem capazes de produzir líderes históricos, mais condicentes com essas circunstâncias históricas.

A mais ampla transformação desde a queda da antiga União Soviética foi a chamada Primavera Árabe, que ainda não conseguiu conceber um único líder político com o poder e capacidade de transição do autoritarismo para uma reforma democrática. Os que permanecem em um mundo árabe inseguro, em grande parte os reis, emires e xeques parecem muito ocupados a olhar o espelho retrovisor, para considerarem qualquer realidade como uma reforma voltada para o futuro, audaz ou transformadora, esquecendo as mudanças históricas. Os líderes têm o que é necessário para serem bons líderes transaccionais, ou seja, para gerir os problemas mais mundanos e os desafios que têm em mãos e ainda para proporcionar uma boa governança? Será possível explicar a ausência de grandes líderes no cenário mundial? Não existe nenhuma explicação simples ou única. A parcela da resposta seguramente repousa sobre o simples facto de que a grandeza, se for definida geralmente como uma realização incomparável do que é uma nação, ou mesmo que altera o mundo, é por definição rara, não apenas na política, mas em qualquer aspecto do empreendimento humano.

É de entender que uma apreciação desta natureza também requer tempo, que é o último árbitro que dá valor à vida juntamente com a perspectiva de poder julgar o valor ou a qualidade de uma realização. Ao contrário da realização individual na arte, música, literatura ou mesmo nos desportos, a política tem muitas partes movediças e uma variedade muito ampla de factores, que estão além da capacidade de controlo de um político. Há uma terrível complexidade e contingência para a vida política, particularmente em democracias onde a política eleitoral, opinião pública, grupos de interesse e as burocracias conspiram para frustrar até mesmo os melhores planos estabelecidos. Se tal é verdade nos países, é duplamente real para os que procuram o sucesso da política externa no mundo cruel e imprevisível além fronteiras. Os líderes contemporâneos que aspiram a conquistas inigualáveis e sem precedentes, enfrentam o grave problema da incerteza que preside ao nosso tempo.

As nações, tal como as pessoas, passam por provações necessárias, ameaças existenciais e crises no início das suas histórias. As nações e as políticas que sobrevivem provavelmente nunca passarão por essa forma de provação novamente, em grande parte, porque tinham os líderes certos no momento correcto, para guiá-las através desses desafios. À medida que as nações amadurecem, a necessidade e oportunidade da acção heróica para prevenir ou lidar com esses desafios existenciais diminui, juntamente com figuras e narrativas que definem o mito e a realidade necessárias a uma grande conquista. Talvez o mais significativo para explicar o deficit de liderança moderno, é o facto de que o mundo se tornou um lugar muito mais complexo para os que querem adquirir, manter e usar o poder de forma eficaz, mas muito menos para produzir mudanças históricas. Alguns argumentam que chegámos ao fim da liderança, outros ao fim do poder, ou pelo menos à sua decadência e dissolução.

O escritor e colunista venezuelano Moisés Naím editor chefe da revista “Foreign Policy” afirma que o poder defronta-se com mudanças rápidas que tornaram as pessoas, bens e ideias mais cinéticas, móveis e conectadas, ideias que têm desencadeado expectativas e aspirações muito mais difíceis de gerir e controlar. Tal é certamente o caso dos autocratas que, como uma verdadeira classe de líderes, entraram em tempos difíceis, pois em 1977, os ditadores controlavam oitenta e nove países no mundo, tenho diminuído para vinte e três em 2011 e restando doze em 2017. O Egipto e a Tunísia que tinham sido governados por dois líderes autoritários durante décadas, foram retirados do poder em poucos meses. Mesmo nas democracias, onde reside a metade da população mundial, a era da informação globalizada e orientada para a tecnologia tornou a governação muito mais desafiadora.

A mídia 24/7 intrusiva que reconhece e não aceita fronteiras, confunde a celebridade com uma realização séria e dilui a distância, desapego, aura e a mística necessárias para uma grande liderança. A proximidade, como Ben Franklin opinou, produz desprezo e ingénuos. E para os políticos, demasiada exposição e familiaridade diminui a disposição do público de pensar no líder como ser especial ou grandioso. A cultura mediática actual abre uma verdadeira janela para observar e identificar as imperfeições e falhas dos líderes. Ao mesmo tempo, o nivelamento e a globalização do tradicional campo de disputa, têm conferido ao menor poder para competir e influenciar o maior. Até certo ponto, sempre foi assim na história. O poder de um único indivíduo para actuar sempre foi terrível. O assassinato do Arquiduque Francisco Fernando por um anarquista sérvio colocou em movimento uma cadeia de eventos que levaram à guerra mundial.

O assassinato do primeiro-ministro israelita Itzhak Rabin ajudou a matar o processo de paz de Oslo, e a mergulhar a relação israelo-palestiniana em uma crise de confiança, da qual ainda não se recuperou. Ainda assim, os actores menores, livres do que Naim descreve como “tamanho, escopo, história ou tradição entrincheirada”, desafiam cada vez mais os grandes de formas que poucos poderiam ter imaginado ser possível. Em 11 de Setembro, os ataques de dezanove terroristas da Al-Qaeda, prepararam o cenário para as duas guerras mais longas da história americana e uma reorientação fundamental da política de segurança nacional dos Estados Unidos. Em 2013, as revelações de um único contratado do governo dos Estados Unidos de um vasto trabalho de recolha de informações da “Agência de Segurança Nacional (NSA na sigla inglesa) ” no país e no exterior, desencadeou o maior debate em meio século, em como encontrar o equilíbrio certo entre segurança, privacidade e direitos individuais em uma sociedade democrática. Os modernos Gullivers, aspirantes e ambiciosos líderes são amarrados por um exército de constrangimentos e desafios que tornam eficaz governar de forma dura e frustrante.

29 Mai 2017

A marcha para a transformação da França e da Europa

“To avoid the trap of Europe fragmenting on the economy, security, and identity, we have to return to the original promises of the European project: peace, prosperity and freedom. We should have a real, adult, democratic debate about the Europe we want. We need to restore democracy and sovereignty in Europe.”
Emmanuel Macron

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] político novato que nunca desempenhou um cargo político electivo enfrentou uma nacionalista de extrema-direita, provinda dos antípodas da política francesa, pelo que a eleição presidencial pertencerá aos livros de história. Os eleitores franceses participaram na primeira volta das eleições presidenciais, que se realizaram a 23 de Abril de 2017. Após o encerramento e contagem dos votos, os resultados determinaram uma segunda volta, entre os candidatos Emmanuel Macron e Marine Le Pen, que se realizou a 7 de Maio de 2017. O terceiro lugar foi uma corrida renhida entre o esquerdista Jean-Luc Mélenchon e o republicano detentor de alguns escândalos e ex-primeiro ministro, Francois Fillon, que era único favorito de um partido francês. Há cinco anos, na última volta das eleições presidenciais, o socialista François Hollande venceu o então Presidente francês Nicolas Sarkozy da “União por um Movimento Popular (UMP na sigla em língua francesa) ”.

O partido foi fundado em 2002, pelo ex-Presidente Jacques Chirac, dissolvido em 2015 e sucedido pelo “Os Republicanos”, fundado em 2015 e liderado por Sarkozy. Os dois partidos dominaram a vida política francesa desde a década de 1980, à semelhança dos partidos republicanos e democrata nos Estados Unidos, embora em França, os principais partidos sejam frequentemente apoiados por partidos menores parceiros de coligação. O ex-Presidente Hollande cumpriu apenas um mandato presidencial, e era de esperar que se recandidatasse, mas assediado por escândalos pessoais e taxas extremamente baixas de popularidade resolveu afastar-se, sendo a primeira vez que um presidente em exercício desde 1958, não se recandidata.

O candidato Benoit Hamon, escolhido pelos socialistas para substituir Hollande, lutou para sair da sombra do seu antecessor, mas apenas conseguiu 6,36 por cento dos votos. O colapso do voto na esquerda dominante deveria ter beneficiado os republicanos, mas também tiveram enormes dificuldades. O primeiro a sucumbir foi Sarkozy, cuja tentativa de retorno à vida política francesa terminou em uma derrota humilhante e ficou em terceiro lugar em uma primária republicana. O vencedor dessa corrida foi Fillon, que parecia uma aposta certa para a presidência, até que surgirem alegações de que tinha pago salários à esposa e filhos com fundos públicos, trabalho que não realizaram, e apesar de ter negado qualquer irregularidade, deteriorou a sua imagem e, teve de lutar pelo terceiro lugar com Mélenchon, fundador, em 2006, do movimento “França Insubmissa”, e seu actual líder. O movimento é uma continuação da “Frente de Esquerda”, constituída em 2008.

O candidato Macron de trinta e nove anos, emergiu dos destroços dos dois  clássicos partidos políticos franceses. Foi banqueiro e ex-ministro da economia e indústria de Hollande, socialista, independente e fundou o partido social – liberal, “Associação para a Renovação da Política”, mais conhecido por movimento progressista, “Em Marcha”, em 6 de Abril de 2016, que rapidamente atraiu centenas de milhares de membros e subiu nas sondagens, prometendo uma reforma da assistência social e do sistema de pensões, políticas favoráveis às empresas e aumento das despesas com a defesa e um novo projecto para a UE que passa pela sua dinamização. A fraqueza da esquerda e direita moderada, criou a circunstância ideal para um centrista como Macron, que apelou aos eleitores de Fillon e aos socialistas de direita, tendo enfrentado desafios tanto da direita como da esquerda, mas mesmo o aumento dramático de Mélenchon nas últimas semanas da campanha, chegou tarde demais para derrubar os apoiantes do “Em Marcha”.

O valor do euro subiu no dia seguinte às votações que favoreceram Macron na primeira volta das eleições, ao contrário das resultantes do voto no Brexit ou das eleições presidenciais nos Estados Unidos. O então candidato Macron é um forte defensor da UE, ao contrário da sua ex-rival Marine Le Pen que defrontou na segunda volta das eleições presidenciais. A líder da “Frente Nacional” de extrema-direita, desde 16 de Janeiro de 2011, mudou o partido racista e anti-semita fundado pelo seu pai Jean-Marie Le Pen, com um discurso mais próximo da maioria da população para tentar vencer as eleições presidenciais. A candidata apesar de vir do extremismo da política francesa foi uma das figuras mais reconhecidas na campanha eleitoral francesa, sendo figura de relevo em todos os meios de comunicação social nacionais e estrangeiros.

O facto de ser anti-imigrante, economicamente conservadora e partidária da saída da França da UE e da OTAN, a sua eleição seria uma ruptura dramática da tradição política francesa, não diminuindo por tal facto, as suas possibilidades de poder eventualmente ganhar as eleições, que foram impulsionadas pelas preocupações sobre o terrorismo e a crise de refugiados, beneficiado do aumento de apoiantes em muitas partes do mundo, nomeadamente na UE e nos Estados Unidos às políticas anti-imigração. Apesar de sua forte campanha na primeira volta das eleições, teve a inteligência suficiente para considerar o maior obstáculo que representou o desafio de Macron, cujo apoio político maioritário previsível, acabou por se formar.

O candidato Hamon exortou os eleitores socialistas a apoiarem o novato, mesmo não sendo de esquerda, assim como o ex-primeiro-ministro Bernard Cazeneuve. O candidato Fillon, após conhecidos os resultados eleitorais, pediu aos eleitores para apoiar Macron, afirmando que a “Frente Nacional” tinha uma história conhecida pela sua violência e intolerância, e que o seu programa económico e social levaria a França ao fracasso. Os líderes da UE também apoiaram Macron, pelo menos em privado, pois esperavam evitar um outro Brexit, sendo benéfico que o candidato vencedor tivesse sucesso nas eleições para o fortalecimento da UE e da economia social de mercado. A última vez que a “Frente Nacional” esteve próxima de alcançar a presidência, foi em 2002, quando Jean-Marie Le Pen foi à segunda volta, mas os eleitores de todo o espectro político acabaram por derrotar a extrema-direita, tendo Jacques Chirac esmagado Le Pen com mais de 82 por cento dos votos, o maior desaire de uma eleição presidencial francesa, que contou com uma enorme participação, tendo a abstenção representado, apenas 20 por cento dos eleitores registados.

A candidata Le Pen melhorou significativamente o seu círculo eleitoral, mas mais de 73 por cento dos eleitores na primeira volta, escolheram um candidato diferente da líder da “Frente Nacional”, constituindo um sinal bastante sólido acerca da forma como as pessoas iriam votar no dia 7 de Maio de 2017, não tolerando que Le Pen viesse a ganhar as eleições na segunda volta. O escrutínio da primeira volta deu a Macron 24,01 por cento, a Le Pen 21,30 por cento, a Fillon 20,01 por cento e a Mélenchon 19,58 por cento. O recém-chegado político centrista Macron acabou por derrotar na segunda volta das eleições a candidata de extrema-direita, Le Pen. Assim, o pro-europeu Macron obteve 66,1 por cento dos votos, que representam 20,75 milhões de eleitores e Le Pen 33,9 por cento, que representam 10,64 milhões de eleitores e que tinha prometido um referendo “Frexit” se ganhasse as eleições. A abstenção foi de 25,44 por cento e os votos brancos e nulos de 11,47 por cento.

A vitória de Macron representa um virar de página na longa história dos cinquenta e nove anos da “Quinta República Francesa”, sendo o mais jovem presidente eleito. O resultado eleitoral foi uma rejeição enfática ao nacionalismo primário francês. A candidata Le Pen, esperava que a mesma vaga populista que fez Donald Trump vencer as eleições nos Estados Unidos e que teve o seu apoio de Putin, se repetiriam em França. Macron tem pela frente enormes desafios, devendo para além do que consta do seu programa eleitoral, encontrar os medicamentos certos para curar as divisões sociais expostas pela áspera campanha eleitoral e trazer fé e segurança reavivada,  que minore a raiva, ansiedade, e as dúvidas que muitos expressaram ao votar em um extremismo agudo de direita. A vitória de Macron foi a terceira em seis meses, após as eleições na Áustria e na Holanda, em que os eleitores europeus derrotaram os populistas de extrema-direita que queriam restaurar as fronteiras em toda a Europa. A eleição de um presidente francês que defende a unidade europeia também pode reforçar a UE no seu complexo processo de divórcio com a Grã-Bretanha.

A campanha presidencial francesa foi a mais imprevisível que há memória em que muitos eleitores rejeitaram os programas de ambos os candidatos. A França moderna sempre foi governada pelos socialistas ou pelos conservadores. Quer Macron como Le Pen desviaram essa tradição da direita – esquerda. A França enviou uma incrível mensagem para si, para a Europa e para o mundo. Macron era um desconhecido dos eleitores antes de exercer as suas turbulentas funções como ministro da economia e indústria de 2014 a 2016, tendo assumido um repto gigantesco quando deixou o governo do presidente socialista Hollande e concorreu como independente na sua primeira campanha. O seu movimento político inicial, optimisticamente denominado de “Em Marcha” enraizou-se em apenas um ano, aproveitando a ânsia dos eleitores por novos rostos e ideias. É um momento de glória para a França e para a UE, porque depois do Brexit, e da eleição de Donald Trump, o populismo foi derrotado.

Apesar da sua derrota, a subida enorme do número de votantes em Le Pen, pela primeira vez, marca um progresso pessoal e político e realça uma aceitação crescente da sua feroz plataforma anti-imigração. Le Pen foi a terceira candidata mais votada nas eleições presidenciais de 2012. Após estas eleições a sua atenção volta-se imediatamente para as próximas eleições legislativas em França, a realizar, em 11 e 18 de Junho de 2017. Macron vai precisar de uma maioria para poder governar de forma eficaz, tendo o movimento “Em Marcha”, mudado o nome para partido “República em Marcha”, para disputar as eleições legislativas e que é liderado desde 8 de Maio de 2017, por Catherine Barbaroux. Le Pen teve uma votação histórica e maciça, que no seu entender, tornou o partido na principal força de oposição contra os planos do novo presidente. O número de votos obtidos por Le Pen representa quase o dobro dos votos obtidos pelo seu pai nas eleições presidenciais de 2002.

As visões de pólos opostos de Macron e Le Pen foram apresentadas a quarenta e sete milhões de eleitores registados em França e com a maior escolha possível. As fronteiras fechadas de Le Pen confrontaram-se às abertas de Macron. O compromisso deste com o livre comércio competiu contra as propostas daquela para proteger os franceses da concorrência económica global e da imigração. O desejo de Le Pen de libertar a França da UE e do euro como moeda comum foi contra o argumento de Macron, de que ambos são essenciais para o futuro da terceira maior economia da Europa. Além de capitalizar a rejeição dos eleitores do monopólio esquerda -direita do poder, Macron também teve sorte, pois o ex-primeiro-ministro conservador Fillon, um dos seus adversários mais perigosos, foi prejudicado pelas alegações de que a sua família tinha beneficiado de empregos financiados durante anos pelos contribuintes.

O Partido Socialista ruiu e o seu candidato foi abandonado pelos eleitores que queriam punir Hollande, o Presidente mais impopular da França desde a II Guerra Mundial. Macron preside a uma nação que, quando a Grã-Bretanha deixar a UE em 2019, se tornará o único Estado membro com armas nucleares e assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. A votação também mostrou que os sessenta e sete milhões de franceses estão profundamente divididos, angustiados pelo terrorismo e pelo desemprego crónico, preocupados com o impacto cultural e económico da imigração e temendo a capacidade da França de competir com gigantes como China e o Google. Macron prometeu uma França que iria enfrentar a Rússia, mas que também iria procurar trabalhar com o Vladimir Putin na luta contra o Estado Islâmico, cujos extremistas reivindicaram ou inspiraram vários ataques na França, desde 2015.

Tendo tomado posse a 14 de Maio de 2007, o novo Presidente francês tem um vasto e ambicioso programa liberal – conservador, que não é de esquerda, nem de direita, não se propondo reformar a França, mas transformá-la, sem rupturas, baseadas no trabalho e responsabilidade. Quanto à área económica propõe medidas como o eliminar de cento e vinte mil postos de trabalho na administração pública nos próximos cinco anos; realizar uma poupança na despesa pública de sessenta mil milhões de euros durante o seu mandato; destinar cinquenta mil milhões de euros ao investimento público nos sectores de futuro; cortar o cabaz de impostos que sobrecarregam as empresas, acompanhada da redução dos impostos locais. A estratégia económica procurará melhorar as despesas públicas, responsabilizar os particulares e relançar o emprego com investimentos, para além de financiar a educação e a formação profissional.

Quanto à área social propõe uma reforma global do sistema nacional de contribuições e de protecção social, procurando flexibilizar o mercado de trabalho, assim como a aposentação, que sofrerá uma grande mudança. Quanto à área política propõe moralizar a vida política, com legislação mais apropriada, considerando-se a favor de uma reforma parcial do modelo eleitoral a duas voltas, benéfico aos grandes partidos, por um modelo com certa dose de proporcionalidade, para facilitar a situação dos partidos mais jovens e emergentes. Quanto à área da segurança propõe reforçar a polícia e as forças de segurança, sugerindo novas formas de cooperação europeia. Quanto à UE considera que já funciona a várias velocidades, sendo a favorável ao inicio de reformas feitas por outros países, para poder adquirir poder e prestigio na Europa. Quanto à área social e cultural aposta no modelo laico francês, avançando ideias mais ou menos gerais e pouco comprometedoras sobre a nova França multicultural.

O presidente social reformista maquilha todas as suas iniciativas com doses aleatórias de ecologia, radicalismo e respeito à diversidade. O ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, Sigmar Gabriel, disse uma verdade cruel: se o Presidente Macron falhar nos próximos cinco anos, Le Pen será Presidente, e o projecto europeu será como um osso atirado aos cães. A UE por sua parte terá de voltar à essência e natureza do projecto da sua fundação, deixando de ser a Europa dos políticos, tecnocratas e burocratas, para passar efectivamente a ser a tão anunciada e desejada e não praticada, Europa dos cidadãos.

16 Mai 2017

A diplomacia de Cubo de Rubik

“Classic geopolitical concerns such as the nuclear non-proliferation regime, the maintenance of the reputation of United States as nuclear and global hegemon, Sino-Japanese hostility, Sino-US distrust and the Taiwan Straits issue, and the desire of Russia to participate in regional security and development schemes are all super-imposed on and shape the fundamental insecurity of Korea.”
“Complexity, Security and Civil Society in East Asia: Foreign Policies and the Korean Peninsula” – Peter Hayes and Kiho Yi

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] palavra dissuasão soa a mofo, pois trata-se de uma construção da Guerra Fria, e era uma teoria complicada, seguida de um conjunto de políticas em evolução que mantiveram os Estados Unidos e a União Soviética em um Armagedão nuclear. Foi em grande parte uma bolinha de neve durante a era do após Guerra Fria. Trata-se do passado e actualmente com um novo conjunto de ameaças em todo o mundo, como na Coreia do Norte, Síria, Estados Bálticos e Mar do Sul da China, o governo do presidente Donald Trump poderá ser beneficiado se reaprender e reaplicar as lições de dissuasão para esta nova era turbulenta. Qual a razão pela qual a dissuasão interessa?

A primeira razão é porque o poder americano de dissuadir é fraco para manter as alianças dos Estados Unidos, e a administração de Donald Trump pode não conseguir impedir outros países de os atacar com armas nucleares. Muito poucos duvidariam da disposição dos Estados Unidos, ou da sua capacidade para neutralizar qualquer país que lançasse um ataque nuclear contra o seu território. A administração Obama redescobriu o seu significado, quando a Rússia anexou a Crimeia e invadiu a Ucrânia, e constatou que os Estados Unidos tinham um problema crescente em dissuadir os adversários de usar armas convencionais, ou mesmo comandos especiais operacionais para atacar Estados regionais fracos, o que é profundamente desestabilizador.

A segunda razão pela qual a dissuasão importa, é que as ameaças à segurança dos Estados Unidos e dos seus aliados estão a aumentar. As guerras das últimas décadas, especialmente a partir do 11 de Setembro de 2001, tiveram um grande custo para os Estados Unidos. Os Estados Unidos lutaram em guerras prolongadas como nos Balcãs, no colapso da Somália, nos conflitos do Iraque, Afeganistão, Líbia e Síria, e viveram a crescente crise sobre as ambições nucleares do Irão, mas nenhuma dessas ameaças era existencial.

Ainda não existiu qualquer ameaça que pusesse em causa a sobrevivência do povo americano, ou a destruição em larga escala do seu território, e nenhuma situação ameaçou directamente os principais aliados dos Estados Unidos, à excepção da guerra psicológica que a Coreia do Norte tem criado com o desenvolvimento de um denominado, mas não comprovado programa nuclear, com armas nucleares capazes de atingir a Coreia do Sul, Japão e menos provável, o solo americano. As ameaças emergentes ao longo do próximo quarto de século, provavelmente, serão muito mais consequentes.

A China, Rússia e Coreia do Norte estão a modernizar rapidamente os seus arsenais nucleares e actualizar os seus sistemas de defesa. A Rússia e a China também estão a melhorar amplamente as suas capacidades militares convencionais, mudando o equilíbrio de poder e criando novas incertezas. As armas químicas e biológicas são mais fáceis de obter do que nunca, a ameaça dos ataques cibernéticos parece ilimitada e o terrorismo internacional não vai desaparecer em breve. Como será possível aos Estados Unidos dissuadir essas ameaças? Deve em primeiro lugar, entender que não existe uma dissuasão global. Em vez disso, precisa de impedir um adversário específico de tomar uma acção especial.

A dissuasão significa antecipar as intenções de um adversário e influenciá-las. Os Estados Unidos não podem, por exemplo, dissuadir a Rússia. No entanto, podem planear dissuadir o presidente Vladimir Putin de apoderar-se da Estónia, rapidamente. Há dois anos, os especialistas em geoestratégia advertiram que tal cenário era bastante provável. A NATO e os Estados Unidos desde então, tomaram medidas para incutir dúvidas na mente dos líderes russos, que tal ataque poderia ter êxito.

Os Estados Unidos, igualmente, podem impedir a Coreia do Norte de iniciar um ataque nuclear contra a República da Coreia ou do Japão, ou iniciar um ataque convencional de grande escala contra a Coreia do Norte. Em ambos os casos, os Estados Unidos e os seus aliados oferecem respostas credíveis que seriam tanto esmagadoras quanto devastadoras. É de acreditar que será difícil, senão impossível, os Estados Unidos ou mesmo a China impedir a Coreia do Norte de continuar com o seu programa de desenvolvimento de armas nucleares, pois está a fazer por instinto de sobrevivência, ou pelas provocações regulares do sul, que lhe trouxeram atenção internacional e recompensas ao longo de décadas.

O fim do programa nuclear norte-coreano exigirá um acordo negociado, que possivelmente obrigará que a China seja uma garantia do regime. A abordagem holística para essas ameaças deve incluir o aumento das capacidades da administração de Donald Trump para antecipar ameaças emergentes, incluindo eventos, que são improváveis ​​que aconteçam, mas que seriam devastadores se ocorrerem. Os Estados Unidos nunca conseguirão prever o futuro, mas podem antever múltiplas possibilidades e tomar as medidas apropriadas. Os planeadores civis e militares, também devem desenvolver políticas e capacidades específicas para dissuadir as grandes ameaças que podem augurar, devendo enfatizar os meios convencionais de dissuasão, mais do que os meios nucleares.

As ameaças dos Estados Unidos precisam de ser credíveis e prepararem-se para dissuadir em vários domínios, incluindo o espaço e o ciberespaço, devendo adaptar as capacidades de dissuasão e mensagens para influenciar distintos potenciais adversários. O que afasta Vladimir Putin pode não perturbar Kim Jong-un. Algumas ameaças não serão antecipadas ou dissuadidas, como as pandemias, desastres naturais ou ataques furtivos, por exemplo. Aumentar a resiliência nacional poderá ajudar os Estados Unidos a recuperarem-se mais rapidamente e de forma mais sólida de quaisquer desastres ou ataques que ocorram.

A interrupção pode ser inevitável, mas a antecipação, dissuasão e resiliência podem ajudar. Os Estados Unidos, amigos e aliados, por mais de sete décadas, construíram uma ordem internacional liberal que abriu uma era de paz e prosperidade sem precedentes. Actualmente, e após quinze anos de guerras inconclusivas, desencanto generalizado com o desempenho económico do país e uma eleição presidencial polarizadora que dividiu os americanos, e que levaram à eleição de um presidente mal preparado e imprevisível, que após cem dias de governo, apresenta 54 por cento de descontentamento e que começam a desconfiar do seu governo. As grandes mudanças de poder e realinhamentos estão a ocorrer por todo o mundo.

A administração de Donald Trump terá de lidar com a modernização militar russa e chinesa e posições mais agressivas, mas procurar a sua cooperação em questões de segurança globais e económicas, exigirá uma diplomacia hábil de “Cubo de Rubik”. O pensamento multidimensional e a capacidade de gerir relacionamentos ambíguos, com governos que têm interesses compartilhados e conflituantes será um desafio. As perspectivas de crescimento dos Estados Unidos são melhores do que as de outro grande país desenvolvido, e está melhor posicionado do que qualquer dos seus rivais para resolver problemas, incluindo a dívida, empregos, deslocação e demografia.

O lento crescimento global, a fraqueza do mercado de trabalho interno e a relação recorde da dívida/PIB serão enormes desafios. Os Estados Unidos não enfrentam nenhuma ameaça existencial, mas a liderança americana será necessária para enfrentar ameaças potencialmente existenciais de armas nucleares russas e chinesas, ameaças biológicas emergentes e alterações climáticas repentinas. Reduzir estas ameaças supranacionais é um interesse central dos Estados Unidos. Os únicos adversários não aliados dos Estados Unidos são a Coreia do Norte e os violentos movimentos jiadistas, como o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIL na sigla inglesa), a Al Qaeda e grupos similares.

A nova era que se apresenta, está cheia de desafios importantes aos interesses dos Estados Unidos, e exigirá que se adaptem a mudanças e realinhamentos internacionais significativos. Os realinhamentos na Ásia incluem a sempre agressiva Coreia do Norte, que continua a testar as suas armas nucleares e os mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs na sigla inglesa) para os lançar. A China reafirmou o seu apoio básico ao regime norte-coreano, apesar das relações com o jovem líder Kim Jong-un, estando a exercer pressão no sentido da desistência do programa nuclear, que será extremamente difícil de acontecer.

A Coreia do Norte é o país mais secreto e estranho do mundo. A fome é horrenda e desenfreada. A tortura e a execução comuns, infligidos por uma única família que perpetua um culto de personalidade, tornou-se em um hábito. O seu líder, exibe a letal paranóia dos ditadores, tendo assassinado vários altos funcionários e familiares, mais recentemente, o seu meio-irmão em um aeroporto da Malásia como uma advertência pública. O líder norte-coreano aprendeu com Muamar Kadafi o que acontece quando um tirano desiste de armas nucleares. Quer no exterior, como internamente, o medo garante a sobrevivência e as suas ogivas nucleares proliferam.

Os seus testes de ICBMs aceleram e por erro de cálculo ou desenho, a Coreia do Norte poderá desencadear uma calamidade nuclear. As três décadas de mudança de estratégias americanas, como ameaças, negociações, sanções, ajuda e isolamento, deixaram aos Estados Unidos e aos seus aliados um perigo nuclear. A China, ex-inimigo da Coreia do Sul, tornou-se no seu principal parceiro comercial, mas as relações têm sido desgastadas, pelas crescentes ameaças de um ataque nuclear pela Coreia do Norte, levando os Estados Unidos a instalar o sistema anti-mísseis balístico, denominado de “Sistema de Defesa Terminal de Área a Grande Altitude (THAAD na sigla em inglês) ”.

A China considera que o dispositivo é uma ameaça à sua segurança. As Filipinas, sob a presidência de Rodrigo Duterte, melhoraram as relações com a China e Rússia, e criticaram duramente os Estados Unidos. Enquanto os Estados Unidos são muito populares no país, a postura do presidente Duterte lançou alguma dúvida sobre o futuro do “Tratado de Defesa Mútua”, acordado em 30 de Agosto de 1951, entre os dois países, acrescido das graves violações aos direitos humanos, pelo assassinato de traficantes e consumidores de droga, considerados crimes contra a humanidade.

O Vietname ameaçado pelas reivindicações marítimas da China está a fortalecer os laços de segurança com o Japão e os Estados Unidos. Outros países da “Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN na sigla em inglês) ” e a Austrália também estão a trabalhar com os Estados Unidos para melhorar suas capacidades marítimas. O Japão está a aumentar as despesas militares, e a fomentar relações de defesa mais fortes com o Vietname, Birmânia, Filipinas e Austrália, para equilibrar a influência da China. O recente pedido de desculpas do Japão à Coreia do Sul pelo uso de “mulheres de conforto”, abre a porta para uma maior cooperação em questões de segurança entre os dois países.

O Japão preocupado com as actividades marítimas da China, tem forçado o “Conceito de Diamante” no qual os Estados Unidos, Japão, Austrália e Índia formariam os quatro pontos de uma zona de segurança, em forma de diamante no Indo-Pacífico. A Índia há muito tempo segue uma política externa não-alinhada, compartilhando com os Estados Unidos preocupações sobre a construção naval chinesa no Indo-Pacífico. Ao mesmo tempo, a Índia está a alargar a cooperação em matéria de segurança com o Japão, cooperando em tecnologia de defesa, partilha de conhecimentos e modernização de infra-estrutura nas Ilhas Andaman, mantendo vínculos estreitos com a Rússia, seu fornecedor tradicional de armas.

11 Mai 2017

A sacrossanta soberania da Síria

“For the Foreseeable Future, No Government Will Be Able to Rule All of What Was the Modern State of Syria Assad’s forces, with external support, appear to have stalemated a fragmented rebel movement, but Assad will not be able to restore his authority throughout the country.”
“The Dynamics of Syria’s Civil War” – Brian Michael Jenkins

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]inda que nunca tenha sido articulada em termos tão rígidos, um dos objectivos principais dos Tratados de Vestefália, que foram assinados para pôr termo à Guerra dos Trinta Anos, em 1648, tinham como ideia basilar a de “nunca mais vir a acontecer”. Os termos dos tratados procuraram, em última análise, assegurar que o mundo pudesse estar para sempre livre do envolvimento de forças externas em conflitos internos, que tornaram a Guerra dos Trinta Anos tão prolongada e catastrófica. As numerosas intervenções estrangeiras na actual Guerra Civil Síria demonstraram, incluindo mais recentemente, os ataques de mísseis de cruzeiro pelos Estados Unidos, em 6 de Abril de 2017, que esta visão está a tornar-se cada vez mais ruinosa.

O mundo tem razão em diluir o poder da soberania desde 1945, no entanto, a presença e o impacto de intervenções estrangeiras repetidas na Síria lembra-nos, a razão pela qual a soberania foi concebida, e devemos quiçá, encontrar rapidamente um seu substituto. A Guerra dos Trinta Anos foi uma das mais sangrentas e destrutivas da história, com cerca de sete milhões e quinhentas mil pessoas mortas, devido às batalhas travadas e doenças, além das atrocidades do governo.

É de realçar que sendo um assunto predominantemente interno sobre a política e religião das províncias alemãs no Sacro Império Romano, a crise transformou-se numa guerra pan-europeia, que foi dominada pelas intervenções de potências estrangeiras. Essas intrusões, aconteceram principalmente, como resposta ao aumento e diminuição das fortunas dos vários lados, quando os protestantes pareciam estar à beira da vitória, sofreriam a oposição dos Estados Católicos externos, e quando os católicos prosperassem, seriam rejeitados por poderes Protestantes externos, e como resultado, o conflito arrastou-se em um ciclo aparentemente interminável de violência.

A imagem de uma miríade de exércitos estrangeiros marchando de um lado para outro pelo solo alemão, deixando a morte e a carnificina no seu caminho, resumem o conflito. O princípio central que emergiu dos Tratados de Vestefália no fim da guerra, foi a deliberação de que o príncipe de cada Estado, decidia que tipo de Cristianismo devia seguir no seu domínio. O tempo fez evoluir para a moderna soberania estatal como a conhecemos, com a sua crença de que os assuntos internos de um Estado estão exclusivamente sob a jurisdição do seu governo. Mas o fundamento subjacente à criação desse princípio é muitas vezes ignorado.

Os Tratados de Vestefália foram redigidos com a determinação de que a horrível saga, que a Alemanha tinha experimentado, nunca mais deveria ocorrer. Tendo em consideração essa ideia, o envolvimento militar de um Estado nos assuntos de outro seria considerado inaceitável, pelo menos parcialmente, para impedir que as potências estrangeiras alargassem as guerras civis, através de intervenções repetidas em nome do lado perdedor. O paralelismo entre as intervenções estrangeiras na Guerra dos Trinta Anos e a presença estrangeira na Síria são bastante claros.

A lista completa de incursões externas é muito longa. Durante os primeiros anos do conflito, quando os rebeldes ainda estavam a lutar para encontrar o seu caminho, os seus esforços foram assistidos pelo fornecimento de grandes quantidades de armas e outras ajudas pelo Qatar, Arábia Saudita, Jordânia e de vários outros Estados árabes. O arranjo foi formalizado em 2013, quando a Liga Árabe oficialmente aprovou o fornecimento de armas e financiamento para apoiar os grupos rebeldes. Os Estados Unidos e outros estados ocidentais, também forneceram quantidades limitadas de armas e ajuda não letal.

Os esforços foram parcialmente compensados pelo apoio limitado ao regime de Assad, pelo Irão, Rússia e Hezbollah, mas os rebeldes foram, no entanto, suficientemente reforçados para que pudessem estabilizar as suas posições e, mais tarde, pressionar o governo. A situação inverteu-se, no final de 2015, e as perspectivas militares pareciam tão sombrias para o governo sírio, que muitos especialistas previram o seu fim iminente. A Rússia, nesta fase, intercedeu mais fortemente para apoiar o regime de Assad, através do envio de conselheiros militares, desenvolvimento de ataques aéreos e o aumento de fornecimento de armamento e ajuda, permitindo ao governo recuperar gradualmente vantagem sobre os opositores.

Quando o governo sírio parece aproximar-se de um ponto em que a vitória pode estar quase ao seu alcance, os Estados Unidos intervieram disparando cinquenta e nove mísseis Tomahawk, e ameaçam com novas acções em um futuro próximo, o que promete trazer de novo, o equilíbrio de poder ao “status quo” anterior, uma vez mais, e mergulhar a guerra em um estado de indecisão e mudança. Os numerosos grupos internos apoiados externamente, continuarão a conflituar agressivamente uns contra os outros, causando ainda mais sofrimento humano, mas sem perspectiva de vitória para qualquer um dos lados.

Tais intervenções e o seu impacto, reflectem o mesmo modelo que levou a guerra civil na Alemanha a durar trinta longos e dolorosos anos, e não são só as actividades dos poderes externos na Síria que compartilham paralelismos com a Guerra dos Trinta Anos, mas também as motivações por detrás das suas acções. É de considerar que na Guerra dos Trinta Anos, os poderes externos não intervieram, apenas porque queriam defender os direitos políticos e religiosos de certas facções, mas também porque a guerra civil oferecia uma arena longe das suas terras, onde podiam demonstrar o seu poder na cena internacional, fazer valer as suas ideias estratégicas, e controlar as ambições dos seus rivais.

O rei Gustavo II da Suécia, por exemplo, decidiu mergulhar-se no conflito, em parte porque temia que os seus rivais estrangeiros adquirissem demasiado poder se a facção católica na Alemanha saísse vitoriosa. A semelhança com a Síria é notável. A Arábia Saudita, por exemplo, possui genuína repulsa contra a opressão exercida pelo governo sírio contra o seu próprio povo. No entanto, também é motivado a apoiar os rebeldes pela realização estratégica de que o derrube do regime de Assad, seria provavelmente mudar o equilíbrio regional de poder. A Rússia, da mesma forma, em 2015, interveio em parte para lembrar ao mundo o seu grande estatuto de potência, estimular um dos seus poucos aliados e exercer maior influência na região.

Mais recentemente, apesar das reivindicações formais de ter atacado o governo sírio como punição pelo uso ilegal e desumano de armas químicas, o governo americano parece ter aderido à guerra por várias outras razões, e que incluem o desejo de mostrar a sua rivalidade com a Rússia à sua população, demonstrar a disponibilidade para usar a força militar como sanção contra os Estados que cometam atrocidades dos direitos humanos, e empregar armas de destruição massiva (uma ameaça não muito subtil contra a Coreia do Norte).

É sinal de que os Estados Unidos estão a rejuvenescer a sua posição como poder global, sob a batuta do novo presidente. A Síria, da mesma forma que a situação na Alemanha forneceu um motivo distante para que esses e outros estados estrangeiros se esforçassem por avançar nas suas políticas individuais, prejudicassem as dos seus concorrentes, comunicassem a sua força e resolução a outros Estados, e enviassem mensagens a audiências internas. Através da criação de uma versão inicial da soberania, os redactores da paz vestefaliana aspiravam criar um mundo mais seguro, em que o tipo de tragédia criado pela Guerra dos Trinta Anos poderia ser evitado para sempre.

Se nenhuma potência estrangeira tivesse sido autorizada a intervir na guerra civil alemã, a lógica provavelmente demonstraria que o conflito teria permanecido predominantemente local, e teria muito menos mortes e devastação. No entanto, séculos subsequentes demonstraram, quão errada foi esta solução. A norma de não interferência permitiu e até incentivou o mundo a ficar de braços cruzados, enquanto centenas de milhões de pessoas foram mortas pelos regimes fascistas, comunistas e outros ditadores, a fechar os olhos ao horroroso genocídio e às campanhas de extermínio dos governos nazi e japonês na década de 1930, até que forçarem a invasão de outros países, e desviar o olhar para o genocídio levado a cabo no Ruanda. Estes e muitos outros casos, demonstraram as insuficiências inaceitáveis do sistema vestefaliano, e a sua ênfase na não interferência. Simplesmente não podemos e não devemos viver num mundo, em que os tiranos podem cometer atrocidades contra o seu povo livremente, e sem consequências.

A resposta global às falhas do sistema vestefaliano, foi diluir a robustez da soberania e começar a cortejar o intervencionismo mais uma vez. Vários tratados internacionais, por exemplo, permitem que os Estados possam interceder nos assuntos de outros Estados, quando crimes internos de suficiente grandeza ou tipo tenham sido cometidos. Na sequência dos fracassos da manutenção da paz da ONU, na década de 1990, a Organização libertou as protecções concedidas aos Estados através da soberania, com a criação da “Responsabilidade de Proteger”, que é uma doutrina que concede um direito e um encargo sobre os Estados de intervir nos assuntos de outros Estados, quando determinados crimes são cometidos. Foi criado também um Tribunal Penal Internacional, que pode julgar suspeitos de violação dos direitos humanos quando o seu Estado de origem é incapaz ou não está disposto a fazê-lo. Dadas as terríveis atrocidades que foram cometidas ao abrigo da soberania e das suas protecções, o regresso ao princípio da sua inviolabilidade tem um sentido considerável.

Os Estados não podem ficar de braços cruzados enquanto o genocídio e outros crimes contra a humanidade são cometidos além das suas fronteiras, sendo ao invés, idóneos e obrigados a agir nestes casos, o que é certamente algo de valioso. No entanto, quando olhamos para a Síria, é difícil não ver a mesma mecânica que levou a Guerra dos Trinta Anos a ser tão demorada e prejudicial. A intervenção externa de potências estrangeiras está a prolongar e intensificar a guerra na Síria, assim como as forças externas fizeram na Alemanha, quase quatro séculos atrás.

A tentativa de solução para este problema que foi alcançado na Vestefália, levou a um sofrimento ainda maior, ao permitir que os ditadores abusassem dos seus súbditos, e é justo que a soberania não seja mais considerada sacrossanta. No entanto, isso não altera a existência do problema original que levou à sua criação em 1648. Ao adoptar a norma do intervencionismo, as maiores potências do mundo estão a redescobrir a razão pela qual foi banido na Vestefália há tantos anos. A soberania e o intervencionismo não são a resposta certa para o problema. É necessário e urgente encontrar uma melhor solução, ou então o povo sírio ainda pode enfrentar mais vinte e três anos de guerra e miséria.

4 Mai 2017

O aquecimento global como desafio ambiental

“We will know only what we are taught; we will be taught only what others deem is important to know; and we will learn to value that which is important.”
Native American proverb

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Terra não herdámos dos nossos antepassados, mas sim tomámos emprestada dos nossos filhos. Este antigo e nativo provérbio americano e o que implica, soam actualmente, como se tornou cada vez mais óbvio, que as acções das pessoas e as interacções com o ambiente afectam não só as condições de vida, mas também as de muitas gerações futuras. Os seres humanos devem analisar o efeito que têm sobre o clima da Terra, e como as suas escolhas terão um impacto sobre as gerações futuras. Muitos anos antes, Mark Twain, disse que “O mundo todo fala sobre o clima, mas ninguém faz nada”, o que não é mais verdade.

Os seres humanos estão a mudar o clima do mundo, e assim o clima local, regional e global. Os cientistas dizem-nos que o ambiente é o que nós esperamos, e o clima o que obtemos. As alterações climáticas, ocorrem quando esse clima médio muda a longo prazo, em um local específico, uma região ou todo o planeta. O aquecimento global e as alterações climáticas são temas urgentes, de discussão diários nos meios de comunicação social, conversas e até mesmo nos filmes de terror.

Quanto significa de facto? O que representa o aquecimento global para as pessoas? O que deveria significar? são das questões mais importantes. O aquecimento global e as suas ameaças são reais. Tal como os cientistas desvendam os mistérios do passado, e analisam as actividades actuais, alertando que as gerações futuras podem estar em perigo. Há uma evidência esmagadora de que as actividades humanas estão a mudar o clima do mundo. A atmosfera terrestre pouco mudou nos últimos milhares de anos, mas actualmente, existem problemas em manter o equilíbrio.

Os gases de efeito estufa estão a ser adicionados à atmosfera a uma taxa alarmante. A partir da Revolução Industrial, nos finais do século XVIII e início do século XIX, as actividades humanas de transporte, agricultura, queima combustíveis fósseis e biomassa, eliminação e tratamento de resíduos, desflorestação, centrais eléctricas, uso da terra, e processos industriais, têm sido os maiores contribuintes para a concentração dos gases de efeito de estufa. Essas actividades estão a mudar a atmosfera mais rapidamente, do que os seres humanos enfrentaram alguma vez. Alguns pensam que aquecer a atmosfera da Terra por alguns graus é inofensivo e não poderia ter nenhum efeito sobre os seres humanos, mas o aquecimento global é mais do que apenas uma tendência de aquecimento ou arrefecimento.

O aquecimento global pode ter consequências ambientais, sociais e económicas imprevisíveis e de longo alcance. A Terra viveu uma idade de gelo de treze mil anos no passado. As temperaturas globais aqueceram depois cinco graus e fundiram as vastas camadas de gelo,  que cobriram grande parte do continente norte-americano. Os cientistas prevêem que as temperaturas médias podem subir sete graus durante este século. O que acontecerá com os restantes glaciares e calotes polares? Se as temperaturas subirem, como prevêem os cientistas, haverá menos água doce disponível, e um terço da população mundial, ou mais de dois mil milhões de pessoas sofrerão de falta de água.

A falta de água impedirá que os agricultores cultivem as terras e produzam alimentos, o que também irá destruir permanentemente peixes sensíveis e habitats de vida selvagem. À medida que os níveis do oceano subirem, o litoral e as ilhas serão inundadas e destruídas. As vagas de calor podem matar dezenas de milhares de pessoas e com temperaturas mais quentes, surtos de doenças se espalharão e intensificarão. Esporos de fungos ou mofos na atmosfera irão aumentar, afectando os que sofrem de alergias. Um aumento severo no clima poderia resultar em furacões semelhantes ou mesmo mais forte do que o Katrina, em 2005, que destruiu grandes áreas do sudeste dos Estados Unidos.

As temperaturas mais elevadas farão com que outras áreas, sequem e se tornem mecha para incêndios florestais maiores e mais devastadores que ameaçam florestas, vida selvagem e casas. Se a seca destruir as florestas tropicais, os combustíveis fósseis e a poluição da Terra serão afectados, prejudicando a água, ar, vegetação e toda a vida. Ainda que, os Estados Unidos tenham sido um dos maiores contribuintes para o aquecimento global, situa-se muito abaixo dos países e regiões, como o Canadá, Austrália e Europa Ocidental, a tomar medidas para corrigir o dano que tem sido produzido.

O aquecimento global é um conjunto multi-volume que explora o conceito de que cada pessoa é membro de uma família global, que compartilha a responsabilidade de corrigir esse problema. Na verdade, a única maneira de corrigi-lo é o trabalho conjunto em direcção a um objectivo comum. Um dos maiores contribuintes causados pelo homem para o aquecimento global, são os gases de efeito estufa, emitidos para a atmosfera através da queima contínua de combustíveis fósseis. Enormes quantidades de gases de efeito estufa, como o vapor de água, dióxido de carbono (CO2), metano, óxido nitroso e ozónio, são emitidos diariamente. Durante muitos anos, os Estados Unidos foram o maior contribuinte, mas a China e a Índia, devido às suas  revoluções industriais, tornaram-se o maior emissor de CO2 do mundo.

Os combustíveis fósseis, como o petróleo, gás natural e carvão, são as principais fontes de energia dos Estados Unidos, representando 85 por cento do consumo actual de combustível para fins de transporte, industrial, comercial e residencial. Quando os combustíveis fósseis são queimados, entre os gases emitidos, um dos mais significativos é o CO2, que é um gás que retém o calor na atmosfera da Terra. A queima de combustíveis fósseis, nos últimos 200 anos, resultou em mais de 25 por cento de aumento na quantidade de CO2 na atmosfera. Os combustíveis fósseis também estão implicados no aumento dos níveis de metano atmosférico e óxido nitroso, embora não sejam a principal fonte desses gases. O carbono negro é uma forma de poluição do ar em partículas, produzida pela queima de biomassa, cozimento com combustíveis sólidos e gases de escape diesel, e tem um efeito de aquecimento na atmosfera, três a quatro vezes maior do que o previamente calculado.

A fuligem e outras formas de carbono negro podem contribuir com até 60 por cento do actual efeito de aquecimento global de CO2, mais do que qualquer outro gás de efeito estufa, além do CO2. Nos últimos anos, entre 25 e 35 por cento do carbono negro na atmosfera global, provêm da China e da Índia, emitido pela queima de madeira e esterco de vaca nas cozinhas domésticas e pelo uso de carvão para aquecer as habitações. Os países da Europa e outros países que dependem fortemente de combustível diesel para o transporte, também contribuem com grandes quantidades. Desde que registos confiáveis começaram no final dos anos 1800 a ser efectuados, a temperatura média global da superfície terrestre aumentou entre 0.3 e 0.6 graus.

Os cientistas do “Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em língua inglesa)”, concluíram em um relatório de 1995, que o aumento observado na temperatura média global no último século, provavelmente, não será de origem totalmente natural, e que o balanço das evidências sugere que há uma ” Influência humana discernível no clima global “. O ar limpo também é essencial para a vida, boa saúde e qualidade de vida. Vários poluentes importantes são produzidos pela combustão de combustíveis fósseis e emitidos directamente na atmosfera, como o monóxido de carbono, óxidos de nitrogénio, óxidos de enxofre e hidrocarbonetos.

É de considerar também, as partículas suspensas totais (minúsculas partículas aerotransportadas de aerossóis com menos de 100 micrómetros [um micrómetro é de 1/1000 de milímetro], que constantemente entram na atmosfera, tanto por meio de processos industriais e veículos motorizados], e fontes naturais [de pólen e de partículas de sal]) contribuem para a poluição do ar, e os óxidos de nitrogénio e os hidrocarbonetos podem combinar na atmosfera, para formar o ozónio troposférico, componente principal da poluição atmosférica. As emissões de combustíveis fósseis são adicionadas à atmosfera por vários meios. O maior contribuinte é o sector dos transportes.

Os automóveis são a principal fonte de emissões de monóxido de carbono. Os dois óxidos de nitrogénio – dióxido de nitrogénio e óxido nítrico são formados durante a combustão. Os óxidos de nitrogénio aparecem como nuvens castanhas amareladas sobre muitos arranha-céus das cidades. Os óxidos de enxofre são produzidos pela oxidação do enxofre disponível em um combustível. Os hidrocarbonetos são emitidos de fontes humanas, tais como os escapes de automóveis e motociclos. O uso de combustíveis fósseis também produz partículas, incluindo poeira, fuligem, fumaça e outras matérias em suspensão, que são substâncias irritantes das vias respiratórias. A poluição do ar forma frequentemente a névoa acastanhada predominante, que foi denominada por nuvem marrom atmosférica. Esse nevoeiro com fumaça, está a causar efeitos ambientais sérios. É um perigo para a saúde pública, causando problemas respiratórios graves em todo o mundo.

O aquecimento global é o desafio ambiental mais urgente do século XXI. Devido à dependência contínua do mundo dos combustíveis fósseis como fonte de energia, os níveis de gases de efeito estufa, estão a aumentar constantemente na atmosfera e a aquecer a Terra. Se a acção correctiva não for tomada, as temperaturas continuarão a subir, causando a destruição mundial dos ecossistemas e a extinção das espécies. O maior contribuinte para o aquecimento da atmosfera é o uso excessivo de combustíveis fósseis para a produção de energia. Se não forem empregues tecnologias mais eficientes e limpas, fontes de energia renováveis, como a energia eólica, energia solar, células de combustível ou energia geotérmica, para substituírem os combustíveis fósseis, não haverá esperança de controlar o aquecimento global.

Os combustíveis fósseis são hidrocarbonetos, derivados de carvão e petróleo (óleo combustível ou gás natural) e são formados a partir de restos fossilizados de plantas e animais enterrados, que foram submetidos ao calor e à pressão na crosta terrestre durante centenas de milhões de anos. Os combustíveis fósseis também incluem substâncias como o xisto betuminoso e areias betuminosas, que contêm hidrocarbonetos que não são derivados exclusivamente de fontes biológicas, e referidos como combustíveis minerais. Actualmente, a maior parte da indústria do mundo desenvolvido depende fortemente de combustíveis fósseis para produzir a energia necessária ao fabrico de bens e serviços.

O calor derivado da queima de combustíveis fósseis, também é usado para aquecimento e convertido em energia mecânica para veículos e produção de energia eléctrica. A queima de combustíveis fósseis é a maior fonte de emissões de dióxido de carbono (CO2). Infelizmente, o seu uso está a aumentar constantemente. Um dos maiores dilemas que enfrentamos é que a China e a Índia, em 2012, na sua corrida para modernizar e industrializar, tinham um plano para construir mais de oitocentas centrais a carvão, e aumentar as emissões de CO2. A China desistiu da construção de 104 centrais a carvão.

Os combustíveis fósseis são compostos quase inteiramente de carbono, e quando são queimados, como em uma central a carvão ou na forma de gasolina, o carbono de que são compostos é libertado na atmosfera sob a forma de CO2. Os combustíveis fósseis mais comuns são o carvão, gás natural e petróleo. Outro gás fóssil, o gás liquefeito de petróleo (GLP), é principalmente derivado da produção de gás natural.

Segundo o último relatório da OMS, morrem anualmente 1,7 milhões de crianças de idade inferior a cinco anos por causas relacionadas com o meio ambiente. A redução dos riscos ambientais poderia evitar uma quarta parte dessas mortes. Entre os riscos ambientais encontram-se a poluição do ar, os produtos químicos e o deficiente fornecimento de água, o saneamento e a higiene. A minimização destes riscos é fundamental para proteger as crianças e alcançar os “Objectivos do Desenvolvimento Sustentável”.

As exposições a agentes ambientais começam na vida intra-uterina e podem ter efeitos para toda a vida. As crianças e adolescentes estão expostos a diversos perigos presentes nos ambientes em que vivem, aprendem e brincam. A poluição do ar é uma ameaça invisível para a saúde das crianças. A poluição do ar causa anualmente a morte de 570.000 crianças de idade inferior a cinco anos de idade, incluindo-se a exposição ao fumo do tabaco de terceiros e a poluição atmosférica do ar interior.

A poluição do ar pode afectar nas crianças a dificuldade de desenvolvimento intelectual, reduzir a função pulmonar e causar asma e criar as condições para o aparecimento de problemas futuros, como os diversos tipos de cancro, doenças respiratórias crónicas, doenças cardiovasculares e acidentes cerebrovasculares. A cada ano morrem de pneumonia cerca de 1 milhão de crianças. A metade desses casos está relacionada com a poluição do ar. Quando aprenderão a maioria dos países a legislar em conformidade com as instruções e relatórios da OMS?

27 Abr 2017

O populismo étnico em marcha

“Populist leaders like Donald Trump, Marine Le Pen, Norbert Hoffer, Nigel Farage, and Geert Wilders are prominent today in many countries, altering established patterns of party competition in contemporary Western societies. Cas Mudde argues that the impact of populist parties has been exaggerated. But these parties have gained votes and seats in many countries, and entered government coalitions in eleven Western democracies, including in Austria, Italy and Switzerland. Across Europe, their average share of the vote in national and European parliamentary elections has more than doubled since the 1960s, from around 5.1% to 13.2%, at the expense of center parties. During the same era, their share of seats has tripled, from 3.8% to 12.8%. Even in countries without many elected populist representatives, these parties can still exert tremendous ‘blackmail’ pressure on mainstream parties, public discourse, and the policy agenda, as is illustrated by the UKIP’s role in catalyzing the British exit from the European Union, with massive consequences.”
“Trump, Brexit, and the Rise of Populism: Economic Have-Nots and Cultural Backlash” / Harvard Kennedy School – Ronald F. Inglehart and Pippa Norris

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] voto britânico para abandonar a União Europeia (UE) e a eleição do presidente Donald Trump nos Estados Unidos deixou muitos surpreendidos no passado ano. O economista e comentarista irlandês, David McWilliams, denominou 2016, como “o ano do outsider”. As previsões apontam que 2017 não será diferente, com eleições importantes que irão ocorrer por toda a Europa e muitos viram as eleições holandesas de 15 de Março de 2017, como “o primeiro grande teste” do que está por vir.

O líder do Partido para a Liberdade (PVV, na sigla em língua holandesa) de extrema-direita Geert Wilders tinha proclamado uma “primavera patriótica” que podia aumentar as pressões sobre uma sitiada UE. O político holandês islamofóbico viveu sempre rodeado por fortes medidas de segurança, tendo por mais de uma década, passado a maior parte do tempo num refúgio desconhecido, ou em uma ala do Parlamento fortemente guardada. Este esquema de segurança, durante vinte e quatro horas, que raramente permitia a saída à rua, e para assistir a alguns eventos da campanha eleitoral, teve de deslocar-se em uma caravana de veículos blindados, devidos às constantes ameaças de morte, que recebe de extremistas enfurecidos pelas suas declarações contra o Islão, comparando o “Alcorão” ao livro “A Minha Luta” de Adolfo Hitler.

O grande tema é de questionar a ideia de que as eleições holandesas marcaram o início de uma “primavera patriótica”, ou seja, a de que o povo retomará o controlo da elite a nível nacional e europeu. Até agora, a Europa dificilmente desempenhou qualquer papel na campanha eleitoral holandesa. Mesmo Geert Wilders pareceu afastar-se da questão. O co-investigador Stijn van Kessel no “projecto 28+perspectivas sobre o Brexit: um guia para as negociações com múltiplos intervenientes” da Universidade de Loughborough elaborou os dados que mostravam que os holandeses não queriam um “Nexit”. Além disso, outras questões prevaleceram na campanha.

O tema mais dominante foi a economia holandesa e, em particular, a questão de saber que política prosseguir em tempos de superavit orçamental e baixa taxa desemprego. A economia é tipicamente, um tema que os políticos holandeses gostam de ligar à UE, acrescentados dos motes de “muita burocracia”, “somos pagadores líquidos” e “não mais dinheiro para a Grécia”. Mas, nesta campanha, os políticos ligaram-se à questão do que é importante para a sociedade holandesa, como o do dinheiro extra que deveria ter uma maior taxa de participação para a criação de mais empregos, reforma do sistema de saúde, investimento nas políticas de alterações climáticas e melhoria do sistema educacional.

O outro tema abrangente é o que constitui a identidade holandesa no modelo da globalização. Uma “primavera patriótica” pressupunha debates sobre a identidade nacional, ameaçada por elites cosmopolitas e pressões externas. No entanto, na actual campanha eleitoral, a discussão pareceu ter sido mais matizada, centrada na redefinição da identidade nacional, sem necessariamente rejeitar a imigração e a integração europeia. Por exemplo, o líder do Partido Democrata Cristão (CDA, na sigla em língua holandesa) enfatizou os símbolos nacionais, trazendo a ideia dos alunos cantarem o hino nacional nas escolas.

O líder do Partido de Esquerda Verde (GL, na sigla em língua holandesa), enfatizou uma cultura inclusiva de tolerância e diversidade. Além disso, é muito provável que Geert Wilders seja marginalizado após a derrota sofrida nas eleições. Primeiro, a maioria dos partidos declarou que não quer cooperar com o seu partido e pessoa. Em segundo lugar, uma semana antes das eleições, as últimas sondagens, também sugeriam que não iria ter o número elevado de votos que foi previsto algumas semanas antes, e que se veio a confirmar. Isso não significa que as suas ideias estejam a ser ignoradas, tal como aconteceu com frequência na história política holandesa, em que os partidos tradicionais já haviam adoptado alguns dos seus discursos populistas, e até mesmo nacionalistas sobre questões como a imigração e a integração europeia.

A título de exemplo, em termos de valor nominal, as suas ideias parecem ser menos dignas, apesar de a identidade ter sido uma questão fundamental durante a campanha eleitoral, e que lhe pode ser atribuída, curiosamente, na trilha da alegada “primavera patriótica”, um contra-movimento que parece estar a surgir. A ascensão da direita populista é muitas vezes vista como um processo linear, começado com o Brexit e a eleição de Donald Trump, e continuado durante as eleições no continente europeu. Mas confrontados com as ideias populistas de direita de Geert Wilders, são um conjunto de crenças que realçam a diversidade e a abertura para influências externas, sendo mais visivelmente ilustrado, pelo crescente apoio ao Partido Democratas 66 (D66, na sigla em língua holandesa), que é progressista, liberal-social e radical democrata e o GL.

A tendência semelhante na França e na Alemanha é notória, onde, respectivamente, o pro-europeu Emmanuel Macron e o ex-presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, estão a ter ganhos inesperados nas sondagens. Ambos, também sublinham as ideias de abertura e de tolerância, e a necessidade de cooperar a nível europeu. As urnas confirmaram a vitória do actual primeiro-ministro, o liberal de direita Mark Rutte, e revelaram que Geert Wilders, o candidato racista e antieuropeu que chegou a liderar as sondagens, não obteve tanto apoio como se esperava. Depois do Brexit e do êxito que representou a vitória de Donald Trump, o populismo xenófobo enfrenta, assim, a sua primeira derrota no Ocidente.

As eleições holandesas não conduziram ao início de uma “primavera patriótica” da extrema-direita populista europeia, mas sim a um reequilíbrio da política europeia. Todavia analisadas mais profundamente as eleições holandesas, vimos que ao entardecer do dia das eleições, os meios de comunicação social de todo o mundo, anteciparam uma vitória não apenas para o Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD, na sigla em língua holandesa) liderado pelo actual primeiro-ministro Mark Rutte, mas uma vitória para a política racional, liberal, enquanto elogiavam a derrota esmagadora dos nacionalistas étnicos de Geert Wilders.

O líder do VVD, de uma forma mais sóbria, em um discurso proferido depois de aparentemente o seu partido ter ostensivamente triunfado, declarou que os holandeses disseram não ao tipo errado de populismo. Mas esta é uma interpretação equivocada. Neste ano de eleições, que indicará se a UE pode sobreviver num futuro próximo, a eleição holandesa recebeu uma atenção indevida da imprensa mundial. Na sequência do Brexit, da vitória de Donald Trump, um referendo holandês e a quase um ano da eleição presidencial austríaca e meses do referendo constitucional italiano, o foco dos meios de comunicação sobre a Holanda tem sido compreensível, mas também tem sido distorcido pelos eventos de 2016.

O Brexit, a vitória presidencial de Donald Trump e os referendos foram escolhas binárias do “Candidato A” versus “Candidato B”, ou simplesmente “Sim” versus “Não”, e conjuntamente com o crescente domínio anglo-americano dos meios de comunicação internacional, ou pelo menos dos meios de comunicação transatlânticos, no seguimento de Donald Trump e da caótica política do Reino Unido, isso resultou no facto da comunicação social estrangeira, examinar as eleições holandesas através de uma lente distorcida. A eleição holandesa não era binária, mas multipolar. A comunicação social na análise política e no sistema de dois partidos e dualismo de Sim/Não, enfatizaram a possibilidade do PVV vencer as eleições.

Os mesmos meios de comunicação, em segundo lugar, apresentaram a eleição como uma derrota para o PVV e o seu líder. No entanto, nada poderia estar mais longe da verdade. O líder do PVV não perdeu em um sistema binário, anglo-americano, antes ganhou em um sistema multipolar europeu. Os dois partidos governamentais da Holanda perderam. O VVD do primeiro-ministro, Mark Rutte, perdeu oito assentos, enquanto o Partido Trabalhista (PvdA, na sigla em língua holandesa) de Lodewijk Asscher, vice-primeiro-ministro, passou de 38 assentos para 9 assentos, perdendo de forma assombrosa 29 assentos. No rescaldo do tropeço do VVD e da derrota do PvdA, o partido que estava mais preeminente era o PVV.

Apenas onze anos após a sua criação, o PVV é o segundo maior partido na Holanda. Não voltou ao seu auge de 2010, mas o desafio para a VVD de outros partidos e a derrota do PvdA, levaram a menor margem eleitoral do PVV a uma posição muito mais evidente. A ascensão do GL desafia o apelo do PVV, especialmente entre os jovens eleitores urbanos que, na Holanda, país altamente urbanizado, formam uma parcela substancial do eleitorado. Mas, ao mesmo tempo, o GL suprimiu o suporte do VVD. Enquanto o PVV e o GL, conjuntamente com o D66, não poderiam ser mais distintos em termos de políticas, mas compartilham uma característica comum que preocupou o líder do VVD, pois eram evidências do mesmo fenómeno visto nos Estados Unidos e no Reino Unido, em que os eleitores se sentem desiludidos com os principais partidos formados no rescaldo da II Guerra Mundial, e voltam-se para os partidos mais novos, que oferecem uma lufada de ar fresco, em relação a uma ordem política, ideológica e económica estabelecida e aparentemente estagnada.

O motivo adicional de preocupação é que nas grandes áreas metropolitanas da Holanda o PVV apresenta-se como o partido que reunia as maiores preferências, ou o segundo partido a nível nacional, e de forma preocupante, próximo do VVD. O surgimento do PVV, como partido dominante em Roterdão, põe uma séria questão quanto à ilusão dos meios de comunicação social, nas cidades holandesas como bastiões do liberalismo racional. O político que ganhou mais em termos de derrota dos seus inimigos, foi Geert Wilders. A maior causa de preocupação, é os complexos mecanismos de formação de uma coligação.

O governo anterior VVD – PvdA viu apenas duas partes a lutar para apaziguar uma população holandesa que está cada vez mais cansada de austeridade e diminuição dos benefícios sociais. A nova coligação liderada pelo VVD deve ser formada por quatro, talvez até cinco, partidos, que até agora se uniram principalmente na sua oposição ao PVV, e tendo ganho, é apenas uma questão de tempo, antes de enfrentar as duras realidades que representam os entendimentos políticos e da aparente derrota do inimigo comum, que cria brechas entre os diferentes partidos.

O período da lua-de-mel terminará rápido. A formação e gestão de uma coligação multipartidária será um desafio significativo para o líder do VVD, e não é de forma alguma claro como um governo tão diferente em ideologia, prioridades políticas e opiniões de uma UE em apuros, seja capaz de reagir à economia, com uma potencial vitória da Front Nationale na França, uma possível mudança para a direita na Alemanha, em Agosto, ou outra crise da zona do euro ou crise migratória, após a ruptura das relações UE – Turquia, mais acentuada depois da vitória do “SIM” no referendo turco de 16 de Abril de 2017.

As crises cada vez mais parecem não só inevitáveis como iminentes.Enquanto a ténue coligação do líder do VVD luta para lidar com os problemas da Holanda e responder a forças económicas externas, Geert Wilders encontrar-se-á em uma posição política forte, e como nenhum outro partido trabalhará com o PVV terá um papel desprezível face à nova coligação, destacando toda a sua inépcia e disputas, enquanto se banha na imunidade das críticas inevitáveis do governo, ou seja, uma imunidade concedida pelo seu isolamento da formulação de políticas.

O líder do PVV, em uma ironia sombria, ainda que tenha perdido assentos, continua com uma base eleitoral sólida, que o torna mais seguro que o líder do VVD e os seus aliados de coligação, sendo capaz de defender uma insatisfação anti ordem estabelecida, enquanto se autentica mais na ordem estabelecida. Até ao final de 2017, é provável que vejamos o líder do VVD e os aliados de coligação a enfrentarem uma crescente hostilidade por parte de uma população holandesa decepcionada e frustrada por politiquices, enquanto Geert Wilders prega a mensagem repetitiva mas mediática dos eternamente marginalizados e de hipócrita mártir político. É certo que isso está longe de ser certo.

Os holandeses não vão entrar numa “primavera patriótica” e Geert Wilders cometeu sérios erros, especialmente na sua recusa em se envolver com os meios de comunicação de massa.Mas se aprender com esses erros, irá garantir uma enorme posição como figura popular de proa, canalizando a frustração e a decepção pública para uma coligação de rangedores.E porque é altamente provável que uma disputa em curso entre a Holanda a Turquia, caracterizada por invocações repetidas dos dias mais sombrios da “Nova Ordem”, só vai aumentar ainda mais, depois do referendo de 16 de Abril de 2017, e Geert Wilders terá mais condições de aproveitar o desapego e a desilusão holandesas. para atrair o esquecido, o desapontado, o contrariado e o temeroso com sua bandeira.

A eleição holandesa não representou a derrota do populismo étnico. Na melhor das hipóteses, é uma vitória pírrica para o último bastião da ordem estabelecida. Na pior das hipóteses, é um sinal de um eleitorado desencantado que expressou a sua infelicidade com o “status quo”. A esse respeito, as eleições holandesas não são diferentes do Brexit e das eleições americanas. Não são uma vitória para o liberalismo, nem uma vitória para o racismo, mas uma vitória para a frustração, raiva, ansiedade e ressentimento. É uma vitória que não merece um elogio, mas um lamento ao contrário do afirmado pelos líderes europeus, com o Presidente da Comissão Europeia, como porta-voz de tão peregrina ideia.

19 Abr 2017

A poluição atmosférica como agente mortal

“The economy is a wholly owned subsidiary of the environment. All economic activity is dependent upon that environment with its underlying resource base.”
US Senator Gaylord Nelson on first Earth Day

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] poluição do ar, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, é actualmente a principal causa de morte, mas trata-se de uma mensagem que ainda não foi captada, conscientemente, pelas mentes dos decisores políticos em todo o mundo. O movimento de poluentes não respeita fronteiras políticas, e mata inocentes. O mais doloroso é as alterações climáticas que estão a colocar um enorme desafio para prever o movimento de poluentes. As decisões tomadas com base em estudos de modelos e legislações não estão a produzir o resultado desejado, pois existe sempre uma lacuna entre teoria e a prática.

As questões ambientais mudam de um lugar a outro, e de tempo a tempo. As questões ambientais são de cariz local e global. A compreensão das questões ambientais é necessária para se encontrarem soluções. Os problemas de poluição atmosférica mudaram ao longo de um período de tempo. As questões como a nuvem marrom atmosférica, as alterações climáticas, os poluentes atmosféricos perigosos, a neve preta/lamacenta, que não foram discutidas durante algumas décadas, ganham actualmente, importância.

A poluição é originária da palavra latina “Pollutus”, que significa “sujo ou pouco claro”. A poluição do ar pode ser definida, como a condição atmosférica, em que as substâncias estão presentes em concentrações superiores às normais, para produzir efeitos significativos nos seres humanos, animais, vegetação ou matéria. O ar que respiramos é o recurso natural mais importante, e que nos permite sobreviver. A composição do ar continua a mudar constantemente, devido às emissões naturais, bem como às produzidas pelo homem para a atmosfera. A atmosfera terrestre é uma camada de gases retida pela gravidade.

O ar seco, em média, consiste em 78,09 por cento de azoto, 20,95 por cento de oxigénio, 0,93 por cento de árgon e 0,039 por cento de dióxido de carbono, em volume. Também estão presentes constituintes menores como o metano (CH4), ozónio (O3), dióxido de enxofre (SO2), dióxido de azoto (NO2), óxido nitroso (N2O), monóxido de carbono (CO), amoníaco (NH3) etc. Estes constituintes variam de lugar para lugar devido à mudança nas condições atmosféricas. Os constituintes do ar sobre o mar não são iguais aos do litoral. O ar da litoral mar pode não ter as mesmas concentrações de constituintes como o ar do deserto.

O ar da costa será dominado pelo vapor de água e o ar do deserto terá mais poeira suspensa. A espessura da floresta amazónica, da mesma forma, terá mais vapor de água e compostos orgânicos voláteis enquanto o ar acima do depósito de resíduos sólidos é provável que tenha mais metano e amoníaco. A baixa concentração de poluentes atmosféricos não significa que possa haver negligência, se considerarmos o exemplo do chumbo, que está presente na atmosfera em camadas, tendo sido a quantidade total em 1983 e na década de 1990, estimada em cerca de trezentas e trinta mil toneladas e cento e vinte mil toneladas, respectivamente.

As emissões totais de fontes naturais foram de cerca de duzentas e vinte mil a quatro milhões e noventas mil toneladas por ano. Quando o sistema solar se condensou a partir da “nebulosa primordial”, que não é mais que nuvens interestelares de gás e poeira, a situação não era tão complexa como actualmente, e a poluição do ar não era um problema. Acreditava-se que a atmosfera primitiva do planeta era uma mistura de dióxido de carbono, nitrogénio, vapor de água e hidrogénio. A atmosfera inicial do planeta reduziu ligeiramente a mistura química, em comparação com a atmosfera presente, que é fortemente oxidante e com o lapso de tempo, camadas distintas da atmosfera foram formadas com características distintas.

A troposfera é a camada mais baixa de atmosfera que se estende da superfície da terra até dez a quinze quilómetros de altitude, dependendo do tempo e latitude. A estratosfera está posicionada apenas, acima da troposfera, e estende-se entre onze e cinquenta quilómetros. Na estratosfera, a temperatura aumenta com a altitude, de sessenta graus negativos na base até zero graus no topo. A mesosfera, situa-se justamente acima da estratosfera, estendendo-se entre cinquenta e oitenta quilómetros de altitude. Os vaivéns espaciais orbitam nesta camada da atmosfera. Devido à diminuição do aquecimento solar, a temperatura diminui com a altitude na mesosfera, sendo zero graus na base, e noventa e cinco graus negativos no topo. O topo da mesosfera é a região mais fria da atmosfera.

A termosfera é a última camada da atmosfera, situando-se a oitenta quilómetros acima da exosfera. Na termosfera, a temperatura aumenta com a altitude, à medida que os átomos dessa camada são acelerados pela radiação solar. A temperatura na base da termosfera é de noventa e cinco graus negativos, sendo de cem graus a cento e vinte quilómetros, e de mil e quinhentos graus na parte superior. A ionosfera estende-se entre cinquenta e cem quilómetros cobrindo parcialmente a mesosfera e a termosfera. Tem variação diurna e sazonal, pois a ionização depende do Sol e da sua actividade. A poluição do ar, desde a sua descoberta, tem sido um problema. O “Ar pesado de Roma”, em 61 A.D. foi registado pelo filósofo romano Séneca.

O rei Eduardo I, em 1273, proibiu a combustão de carvão em Londres. Na década de 1280, as pessoas usavam carvão como combustível em processos como o calcário e metalurgia, levando à poluição do ar que continha fumo preto, bem como óxidos de enxofre. O final do século XVIII e início do século XIX viram mudanças dramáticas no fabrico, agricultura, mineração, produção, bem como nos transportes. A invenção da energia eléctrica no século XIX, resultou na sua distribuição em 1880, despedindo-se do carvão. O exemplo muito famoso de poluição do ar,  foi a formação de poluição em torno da cidade de Los Angeles durante a década de 1940, que levou à aprovação da primeira legislação ambiental estadual nos Estados Unidos. A “Lei de Controlo da Poluição do Ar”, foi promulgada nos Estados Unidos, em 1955, sendo a primeira legislação ambiental federal do país.

O petróleo, mais tarde, na década de 1960, ultrapassou o carvão como fonte de energia primária. O uso extensivo do óleo conduziu às emissões, onde quer que os veículos circulassem. A revolução industrial do pós-século XVIII, fez a economia mudar para a fabricação baseada em máquinas, em muitos dos países desenvolvidos. A mecanização das indústrias têxteis e das técnicas de fabrico de ferro aumentou a procura de combustível, e a sua poluição atmosférica nas áreas de tais actividades. Os desenvolvimentos no século XIX levaram à segunda revolução industrial. A actividade da construção civil viu também a mudança no material, assim como, na tecnologia. A invenção do cimento, substituiu as paredes de barro, e o aumento da procura de cimento levou a emissões desse sector. Os mercados europeus e americanos estavam saturados, abrindo-se os mercados asiáticos aos veículos, apesar de existir um enorme desequilíbrio, pois as pessoas pobres viajam em cima de autocarros ou camiões, enquanto as pessoas ricas circulam em carros individuais, como acontece na Índia, Paquistão e muitos outros países. Enquanto a crise económica na Grécia teve como resultado a redução da poluição do ar, a China testemunhou uma dramática explosão da qualidade do ar na última década.

A análise dos dados da rede de monitorização criada pela OMS e pelo PNUMA, em cinquenta cidades, e trinta e tinta e cinco países desenvolvidos e em desenvolvimento, mostra que nos últimos quinze a vinte anos, as lições de experiências anteriores nos países agora desenvolvidos, ainda necessitam de ser assimiladas. A poluição do ar em vinte das vinte e quatro megacidades, apresenta níveis que têm graves efeitos sobre a saúde. O aumento da população nos países em desenvolvimento no futuro, com a falta de controlo da poluição do ar, irá piorar em muitas outras cidades. No início da década de 1970, quando o rápido crescimento na Europa, levou a poluição ambiental a níveis inusitados, apesar de em 1952 a poluição de Londres, ter  sido a causa de cerca de quatro mil pessoas, estava fresco na memória a “Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano” realizada em Estocolmo, em 1972, que tinha por objecto a fundação da cooperação internacional neste domínio, seguida de um conjunto de medidas que visavam reduzir a poluição do ar.

A “Convenção sobre a Poluição Atmosférica Transfronteiriça a Longa Distância”, foi assinada pelos países da “Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa (CEE-ONU, ou UNECE, na sigla inglesa) ”, a 13 de Novembro de 1979. A UNECE é uma das cinco comissões regionais da ONU, dependentes do “Conselho Económico e Social (ECOSOC) ”. A UNECE é um fórum, em que os cinquenta e seis países da Europa, Ásia central e a América do Norte se reúnem, para elaborar as ferramentas da sua cooperação económica. O “Protocolo de Helsínquia” de 5 de Julho 1985, tinha por objectivo reduzir as emissões de enxofre ou dos seus fluxos transfronteiriços, em pelo menos 30 por cento nos países da UNECE. Todas as decisões de negócios afectam o ar e a atmosfera. Tal como a água que é purificada, embalada e o preço fixado, o ar puro igualmente, será fixado um preço. Há bares de oxigénio, desde 1990, abertos em muitas partes do mundo para fornecer oxigénio aos clientes.

No entanto, apesar da necessidade urgente de políticas e legislação rigorosas sobre a poluição do ar em várias partes do mundo, o controlo da poluição do ar ainda não é uma prioridade política, em comparação com os negócios e a economia em muitas partes do mundo, e como resultado, a poluição é continuada de uma forma ou outra, e muitas das formas nem sequer são monitorizadas e controladas. Ao longo dos anos, apenas alguns poluentes atmosféricos convencionais tais como o SO2, NO2, partículas, O3 etc., são monitorizados pelos investigadores e pelas autoridades de controlo da poluição. Os poluentes, como os “Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs)” foram negligenciados no passado, mas  recentemente são monitorizados continuamente, devido aos seus graves efeitos sobre a saúde. Os poluentes orgânicos, bem como os poluentes inorgânicos do ar causam doenças mortais, e a sua monitorização é muito importante para os seres humanos e meio ambiente. Enquanto muitos países em desenvolvimento levaram a questão a sério, outros só quiseram satisfazer a comunidade internacional.

Ainda que as legislações ambientais tenham entrado em vigor em todo o mundo, a capacidade das instituições competentes para a sua monitorização foi limitada, principalmente devido à insuficiência de conhecimentos e capacidade de pesquisa e de aplicação da lei.Muitas instituições tinham muito poucos recursos humanos e orçamentos limitados para monitorizar. A ausência de especialização, levavam a uma monitorização inadequada, selecção imprópria do local e metodologia de amostragem, bem como efectuavam uma análise pobre.Muitas instituições continuam a deparar-se com recursos humanos insuficientes e sem preparação técnica, sendo a média de um a dez técnicos e cientistas para um milhão de habitantes.

O que torna a poluição atmosférica mais difícil em comparação com outras formas de poluição é a sua complexidade, pois ao contrário da água que pode ser contida num recipiente para um estudo fácil, é difícil simular a configuração atmosférica num laboratório. Além disso, a aerodinâmica na superfície da terra não pode ser facilmente explicada pela matemática, como ocorre na natureza. Uma variedade de factores como a radiação, atrito, fluxo padrão, reacção química, influência por configuração biológica, alterações climáticas, mudança de estilo de vida, novas invenções, modificações sociais, direito da terra, atitude do povo, fisiologia das pessoas, transformações económicas da região em conjunto, são responsáveis pelo cenário em um determinado momento e por uma determinada razão.

A poluição do ar, devido à complexidade do problema, não foi completamente compreendida por muitos países em desenvolvimento e não é uma prioridade. As questões como a má governação, baixa capacidade de pesquisa, analfabetismo, corrupção, conflitos nacionais/internacionais e a instabilidade política, têm muitas vezes causado a fraca atenção à poluição do ar, apesar de sete milhões de pessoas morrerem anualmente, segundo a OMS, devido à poluição do ar em todo o mundo. Apesar da magnitude do problema, a perda de vidas e riqueza devido à poluição do ar é invisível para muitos governos. O analfabetismo entre os cidadãos, também é motivo para não se queixarem da poluição.

O uso de recursos humanos para outras funções como eleição/recenseamento/desporto, também é uma das muitas razões para a má implementação da legislação ambiental. Muitas instituições de aplicação da legislação ambiental em grande número de países, estão mais preocupadas com as despesas em termos financeiros, ao invés do controlo de poluição, como seja a apropriação indevida de recursos financeiros que pode levar o funcionário responsável a ser punido com uma pena de prisão. Por outro lado, a poluição não contabilizada não é de modo algum tão grave, como a apropriação financeira indevida. As leis ambientais também podem ser usadas de forma abusiva para arrecadar fundos ou causar prejuízos aos adversários das pessoas no poder. As questões, causas, factores de influência e impactos da poluição do ar podem ser atribuídos a muitos agentes que não são quantificáveis. A corrupção entre os governantes, baixa ética entre as indústrias, falta de disponibilidade de tecnologia, incapacidade de adoptar novas tecnologias e a baixa capacidade de pesquisa afligem muitos países. Apesar do entusiasmo demonstrado por muitas organizações internacionais para apoiar a causa, muitas vezes é negado ou mal adoptado pelos países beneficiários.

As principais fontes de poluição são o processo de combustão, indústria, transportes, eliminação de resíduos, uso de agro químicos e a respiração de organismos vivos, e nenhuma dessas fontes pode ser evitada, uma vez que se destinam à sobrevivência dos seres humanos. Para além destas fontes, outras como o incêndio acidental, tempestades de vento, desastres naturais, educação/pesquisa, decomposição de matéria morta, guerras, explosões, utilização de explosivos, eventos desportivos, testar/praticar o uso de armas de guerra, lançamento de satélites, erupções vulcânicas, construção, produção de metano em campos de arroz devido à biodegradação, demolição de edifícios, metano gerado por animais ruminantes durante a digestão dos alimentos, pintura, processamento de grãos, erosão do solo e desintegração de rochas/minerais, aumentam a poluição.

Os sectores de serviços como saúde, informática e subcontratação de processos de negócios, também contribuem com poluentes atmosféricos ao usar equipamentos, ar condicionado e transportes. A libertação de agentes patogénicos dos estabelecimentos de cuidados de saúde, criação de animais, abate e pesquisa pode ser muito mais prejudicial, em comparação com os poluentes convencionais. Ao contrário da guerra e do crime, a poluição do ar geralmente ocorre de forma lenta, levando anos até que o impacto real seja visível, como os desastres de Chernobil e Bhopal, que foram amortecidos pela memória de pessoas devido a outras questões quentes de maior interesse individual.

11 Abr 2017

A incontida gestão da raiva

“Donald Trump’s US election win is America’s Brexit – voted for by people angry with the status quo.”
Daily Mirror, 09 NOV 2016 – Jack Blanchard

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]e tivermos de expressar em uma frase a grande característica da psicopolítica da actual situação mundial, deve soar como a da entrada em uma era com uma visão do mundo, sem sinais de gestão da ira. A raiva é a chave para compreender e descrever a psicologia política do mundo, após o fim do comunismo e da era bipolar. A partir da ira de Aquiles, o mundo nunca soube gerir a energia da raiva na história. O termo grego “thymos” significa a vontade, o desejo, luxúria e ira. O “thymos” é o motor das acções do herói homérico. Mais tarde, torna-se a sede da aspiração de reconhecimento, e a falta de reconhecimento desperta a raiva e com as religiões monoteístas o património é impelido na outra vida, onde vai realizar a justiça divina.

O ressentimento terreno será satisfeito no final dos tempos. A situação muda completamente com a Revolução Francesa. A possibilidade de igualdade mudou-se para um mundo futuro, que é a base da “thymotica” dos oprimidos. O líder do partido e da militância revolucionária marcou a acumulação da ira até ao colapso da União Soviética. O mundo actual é um sistema pós-histórico em que desapareceram os pontos tradicionais de gestão da ira e das energias “thymoticas”. Foi a raiva mal gerida que permitiu a vitória de Donald Trump e o sucesso dos movimentos populistas e de extrema-direita e dos seus líderes.

Os novos tempos exigem paciência aos cidadãos globais e humildade aos economistas. Ambas as qualidades são necessárias porque a incerteza que reina desde Setembro de 2008 acentuou-se, embora não tenha atingido os níveis críticos desse tempo. O presidente americano surpreendeu ao concentrar a sua enorme energia sobre a questão dos imigrantes, e em menor medida, na agenda de protecção às indústrias do país e a última das muitas das suas ameaças, foi a da aplicação de uma taxa alfandegária de 20 por cento às importações, especialmente as provenientes do México, bem como a suspensão por sessenta dias das importações de limões tucumanos, que o ex-presidente Obama, depois de mais de quinze anos de proibição, tinha aprovado e, finalmente, a acusação à Alemanha de manter o euro subvalorizado.

O presidente americano, surpreendentemente, acusou a Alemanha, que durante a presidência de Trichet no Banco Central Europeu, apoiou as políticas monetárias que levaram o euro ao recorde de 1,60 dólares americanos e, por outro lado, não mostrou qualquer contentamento com as políticas do actual presidente Mario Draghi, de emissão monetária e taxas de juro de zero por cento e inclusive negativas. Tudo evidencia que o presidente americano ignora as questões básicas da economia, mas mais preocupante é que da mesma doença padecem os seus principais colaboradores, sendo as suas intervenções marcadas pela ausência de políticas detalhadas, por outro lado, fazem referências às insistentes promessas eleitorais, entre elas, as de baixar impostos aos mais ricos e ambiciosos planos de infra-estruturas.

É muito cedo para prever qual dos cenários acabará por prevalecer na malfada política do presidente americano cuja ignorância pelos assuntos de Estado raia o absurdo e das suas tresloucadas decisões. Os três cenários perceptíveis continham uma tendência ao proteccionismo, o aumento do deficit fiscal e a consequente queda dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos. O primeiro cenário seria acompanhado por um rápido aumento nas taxas da Reserva Federal, valorização do dólar, maior crescimento, fuga de capitais dos países emergentes, um pouco mais de inflação e, por fim, uma queda nos preços das matérias-primas à excepção do ouro. Seria, mas não necessariamente, a perspectiva negativa e dramática para os países emergentes.

O segundo cenário é semelhante ao primeiro mas mais acentuado. O mundo viveu entre 1979 e 1981 um tempo delicado, quando a inflação nos Estados Unidos foi superior a 13 por cento, os rendimentos dos títulos chegaram a cair 16 por cento e a taxa da Reserva Federal foi de 20 por cento, tendo levado ao super dólar do presidente Donald Reagan, e que se traduziu numa década perdida para os países emergentes, sobretudo, na América do Sul com incumprimento financeiro de muitos países. Este cenário é de considerar como o menos provável.

O terceiro cenário é quase o oposto do primeiro e assemelha-se ao acontecido entre 2004 e a crise de 2008, com o dólar no seu mínimo histórico e as matérias-primas a preços recordes, apesar de uma subida sustentada das taxas da Reserva Federal até ao máximo de 5 por cento, com a consequente subida dos rendimentos dos títulos do Tesouro e uma inflação do índice de preços ao consumidor, que atingiu um máximo de 3,8 por cento em 2008. Este seria o melhor cenário para os países emergentes e parece ser o mais provável. Existem alguns sinais desde as eleições americanas.

Os mercados financeiros, em especial os bolsistas, são tanto ou mais optimistas que antes do triunfo do de Donald Trump, pois prevalece uma expectativa de crescimento da economia global, que se reflecte também na subida dos preços dos seus activos e das matérias-primas, e que não sofreu interferência até ao momento por uma moderada valorização do dólar, com excepção do peso mexicano que foi a moeda que mais se depreciou. Os indícios favoráveis ao primeiro cenário, prevaleceram nas semanas seguintes às eleições americanas, sobretudo pela subida dos rendimentos dos títulos do Tesouro, a valorização do dólar, um aumento do risco dos países emergentes e matérias-primas mais baratas, à excepção do cobre, devido ao suposto plano de infra-estruturas de Donald Trump e do petróleo pela OPEP.

As valorizações do dólar e os rendimentos dos títulos do Tesouro, em contraste, no último mês de Dezembro de 2016, retrocederam, tendo ganho as matérias-primas e as bolsas e diminuído o risco emergente, apresentando uma maior semelhança com o terceiro cenário, considerado como sendo sem margem para dúvidas, o melhor para os países emergentes. Isto deve-se também ao facto de se poder observar como mais factível uma economia americana com maior inflação, não esquecendo que o desemprego é de apenas 4.8 por cento, e os aumentos do deficit e da dívida pública.

O valor internacional do dólar dependerá em parte de um provável braço de ferro entre a Reserva Federal que quererá subir mais rapidamente as taxas e o presidente Trump que quer um dólar fraco. Pelo que se continuará a assistir a uma situação complexa, mas que não é de alto risco para os países emergentes. Assim se observa, por exemplo, a colocação bem sucedida de títulos da dívida pública, na solidez dos preços da soja e da tendência de recuperação do Brasil, incluindo a valorização do real.

O discurso do presidente Donald Trump no Congresso a 28 de Fevereiro de 2017, impressionou favoravelmente a quem o questionava pelo seu tom moderado e conciliador, mas desencantou os que esperavam detalhes sobre a anunciada reforma impositiva ou o grande plano de obras públicas que iria pôr em prática. Foi num tom muito contido e distinto do primeiro discurso no Congresso, pronunciado a 20 de Janeiro de 2017. Inclusivamente apelou à unidade política e assinalou a urgência de substituir com uma lei, o “Obamacare”, que tem grandes fissuras, e para os seus opositores foi gratificante ver a mudança de atitude, ainda que se mantenham preventivamente atentos, de que rapidamente aparecerá o Donald Trump de sempre.

Os seus seguidores aplaudiram-no como um estadista. O poder financeiro e económico do país que tinha grandes expectativas quanto à prometida orientação económica sentiram-se defraudados pela falta de anúncio de medidas reais. Foi um discurso civilizado, tranquilo, sem os usuais ataques brutais. Poderá mesmo existir a possibilidade de uma pequena mudança em algumas das matérias mais sensíveis, tendo sugerido que poderia existir um novo regime legal para os indocumentados, ao invés de os deportar a todos do país, sem vacilar.

Mas há que esperar para saber se é apenas uma simples artimanha ou uma verdadeira mudança. A nova atitude não é ainda o bastante para que seus opositores acreditem, em especial os milhões de pessoas que se sentem ameaçadas pelas políticas que se cansou de anunciar, durante a campanha eleitoral e nas primeiras semanas como inquilino da Casa Branca. Se analisarmos bem, o conteúdo do discurso foi o mesmo de sempre, revestido de cuidadas expressões para não soar como mais uma intimidação. Todavia é certo que houve uma aberta condenação do anti-semitismo e um chamado à unidade política. Este inesperado ramo de oliveira alcançou também os aliados e organizações que antes tinham sido colocados no pelourinho.

Acerca da NATO assegurou que esse pacto militar, que foi forjado com a guerra mundial e através da Guerra Fria, derrotou o comunismo, aclarando que os parceiros deste selecto grupo deveriam cumprir com as suas obrigações financeiras, quase abrindo um conflito diplomático com a Alemanha, ao exigir os pagamentos que esta deve aos Estados Unidos, pelas obrigações no quadro da Organização. Todavia, declarou que os Estados Unidos estavam dispostos a liderar novamente a Organização. Mas existiu uma ideia digna de realçar, que é facto de não querer liderar o mundo livre, como afirmavam os anteriores presidentes, pois afirmou que o seu trabalho, era apenas o de representar os Estados Unidos, o que ajudou a acalmar os ânimos nas fileiras republicanas, alarmadas pelo caótico movimento da Casa Branca, durante os primeiros quarenta dias de mandato.

A impressão que deixou nesse discurso é que Donald Trump amadureceu, e que a sua intervenção no Congresso, foi mais presidencial e menos recheada de manhas de um político difícil de classificar, como se a intenção fosse atrair para a sua órbita os sectores mais moderados. O discurso foi mais sóbrio, até surpreender, mas não houve revelações relevantes nem sequer insinuou intenções sobre o que realmente pensa fazer no futuro.

Tal como disse um senador democrata, chegou-se a um ponto, onde o discurso presidencial é um êxito, porque quem o pronuncia nada disse de embaraçoso ou abertamente ofensivo. O presidente Trump, em matéria de política externa não mencionou a China ou a Rússia, ainda que tenha ratificado as metas proteccionistas prometidas na sua campanha eleitoral.

28 Mar 2017