A diplomacia do hambúrguer

“Eight months ago, Donald Trump proposed a round of burger diplomacy with North Korea’s leader Kim Jongun. He wouldn’t give him a state dinner, he said, possibly in an attempt to sound judicious, but “eating a hamburger at a conference table” would be a good way to open “a dialogue”. At the time, Mr. Trump’s words aroused much derision. Everyone with any opinion informed or not, agreed that it was simply ludicrous to propose a shared burger moment with the reclusive leader of a totalitarian state that is known for much bellicose posturing and some belligerent actions.”
“Can burger diplomacy win North Korea over?” – Rashmee Roshan Lall

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] mudança de acontecimentos incrivelmente perturbadora e muito previsível na Ásia Oriental, começou a 3 de Setembro de 2017, quando a Coreia do Norte testou com sucesso uma nova bomba nuclear. Tratou-se de um teste subterrâneo de uma bomba de hidrogénio, colocada na ponta de um míssil balístico intercontinental. O evento teve e imediatamente resposta por parte do presidente dos Estados Unidos, que condenou, afirmando que a Coreia do Norte é uma nação desonesta que se tornou uma grande ameaça e constrangimento para a China, que está a tentar ajudar, mas com pouco sucesso e qualquer ameaça para a América e seus territórios, incluindo as ilhas Guam ou os seus aliados, terá uma resposta militar maciça, eficaz e esmagadora.

O líder norte-coreano Kim Jong Un deve atender à voz unida do Conselho de Segurança da ONU, tendo todos os membros concordado unanimemente sobre a ameaça que a Coreia do Norte representa, e permanecem unânimes no seu compromisso com a desnuclearização da península coreana, não pondo sequer a hipótese da aniquilação total do país. A bomba de hidrogénio é muito mais poderosa que as bombas atómicas, ou bombas de fissão, que o país testou. A Coreia do Norte afirmou ter testado uma bomba de hidrogênio em Janeiro de 2016, mas os outros países, incluindo os Estados Unidos duvidaram.

A bomba nuclear que foi testada foi a maior e mais potente alguma vez efectuada pela Coreia do Norte. O Secretário-geral da ONU afirmou que o teste foi profundamente desestabilizador para a segurança regional, e o Conselho de Segurança da ONU reuniu-se de emergência no mesmo dia para discutir a questão, sendo de total condenação. O Conselho de Segurança tinha-se reunido uma semana antes depois da Coreia do Norte ter disparado um míssil que sobrevoou a ilha japonesa do norte de Hokkaido, tendo reprovado veementemente o acontecido. O Conselho de Segurança no início de Agosto aprovou por unanimidade um novo conjunto de sanções destinadas a travar a capacidade da Coreia do Norte de obter fundos para custear o seu programa nuclear.

É de recordar que durante meses, a Coreia do Norte absteve-se de realizar qualquer teste nuclear e de lançar mísseis sobre o Japão, mas parece ter decidido acabar com essa restrição. A nova série de sanções pode não ter efeitos práticos imediatos, pelo que o Japão e a Coreia do Sul defendem uma maior pressão diplomática sobre a Coreia do Norte. A rapidez que a Coreia do Norte tem usado para desenvolver o seu programa nuclear, apanhou muitos analistas desprevenidos, pelo facto de Kim Jong Un perseguir tão obstinadamente a aquisição de um poderio militar nuclear, mas que não constitui grande surpresa. Todavia, a grande parte das notícias actuais e as teses académicas explanam sobre a forma como o ditador norte-coreano, percorreu esse caminho, simplificando o entendimento sobre o mesmo, pela sua lógica. É importante corrigir o que existe de errado nas razões que levam a Coreia do Norte a este estádio, e entender o raciocínio de Kim Jong Un, pois é essencial para encontrar uma solução viável para a actual crise de tensão que amarra a região, como resultado das suas acções.

Os mais realistas pensam que compreendem completamente a sua motivação e estão a tocar trombetas aos quatro ventos, dado que que Kim Jong Un sente-se assustado com a possibilidade de potências exteriores  invadirem a Coreia do Norte para mudarem o regime. O ditador norte- coreano deve ter assistido com horror às acções do Ocidente, quando derrubou os governos no Afeganistão, Iraque e  Líbia porque possuíam regimes tirânicos que perseguiam o povo e ameaçavam a civilização ocidental. O líder norte-coreano, quase certamente, concluiu que o seu regime poderia ser o próximo e decidiu que o aumento da sua dissuasão nuclear seria a única forma de garantir a sua sobrevivência, e consequentemente, está à procura do rápido desenvolvimento do seu programa nuclear, preferindo que o seu povo coma erva, devido às  sanções hiper-restritivas, que abandonar o caminho do poderio nuclear.

A resposta americana foi a de aumentar o seu sistema de “Defesa Terminal de Alta Altitude (THAAD na lingua inglesa)” em países viznhos, aumentar o estado de alerta das suas forças navais na região, realizar exercícios militares de alto nível de dificuldade e complexidadel com a Coreia do Sul, procurar sempre mais restritivas sanções económicas e diplomáticas e uso de retórica inflamatória, que promete fogo e fúria, o que fez aumentar a determinação de Kim Jong Un de adquirir mais armas nucleares e mísseis balísticos, criando uma espécie de corrida armamentista. Ainda que possa parecer anacrónico, para ser justo com os mais realistas, parece que estão certos.

Todavia, as suas exposições apenas capturam metade da história, pois uma parte da razão pela qual Kim Jong Un perseguiu o seu programa de mísseis nucleares e balísticos,  é  por ser uma das bases centrais da sua plataforma de política interna. Quando Kim Jong Un sucedeu ao seu pai, Kim Jong-il, em 17 de Dezembro de 2011, herdou o seu programa “Songun Chongch’i” ou modelo de política militar, como orientação para a governança interna e política externa, e que enfatizou a expansão do exército norte-coreano e a sua prioridade sobre a população civil. Esta doutrina deu imenso prestígio e poder às forças armadas e, quando Kim Jong Un tornou-se líder, ficou rapidamente preocupado com o facto da sua influência estar fora de controlo e poderia ameaçar o seu governo.

 Os seus medos, provavelmente, foram agravados por divisões devido a conflitos dentro das forças armadas, que o poderiam derrubar. O líder norte-coreano como resposta, substituiu  o programa “Songun Chongch’i” por um novo programa, denominado de “Byungjin (Desenvolvimento Paralelo na tradução para a língua inglesa).” O “Byungjin” é uma criação peculiar, que envolve o duplo avanço da economia da Coreia do Norte e o seu programa nuclear. Os militares não baixam formalmente de estatuto, mas não recebem os privilégios especiais que lhes eram concedidos pelo programa “Songun Chongch’i”. Esta ausência implica que as forças armadas não são mais os meninos bonitos, favoritos e não desafiados do regime, mas que foram substituídos pelo Partido dos Trabalhadores da Coreia.

O lado económico do programa tem como objectivo ajudar a reequilibrar o poder dentro do país, para que os militares não sejam a força suprema. O lado nuclear destina-se a contentar o ânimo dos militares sobre essa mudança radical, ao sugerir que não foram destituídos de importância, mas que a visão mudou da força convencional para a nuclear, permitindo que Kim Jong Un continue a ser visto como um líder corajoso e um advogado dos militares, enquanto também extermina os elementos mais perigosos das forças armadas por questões de segurança interna e pessoal. É uma façanha dificil e Kim Jong Un não se pode arriscar a ser visto como um líder militarmente fraco, enquanto a transição do programa “Songun Chongch’i”  para “Byungjin” não estiver concluída.

A sua habilidade para abordar o confronto actual sobre o seu programa nuclear com os Estados Unidos de forma conciliadora é bastante limitada. O líder norte-coreano  sente que deve ser visto pelas suas forças armadas, como uma figura forte o suficiente para enfrentar o mundo exterior, e se recuar ou procurar um acordo, poderá ser olhado como um covarde ou mesmo um traidor do legado do pai aos olhos das forças armadas. Tal, pode aumentar a possibilidade de oficiais desencantados considerarem a realização de um golpe de estado, que tarde ou cedo, será dado. A acrescentar aos medos de Kim Jong Un é o seu conhecimento sobre o destino do ex-primeiro-ministro soviético, Nikita Khrushchev, que foi deposto em um golpe interno, dois anos depois de recuar frente à determinação americana, aquando da crise dos mísseis cubanos.

A percepção de que Khrushchev havia sido humilhado durante o conflito, contribuiu em grande parte para a decisão dos conspiradores de se moverem contra ele. A ironia para Khrushchev foi que, de facto, conseguiu disputar concessões significativas dos Estados Unidos, incluindo a remoção dos seus misseis nucleares da Turquia. Todavia, esses ganhos foram mantidos secretos que mesmo os conspiradores que o derrubaram não estavam cientes deles, e Khrushchev pareceu quer a nível  nacional, como mundial ter perdido o confronto com o presidente Kennedy.

Os esforços dos Estados Unidos para resolver a actual crise com a Coreia do Norte, deve levar em consideração o facto de que a Kim Jong Un é motivado por preocupações de segurança internas e externas, ao invés de considerarem simplesmente a última inquietação. É de ressaltar que durante a chuva de crispações que acompanharam as ameaças de Kim Jong Un contra as ilhas Guam, a administração Trump reagiu na direcção errada para que Kim Jong Un não atacasse o território insular dos Estados Unidos. Ao louvar a sua decisão, o Presidente Trump fez Kim Jong Un sentir-se como se tivesse recuado, o que arriscava a torná-lo fraco internamente. A incapacidade de Kim Jong Un de aceitar esse resultado, pode muito bem ter ajudado a alimentar a sua decisão de reactivar a situação, testando uma nova bomba nuclear em seguida, permitindo-lhe demonstrar à sua audiência militar interna que não se curvará diante das pressões estrangeiras, mas simplesmente se movia indirectamente para um confronto ainda maior e mais importante.

A resposta para os Estados Unidos não pode ser tão simples como oferecer concessões a  Kim Jong Un, pois traria os seus inerentes problemas. Primeiro, os esforços comerciais anteriores para trocar tecnologia e alimentos com a Coreia do Norte, para interromper o seu programa nuclear não alcançaram o objetivo desejado, porque o regime norte-coreano enganou descaradamente todos, e continuou a desenvolver as suas armas.  Tentar de novo a mesma situação, poderia simplesmente levar a uma repetição do ciclo, em que a Coreia do Norte obtém novas distribuições, em troca das mesmas promessas vazias de interrupcão do programa nuclear que ofereceu antes, e continuaria a desenvolver as suas capacidades bélicas.

É de considerar, em segundo lugar, que  subornar um estado hostil para travar o seu programa nuclear com presentes de ajuda e tecnologia, abriria um desagradável precedente de que qualquer Estado que quisesse extorquir benefícios similares dos Estados Unidos deveria prosseguir o seu programa nuclear. Em terceiro lugar, existe uma dimensão humanitária extremamente importante que não pode ser ignorada, que é o facto de Kim Jong Un ser um ditador totalitário horroroso, e os Estados Unidos não devem tolerar qualquer solução que o ajude a aumentar o nível de sofrimento que pode infligir ao seu povo. É improvável, por exemplo, que o presidente Trump decida o levantamento das sanções que foram impostas à Coreia do Norte, em 2016, em resposta aos seus abusos contra os direitos humanos, porque estes foram especialmente dirigidos para minar a capacidade do regime de prejudicar o seu povo.

Se os Estados Unidos realmente querem resolver a crise actual, tem que oferecer a Kim Jong Un uma saída que não só acalme os seus medos de segurança externa, mas também permita que evite perder a face internamente. Ao mesmo tempo, deve fugir da situação de ter sucumbido à chantagem nuclear aos olhos da liderança norte-coreana e do mundo em geral, evitando também ajudar a facilitar o aumento do abuso infligido à população norte-coreana pelo seu regime. Será complicado criar esta solução, mas é um caminho que é muito mais desejável do que a alternativa realista de uma corrida aos armamentos cada vez maior, e a uma guerra de palavras que poderia facilmente resultar ao uso intencional ou não de armas nucleares.

A outra opção pode ser a do presidente Trump  convidar Kim Jong Un a comer um hambúrger, como sugeriu durante as eleições presidenciais de 2016. Os dois líderes sentados para uma refeição, talvez em um pitoresco local das ilhas Guam, permitiria que Kim Jong Un  voltasse ao seu país como um líder em igualdade de poderio bélico que o presidente dos Estados Unidos, o que seria considerado como não tendo sido uma especial façanha, pois nenhum presidente americano deu a oportunidade e possibilidade de cumprimentar e falar com um líder norte-coreano. Ao mesmo tempo, esta solução impediria os Estados Unidos de oferecerem alguma coisa tangível, que pudesse ser entendida como suborno na Coreia do Norte ou no mundo, ou que poderia ser usado para intensificar o sofrimento da  população norte-coreana.

Todavia, permitiria que os dois líderes se envolvessem em um diálogo directo, o que por sua vez, poderia criar empatia e encorajá-los a resolver os seus actuais problemas e futuros através de conversações, em vez de ameaças e acções hostis. Os Estados Unidos podem não ser capazes de forçar a Coreia do Norte a abandonar o seu programa de mísseis nucleares e balísticos, mas podem, pelo menos, encorajá-los a comunicarem-se com o mundo, usando a diplomacia em vez de atiçar birras nucleares e falsas declarações de guerra. Se a  “diplomacia do hambúrguer” pudesse ajudar a alcançar esse fim, seria um esforço que valeria a pena.

11 Out 2017

Os Estados Unidos e a saúde mundial

“Global Health Governance must be understood broadly. Health is made in all policy and political areas-from agricultural through education policy. Without adequate nutrition, education and hygienic standards, mechanisms to fight global pandemics will remain a drop in an ocean.”
“Coordinating Global Health Policy Responses: From HIV/AIDS to Ebola and Beyond” – Annamarie Bindenagel Sehovic

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] governo dos Estados Unidos tem permanecido na vanguarda do estabelecimento de políticas internacionais, o que até à eleição do Presidente Donald Trump trouxe maior segurança para os cidadãos americanos e de outros países, através da melhoria da saúde e ajudando a criar sociedades mais estáveis em outros países e um mundo mais humano para milhões de pessoas que enfrentam sérias e graves doenças.Os Estados Unidos trabalham com outros países para criar a “Aliança das Vacinas (GAVI na sigla inglesa)” que é uma organização internacional, constituída em 2000, para melhorar o acesso a novas e subutilizadas vacinas para crianças que vivem nos países mais pobres do mundo. Tem sede em Genebra e reúne os sectores públicos e privados, com o objectivo comum de criar acesso igual a vacinas para crianças, onde quer que vivam.

A GAVI tem desempenhado um importante papel na redução da mortalidade por doença evitável por vacinação, sendo um contribuinte importante para se atingirem os “Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM)”. Os Estados Unidos a trabalhar com Oganizações Não Governamentais (ONG`s) apoiaram a criação da “Iniciativa Global de Erradicação da Pólio (GPEI na sigla inglesa)” que é uma parceria público-privada liderada por governos nacionais, com cinco parceiros, a “Organização Mundial da Saúde (OMS)”, o “Rotary International”, os “Centros para o Controlo e Prevenção de Doenças (CDC na sigla inglesa)” dos Estados Unidos, o “Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF na sigla inglesa)” e a “Fundação Bill & Melinda Gates”.

O seu objectivo é erradicar a pólio em todo o mundo e conta com vinte milhões de voluntários, catorze mil milhões de dólares de investimento internacional, duzentos países envolvidos e mais de dois mil e quinhentos milhões de crianças vacinadas, o que levou o mundo à beira da permanente vitória sobre o vírus da pólio. A indústria dos Estados Unidos e as ONG`s têm estado na linha da frente  para dar resposta a emergências sanitárias globais, e ao avanço da pesquisa e inovação que ajudou a reduzir os patógenos mais perigosos do mundo. Os esforços de colaboração internacional, especialmente o fortalecimento da capacidade dos sistemas nacionais de saúde, são essenciais para prevenir e se preparar para um variedade de ameaças, de pandemias de doenças infecciosas aos assassinos silenciosos de doenças não transmissíveis crónicas.

O “Comité de Saúde Global e Futuro Papel dos Estados Unidos” tem lutado pelo bom equilíbrio no cumprimento do seu mandato para examinar o papel dos Estados Unidos no futuro da saúde global, ao mesmo tempo que reflecte como membro da comunidade global de estados, que tem desafios e lições comuns para aprender com outros para influenciar o nosso futuro. O Comité deu prioridade aos desafios globais da saúde com o potencial de perda catastrófica da vida e impacto na sociedade e na economia, como pandemias, doenças transmissíveis persistentes, como a SIDA, tuberculose e malária e doenças não transmissíveis, como a saúde cardiovascular e diversos tipos de cancro, bem como áreas onde os investimentos significativos dos Estados Unidos criaram ganhos que devem ser consolidados e sustentados, como promover a saúde das mulheres e das crianças, aumentar a capacidade,  inovar e implementar a saúde global.

O Comité concluiu que o governo deve manter a sua posição de liderança na saúde global como um interesse nacional urgente e como um benefício público global, que melhore a posição internacional da América. Embora seja necessário um investimento adicional, pois o dinheiro por si só não é a única resposta. O Comité elaborou um relatório qur contém catorze recomendações, significativas, para fortalecer os programas de saúde globais dos Estados Unidos, reconhecendo que muitas outras áreas merecem atenção. A fim de maximizar o trabalho em direção aos desafios de saúde globais priorizados, o Comité concentrou-se em como aproveitar os recursos, fazendo negócios de forma diferente, especialmente através do uso de processos de pesquisa e desenvolvimento aperfeiçoados, e mecanismos de financiamento de saúde digital para maximizar o retorno dos investimentos, e demonstrar a liderança dentro da arquitectura e governança da saúde global.

Ao investir na saúde global nos próximos vinte anos, existe a possibilidade de salvar a vida de milhões de crianças e adultos. Além desses benefícios de saúde para os indivíduos, a saúde global está directamente ligada à produtividade e ao crescimento económico em todo o mundo. Assim, e de acordo com a “Comissão Lancet sobre Investir na Saúde”, o retorno dos investimentos em saúde global pode ser substancial, pois os benefícios podem exceder os custos, nos países de baixo rendimento e países de baixo rendimento médio. Trata-se de a nível mundial, investir em capacidades básicas para prevenir, detectar e responder a surtos de doenças infecciosas através do desenvolvimento de sistemas multidisciplinares.

O “One Health” focado na interacção da saúde humana e animal pode resultar em uma economia estimada em quinze mil milhões de dólares anuais contra a prevenção de surtos isolados. À luz desses benefícios, bem como o surgimento contínuo e ressurgimento de doenças infecciosas e a crescente ameaça de resistência antimicrobiana, um compromisso sustentável com a segurança sanitária global é um imperativo para todos os países. É de recordar que “One Health” é um esforço de colaboração de múltiplas disciplinas, a trabalharem a nível  local, nacional e global para alcançar a saúde ideal para pessoas, animais e meio ambiente.  O “One Health” é uma nova frase, mas o conceito  remonta aos tempos antigos.

O reconhecimento de que os factores ambientais podem afectar a saúde humana, foi defendida pelo médico grego Hipócrates no seu texto “On Airs, Waters e Places”, em que promove o conceito de que a saúde pública dependia de um ambiente limpo. Os Estados Unidos têm sido um líder na saúde global, inclusive através de programas de alto desempenho como o “Plano de Emergência do Presidente dos Estados Unidos Para Alívio do Sida, (PEPFAR na sigla inglesa)”; a “Iniciativa Presidencial Contra a Malária (PMI na sigla inglesa” que foi criada em 2005; o “Fundo Mundiall de Combate à Sida, Tuberculose e Malária (GFATM na sigla inglesa).”

O GFATM é uma associação criada em 2002, entre governos, sociedade civil, o sector privado e as pessoas afectadas pelas doenças e concebida para acelerar o fim das epidemias de SIDA, tuberculose e malária, recolhendo e investindo quatro mil milhões de dólares anualmente, para financiar programas dirigidos por especialistas locais nos países e comunidades mais necessitados, tendo salvo mais de vinte e dois milhões de vidas, e recentemente a “Agenda Global de Segurança da Saúde (GHSA na sigla inglesa)” que foi criada em 2014, e é uma parceria crescente de mais de cinquenta países, organizações internacionais e partes interessadas não governamentais para ajudar a construir a capacidade dos países a criar um mundo seguro e protegido contra ameaças de doenças infecciosas, e elevar a segurança sanitária global como uma prioridade nacional e global.

A GHSA prossegue uma abordagem multilateral e multissectorial para fortalecer tanto a capacidade global, quanto a capacidade dos países de prevenir, detectar e responder a ameaças de doenças infecciosas humanas e animais, que ocorrem naturalmente, acidentalmente ou deliberadamente. Todavia, os recursos não são ilimitados, e o compromisso contínuo deve ser realizado.  A nova administração americana no contexto do legado influente dos Estados Unidos no desenvolvimento da saúde global, enfrenta a escolha de garantir ou não os ganhos na saúde global, tendo em conta os beneficios de milhares de milhões de dólares, anos de dedicação e programas fortes que são sustentados e preparados para um maior crescimento.

O enorme crescimento das viagens e do comércio internacional que ocorreu nas últimas décadas, aumenta a urgência de investimentos contínuos na saúde global. A crescente interconexão do mundo e a interdependência entre os países, economias e culturas trouxeram melhor acesso a bens e serviços, mas também a uma variedade de ameaças para a saúde. A assistência externa é muitas vezes considerada um tipo de caridade, ou suporte para os menos afortunados. Ainda que,  possa ser verdade para as populações mais pobres e vulneráveis, a maioria desses auxílios, especialmente,  quando direccionado para a saúde, são um investimento na saúde do país receptor, bem como dos Estados Unidos e do mundo em geral.

Tal motivação de investimento para os Estados Unidos tem duas vertentes, a de proteger contra ameaças globais à saúde e promover a produtividade e o crescimento económico em outros países. Embora o ónus das doenças infecciosas recaia predominantemente em países de baixo rendimento, essas doenças representam ameaças globais, que podem ter consequências terríveis para qualquer país, incluindo os Estados Unidos, em termos de custos humanos e económicos. Aproximadamente duzentas e oitenta e quatro mil mortes foram atribuídas ao surto gripe  H1N1 em 2009, por exemplo, e dois milhões de mortes são previstas em caso de surto de uma pandemia de gripe moderada futura. Em apenas alguns meses, de 2003, o surto do “Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS na sigla inglesa) custou ao mundo entre quarenta e cinquenta e quatro mil milhões de dólares, enquanto em 2014 os Estados Unidos dispenderam 5,4 mil milhões de dólares como  resposta ao surto Ebola, dos quais cento e dezanove milhões foram gastos em monitorização doméstica e acompanhamento dos passageiros das companhias aéreas.

A crescente prevalência de doenças não-transmissíveis (DNTs) também afectou negativamente as economias globais, ameaçando ganhos societários na expectativa de vida, produtividade e qualidade de vida global. As perdas de produtividade associadas à incapacidade, ausências não planeadas ao trabalho e aumento dos acidentes incidem em custos até 400 por cento superiores aos custos de tratamento. As pesquisas também mostram que os investidores são menos propensos a entrar em mercados onde a força de trabalho sofre uma pesada carga de doenças. Assim, populações saudáveis são importantes em vários níveis. Investir no capital humano contribui significativamente para o crescimento económico, prosperidade e estabilidade nos países e cria parceiros mais confiáveis e duradouros no mundo. Tal estratégia mostrou-se bem-sucedida, como é evidenciado pelo facto de onze dos quinze principais parceiros comerciais dos Estados Unidos serem ex-receptores de assistência estrangeira.

O Comité foi encarregado de realizar um estudo de consenso para identificar prioridades globais de saúde à luz das ameaças e desafios actuais e emergentes para a saúde global e fornecer recomendações ao governo dos Estados Unidos, e outras partes interessadas, para aumentar a capacidade de resposta, coordenação e a eficiência para enfrentar essas ameaças e desafios, estabelecendo prioridades e mobilização de recursos. Tendo o apoio de um conjunto amplo de agências federais, fundações e parceiros privados, foi nomeado um Comité ad hoc composto de catorze membros para realizar esta tarefa ao longo de seis meses e com base em um processo de consenso rigoroso e fundado em evidências. Os membros do Comité formularam um conjunto de catorze recomendações que implementadas, oferecerão uma forte estratégia global de saúde e permitirão aos Estados Unidos manter o seu papel como líder mundial em saúde.

As recomendação passam por melhorar a coordenação internacional de resposta às  emergência, combater a resistência antimicrobiana, construir a capacidade de saúde pública em países de baixo e médio rendimento, observar o próxima actuação do PEPFAR, confrontar a ameaça da tuberculose, sustentar o desenvolvimento na eliminação da malária, melhorar a sobrevivência de mulheres e crianças, assegurar uma vida saudável e produtiva para mulheres e crianças, promover a saúde cardiovascular e prevenir o cancro, acelerar o desenvolvimento de produtos médicos, melhorar a infra-estrutura digital da saúde, realizar investimentos de transição para bens públicos globais, optimizar recursos através de financiamento inteligente e comprometer-se a liderar continuamente a saúde global. A paisagem da saúde global é vasta, e com prioridades novas e por vezes díspares em todo o sector da saúde, pelo que considerar cada questão ou doença no seu local próprio pode ser contraproducente. Uma perspectiva tão estreita, dificulta a capacidade de incentivar investimentos em outros programas e adaptar recursos de programas existentes quando surge uma nova ameaça.

Assim, embora a prioridade para os recursos seja necessária, também é essencial adoptar conceitos holísticos e centrados no sistema de integração, capacitação e parceria para obter resultados de forma mais abrangente e com esse entendimento, o Comité identificou quatro áreas prioritárias para acções de saúde global que, se abordadas, terão um maior efeito positivo na saúde, sendo a primeira alcançar a segurança da saúde global, pois nos últimos dez anos, os surtos de pandemia de gripe,  no  Médio Orienteo, o síndrome respiratório  coronavírus (MERS-CoV), Ebola e, mais recentemente, o Zika ameaçaram populações em todo o mundo. A segunda, será manter uma resposta sustentada às ameaças contínuas de doenças transmissíveis. Os esforços dedicados dos governos nacionais, das fundações e da comunidade global resultaram em milhões de vidas salvas da SIDA, tuberculose e malária, mas as três doenças continuam a apresentar ameaças imediatas e de longo prazo para a saúde das populações em todo o mundo. Mais de trinta e seis milhões de pessoas vivem com o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV na sigla inglesa), com dois milhões de novas infecções em cada ano.

A terceira área, será economizar e melhorar a vida das mulheres e das crianças. Os esforços para salvar a vida de mulheres e crianças em todo o mundo, historicamente foram um múcleo importante para o governo dos Estados Unidos, embora as taxas de mortalidade infantil e materna tenham diminuído a partir de 2000, em cada ano cerca de seis milhões de crianças morrem antes de fazerem cinco anos de vida e mais de trezentas mil mulheres morrem por causas relacionadas com a gravidez e o parto. A quarta área, será promover a saúde cardiovascular e prevenir o cancro, pois as doenças infecciosas muitas vezes atraem os meios de comunicação, mas uma preocupação igualmente importante é o aumento das taxas de doenças não transmissíveis, em todos os países, independentemente do seu  nível de rendimento. Os custos para gerir essas doenças está a aumentar. As doenças cardiovasculares deverão custar ao mundo um trilião de dólares por ano em custos de tratamento e perdas de produtividade até 2030.

22 Set 2017

O planeta Eaarth

“If we don’t go back, we will go down. Whoever denies it has to go to the scientists and ask them. They speak very clearly, scientists are precise. Then they decide and history will judge those decisions. Man is a stupid and hard-headed being (a stern warning to climate change deniers).”
Pope Francis

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s implicações políticas, económicas e sociais a longo prazo da desestabilização climática são preocupantes. O tempo indicará se o “Acordo de Paris” aprovado a 12 de Dezembro de 2015, e negociado durante a 21.ª sessão anual da “Conferência das Partes (COP 21 na sigla inglesa) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (CQNUAC)” e “11.ª sessão da Conferência das Partes”, enquanto, “Reunião das Partes no Protocolo de Quioto (CMP 11 na sigla inglesa)” é o início de um sério esforço global para evitar o pior que poderá acontecer ao planeta e à humanidade.

O nosso clima e outros sistemas terrestres não alcançarão um novo equilíbrio durante muito tempo e a Terra pode tornar-se um planeta diferente, que o ambientalista americano Bill McKibben chama de “Eaarth”, com um clima mais quente e incerto. Os números são assustadores. A concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, em Março de 2016, passou o limite de 402 partes por milhão (ppm), o que significa um aumento de 42 por cento em relação ao nível pré-industrial.

O total de outros gases de captura de calor medidos em unidades equivalentes de dióxido de carbono é talvez superior entre 50 a 70 ppm. A temperatura da Terra, como resultado, é maior em um grau Celsius, com talvez outro meio grau de aquecimento no percurso, devido ao atraso entre o que sai dos nossos tubos de escape e das chaminés e os efeitos climáticos resultantes das alterações climáticas que experimentamos. É possível ter sorte de cobrir os níveis de CO2 em 450 ppm, para manter o aquecimento de dois graus Celsius, e andar nos bicos dos pés com sucesso, à volta do retorno do ciclo de carbono, que poderia desencadear alterações catastróficas. Todavia, temos todos os motivos para agirmos com prudência, moralidade e instinto de sobrevivência para atingir e superar esses alvos o mais rápido possível.

A humanidade está a aprender que o sistema climático é complexo e não-linear, isto é, imprevisível e totalmente implacável do erro humano e do atraso diário. Foram geradas mudanças muito grandes na atmosfera da Terra com uma duração medida em séculos e milénios, mas as nossas instituições, organizações, sistemas de governança, economias e pensamento estão voltados para o curto prazo, medido em anos e algumas décadas. O outro lado da equação está a capacidade tecnológica em rápido crescimento para impulsionar as economias americana e globais por uma combinação de maior eficiência energética e energia renovável em várias formas. Existem aqui boas razões para um optimismo sóbrio, mas o caminho pela frente não será fácil.

A física da energia e as leis da termodinâmica são inamovíveis, assim como os factos obscuros do retorno energético do investimento e da densidade da energia. O base da energia do mundo moderno foi construída sobre combustíveis fósseis altamente concentrados, transportáveis e relativamente baratos. A energia renovável nas suas diversas formas é difusa, mais difícil de se concentrar, dispendiosa, com menor densidade e retorno no investimento. A demografia e o comportamento humano também agravam as dificuldades colocadas pela física.

A população mundial era de sete mil e quinhentos milhões de pessoas em Abril de 2017, a caminho de um apogeu de talvez onze mil milhões de pessoas. As nossas expectativas materiais e necessidades de mobilidade são maiores do que nunca e continuam a crescer. Existem boas razões para acreditar que superamos a capacidade de suporte da Terra e contra este cenário, as possibilidades de conseguir travar as piores situações resultantes das alterações climáticas são de 50 por cento. Existe sempre a perspectiva de que nenhuma pessoa sã entrará em um carro com a possibilidade de ocorrer um acidente fatal. É de considerar que algumas das mudanças ocorrerão, para que o mundo sinta o que podem ser os perigosos anos do caos climático.

O principal olhar não é sobre a transformação tecnológica, mas sobre as mudanças mais profundas de governança, economia, educação e outras que estão subjacentes à presente situação e sua solução. As mudanças de “hardware” e “software” são necessárias, mas nenhuma é suficiente e ambas devem ser recalibradas para um horizonte mais largo. Os nossos problemas são compostos, porque as alterações climáticas são apenas uma das várias ameaças inter-relacionadas ao nosso futuro comum. É de considerar que cada uma dessas ameaças é global, permanente e sintomática de falhas mais profundas, incorporadas nos nossos sistemas de governança, política, economia, ciências, dados demográficos e culturais, e que juntas representam uma crise do sistema que se prolongará por séculos.

O Papa Francisco na sua Enciclica “Laudato Si”, afirma que não somos confrontados com crises separadas, mas sim com uma crise complexa que é social e ambiental. Será dificil acreditar que estamos destinados a destruir a Terra pelo fogo, calor, ou tecnologia usada de forma incontrolável e disruptiva. Mas, se existir um futuro mais feliz, o que certamente acontecerá, devemos agir com generosidade, prudência, energia e entender de forma inteligente que somos apenas uma parte de um sistema global inter-relacionado. Será necessário actuar de forma eficaz e justa, pelo que devemos ser governados por instituições democráticas responsáveis, transparentes e robustas; e para agir de forma sustentável, devemos viver e trabalhar dentro dos limites dos sistemas naturais a longo prazo, ou seja, devemos aprender e encontrar um modelo que inclua estruturas humanas de economia, governança, educação, tecnologia, sociedade, cultura e comportamentos incorporados na ecosfera do ar, terra, águas, outras espécies e ciclos biogeoquímicos complexos.

O problema é que não somos muito bons na solução de problemas de sistemas que são grandes ou podem durar por um período largo. Primeiro negamos o problema e colocamos de lado; e, quando finalmente somos forçados a agir, tendemos a ignorar as causas estruturais subjacentes e mover pequenas peças marginais que muitas vezes têm efeitos imprevisíveis e contra-intuitivos. Por estes e outros motivos, as mudanças necessárias provavelmente começarão em bairros, cidades, estados, regiões e redes de cidadãos globais, devendo iniciar em uma escala capaz de ser gerida eficazmente e de forma compreensível por um processo de tentativa e erro, devendo paralelamente em catadupa mudar os sistemas maiores de governança e economia. É de aceitar que na actual conjuntura mudará tudo, como diz a jornalista, escritora e activista canadense, Naomi Klein, incluindo a nossa economia, hábitos de consumo, expectativas, governança, distribuição de riqueza e a prática da democracia.

O cientista de ciências da computação e escritor inglês, James Martin, no seu livro “The Meaning of the 21st Century “, expressa a crença de que precisamos de outra revolução, que implemente a gestão desejável, leis, controlos, protocolos, metodologias e governança de meios. O economista ecológico americano, Herman Daly, acredita que as mudanças necessárias exigirão algo como o arrependimento e a conversão. É de acreditar que ambas e muito mais serão necessárias para navegar nos perigosos anos do futuro e uma sociedade sustentável, decente, equitativa e de densidade real não pode existir por muito tempo, como uma ilha em um sistema global governado por ameaças, violência e a perspectiva de guerra nuclear. Algum dia acontecerá algo de horrivelmente errado. Enquanto isso, o sistema de conflitos poderá sugar e destruir tudo, desperdiçar pessoas e recursos valiosos, secar a prática da democracia, corromper os serviços de comunicações e obscurecerá a nossa consciência acerca de melhores possibilidades.

O hábito da violência predispõe-nos a pensar na natureza como algo meramente a ser conquistada. É de entender que não pode haver economia e harmonia lentas e justas entre humanos e sistemas naturais em uma sociedade governada pelo medo, ameaças, violência e guerra. Uma casa tão dividida não subsistirá. O movimento ambiental, desde o inicio, esteve ocupado a lutar contra a poluição, preservando o deserto e os rios férteis e que ofereciam paisagens deslumbrantes, travando todo o tipo de situações más ou prejudiciais. Era em grande medida um movimento agrário. As cidades eram principalmente negligenciadas ou tratadas como uma reflexão tardia. Todavia, o herói americano, David Crockett, sabia que um futuro humano decente seria essencialmente urbano. Mais de metade da população mundial vive em cidades e continua a crescer essa percentagem. As cidades geram 70 por cento das emissões de CO2 em todo o mundo, bem como a maioria de outros impactos ambientais e políticas de inovação, revelando o quanto as cidades são importantes.

Onde a maioria dos outros viu apenas apenas o feio, crime, poluição e o alargamento desordenado, David Crockett e os primeiros pioneiros do urbanismo verde viram possibilidades e oportunidades. As cidades podem ser educativas com aquários, museus, centros naturais e universidades, e abranger uma vida cívica robusta que inclua espaços ao ar livre para debates públicos, leituras de poesia e arte. Os municipios podem promover a convivência autorizando cafés e arte de rua, teatros e locais de música, incluir jardins urbanos e terraços verdes, misturar o urbano com o rural, às vezes com um toque de região selvagem, introduzir pistas de bicicleta, trilhas para caminhadas e trânsito ferroviário ligeiro, que proporcione mobilidade sem poluição e congestionamento automóvel.

As cidades podem ser limpas, verdes, seguras, educativas, emocionantes e excitantes incubadoras de conquistas e criatividade humanas e com políticas bem orientadas e incentivos adequados, podem reduzir uma grande parte as emissões de CO2 do mundo. Os primeiros urbanistas verdes que rapidamente entenderam a cultura de massas, deram-se conta que criar cidades verdes requer uma estrutura intelectual e política diferente. As cidades são as mais complicadas e complexas criações humanas. As suas patologias, incluindo o crime, poluição, expansão e congestionamento de trânsito têm muitas causas, entre elas a fragmentação das funções por zona e a falha em contar com a totalidade do organismo que deve ser alimentado, regado, servido de esgotos, informado, entretido, transportado e empregue, em particular, o seu enorme volume de resíduos aéreos sob forma de partículas, sólidos e lodo, que deve ser descartado, limpo e reciclado, permitindo o movimento de um grande número de pessoas e quantidades maciças de alimentos e bens diariamente.

As cidades, dada toda a sua vitalidade e potencial dependem de cadeias de suprimentos longas e vulneráveis. Qualquer falha no sistema de suprimento de alimentos, água e electricidade causaria o caos em questão de horas e a falha total em apenas alguns dias. Existem outrass ameaças e muitas cidades costeiras enfrentam a certeza do aumento dos níveis das águas dos oceanos e furiosas e enormes tempestades como foi o caso do tufão Hato, que assolou o Sul da China, entre 23 e 24 de Agosto de 2017 e o furacão Irma as Caraíbas e a costa leste dos Estados Unidos, entre 6 e 10 de Setembro de 2017, como fruto das alterações climáticas e consequente aquecimento global, cuja tendência é de piorar, apesar da existência do “Acordo de Paris”, que entrou em vigor a 4 de Novembro de 2016, mas que muitos dos países signatários não cumprirão por falta de meios ou vontade política.

As cidades continentais médias serão expostas a secas prolongadas e maiores e mais tempestades e tornados. As cidades também são alvos fáceis para os detentores de qualquer tipo de fraqueza e sempre serão vulneráveis a grupos de ódio, seitas religiosas, terroristas e perturbadoras, o que não é algo pequeno em um mundo onde o meio tecnológico para causar estragos letais tem sido amplamente disperso. As cidades são sistemas complexos e dispersos.

O seu futuro depende em larga medida do nosso entendimento de como trabalha o complexo sistema, como torná-las mais resilientes em uma multitude de situações e como desenhar as novas políticas, leis e incentivos económicos para torná-las mais limpas, verdes e seguras. O estudo do comportamento de sistemas complexos tem uma longa história. As décadas do pós-guerra entre 1950 e 1980, foi a grande era para a teoria dos sistemas, pois tendo como fundamento os avanços nas comunicações, pesquisa operacional e cibernética da II Guerra Mundial vários cientistas escreveram persuasivamente sobre o poder da análise de sistemas. Os benefícios eram muitos. O pensamento sistémico permitia erceber os padrões que se conectam de formas diferentes e detectar a lógica contra-intuitiva e uma importante realidade enganosa, criando análises, planos e políticas mais coerentes e efectivas.

Os benefícios reais da teoria dos sistemas, no entanto, foram evidentes em computadores e tecnologias de comunicação, que, por sua vez, foram baseados em avanços na teoria da informação e na cibernética durante a II Guerra Mundial. As actividades, em muitas latitudes com confiança caminharam sem perturbações. Apesar da lógica inerente ao pensamento sistémico, os governos, bem como as fundações, universidades e organizações sem fins lucrativos, ainda funcionam, principalmente, decompondo os problemas nas suas partes e trabalhando cada uma isoladamente. A separação de instituições, departamentos e organizações especializadas em energia, solos, alimentos, ar, água, vida selvagem, economia, finanças, regulamentos de construção, política urbana, tecnologia, saúde e transportes existe como se cada uma não estivesse relacionado às demais.

Os resultados, não são surpreendentes, pois muitas das vezes são contraproducentes, excessivamente caros, arriscados, desastrosos e irónicos. A modelagem de sistemas, por exemplo, ajuda a entender as causas das mudanças climáticas rápidas, os casos de falhas sistémicas do governo, a formulação de políticas e a economia evitando um vazio no muito que poderá ser feito e os consequentes prejuízos. A teoria dos sistemas, em suma, ainda não teve o seu momento copernicano e as razões estão ironicamente incorporadas na revolução científica. O atraso no seu estudo e implementação só vêm causar graves prejuízos, em particular, na compreensão, prevenção e minimização dos graves fenómenos naturais resultantes das alterações climáticas.

14 Set 2017

O terrorrismo cibernético

“Organizations employing terrorism have also brought materials which in the past could only be distributed clandestinely and often with much danger to the attention of not only current members but future recruits and anyone else who might “benefit” from the destructive capabilities which are taught. Thus, training videos featuring instructions on how to build explosive devices and prepare gunpowder have recently appeared on several Web sites regularly used by militant Islamic groups. These sites also feature tips on money laundering and many other organizational needs.”
“Cyber terrorism: a clear and present danger, the sum of all fears, breaking point or patriot games?” – Michael Stohl

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] tema de capital importância na agenda mundial diária o exame crítico das estratégias de recrutamento e propaganda “on-line” de organizações terroristas, a sua evolução, razões para o seu apelo e respostas governamentais destinadas a combatê-las. Os estudos mundiais que têm sido efectuados apresentam uma metodologia de resposta táctica que pode aumentar as estratégias actuais destinadas a contornar o extremismo “on-line”.  As organizações terroristas aproveitam-se cada vez mais da oportunidade, proporcionada pelo rápido surgimento de novas tecnologias da Internet, para explorar os sentimentos anti-ocidentais entre os muçulmanos em massa e, consequentemente, acelerar as suas estratégias de recrutamento “on-line” e de disseminação em massa da sua propaganda ideológica.

Além disso, esses programas governamentais, até ao momento, não foram adeptos da luta contra esse fenómeno crescente. Ao examinar a literatura académica actual sobre propaganda e recrutamento de terroristas “on-line”, a sua evolução, atracção motivacional e como os governos procuraram lidar com o problema, pode-se perceber uma imagem mais clara sobre o porquê do aumento e o que pode ser feito para atenuar. Após o exame, os avanços tecnológicos e a inovação na “web” foram estimulados no crescimento da propaganda e recrutamento de terroristas “on-line”, alimentados por longas e existentes queixas não resolvidas em segmentos da comunidade islâmica.

A facilidade de acesso e o anonimato oferecidos pelas tecnologias “on-line” permite ver os grupos terroristas mais facilmente, e sem medo de captura, explorar esses sentimentos de injustiça utilizando o ambiente “on-line”. Os programas governamentais destinados a combater essa ameaça “on-line” mostraram eficácia nominal e uma abordagem mais pró-activa que utiliza intervenções lideradas por serviços de segurança que pode ser um benefício adicional.A evolução das estratégias de recrutamento e propaganda da organização terrorista “on-line”, necessária em resposta a uma maior securitização, ocorreu paralelamente à mudança tecnológica. Historicamente, o alcance das estratégias de recrutamento e propaganda de terroristas foi tecnicamente e geograficamente restringida.

A atenção audiovisual e de média impressa forneceu exposição limitada a representações subjectivas da sua causa. Na década de 1990, deu-se  a ascensão da “Al Qaeda”, que ampliou o alcance do terrorismo para além da média ocidental tradicional, aproveitando as simpatizantes fontes jornalísticas do Médio Oriente. No final da década de 1990, as organizações terroristas começaram a aproveitar as novas tecnologias da Internet para fins de angariação de fundos e publicidade. Esta média proporcionou maior autonomia em relação ao conteúdo da mensagem e à segmentação do público. A Internet, em 1999, tornou-se a arena principal para a disseminação da propaganda jiadista. Após os atentados de 11 de Setembro de 2001, a “Al Qaeda” diversificou-se, fornecendo traduções multilingues da sua propaganda “on-line”.

Após a invasão do Afeganistão pelos Estados Unidos, uma “Al Qaeda” desmoralizada alterou a sua mensagem. Os adeptos estrangeiros foram  chamados a fazer a jihad nos seus países de origem com o treinamento metodológico fornecido através de canais terroristas “on-line”. Em 2005, quarenta organizações terroristas mantiveram uma presença “on-line”, envolvendo mais de quatro mil e quinhentos sítios e o advento do “YouTube” permitiu a disseminação mundial de propaganda audiovisual profissional e de vídeos comerciais. A década de 2000 viu um novo meio para a distribuição da propaganda terrorista, através do advento das médias sociais.

Ao contrário das tecnologias da “web 1.0”, as médias sociais permitiram entre os terroristas e o seu público, a capacidade de abordar recrutas demograficamente. Esta profissionalização aumentou a sua capacidade de recrutar e disseminar propaganda de forma anteriormente apenas disponível para os estados-nação. A radicalização tornou-se mais uma atracção do que um jogo de empurrão, resultando em uma explosão no número de novos adeptos que se reúnem para causas terroristas “on-line”. A ascensão do Estado Islâmico (IS na sigla inlesa) após 2010 continuou este impulso de profissionalização da média, ampliando ainda mais o alcance da mensagem terrorista e aumentando o recrutamento no Médio Oriente e em todo o mundo. Em primeiro lugar, assumindo o ponto de vista da organização terrorista, há um grande apelo na utilização de meios de comunicação “on-line” para a disseminação de mensagens de propaganda e para fins de recrutamento.

A tecnologia da nova média resultou em ofertas de causa “on-line” de procura profissional, que se enquadram na capacidade das organizações com conjuntos de habilidades e recursos orçamentais mínimos. Além disso, altos níveis de anonimato, deslocalização e transportabilidade de sitíos são oferecidos pela publicação “on-line”, permitindo assim um menor risco de evasão ou apreensão por parte das autoridades policiais. Em segundo lugar, a simplicidade de aceder a recursos e grupos “on-line” torna este mundo, em um ambiente atraente e nutritivo, através do qual participar de uma causa terrorista ou explorar ideologias terroristas sem as ásperas ramificações do envolvimento físico real. A estratégia do terrorista envolve a prestação de uma participação auto-estimada que pode gradualmente levar a uma radicalização posterior em grande escala.

Através da exploração de alguns sentimentos amplamente mantidos, como o sentimento de discriminação religiosa e vitimização por potências ocidentais que existe entre alguns povos islâmicos, os potenciais recrutas estão progressivamente expostos ao doutrinamento e ao envolvimento organizacional. Um crescente senso de interconexão com outros recrutas e membros da organização, é cultivado em uma experiência “on-line” evidentemente segura. O grupo terrorista mais importante actualmente, o IS, utiliza estratégias de mídia “on-line” como  sua principal ferramenta de propaganda e recrutamento. O IS procura divulgar propaganda de média carregada emocionalmente, que atrai uma ampla gama de grupos de pessoas, tipos de personalidade, afiliações sectárias e motivações políticas. Atrás ficaram os dias de simples apelos ideológicos, baseados em uma mensagem unipolar consistente. A abordagem do IS não é complexa de discernir.

Trata de atrair recrutas para a causa usando mensagens motivacionais e, em seguida, doutriná-los para estabelecer pela força um califado islâmico de um califa recentemente abatido. Dado o poder significativo de atracção que as organizações terroristas modernas adquiriram através do seu uso rígido da média “on-line”, é claro que é necessário um grande esforço para conter o crescimento da sua radical presença.Também deve ser percebido que este esforço para combater a propaganda terrorista “on-line” pode resultar na redução de algumas das liberdades, que a sociedade civil dá por garantida, em troca de maior segurança e protecção contra o que oferece o terrorismo. No entanto, alguns académicos e estudiosos não estão convencidos de que a presença “on-line” dos terroristas seja um factor significativo na radicalização.

Alguns afirmam que esses diálogos “on-line” permitem que os indivíduos descartem as suas frustrações de forma catártica, sem realmente recorrer à violência física. Não há garantias de que um indivíduo que se envolve em violência retórica “on-line” siga automaticamente com actos de terrorismo, e há uma escassez de evidências que mostram que tal relação causal existe além da especulação. Consideradas em conjunto, ambas as perspectivas, carregam algum peso da verdade e seria um erro abordar uma análise da propaganda e recrutamento de terroristas “on-line” sem considerar as duas. As abordagens de “laissez-faire” e/ou altamente reactivas para o extremismo “on-line”, podem ser igualmente úteis para reduzir a propagação do terrorismo.

Os governos alistaram uma combinação de três estratégias amplas que lidam com narrativas extremistas “on-line” que passam por uma estratégia de linha dura, que procura suprimir a actividade extremista “online”; uma estratégia de diplomacia suave envolvendo narrativas contáveis, distensão e a promoção do pluralismo social visando a contra-radicalização, e por último, uma estratégia liderada pelos serviços de informação estatais que utiliza actividades extremistas “on-line” e que fornece informação que permite identificar e processar fisicamente os envolvidos no terrorismo.

Apesar de todos os três visarem combater a disseminação do extremismo violento, interagem com a narrativa terrorista “on-line” de formas muito diferentes pois, são seguidas de várias aplicações significativas do mundo real, examinando os méritos práticos e as deficiências de cada abordagem. A maioria dos governos exibe alguns elementos da política de tolerância zero ao negar acesso e/ou apagar da sua abordagem a forma de lidar com espaços “on-line” envolvidos em propaganda terrorista ou recrutamento.

A negação de acesso a uma versão não filtrada da Internet ou a supressão assertiva de conteúdo terrorista são uma ferramenta importante na luta contra o terrorismo “on-line”. A China, por exemplo, tem sido bastante bem sucedida na luta contra o terrorismo, usando a negação e não excluindo políticas que procuram controlar a informação disponibilizada aos seus cidadãos. A estratégia impediu com êxito que a propaganda externa atinja a grande maioria da população, embora alguns utilizadores da Internet tenham podido contornar essas políticas e obter algum grau de acesso irrestrito à mesma. A estratégia foi prevenida exaustivamente. No entanto, a aplicação bem sucedida da China tem sido a excepção e não a regra. Na maioria das aplicações internacionais desta estratégia, a inovação tecnológica e a desatenção de detalhes por parte daqueles que realizam o bloqueio e supressão permitiram que este método de contra-radicalização “on-line” fosse prejudicado.

O governo da Síria, por exemplo, em 2012 procurou, mas falhou, ao limitar a disseminação da propaganda “on-line” em relação a uma revolta popular, negando 90 por cento do acesso da população à Internet. O governo turco, mais uma vez, em 2014, procurou eliminar a retórica anti-governamental “on-line”, sem sucesso. As vozes dissidentes encontraram uma rota alternativa usando mensagens instantâneas de celular para comunicar a sua propaganda. Por fim, em 2014, durante o crescente conflito no Iraque, aos cidadãos foi negado o acesso às médias sociais, mas ainda encontraram formas de se comunicar usando plataformas alternadas e desbloqueadas na “Web”. Sem dúvida, os governos ocidentais e os serviços de informação estatais, utilizando tecnologias e pessoal devidamente preparado, tiveram maior sucesso no bloqueamento e eliminação dos sítios de propaganda terrorista.

No entanto, apesar desta superioridade tecnológica, ainda são vítimas dos mesmos problemas encontrados nos exemplos anteriores. Os avanços tecnológicos e a natureza dinâmica da Internet também frustraram os seus esforços para efectivamente controlar o conteúdo. Tão rápido quanto um sítio,  grupo ou aplicativo é eliminado, outro surge para preencher o vazio e dá a entender não haver uma solução a longo prazo nesta estratégia, em vez disso, parece uma medida decididamente paralisada. Também é considerado como essas estratégias são efectuadas pelos diferentes ambientes políticos que podem existir no momento da sua implantação.

As estratégias de linha dura estão mais em sintonia com os partidos políticos orientados para o realismo e que estariam mais inclinados a promulgar a legislação necessária para a uma conduta eficiente. Por outro lado, as abordagens políticas liberais podem encontrar níveis mais elevados de resistência filosófica e moral nas suas fileiras e podem ter escrúpulos quanto à implementação de legislação. As tentativas de promulgar esse tipo de estratégia, por exemplo, na Austrália podem ser impedidas pelas garantidas liberdades civis que a nação abraça. A estratégia pode afectar o direito comum à privacidade pessoal e representar um sufoco das liberdades civis, nomeadamente da liberdade de expressão e associação.

8 Ago 2017

Os Estados Unidos e o Acordo de Paris

“On 11 November 2014, a remarkable event occurred. President Barack Obama of the United States and President Xi Jinping of China announced a bilateral agreement to reduce the emission of greenhouse gases (GHGs) that cause global warming by their respective nations. The Obama–Xi announcement was instrumental in the framing of the Paris Climate Agreement. The INDCs submitted by the USA and China were built closely upon the November 2014 bilateral announcement. China and the USA rank number one and two, respectively, in terms of national emission of GHGs. Practically speaking, unified global action to combat global warming required these two nations to get on the same page.””
“Paris Climate Agreement: Beacon of Hope” – Ross J. Salawitch, Timothy P. Canty, Austin P. Hope, Walter R. Tribett and Brian F. Bennett

[dropcap]A[/dropcap] 21ª Conferência das Partes sobre alterações climáticas (COP-21 na sigla inglesa) realizou-se a 12 de Dezembro de 2015, em Paris, tendo os líderes mundiais presentes adoptado por consenso o “Acordo de Paris”. Os representantes dos Estados presentes na COP-21 concordaram em manter a temperatura média global abaixo dos 2 graus Célsius, acima dos níveis pré-industriais, e prosseguir os esforços para limitar o aumento da temperatura para 1,5 graus Célsius, acima dos níveis pré-industriais. As promessas efectuadas, foram seguidas do esclarecimento das medidas que os países tomariam, para atingirem os seus objectivos e concordaram que os países desenvolvidos ajudariam os países em desenvolvimento, a atingir os objectivos de energia renovável.

A menos de um ano após a adopção do “Acordo de Paris”, a 4 de Novembro de 2016, passou a valer na ordem jurídica internacional como um tratado, com apoio universal sem precedentes. Apenas para salientar a importância do “Acordo de Paris”, a 22ª Conferência das Partes designada por (COP-22 na sigla inglesa), realizou-se a 6 de Dezembro de 2016, em Marraquexe. A causa principal do aquecimento global é o dióxido de carbono (CO2), que compõe a maioria dos gases de efeito estufa (GEE) que criam o calor na atmosfera, aquecendo a terra e os oceanos.

O dióxido de carbono é um subproduto da queima de combustíveis fósseis, principalmente carvão, petróleo e gás natural, que é lançado na atmosfera à medida que são queimados, não desaparecendo o dióxido de carbono de alguma forma e imediatamente, pelo contrário, permanece na atmosfera por muito tempo, deixando vestígios por mil anos. A concentração global de dióxido de carbono na atmosfera, actualmente, ultrapassa o que aconteceu nos últimos seiscentos e cinquenta anos, e é cerca de 30 por cento maior do que era há cento e cinquenta anos. À medida que o planeta aquecer, as consequências serão maiores, como por exemplo, o derretimento do gelo no Árctico e na Antárctica que farão aumentar a taxa de aumento do nível das águas dos oceanos, bem como alguns lugares na terra serão muito quentes para serem habitados, assim como será impossível o cultivo de terras aráveis.

É de considerar que muitos países pequenos, os denominados estados insulares, simplesmente desaparecerão e muitas espécies de aves, animais e insectos se extinguirão, e para além do aquecimento, o clima tornar-se-á cada vez mais instável e imprevisível. Dados os níveis extraordinariamente elevados de GEE encarcerados na atmosfera, é necessário reduzir as suas emissões para zero até 2070, para limitar o aumento da temperatura média global, a fim de atingir o objectivo de 1,5 graus Célsius. É possível, pois existem muitas fontes de energia renovável, como a energia solar, vento, marés, nuclear, geotérmica, biomassa e biodiesel. A questão mais complicada é de como os países poderão alcançar tal objectivo, ou mais especificamente, quais são as bases sociais que possibilitarão a cooperação global? A ideia deve ser a das igualdades e diferenças que nos unem, solidariamente, na procura do bem-estar colectivo e de um planeta habitável.

Os seres humanos, são todos iguais e titulares de dignidade e de direitos humanos fundamentais. Esta é a premissa da Declaração Universal dos Direitos Humanos, inúmeros tratados internacionais e a maioria das constituições dos países. Tal, é o que quer dizer com o termo “humanidade” e “género humano”. Ao mesmo tempo, reconhecemos plenamente que nenhum dos seres humanos é semelhante ou o idêntico, ou seja, temos línguas, famílias, e personalidades diferentes e, em todas as outras formas, somos distintos uns dos outros. Todos os seres humanos são iguais e diferentes, o que pode ser um paradoxo e, no entanto, é uma das contradições que devemos aceitar com alegria.

Além disso, porque reconhecemos que essa dualidade é a base da humanidade, e temos a capacidade de empatia, bem como o reconhecimento da vulnerabilidade. Ajudamos as crianças, os deficientes, os idosos, as pessoas sem alojamento e outras mais fracas que precisam do nosso auxílio, mas também somos capazes dos actos opostos à solidariedade e mais extremados, a ponto de destruirmos os demais seres humanos, retirando-lhes a dignidade, idoneidade, saúde, liberdade e vida por ódio, raiva, vingança e outros sentimentos negativos, e como se não bastasse no vão propósito de acumular riqueza levam à destruição do planeta e da vida nesse desvario. Parece que quem actua debaixo de tais irracionais sentimentos negativos contra a natureza humana e meio ambiente, forçosamente terá de padecer de grave e séria desordem mental, não justificável. Em suma, porque somos iguais e diferentes uns dos outros, temos muitas habilidades e interesses, de facto, infinitos, uma grande capacidade de empatia e uma compreensão compartilhada da vulnerabilidade.

A necessidade urgente de enfrentar o imenso desafio de desacelerar e de travar o aquecimento do planeta exige que reconheçamos a nossa singularidade e igualdade. Tal irá animar as nossas capacidades subjacentes de empatia, compreensão das nossas vulnerabilidades e aumentar a apreciação da humanidade compartilhada e da própria individualidade. No entanto, existem obstáculos capitais. Um são os conflitos em curso que não são apenas catastróficos por si, mas gastam a energia e os recursos humanos. Outro é a indiferença ou a ignorância (muitas vezes amedrontada). Um terceiro é o nosso fracasso em questionar o capitalismo destrutivo e homogeneizador que põe em perigo culturas, identidades e as nossas idiossincrasias únicas.

Os americanos, por qualquer motivo, em comparação com as pessoas de outros países, não estão especialmente preocupados com as alterações climáticas e aquecimento do planeta que é um sintoma de irresponsabilidade total e absoluta, e bem demonstrado pelo presidente americano ao querer retirar o país de membro signatário do “Acordo de Paris”, ao considerar uma falácia o aquecimento global, com as consequentes alterações climáticas. É uma tragédia pois os americanos pretendem desconhecer, que o seu país, têm a maior responsabilidade pela emissão de CO2 para a atmosfera e nela permanece por um milénio. Tal significa que tudo o que foi emitido ao longo do período de industrialização, durante os séculos XVIII e XIX, permanece na atmosfera, uma vez que as novas e actuais emissões também se acumulam. É verdade que tanto os Estados Unidos como a China são os principais emissores do mundo. Ambos são partes no “Acordo de Paris” e enquanto os desafios são extraordinários, as aptidões humanas para enfrentá-los são infinitas.

O grande desafio para os americanos é garantir que os Estados Unidos assumam as suas responsabilidades internas e internacionais para ajudar a manter o planeta habitável, e que Donald Trump veementemente tem a audácia e ousadia de negar, assistindo o mundo impávido a esta aberração. A COP-22 pode ser lembrada como a mais decisiva para o destino da humanidade, ou melhor, para o destino do planeta habitável. O “Acordo de Paris” entrou em vigor a 4 de Novembro de 2016. É o tratado internacional que obriga os estados a fazerem a transição dos combustíveis fósseis, que são os responsáveis pelas emissões que aquecem a Terra, para as energias renováveis e estabelece directrizes para os países ricos, em grande parte responsáveis pelas emissões presentes na atmosfera a ajudar os países pobres.

Os países adquirem tecnologias para as energias renováveis, nomeadamente as tecnologias solar, eólica e das marés. O número de pessoas presentes na COP-22 foi superior a vinte e cinco mil, incluindo cientistas, chefes de estado e ministros, agricultores, representantes de instituições de fé, povos indígenas, pescadores e mulheres, líderes de multinacionais, trabalhadores de organizações não-governamentais e jornalistas. As apresentações e sessões de discussão ficaram marcadas pela defesa de limites mais rigorosos para o aquecimento do planeta do que os propostos anteriormente, de 1,5 graus Célsius, ao invés de 2 graus Célsius, e que os combustíveis fósseis fossem eliminados até 2050.

A COP-22 anunciou que Novembro de 2016, provavelmente seria o mês mais quente até então registado, bem como 2016, igualmente, o ano mais quente. Era evidente para qualquer pessoa que tivesse assistido a essas reuniões, ficasse ainda mais determinada a convencer o resto do mundo de que, quanto mais cedo os países conhecessem as metas para terminar com a dependência de combustíveis fósseis, mais seguros estariam. Mas então, como se um raio os tivesse atingido, os participantes ficaram a saber na madrugada de 9 de Novembro de 2016 que a pessoa que tinha proclamado que as mudanças climáticas eram um engano, tinha sido eleita presidente dos Estados Unidos.

A ansiedade misturada com raiva e um clima de desânimo fizeram-se presentes nas reuniões durante dois dias, mas de seguida, a atmosfera mudou dramaticamente, tendo os participantes mostrado maior determinação para forjar parcerias internacionais, tendo em vista a colaboração e cooperação para combater as alterações climáticas. Após a reunião, os participantes salientaram que era imperativo reduzir o uso de combustíveis fósseis, nomeadamente o carvão e o petróleo, acabar com as emissões de gases de efeito estufa e adaptar as energias renováveis, nomeadamente, a energia solar, eólica e das marés. O limite de 1,5 graus Célsius não só foi reafirmado conforme consta da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do “Acordo de Paris”, como também que os países mais ricos ajudariam os países menos desenvolvidos a adquirir tecnologias renováveis ou ecológicas. O então secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, fez um discurso vigoroso, positivo e ousado, afirmando o imperativo da cooperação global para travar o ritmo das alterações climáticas, e sugeriu que a China assumisse o papel de liderança abdicado pelos Estados Unidos.

O presidente americano está no inicio do seu mandato e ainda que difícil, é possível que seja persuadido de que o aquecimento do planeta é inevitável e deve comprometer-se a avançar nos esforços que os Estados Unidos já estão a fazer para reduzir a intensidade e velocidade do aquecimento climático. São necessários quatro anos para que qualquer parte saia do “Acordo de Paris” conforme estipula o seu artigo 28.º e, além disso, muitas empresas dos Estados Unidos, incluindo grandes multinacionais, já aproveitaram oportunidades para desenvolver tecnologias ecológicas, e alguns estados, como a Califórnia, e especialmente as cidades costeiras, como Boston, Honolulu, Miami, Nova Iorque e São Diego estão a prepara-se para reduzir as emissões e diminuir o impacto do aumento do nível das águas do mar.

O último dia da COP-22, foi marcado pelos Estados Unidos que apresentaram um relatório ambicioso que estabelece planos para reduzirem internamente as emissões e armazenar ou sequestrar o carbono. O objectivo é de reduzir os gases de efeito estufa em 80 por cento até 2050. Todavia não é claro se o relatório aliviou as ansiedades dos participantes ou não, mas o plano é inequívoco, ou seja, os Estados Unidos cooperariam plenamente com outros países para, finalmente, dentro do século atingirem a meta de zero emissões de gases de efeito estufa.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 afirma a igualdade de todas as pessoas, enfatizando que as vulneráveis como as crianças merecem protecção especial. No entanto, as pessoas não são iguais. Somos diferentes de forma infinita. A globalização, pelas muitas falhas que a caracterizam, fez-nos conscientizar da nossa igualdade e diferenças, proporcionando a todos os povos o incentivo e a capacidade de colaborar em solidariedade para que possamos reduzir o aquecimento do clima, colectivamente. A solução não é tão esotérica, pois envolve o abandono de combustíveis fósseis como fontes de energia, e mudança para energias renováveis, principalmente, a energia solar, as marés e o vento.

A 2 de Dezembro de 2015, em Paris, os chefes de Estado de cento e noventa e cinco estados soberanos concordaram, em solidariedade, que, apesar dos muitos e grandes desentendimentos e diferenças ideológicas, históricas, económicas, culturais e sociais, deviam cooperar para diminuir as alterações climáticas. O “Acordo de Paris”, como sabemos, foi aprovado por consenso e posteriormente, foi aberto para assinatura e ratificação no “Dia Mundial da Terra”, a 22 de Abril de 2016. A 3 de Setembro de 2016, os presidentes Barack Obama e Xi Jinping concordaram formalmente em adoptar o tratado, acelerando ainda mais o seu cumprimento. A estipulação do n.º 1 do artigo 21.º do “Acordo de Paris” é de que entraria em vigor no trigésimo dia após a data em que pelo menos 55 partes do Acordo, representando no total pelo menos 55 por cento das emissões globais de gases de efeito estufa, o ratificassem. Esta estipulação foi cumprida, a 5 de Outubro de 2016, quando um total de 55 partes o ratificou.

A Organização Internacional da Aviação Civil (OACI) que é uma agência especializada da ONU criada em 1944, com 191 países-membros e a sede em Montreal, no dia seguinte, ou seja, a 6 de Outubro de 2016 impôs restrições às emissões dos aviões, exigindo que as companhias aéreas comprassem créditos de carbono de projectos ambientais, em todo o mundo, para compensarem o crescimento das emissões. No entanto, surpreendentemente, a 15 de Outubro de 2016, em Kigali, Ruanda, cento e noventa e sete países aprovaram uma importante alteração ao “Protocolo de Montreal” para reduzir hidrofluorocarbonos (HFCs). A ONU descreveu os HFCs como os comumente usado em refrigeração e ar condicionado como substitutos de substâncias que destroem o ozono. Os HFCs são actualmente os gases de efeito estufa de crescimento mais rápido do mundo, aumentando as suas emissões em 10 por cento anualmente. Também, são um dos mais poderosos componentes, aprisionando milhares de vezes mais calor na atmosfera da Terra do que o dióxido de carbono (CO2).

É de considerar, no entanto,  que independentemente desses grandes sucessos e acordos extremamente importantes, existem profundas divisões internacionais alimentadas por guerras e conflitos, bem como a pobreza e a desigualdade. Existem ciências cépticas e os Estados Unidos têm a sua parcela no ceptcismo.  Os americanos estão menos informados sobre as alterações climáticas do que as pessoas de muitos outros países e, é importante que reconheçam que contribuem mais para o aquecimento global, e isso ocorre porque as emissões geradas durante a era da industrialização permanecem na atmosfera até ao momento. É assente e reconhecido que a China e os Estados Unidos são os piores poluidores do mundo, sendo importante que ambos os países concordem em em cumprir o conteúdo do “Acordo de Paris”.

A Cimeira de Hamburgo do G-20 de 7 e 8 de Julho de 2017, foi marcada por fortes dissensões entre os Estados Unidos e os restantes dezanove países no combate às alterações climáticas, mantendo-se Donald Trump irredutível, desde que a 1 de Junho de 2017 aunciou que o país se  iria desvincular do “Acordo de Paris”. O presidente francês anunciou que irá organizar uma cimeira, a 12 de Dezembro de 2017, em Paris, por ocasão do segundo aniversário da assinatura do acordo, para discutir medidas adicionais às previstas. O “Acordo de Paris” deve dar mais ênfase aos avanços tecnológicos que moldaram a evolução da humanidade e como podem desbloquear as  formas de combater as alterações climáticas e as ameaças ambientais. Devem existir novas perspectivas sobre as alterações  climáticas e o desenvolvimento sustentável, aproveitando a tecnologia.

Face às  condições actuais, apenas um vegano desabrigado poderia alcançar uma pegada ecológica sustentável. Na realidade, seria impossível e até destrutivo tentar salvar o planeta interrompendo o consumo. Isso perturba a evolução e ameaça as forças motrizes da tecnologia que são a nossa esperança de combater as alterações climáticas e as ameaças ambientais no futuro. O crescimento global contínuo como o aumento do bem-estar são perfeitamente possíveis dentro das limitações ecológicas do nosso planeta se aprendemos a colocar a tecnologia a nosso proveito, um planeta será suficiente.

31 Jul 2017

O desprezível regime da Coreia do Norte

“Throughout the post–Cold War period, U.S. responses to North Korea’s nuclear ambitions have been based on a simple premise: a nuclear North Korea would destabilize regional stability and thus cannot be permitted under any circumstances. At the height of each of the North Korean nuclear crises, both the Clinton and Bush administrations imposed a series of economic sanctions and considered military options.”
“Global Rogues and Regional Orders: The Multidimensional Challenge of North Korea and Iran” – Il Hyun Cho

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Coreia do Norte tem sido particularmente contraditória nos últimos meses, aumentando acentuadamente o número e a ambição dos seus testes de mísseis balísticos. Ainda não é claro, porque razão o seu governo optou por se comportar de uma maneira tão desviante em termos internacionais. A opinião convencional é de que o regime de Kim Jong-un parece sente-se repentinamente muito mais ameaçado pelos Estados Unidos e pelos seus aliados, temendo que seja o próximo país escolhido para uma intervenção militar em grande escala e subsequente mudança de regime político. Assim, e de acordo com essa linha de pensamento, Kim e os seus seguidores estão à procura desesperadamente por construir um programa de mísseis balísticos e armas nucleares, que seja suficientemente grandioso, potente e de grande alcance para dissuadir os americanos e s o seus aliados de os atacar militarmente.

Se considerarmos em termos de valor nominal, esta posição parece razoável, pois a Coreia do Norte é um estado desonesto, que é amplamente criticado pela maior parte do mundo, não fazendo uma análise minuciosa da situação em termos globais. Em primeiro plano, não existe motivo para que a Coreia do Norte se sentira mais ameaçada, actualmente, do que nos anos anteriores. As doutrinas de invasões preventivas e mudanças de regime chegaram ao seu ponto culminante, sob o governo George W. Bush, declinaram com Barack Obama e não há motivo para acreditar antes da crise actual, que Donald Trump teve algum interesse real em uma guerra com a Coreia do Norte.

Os comentários de Trump sobre o Kim Jong-un, em verdade, foram geralmente corteses durante a sua campanha eleitoral e, recentemente, em Maio de 2017, Trump elogiou Kim como um biscoito muito inteligente, e sentir-se-ia feliz por sentar-se à mesa e comer na sua companhia um hamburguer. A declaração de que o regime começou a testar mísseis com mais rapidez do que nunca, porque se tornou dominada por um súbito terror de que os Estados Unidos e os seus aliados iriam invadir o país sem aviso, não tem qualquer fundamento. Em segundo lugar, há poucos desejos estratégicos da parte dos Estados Unidos e dos seus aliados de derrubar o regime de Kim Jong-un e os norte-coreanos bem o sabem.

Os sul-coreanos preocupam-se com os milhões de refugiados que inundarão as suas fronteiras, se o regime de Kim Jong-un entrar em colapso, e o gigantesco custo financeiro que uma unificação subsequente poderia acarretar. Os japoneses estão mais preocupados com a ameaça representada pela China do que pela Coreia do Norte, e temem que uma mudança de regime neste país possa reduzir o número de forças militares dos Estados Unidos estacionadas na região, o que também reduziria a necessidade estratégica que une a Coreia do Sul e o Japão, apesar das nefastas memórias que existem entre os dois estados, sobre o horrível tratamento japonês dado ao povo coreano de 1910 a 1945. Sem a ameaça da Coreia do Norte, o Japão poderia sentir-se abandonado pelos seus dois principais aliados e ter de enfrentar só o emergente gigante chinês.

A Coreia do Norte fornece aos Estados Unidos um pretexto para estacionar as tropas e forças navais na região, o que ajuda a conter a China, enquanto minimiza a necessidade de fazer uma menção exagerada ao elefante na sala da região. Em terceiro lugar, mesmo que Kim Jong-un realmente se sentisse em pânico sobre a administração Trump, já possui o dissuasor mais efectivo, que pode realisticamente esperar alcançar. O regime testou com sucesso, em termos nucleares, uma bomba atómica em 2006 e, posteriormente, construiu uma reserva pequena, mas letal, de armas nucleares. Tem a capacidade de fazer ataques nucleares contra os parceiros americanos na Ásia-Pacífico, nos próximos anos, e poderá até atacar os Estados Unidos usando a sua grande força submarina ou colocando ogivas em contentores de carga, que poderiam ser enviados e não detectados para os portos americanos e detonados remotamente.

Além disso, as suas ogivas foram feitas de forma impenetrável contra um primeiro ataque americano por algum tempo, inclusive através da ocultação em “bunkers” subterrâneos fortificados. Pelo menos alguns seriam provavelmente carregados em submarinos lançadores de mísseis, que a Coreia do Norte testou com êxito em Setembro de 2016. Isso garante que a Coreia do Norte possui uma capacidade nuclear poderosa de retaliação. Ao reforçar a sua dissuasão nuclear, a Coreia do Norte também possui a capacidade de responder a uma invasão ou ataque nuclear americano, infligindo uma destruição terrível aos aliados dos Estados Unidos e aos americanos com base na Ásia-Pacífico usando meios não-nucleares, incluindo o ser capaz de devastar a capital sul-coreana com rajadas massivas de artilharia aptas a realizar ataques químicos, ainda que exista qualquer proximidade entre a Coreia do Norte e os Estados Unidos em termos de paridade nuclear.

Temos de considerar que em quarto lugar se a Coreia do Norte realmente procura evitar ser atacada, deve manter uma atitude tão moderada quanto possível. A Coreia do Norte não tem escassez de problemas internos e externos que estão sob observação da administração Trump, e seria fácil manter-se em segurança se resolver deixar de ser o centro das atenções mundiais. As acções da Coreia do Norte foram particularmente provocatórias, quase deliberadamente estudadas para fomentar uma resposta hostil. O assassinato de Kim Jong-nam em Fevereiro, usando uma arma química em plena luz do dia em um aeroporto da Malásia, só faz sentido se o objectivo fosse estimular os actores estrangeiros a níveis mais altos de hostilidade.

O retorno do cidadão dos Estados Unidos, Otto Warmbier, em estado de coma e que acabou por falecer a 19 de Junho de 2017, quando tinha sido condenado a uma pena de quinze anos de trabalho e não era visto há mais de um ano, parece intencionalmente preparado para inflamar os ânimos. Porque não o mantiveram escondido, fingindo que ainda estava a cumprir a sua sentença? Mesmo os próprios testes de mísseis foram realizados de forma mais conflituante possível, com o regime norte-coreano a responder às críticas dos Estados Unidos, proclamando que realizaria os testes semanalmente, mensalmente e anualmente, juntamente com o lançamento de novos vídeos de ataques nucleares da Coreia do Norte contra importantes cidades americanas.

O momento para o teste do mais recente míssil efectuado pela Coreia do Norte, foi no dia de feriado nacional dos Estados Unidos, a 4 de Julho de 2017, sendo uma verdadeira bofetada provocativa. Se a Coreia do Norte tivesse realmente medo de uma invasão pelos Estados Unidos e seus aliados, chamar deliberadamente e repetidamente a atenção de forma negativa é uma acção completamente descabida. Ainda podia testar os mísseis, mas tentaria evitar anunciar ao máximo o que está realmente a preparar. Se a série de testes de mísseis que aumentam rapidamente não está a ser feita principalmente para evitar um ataque dos Estados Unidos contra a Coreia do Norte, qual a razão porque o regime está agir tardiamente de forma tão beligerante?

Alguns dos possíveis motivos são bem conhecidos e um deles é que o governo pode estar a usar os novos testes para divulgar a força e as conquistas técnicas do regime à sua população, a fim de distraí-los e reduzir o seu descontentamento. O outro motivo é de que Kim Jong-un pode acreditar que inúmeros testes permitirão fazer os Estados Unidos retornarem às negociações, e fazerem novas concessões à Coreia do Norte, tendo como moeda de troca a paralisação do seu programa de armas nucleares.

Há também, no entanto, outra razão potencial que recebeu pouca consideração nos círculos políticos e académicos, que é o facto da Coreia do Norte estar intencionalmente a incitar os Estados Unidos, ao lançamento de ataques punitivos em pequena escala contra si. Tal pode parecer contra-intuitivo, qual a razão porque um país quer ser atacado por forças externas? Os ganhos em popularidade do seu líder, provavelmente, superariam as perdas materiais incorridas pelos bombardeamentos, especialmente porque a história mostrou que tais ataques de mísseis americanos raramente têm qualquer efeito militar significativo.

A história também mostrou que um governo sob ataque de um inimigo internacional muitas vezes experimenta um enorme impulso de popularidade, como resultado do aumento de patriotismo, um maior desejo de cooperação contra um agressor, e uma melhor disposição para tolerar as dificuldades internas como parte do esforço de guerra e conhecido como “Síndrome ao redor do efeito de bandeira.”

O mesmo aconteceu, por exemplo, no início da campanha de bombardeamento da OTAN a Belgrado, durante a Guerra do Kosovo, o que levou a uma explosão de popularidade para o anteriormente aviltado presidente Slobodan Milosevic, e que permitiu que permanecesse no poder por mais tempo do que seria possível (a sua popularidade apenas possibilitou, depois de se saber que os bombardeamentos seriam sustentados, algo que a dissuasão norte-coreana desde longa data, bem como as protecções chinesas e russas, converteriam em suicidas para que os Estados Unidos se acaso tentassem). O regime norte-coreano vem a trabalhar para acumular benefícios de popularidade, por estar em estado de animosidade com os Estados Unidos há décadas, mas a realidade do conflito essencialmente ilusório que descreve para o seu povo, sofre de uma grande falha que é a ausência de ataques inimigos palpáveis que a população pode ver, ouvir e sentir. Um ataque real dos Estados Unidos preencheria bem esse vazio.

Além disso, uma das fraquezas da posição de Kim Jong-un como líder é a ausência de credenciais militares reais. Ter a oportunidade de agir como o líder que, valentemente, enfrenta o poder da superpotência mais importante do mundo e sobrevive, ajudaria também, a preencher essa lacuna com facilidade. Kim Jong-un tem uma razão clara para desejar um impulso interno em termos de popularidade. O estado fortaleza sobre o qual reina, está a ser atacado por uma multiplicidade de factores que podem prejudicar o controlo do seu regime sobre a população, incluindo uma escassez generalizada de alimentos, prestação inadequada de cuidados de saúde, extrema escassez de energia e aumento do acesso da população a informações do mundo exterior, através de meios ilegais.

Apesar de o regime parecer ser seguro contra o risco de revolta interna ou golpe militar em futuro previsível, só se mantém devido ao intenso e contínuo trabalho do governo e das suas forças de segurança para manter o “status quo”, e patrocinar uma manifestação patriótica em torno do regime de Kim, face a ataques americanos abertos, bem como elevar o próprio líder a herói militar, pode ser visto como suficientemente benéfico para valer a pena o sofrimento de um dano físico, resultante de um ataque que um míssil ou drone pode causar. Assim, Kim Jong-un recuaria na ideia de um ataque nuclear americano ou de invasão em grande escala, que significaria o fim do seu regime.

A dificuldade para o seu governo é de encontrar a resposta correcta. Se agir de forma muito beligerante, ao disparar uma ogiva nuclear contra Tóquio ou Seul, por exemplo, provavelmente criaria uma resposta de grande intervenção ou erradicação nuclear. Ao invés, trata de irritar e ofender os Estados Unidos a um nível que seja suficiente para incitar um bombardeamento em pequena escala, mas não a nível tão grave que possa vir a incorrer em algo pior. As acções que o regime tomou nos últimos meses, incluindo o teste de novos mísseis, mas que na verdade não atacaram país algum, matando ínfimas pessoas, em vez de grande número de civis estrangeiros, e nivelando as ameaças que são preenchidas com hipérbole, mas cuja pouca essência alinharia exactamente com esta estratégia.

É altamente improvável que os Estados Unidos arrisquem que a Coreia do Norte dispare armas nucleares contra os seus aliados, ou fazendo explodir um contentor de carga nuclear em São Francisco, ou provocando uma retaliação nuclear maior da China, ou mesmo lançando uma invasão em grande escala da Coreia do Norte por causa de um único cidadão morto e alguns testes de mísseis ilegais. Todavia, não é de todo improvável que possa responder com o mesmo tipo de ataques militares que Trump usou contra a Síria este ano, depois do governo de Assad ter usado armas químicas contra a sua população, Bill Clinton usou contra o Afeganistão e a Somália após os ataques da embaixada dos Estados Unidos em 1998, e contra o Iraque no mesmo ano, por não terem cooperado com os inspectores de armas da ONU, e Ronald Reagan utilizou contra a Líbia em 1986, após o bombardeamento da discoteca de Berlim e contra Beirute, em 1983, pelo bombardeamento de um quartel militar multinacional.

É de considerar que, enquanto a administração Trump considera as suas respostas ao recente aumento de beligerância da Coreia do Norte, deve ter em consideração que o lançamento de ataques limitados pode, de facto, ser exactamente o que o regime de Kim Jong-un quer. Existem muitas outras razões pelas quais os Estados Unidos devem agir com extrema prudência, antes de tomar esse caminho, que não deve ser negligenciado. Fazer exactamente o que um ditador totalitário desprezível quer, pode em geral ser uma má decisão. A verdade é que as sanções ocidentais e as promessas de acção da China não conseguiram controlar o seu programa nuclear, tendo a Coreia do Norte realizados testes de mísseis a cada duas semanas desde o início do ano. As sanções são destinadas a prejudicar a economia, mas apesar de toda a miséria, o país está a crescer entre 1 por cento a 5 por cento ao ano.

A ONU tentou bloquear o acesso da Coreia do Norte ao dólar americano, limitando a quantidade de carvão que o estado pode exportar, potencialmente privando-o de mais de um quarto da sua receita total de exportações. A China, compradora de 99 por cento das vendas de carvão da Coreia do Norte, afirmou em Fevereiro de 2017 que suspenderia todas as importações. Tais medidas não tem impedido que a Coreia do Norte continue por meios fraudulentos a vender carvão e a ter acesso a moeda estrangeira, bem como usa agentes de terceiros países para vender drogas, armas e produtos falsificados. O governo permite que as pessoas singulares criem negócios lucrativos, Além de produzirem para o Estado, os agricultores e as fábricas têm alguma liberdade para procurar os seus clientes. As imagens de satélite mostram que os mercados crescem em tamanho e número entre as cidades. As pequenas e médias empresas estão a proliferar e seis empresas de táxi operam em Pyongyang.

A fúria apocalíptica da Coreia do Norte na realização de um programa de armas nucleares, incluindo o seu não cientificamente e militarmente provado primeiro lançamento de mísseis balísticos intercontinentais é fundamentado no que dizem ser um conjunto racional de metas em que o mais importante é a auto-preservação. O regime diz que quer uma bomba nuclear porque viu o que aconteceu, quando o Iraque e a Líbia ficaram sem as armas de destruição massiva. Os seus regimes foram derrubados por intervenções apoiadas pelo Ocidente. A Coreia do Norte quer travar outros países de fazerem o mesmo, nomeadamente a administração do presidente Donald Trump, de derrubar o seu regime totalitário.

14 Jul 2017

Brexit, nacionalismo e anti-migração

“Trump was a supporter of Brexit- the proposition that the UK should leave the EU – and had accurately proclaimed during his campaign that Brexit was a sign that he would win, too. The voters were in revolt against their traditional rulers. The election in the US was so similar to the Brexit campaign; the result was always going to be the same, too: victory for those on the outside.”
“The Rise of the Outsiders: How Mainstream Politics Lost its Way” – Steve Richards

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] referendo de 2016 sobre a saída ou permanência na União Europeia (UE) deveria oferecer uma resolução final ao debate sobre a Europa, que dividiu os partidos políticos da Grã-Bretanha durante décadas. No entanto, ao invés de pôr fim ao debate, os resultados das eleições gerais, de 8 de Junho de 2017 demonstraram que o “Brexit” continuará a ser um factor de divisão e influência na política britânica dos próximos anos. A palavra “Brexit” continua a ser usada como uma abreviatura para descrever o voto da Grã-Bretanha para abandonar a UE, em 23 de Junho de 2016 e activar o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, a 29 de Março de 2017, tendo o significado do termo sido objecto de reflexão.

A primeira-ministra britânica no discurso proferido na Conferência do Partido Conservador, em Birmingham, a 2 de Outubro de 2016, afirmou que o significado do termo era simples, pois “Brexit significa Brexit”. O objectivo desta divisa era duplo.  Por um lado, Theresa May claramente afirmou a sua intenção de retirar o Reino Unido da UE.  Por outro lado, a sua mensagem “Brexit significa Brexit” procura eliminar todas as sugestões de que haveria um segundo referendo.  O andamento rápido para o momento actual é difícil de avaliar se qualquer uma dessas mensagens intencionadas atingiu o público-alvo.  Todas as situações consideraram a incerteza sobre o que esta palavra realmente significa, e que ainda é generalizada.

O resultado confuso do referendo, as múltiplas possibilidades e tecnicismos do “Brexit” e o prazo prolongado significam que, tanto para o Reino Unido como para a UE, as relações futuras se assemelham a cinquenta tons de cinza, ao invés de alguma divisão estabelecida, a preto e branco. O objectivo dos analistas acerca do tema não é fazer um balanço das extensas prosas em torno do que significa o “Brexit”. Mesmo após os resultados das eleições gerais de 8 de Junho de 2017, esta palavra significa muitas realidades para pessoas diferentes.  Não tem uma iteração singular.  Não tem voz unificada.  Pelo contrário, esse termo está em evolução, pois desde o referendo de 2016, ouve-se falar de um “Brexit duro”, um “Brexit suave” e um Brexit “áspero”, para citar apenas alguns rótulos linguísticos frequentemente associados a este termo.

À medida que as tentativas da primeira-ministra britânica de recuperar o equilíbrio depois de perder a maioria no Parlamento se produzem, é motivo para especular que não tem autoridade para garantir um “Brexit duro”. Pelo contrário, é de esperar que a aliança com o “Partido Unionista Democrático (DUP na sigla inglesa) ” da Irlanda do Norte signifique o surgimento de estratégias de negociação alteradas e mais suaves.  É difícil avaliar os efeitos que os resultados das eleições gerais terão na posição de negociação do Reino Unido com a UE. À medida que os jogos de linguagem do “Brexit” continuam a acumular, é importante não perder de vista um argumento omnipresente que os mantém juntos.  Para evitar tal descuido, deve-se demonstrar que a securitização da migração continua a ser uma âncora linguística constante, em relação às vagas de incerteza criadas pelo “Brexit”, e das consequências das eleições gerais de 8 de Junho de 2017, ou seja, a argumentação usada pelos actores políticos quando falam de segurança para enquadrar os migrantes como uma ameaça existencial para o país e legitimar o uso de medidas extraordinárias.

O segundo objectivo é considerar visões alternativas do “Brexit” oferecidas por meios de poder concorrentes.  Em particular, é de destacar os movimentos opostos à securitização, realizados pelo gabinete do Prefeito de Londres, através da campanha “London Is Open”. O slogan “Vote Leave, Take Back Control” adoptado pelos chamados “Brexiteers”, reflecte o que exactamente está em jogo, pois durante a acumulação dos argumentos do referendo de 2016, afirmou-se que o “Brexit” salvaria o país de despender enormes somas de dinheiro, em vez de aforrar os bolsos dos burocratas em Bruxelas, ou pagar o cheque em branco da crescente crise de refugiados.  Outros “Brexiteers” observaram rapidamente que o “Brexit” iria habilitar o governo a recuperar a autonomia completa sobre as leis e regulamentos nacionais.

A campanha ” Vote to Leave “, em vez disso, assegurou aos eleitores que o “Brexit” faria o Reino Unido recuperar o controlo completo das fronteiras e, portanto, uma maior capacidade de regular a migração. O “Vote to Leave” defendia que se votassem a favor do “Brexit”, conseguiriam economizar trezentos e cinquenta milhões de libras por semana, que podiam ser gastos em prioridades, como o “Sistema Nacional de Saúde”, escolas e habitações, e em um mundo com tantas ameaças, é mais seguro controlar as fronteiras e decidir por si quem pode entrar no país, e não ser governados pelos juízes da UE, bem como controlar a imigração e ter um sistema mais justo que acolhe pessoas no Reino Unido, com base nas aptidões que possuem, e não no passaporte que têm, e iriam comerciar livremente com todo o mundo, dado que a UE não permite a assinatura dos acordos comerciais com aliados chave como a Austrália e Nova Zelândia e economias em crescimento, como a Índia, China e Brasil e seriam livres para aproveitar novas oportunidades, que significam novos empregos e poderiam fazer as suas leis, por pessoas que pudessem escolher e retirar, o que seria mais democrático.

Se votassem por permanecer na UE, esta alargar-se-ia, o que representaria a adesão de cinco países como a Turquia com setenta e seis milhões de habitantes, a Sérvia com sete milhões e duzentos mil habitantes, a Albânia com dois milhões e oitocentos mil habitantes, a Macedónia com dois milhões e cem mil habitantes e o Montenegro com seiscentos mil habitantes. A UE custaria cada vez mais para o Reino Unido. Se a UE custa actualmente os referidos trezentos e cinquenta milhões de libras semanalmente, que seriam suficientes para construir um hospital para o “Sistema Nacional de Saúde” semanalmente, sendo que o Reino Unido recebe menos de metade desse dispêndio e não se pronuncia acerca da forma como os fundos foram gastos, bem como a imigração continuaria fora de controlo, pois quase dois milhões de pessoas vieram para o Reino Unido da UE nos últimos dez anos. É de imaginar o que seria nas próximas décadas, quando países novos e mais pobres aderissem à UE. O Reino Unido teria de continuar a resgatar o Euro, pois os países que o usam já têm uma maioria construída. Teriam de pagar a conta pelo fracasso do Euro. O Tribunal Europeu continuaria a monitorizar as leis, dado que controla tudo, de quanto impostos pagam, quem podem deixar entrar e sair do país e quais os trâmites. Escusado será dizer que essas linhas de argumentação não apareceram do vazio.

Os mais bem entendidos na política britânica devem estar profundamente conscientes de que securitização da migração não é um fenómeno novo no Reino Unido, nem é uma característica única do “Brexit”, mas pelo contrário, a sua base foi esculpida pelo ex-primeiro-ministro David Cameron, e pelo seu governo muito antes do termo “Brexit” ter sido inventado. É de recordar do furor político criado pelas  observações de David Cameron, a 30 de Julho de 2015, aquando da “Crise de Calais”, referindo-se a “enxame de migrantes” que foi condenada e considerada desumanizadora. Os comentários de Theresa May no seu papel como Secretária do Interior, também, podem sugerir a mesma condenação, quando a 6 de Outubro de 2015, afirmou que a imigração prejudicava a coesão social, e a 19 de Maio de 2017, os Conservadores afirmavam que os altos níveis de imigração tornavam impossível uma sociedade mais coesa.

É de considerar que essas tramas culminaram na construção de políticas governamentais, que deliberadamente visavam a migração líquida que ainda estão vivas actualmente. Torna-se claro que a liderança de “Brexiteers” soou forte e orgulhosamente a partir dessa lista de hinos securitizada ao longo do referendo de 2016. O cartaz “break point” anti-migrante, com a imagem de Nigel Farage, que foi líder do “Partido de Independência do Reino Unido (UKIP na sigla inglesa)”, de 5 de Novembro de 2010 a 28 de Novembro de 2016, que defende ideais conservadores e eurocépticos, mostra uma fila de migrantes e refugiados e incita ao ódio racial. Esse cartaz pode ser visto como um acto de linguagem visual que mobilizou, reforçou e acelerou activamente as intrigas preexistentes, que enquadraram os migrantes como uma ameaça existencial para o Reino Unido. A imagem na opinião de muitos constituiu um discurso de ódio e fazia eco da propaganda nazi.

Se considerarmos as consequências dessas intrigas securitizadas e imagens, damos conta que um céptico pode perguntar, porque as devemos considerar se os migrantes foram securitizados todo o tempo que o ex-primeiro-ministro David Cameron exerceu funções?  Porque devemos chamar a atenção de Farage e do seu cartaz anti-imigração?  Um ano após o referendo da UE, não é o momento de aceitar o consenso anti-imigração no Reino Unido e não nos devemos preocupar mais com a luta contra os difíceis negociadores da UE que aguardam o Reino Unido? Embora seja tentador evitar que essas questões sejam inconsequentes, é de argumentar que o discurso sobre a imigração que prevaleceu tão fortemente durante o referendo da EU, ainda exige um exame por dois motivos.   O primeiro, porque o plano dessas tramas de securitização semeadas antes do voto do “Brexit” ajudam a explicar, porque Theresa May está disposta a retirar o Reino Unido da UE, mesmo que isso signifique afastar o país do mercado único, mesmo que o possa prejudicar grandemente.

Se analisarmos os principais discursos que pronunciou desde que se tornou primeira-ministra, é claro que Theresa May colocou a soberania nacional acima de tudo, e até ao presente absteve-se de negar categoricamente que existe a necessidade da Grã-Bretanha manter o acesso ao mercado único e aos passaportes comunitários em matéria de prestação de serviços de investimento financeiros ao abrigo da “Directiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros (2004/39/CE – DMIF) ”. A prática revelará o prejuízo futuro quanto a estas matérias, e o efeito certamente serão o suicídio político e comercial. Poderá existir um suspiro colectivo de alívio e talvez possa aparecer um final alternativo depois de tudo? Talvez a securitização da migração possa ser desfeita para prevenir tais eventualidades extremas? Os “Brexiteers” alcançaram o seu objectivo e podemos ver um amolecimento da sua posição anti-imigração? É entendimento que esses cenários são improváveis de acontecerem.

A falta de clareza sobre os direitos e o estatuto dos cidadãos da UE serve como uma recordação importante de que Theresa May não mostrou sinais de atenuar a securitização de contextos de migração, durante as negociações que começaram a 19 de Junho de 2017. A UE considera como temas fundamentais e prioritários, o estatuto dos cidadãos prejudicados pelo “Brexit” , ou seja, os europeus que vivem no Reino Unido e os britânicos que residem nos vinte e sete Estados-membros, descrever as contribuições financeiras assumidas pelo Reino Unido enquanto membro do bloco comunitário e conhecida como factura do divórcio, e o estatuto da fronteira entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda.

A primeira-ministra britânica pretende fechar as portas do Reino Unido ao princípio da liberdade de movimento que está no centro do projecto constitutivo da UE. Deste ponto de vista, a probabilidade de um “Brexit duro” se materializar no futuro próximo parece crescer em vez de diminuir. Embora os resultados das rápidas eleições que Theresa May convocou tenham lançado uma luz caótica sobre as negociações do “Brexit”, não é sensato esperar que renuncie à sua promessa de retirar o Reino Unido do mercado único. Também não é óbvio que a UE tenha a intenção de repensar este ponto. É de observar que de uma perspectiva europeia, não importa se o Reino Unido tem um governo minoritário ou não, pois depende de como essas negociações desenrolarem e quais as cartas estratégicas que serão colocados na mesa de negociações, sendo possível que o contexto da securitização ressurja com vingança em vez de desaparecer.

A segunda razão pela qual é necessário (re)considerar as questões descritas é porque existem argumentos alternativos a serem considerados quando viajamos pela estrada com destino ao “Brexit”. Se voltarmos atrás na revisão dos contextos secuturizantes que saíram do governo e das atitudes políticas que envolveram as eleições gerais de 2017, damo-nos conta de uma questão que muitas vezes não é formulada. Qual é a alternativa para o “Brexit”? Esta questão estava visivelmente ausente da campanha. Ao dar um passo para trás para encontrar uma resposta adequada, foi refrescante descobrir que existem movimentos desidratadores em jogo.  A resposta da capital do Reino Unido ao “Brexit” com a campanha “London Is Open”, liderada pelo prefeito de Londres, Sadiq Khan, reflecte um contraste deliberado com o enquadramento descrito.

As mensagens de interiorização, nacionalismo e anti-imigração do governo, e as do município, foram refutadas intencionalmente e publicamente por uma nova campanha sob a bandeira de “Londres é aberta”.  A campanha foi lançada a 16 de Julho de 2016, menos de um mês após os resultados do referendo do “Brexit”, com o objectivo de mostrar que “Londres está unida e aberta para os negócios e para o mundo, após o referendo da UE”. O pequeno vídeo produzido pelo gabinete do Prefeito tornou-se viral, poucos dias após o seu lançamento, enquanto os cartazes que reforçavam a mensagem, eram colocados no metro de Londres. A campanha defende não apenas o relacionamento de Londres com a Europa e os cidadãos da UE, mas também a diversidade global da cidade com a garantia de que continuaria a ser bem-vindo e celebrado em Londres. A ênfase da campanha na inclusão global, em vez de meramente europeia, confirma a noção de que o “Brexit” não se trata apenas de melhores negócios ou de retorno do controlo da UE, mas tem sido sobre imigração, identidade, raça e história.

7 Jul 2017

A imoralidade do terrorismo

“The purpose of terrorism is to destroy the morale of a nation or a class, to undercut its solidarity; its method is the random murder of innocent people.”
“Just and Unjust Wars: A Moral Argument with Historical Illustrations” – Michael Walzer

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]emos assistido aos mais diversos eventos mundiais, desde os atentados de 11 de Setembro de 2001, nos Estados Unidos até ao último ataque terrorista em Londres, a 3 de Junho de 2017. Temos vivido acontecimentos violentos e reais, de guerras a genocídios. No entanto, quando se trata de eventos simbólicos à escala mundial, ou seja, não apenas factos que têm a atenção da comunicação social a nível mundial, mas que representam um fracasso para a globalização, não encontramos nenhum. Durante a inércia da década de 1990, os eventos entraram em greve na expressão do escritor argentino Macedonio Fernández.

A greve terminou e os acontecimentos não estão mais em risco e com os ataques ao World Trade Center, em Nova Iorque, podemos até dizer que temos diante de nós o evento absoluto, a mãe de todos os eventos, o evento puro que unifica em si todos os eventos que nunca aconteceram. Todo o jogo da história e do poder é interrompido por esse evento, mas também são as condições de análise. Temos que aprisionar o nosso tempo. Enquanto os eventos estavam estagnados, tínhamos que os antecipar e movermos mais rapidamente do que eles. Mas quando aceleraram, tivemos de caminhar mais devagar, embora sem permitir enterrá-los sob uma infinidade de palavras, ou reunir nebulosas de guerra, e preservar intacta a incandescência inesquecível das imagens. Tudo o que foi dito e escrito tem sido a evidência de uma aberração gigantesca para o evento em si e do fascínio que exerce.

A condenação moral e a santa aliança contra o terrorismo estão na mesma escala que o prodigioso júbilo de ver essa superpotência global destruída, ou melhor, vê-la, em certo sentido, destruindo-se e suicidando-se em uma chama de glória, pois pelo seu poder infernal, fomentou toda essa violência que é endémica a nível mundial, e, logo, essa imaginação terrorista (involuntariamente) que habita em todos nós. O facto de termos sonhado com esse evento, pois todos, sem excepção, sonharam com o mesmo, porque ninguém pode evitar sonhar com a destruição de qualquer poder que se tornou hegemónico a um nível considerado inaceitável para a consciência moral ocidental. No entanto, é um facto, e que pode ser medido pela violência emotiva de tudo o que foi dito e escrito no esforço para o dissipar.

É possível dizer em simples pincelada que fizeram, o que desejávamos que fosse feito. Se tal não for levado em conta, o evento perderá qualquer dimensão simbólica. Torna-se um puro acidente, um acto puramente arbitrário, a fantasmagórica assassina de alguns fanáticos, e tudo o que restaria seria eliminá-los. Agora, sabemos muito bem que não é assim. O que explica todos os delírios contrafóbicos sobre exorcizar o mal. É porque está lá, em todos os lugares, como um objecto obscuro de desejo. Sem essa cumplicidade profunda, o evento não teria tido a ressonância e, a sua estratégia simbólica. Os terroristas, sem dúvida, sabem que podem contar com essa cumplicidade indescritível. Tal vai muito além do ódio pelo poder mundial dominante entre os deserdados e os explorados, entre aqueles que acabaram no lado errado da ordem global. Mesmo aqueles que compartilham as vantagens dessa ordem têm esse desejo malicioso nos seus corações.

A alergia a qualquer ordem e poder definitivos são felizmente universal, e as duas torres do World Trade Center eram formas de realização perfeitas, nas suas dimensões, dessa ordem definitiva, não sendo necessário, um impulso de morte, um instinto destrutivo, ou mesmo de efeitos perversos e involuntários. Muito logicamente e inexoravelmente, o aumento do poder aumenta a vontade de destruí-lo. E foi parte da sua própria destruição. Quando as duas torres entraram em colapso, teve-se a impressão de que estavam a responder ao suicídio dos suicidas, com os seus próprios suicídios. Sempre foi dito que mesmo Deus não pode declarar guerra a si mesmo.

O Ocidente simbolicamente, na posição de Deus (omnipotência divina e legitimidade moral absoluta), tornou-se suicida e declarou guerra a si mesmo. Os inúmeros filmes de desastres, testemunham essa fantasia, que claramente tentam exorcizar com imagens, afugentando tudo com efeitos especiais. Mas a atracção universal que exercem, que é parecido com a pornografia, mostra que a actuação nunca foi muito longe, bem como o impulso de rejeitar qualquer sistema que se torne mais forte, à medida que se aproxima da perfeição ou da omnipotência. É provável que os terroristas não tenham previsto o colapso das Torres Gémeas, mais do que os especialistas, pois muito mais do que o ataque ao Pentágono, teve um maior impacto simbólico.

O colapso simbólico de todo um sistema surgiu por uma cumplicidade imprevisível, como se as torres, ao sucumbirem, cometessem suicídio, juntando-se para completar o evento. Em certo sentido, todo o sistema, pela sua fragilidade interna, deu uma mão amiga à acção inicial. Quanto mais concentrado o sistema se tornar globalmente, formando uma única rede, mais se torna vulnerável em um único ponto, pois é como o pequeno “hacker” filipino que havia gerido o mal, desde os recessos escuros do seu computador portátil, ao introduzir o vírus “Eu te amo”, que circundou o mundo devastando redes inteiras. Nos Estados Unidos foram dezoito assaltantes suicidas que, graças à arma absoluta da morte, reforçada pela eficiência tecnológica, desencadearam um processo catastrófico global.

Quando o poder global monopoliza a situação desta forma, quando há uma concentração tão assombrosa de todas as funções na máquina tecnocrática, e quando nenhuma forma alternativa de pensamento é permitida, qual é a outra forma existente para além da mudança por via da prática de actos terroristas? Foi o próprio sistema que criou as condições objectivas para essa retaliação brutal. Ao usar todas as cartas do jogo, forçou o outro a mudar as regras. E as novas regras são ferozes, porque as apostas são desumanas e para um sistema que tem excesso de poder, representando um desafio insolúvel, os terroristas respondem com um acto definitivo que também não é susceptível de troca. O terrorismo é o acto que restaura uma singularidade irredutível ao núcleo de um sistema de troca generalizada. Todas as singularidades (espécies, indivíduos e culturas) que pagaram as suas mortes, pela instalação de uma circulação global governada por um único poder, estão a vingar-se através dessa transferência da situação pela via terrorista. É o terror contra o terror e não há mais nenhuma ideologia por detrás. Estamos além da ideologia e da política. Nenhuma ideologia causa e nem mesmo a islâmica pode explicar a energia que alimenta o terror.

O objectivo não é mais transformar o mundo, mas (como as heresias fizeram no seus dias) radicalizar o mundo pelo sacrifício. Enquanto o sistema pretende realizá-lo pela força, o terrorismo, como vírus, está em toda parte. Existe uma perfusão global do terrorismo, que acompanha qualquer sistema de dominação, como se fosse a sua sombra, pronto para se activar em qualquer lugar, como um agente duplo. Não é possível desenhar uma linha de demarcação em torno dessa situação. É no coração desta cultura que a combate, que a fractura visível e o ódio que permeia os explorados e os subdesenvolvidos, globalmente, contra o mundo ocidental, secretamente se conecta com a fractura interna ao sistema dominante. Esse sistema pode enfrentar qualquer antagonismo visível. Mas contra o outro tipo, que é de estrutura viral, como se toda a máquina de dominação segregasse o seu contra-aparelho, o agente do seu desaparecimento, contra essa forma de reversão quase automática do seu poder, o sistema nada pode fazer.

O terrorismo é a onda de choque dessa reversão silenciosa. Este não é, portanto, um choque de civilizações ou religiões, e fere muito além do Islamismo e do Ocidente, sobre os quais estão a ser feitos esforços para concentrar o conflito, criando a ilusão de um confronto visível e uma solução baseada na força. Há, de facto, um antagonismo fundamental, mas que afasta o espectro da América, que é, talvez, o epicentro, mas em nenhum sentido a única incorporação, da globalização e o espectro do Islamismo, que não é a personificação do terrorismo, mas a globalização triunfante batalhando contra si. Nesse sentido, podemos falar de uma guerra mundial, não a Terceira Guerra Mundial, mas a Quarta e a única realmente global, uma vez que o que está em jogo, é a própria globalização. As duas primeiras guerras mundiais corresponderam à imagem clássica da guerra.

A Primeira Guerra Mundial acabou com a supremacia da Europa e da era colonial. A Segunda Guerra Mundial acabou com o nazismo. A Terceira Guerra Mundial, que de facto ocorreu, sob a forma de guerra fria e dissuasão, acabou com o comunismo e a cada guerra sucessiva, avançamos para uma única ordem mundial. Actualmente, essa ordem, que praticamente atingiu o seu ponto culminante, encontra-se a lutar contra forças antagónicas espalhadas por todo o mundo, em todas as convulsões actuais. Uma guerra fractal de todas as células e singularidades, repugnantes sob a forma de anticorpos. Um confronto tão impossível de definir que a ideia de guerra deve ser resgatada de tempos a tempos por situações espectaculares, como a Guerra do Golfo ou a guerra no Afeganistão. Mas a Quarta Guerra Mundial está em outro lugar. É o que assombra toda ordem mundial e dominação hegemónica e se o Islamismo dominasse o mundo, o terrorismo elevaria contra si, pois é o mundo que resiste à globalização. O evento do World Trade Center, esse desafio simbólico, é imoral e é uma resposta a uma globalização que é imoral. Teremos então de ser imorais para compreender esta dinâmica?

Se quisermos ter algum entendimento de tudo o que está a acontecer em termos de terrorismo têm de ir um pouco além do bem e do mal. Quando, tivermos um evento que desafie não apenas a moral, mas qualquer forma de interpretação, devemos tentar abordá-lo com uma compreensão do mal. Este é precisamente onde se encontra o ponto crucial, no total mal-entendido por parte da filosofia ocidental e do Iluminismo da relação entre o bem e o mal. Acreditamos ingenuamente que o progresso do bem, o seu avanço em todos os campos, como nas ciências, tecnologia, democracia, direitos humanos, corresponde a uma derrota do mal.

Apenas poucos parecem ter entendido que o bem e o mal caminham juntos, como parte do mesmo movimento. O triunfo de um não oculta o outro, longe disso. Em termos metafísicos, o mal é considerado um acidente, mas esse axioma, do qual derivam todas as formas maniqueístas da luta do bem contra o mal, é ilusório. O bem não conquista o mal, nem o inverso acontece, pois são ao mesmo tempo irreduzíveis entre si e inextrincavelmente inter-relacionados. Em última análise, o bem poderia frustrar o mal apenas deixando de ser bem, ao apoderar-se de um monopólio global do poder, dando origem, por esse mesmo acto, a uma reviravolta de uma violência proporcionada. O universo tradicional, continha um equilíbrio entre o bem e o mal, de acordo com uma relação dialéctica que mantinha a tensão e o equilíbrio do universo moral, não sendo diferente da forma como o confronto dos dois poderes na Guerra Fria mantiveram o equilíbrio do terror, não havendo nenhuma supremacia de um sobre o outro.

Assim que houve uma extrapolação total do bem (hegemonia do positivo sobre qualquer forma de negatividade, exclusão da morte e de qualquer força adversa potencial – triunfo dos valores do bem), esse equilíbrio ficou perturbado. A partir desse momento, o equilíbrio desapareceu, e foi como se o mal recuperasse uma autonomia invisível, começando a desenvolver-se exponencialmente, tendo em termos relativos acontecido na ordem política com o desaparecimento do comunismo e o triunfo global do poder liberal, pois foi nesse ponto que emergiu um inimigo fantasmagórico, infiltrando-se em todo o planeta, deslizando por toda parte como um vírus que brota de todos os interstícios de poder que e radicado no Islamismo.

Mas o Islamismo era apenas a frente móvel em que o antagonismo cristalizava. O antagonismo está em todos os lugares e em cada um de nós. Então, é o terror contra o terror. É o terror assimétrico. E é essa assimetria que deixa a omnipotência global totalmente desarmada, em desacordo consigo, só pode mergulhar na sua lógica de relações de força, mas não pode operar no terreno do desafio simbólico e da morte, algo da qual já não tem ideia, que a apagou da sua cultura. Até ao presente, este poder integrativo conseguiu em grande parte absorver e resolver qualquer crise e negatividade, criando, assim uma situação de desespero mais profundo (não só para os deserdados, mas para os privilegiados também, no seu conforto radical).

A mudança fundamental agora é de que os terroristas deixaram de se suicidar sem nada em troca, pois produzem as suas mortes de forma eficaz e ofensiva, ao serviço de uma visão estratégica intuitiva que é simplesmente um senso da imensa fragilidade do oponente – uma sensação de que um sistema que chegou à sua quase perfeição pode ser inflamado pela menor faísca. Os terroristas conseguiram transformar as suas mortes em uma arma absoluta contra um sistema que opera com base na exclusão da morte, um sistema cujo ideal é o de nenhuma morte. Todo o sistema de morte zero é um sistema de jogo de soma zero. E todos os meios de dissuasão e destruição não podem fazer nada contra um inimigo que já transformou a sua morte em uma arma de contra-ataque. Os terroristas estão tão ansiosos por morrer como os demais cidadãos por viver, sendo este o espírito do terrorismo.

28 Jun 2017

Saúde e justiça ambiental

“Environmental pollution is an incurable disease. It can only be prevented.”
“Making Peace With the Planet” – Barry Commoner

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]e está a ler um livro, pare de o ler. Feche-o, apenas por um momento. Levante os olhos e olhe ao redor. Onde se encontra? O que vê? Talvez esteja na biblioteca da universidade, cercado de prateleiras de livros, com tapetes debaixo dos pés e o ar condicionado a cantarolar com ruído suave. Talvez esteja em casa, em um dormitório, um quarto de apartamento ou uma suite de um hotel, ou quiçá na sua cozinha. Talvez esteja deitado debaixo de uma árvore, em um parque, ou talvez esteja em um autocarro ou mesmo em um avião. Como é? Como se sente por estar onde está? A luz é adequada à leitura? A temperatura é confortável? Existe ar fresco para respirar? Existem poluentes no ar, à excepção dos resultantes de um tapete colocado ou de uma parede recentemente pintada?

A cadeira encaixa-se perfeitamente ao seu corpo? Se estiver dentro de uma sala olhe para fora. O que vê pela janela? Existem árvores? Edifícios? O local onde vive é ruidoso ou tranquilo? Existem outras pessoas? Existem ruas movimentadas, com carros, motociclos e autocarros a lançarem nuvens de poluentes pelos escapes e produzindo ruído? Agora imagine que pode ver ainda mais longe, para um restaurante perto do mar, para a rede rodoviária em torno do local onde vive, para as poucas fábricas e instalações em parques industriais, para a central eléctrica e de resíduos sólidos à distância, fornecendo electricidade e incinerando resíduos, para a sala em que está, para o mar a poucos quilómetros de distância. O que veria no restaurante?

A cozinha está limpa? Os alimentos são armazenados com segurança? Existem baratas ou ratos na sala dos fundos? E o rio? O sistema municipal de esgotos despeja resíduos sem serem tratados ou o resultante de defeituoso tratamento no rio e mar, ou existem estações de tratamento de águas residuais que descarregam efluentes tratados e limpos? Existem produtos químicos nas águas do rio e mar? E quanto ao peixes? Pode comê-los? Pode nadar no rio e mar? Pode beber a água do rio? Quanto às estradas, fábricas, central eléctrica e de resíduos sólidos estão a poluir o ar? As estradas estão obstruídas com o tráfego? As pessoas são rotineiramente feridas nas estradas?

Os trabalhadores da construção civil e fábricas estão expostos a produtos químicos perigosos, ao ruído ou a máquinas que os podem ferir ou criar ansiedade? Existe poluição transfronteiriça? Como é tratada? Os alimentos que consome provêm de terrenos agrícolas que aplicam pesticidas, ou estão a controlar os insectos de outras formas? Está confiante de que está seguro de comer os vegetais que aí nascem e crescem? As áreas agrícolas de onde provêm os alimentos que consome, como os vegetais, estão a diminuir à medida que o desenvolvimento urbano se expande? Imagine que tem uma visão ainda mais ampla com linhas flutuantes acima da terra, e olha para baixo e vê as centenas de milhões de pessoas que vivem em circunstâncias extremamente diferentes? Vê vastas megacidades com milhões e milhões de pessoas, e vê aldeias rurais isoladas a três dias de caminho da estrada mais próxima.

Vê as florestas a serem limpas em alguns lugares, rios e lagos a secar em outros? Dá-se conta que a temperatura da superfície terrestre é um pouco mais quente do que era há um século? Vê ciclones formando-se em regiões tropicais, geleiras e cascatas que se derretem perto dos pólos? Pare e volte de novo ao livro. Tudo o que acabou de ver, da sala e no mundo em que está, fazem parte do seu ambiente. E muitos aspectos desse ambiente, do ar que respira, da água que bebe, das estradas que transita, dos resíduos que produz, podem afectar o que sente. Podem determinar o risco de se contundir antes do final do dia, o risco de ficar com disenteria ou falta de ar ou uma dor nas costas, o risco de desenvolver uma doença crónica nas próximas décadas, mesmo o risco dos seus filhos ou netos sofrerem deficiências de crescimento, asma, doenças coronárias ou cancro. O que é saúde ambiental? Qualquer dicionário define o ambiente primeiro, de forma directa como sendo as circunstâncias, objectos ou condições pelas quais o ser humano está rodeado.

A segunda definição que oferece é mais intrigante, sendo o complexo de introdução física, como factores químicos e bióticos (clima, solo e seres vivos) que agem sobre um organismo ou uma comunidade ecológica e, em última instância, determinam a sua forma e sobrevivência. Se o nosso foco é sobre a saúde humana, podemos considerar o meio ambiente, como sendo todos os factores externos ou não genéticos, físicos, nutricionais, sociais, comportamentais e outros, que actuam nos seres humanos. Uma definição amplamente aceite de saúde vem da constituição, criada em 1948, da Organização Mundial da Saúde, como sendo um estado de bem-estar físico, mental e social completo, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade. Esta ampla definição, vai muito além da visão bastante mecanicista que prevalece em algumas configurações médicas para incluir muitas dimensões de conforto e bem-estar.

A saúde ambiental foi definida de muitas maneiras. Algumas definições fazem referência à relação entre as pessoas e o meio ambiente, evocando um conceito de ecossistema, e outras concentram-se mais estreitamente no tratamento de condições ambientais específicas. Alguns preocupam-se em reduzir os riscos, e outros focam-se na promoção de ambientes que melhoram a saúde. Alguns direccionam-se para perigos físicos e químicos, e outros estendem-se mais amplamente, a aspectos dos ambientes sociais e construídos. Uma das definições deixa claro, que a saúde ambiental são muitas coisas, um campo académico interdisciplinar, uma área de pesquisa e anfiteatro de práticas de saúde pública aplicada. Outra definição, afirma que a saúde ambiental representa os aspectos da saúde humana, incluindo a qualidade de vida, que são determinados por factores físicos, químicos, biológicos, sociais e psicossociais no meio ambiente, também se referindo à teoria e prática de avaliar, corrigir, controlar e prevenir esses factores no ambiente, que potencialmente podem afectar negativamente a saúde das gerações presentes e futuras.

A saúde ambiental é o ramo da saúde pública que protege contra os efeitos de riscos ambientais, que podem prejudicar a saúde ou os equilíbrios ecológicos essenciais para a saúde humana e a qualidade ambiental. A saúde ambiental compreende os aspectos da saúde humana e doenças, que são determinados por factores no meio ambiente, referindo-se ainda à teoria e prática de avaliar e controlar factores no ambiente, que podem afectar a saúde. Inclui os efeitos patológicos directos dos produtos químicos, a radiação e alguns agentes biológicos, e os efeitos muitas vezes indirectos na saúde e no bem-estar do amplo ambiente físico, psicológico, social e estético, que inclui a habitação, desenvolvimento urbano, uso do solo e transportes, tal como preconiza a “Carta Europeia de Ambiente e Saúde”.

A saúde ambiental é a disciplina que se concentra nas inter-relações entre as pessoas e seu meio ambiente, promove a saúde e o bem-estar humano e bem como um ambiente seguro e saudável. A preocupação humana com a saúde ambiental data dos tempos antigos, e evoluiu e expandiu-se ao longo dos séculos. A noção de que o ambiente poderia ter um impacto no conforto e no bem-estar, a ideia central da saúde ambiental, deve ter sido evidente nos primeiros dias da existência humana. Os elementos podem ser difíceis, e sabemos que os nossos antepassados procuraram abrigo em cavernas ou sob árvores, em abrigos existentes ou que construíram.

Os elementos ainda podem ser resistentes, tanto diariamente como durante eventos extraordinários, como o tsunami de 2004 nos lembrou. Os nossos antepassados enfrentaram outros desafios, que agora identificaríamos com a saúde ambiental. Um era segurança alimentar.  Deve ter havido procedimentos para preservar alimentos, e as pessoas devem ter ficado doentes e morreram por comer comida estragada. As restrições dietéticas na antiga lei judaica e islâmica, como a proibição de comer carne de porco, provavelmente evoluíram a partir do reconhecimento de que certos alimentos podem causar doenças.

O outro desafio foi a água limpa, e podemos assumir que os primeiros povos aprenderam a não defecar perto, ou de outra forma, contaminavam as suas fontes de águas subterrâneas. Nas ruínas das antigas civilizações da Índia a Roma, da Grécia ao Egipto e à América do Sul, os arqueólogos encontraram os restos de canos de água, sanitários e linhas de esgoto, alguns com mais de quatro mil anos. Ainda outro risco ambiental era o ar poluído. Há evidências nas cavidades dos “sinus” dos antigos habitantes das cavernas de altos níveis de fumo, antecipando preocupações modernas de ar interior, em casas que queimam combustíveis de biomassa ou carvão. Uma passagem intrigante no livro bíblico de Levítico (14:33-45) refere-se a um problema de saúde ambiental bem reconhecido como mofo, míldio ou fungo em edifícios, pois quando uma casa tem uma “doença leprosa”, o dono da casa diria ao sacerdote: “Parece-me que sou uma espécie de doença na minha casa”. Então o sacerdote ordenava que fosse esvaziada a casa antes de examinar a doença, para que tudo o que estivesse nela fosse declarado impuro e só depois entraria na casa e examinaria a doença.

Se a doença estivesse nas paredes da casa com manchas esverdeadas ou avermelhadas, e se parecesse ser mais profunda que a superfície, o sacerdote deve sair da casa e fechá-la por sete dias, voltando ao sétimo dia e examinaria de novo. Se a doença se tivesse espalhado pelas paredes da casa, ordenaria que tirassem as pedras, na qual se encontrava a doença, e as colocassem em um lugar imundo fora da cidade, e faria que o interior da casa fosse raspado, e o gesso raspado, fosse derramado em um lugar imundo fora da cidade, e então tomariam outras pedras e as colocariam no lugar das retiradas e assim como novo gesso na casa. Se a doença aparecesse novamente na casa, depois de terem sido retiradas as pedras e raspado o gesso e colocado a nova argamassa, o sacerdote deveria ir de novo ver. Se a doença se tivesse espalhado pela casa, era uma lepra maligna e o local impuro. Então, seria derrubada a casa, as suas pedras e a madeira e todo o emplastro, e tudo seria levado para fora da cidade para um lugar imundo.

É extremamente interessante especular sobre se as habitações antigas sofreram um crescimento excessivo de mofo, como também é interessante considerar o lugar impuro fora da cidade, como um local de despejo perigoso. Quem retirou os resíduos desse local e qual o impacto na sua saúde é biblicamente desconhecido. O outro antigo desafio de saúde ambiental, especialmente nas cidades, eram os roedores. A história europeia mudou para sempre, quando as infestações de ratos nas cidades do século XIV levaram à peste negra, pois era transmitida por pulgas encontradas em roedores, principalmente nos ratos. As cidades modernas, continuam a lutar periodicamente com infestações de ratos e outras pragas.

A saúde ambiental é um campo dinâmico e evolutivo. À medida que o século XXI se desenrola, as funções sanitárias tradicionais continuam criticamente importantes, e os riscos químicos continuarão a ser um foco de atenção científica e reguladora. Olhando mais adiante, podemos identificar pelo menos cinco tendências que irão moldar a saúde ambiental, que são a justiça ambiental, centralização em grupos sensíveis às questões ambientais, avanços científicos, mudanças globais e movimentos em direcção à sustentabilidade.

A partir de 1980, as comunidades afro-americanas identificaram exposições a resíduos perigosos e emissões industriais como questões de justiça racial e económica. Os pesquisadores documentaram que essas exposições, afectaram desproporcionalmente as comunidades pobres e minoritárias, um problema que foi agravado por disparidades na aplicação de lei ambientais. O movimento moderno da justiça ambiental nasceu, de uma fusão do ambientalismo, saúde pública e do movimento dos direitos civis. Os historiadores observaram que a justiça ambiental representa uma mudança profunda na história do ambientalismo Esta história é comummente dividida em vagas. A primeira vaga foi o movimento de conservação do início do século XX, a segunda vaga foi o activismo militante que floresceu no “Dia da Terra, 1970”, e a terceira vaga foi o surgimento de organizações ambientais grandes, “internas”, como a “Sierra Club”, a “Liga de Eleitores em favor da Conservação do Meio Ambiente (LCV, na sigla em inglês)” e o “Conselho de Defesa dos Recursos Naturais (NRDC, na sigla em Inglês)”, que adquiriram considerável influência política na década de 1980.

A justiça ambiental, então, representa uma quarta vaga, que se distingue pela sua liderança descentralizada, diversidade demográfica e a sua ênfase nos direitos humanos e na justiça. A visão da justiça ambiental, eliminando disparidades em oportunidades económicas, ambientes saudáveis e saúde, é aquela que ressoa com as prioridades de saúde pública, enfatizando que a saúde ambiental se estende muito além das soluções técnicas de exposições perigosas para incluir direitos humanos e a equidade. É provável que esta visão seja uma parte cada vez mais central da saúde ambiental nas próximas décadas. Um dos grandes comprometimentos em termos de combate às alterações climáticas pondo também em risco a almejada justiça ambiental, é a decisão tresloucada e eleitoralista do presidente americano de retirar o seu país do “Acordo de Paris”, mesmo que seja temporariamente, como é de acreditar. Essa saída breve a dar-se, não deixará por certo os Estados Unidos de cumprir as metas acordadas, de forma a não perder o passo, aquando da sua futura readmissão.

14 Jun 2017

A pobreza e a dinâmica das democracias

“The concern that poverty and economic inequality pose a threat to the quality and even survival of democracy has taken on new urgency in recent years.”
“Poverty, Inequality, and Democracy” – Francis Fukuyama, Larry Diamond and Marc F. Plattner

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]ntender as origens do autoritarismo político é de vital importância para as modernas democracias. Os últimos trabalhos em psicologia evolutiva, sugerem que a preferências das pessoas, podem ser uma resposta biológica a duras experiências nas primeiras etapas de vida. Quem viveu a pobreza na infância mostra uma marcada tendência para na vida adulta preferir um líder autoritário. A essa conclusão muito importante. chegou um estudo sobre “A pobreza na infância cria preferência por líderes autoritários”, realizado pelo “Instituto Francês de Neurociências Cognitivas”.

O que vivemos na nossa infância influencia as nossas atitudes políticas? Os resultados a essa pergunta foram recentemente publicados na revista “Evolution and Human Behavior”. Tendo sofrido da pobreza, o jovem está associada a uma maior adesão a atitudes políticas autoritárias na idade adulta, não só na população francesa, mas também, em outros quarenta e seis países europeus, e compreender as origens do sucesso do autoritarismo, é uma chave importante para a manutenção das actuais democracias. A partir do início do ano 2000, a maioria dos países ocidentais tem assistido a um aumento histórico dos partidos autoritários, e as atitudes autoritárias estão a espalhar-se em muitos partidos políticos.

A análise destes fenómenos políticos é mais frequente, e tem base factores contextuais, como a crise económica ou a ameaça do terrorismo, que promovem atitudes de facto autoritárias. Todavia, pesquisas recentes em biologia e psicologia, têm mostrado que o ambiente em que um indivíduo é exposto durante a infância também, pode influenciar o seu comportamento na idade adulta. A primeira questão será a de descobrir se tais processos foram envolvidos no desenvolvimento das atitudes políticas, especificamente, analisando o efeito da pobreza na infância sobre as atitudes autoritárias. Os pesquisadores, para medir as preferências políticas, basearam-se em testes, pedindo aos participantes as suas primeiras impressões sobre rostos.

Os estudos de psicologia anteriores, mostraram que as atitudes políticas influenciavam preferências por determinados tipos de rostos, e julgamentos simples das caras dos candidatos, permitia prever o resultado de eleições políticas. Os pesquisadores do “Laboratório de Neurociência Cognitiva” de França, mediram a preferência por políticos fictícios, representados por rostos modelados por computador e calibrados para representar os níveis de variáveis de dominância e de confiança. As dimensões da confiança e dominância são ortogonais entre si. Todas as combinações são possíveis, pois um rosto pode ser muito dominante e não confiável, muito dominante e muito confiável, um pouco dominante e não confiável ou um pouco dominante e muito confiável. Foram realizados dois testes, sendo um simplificado para crianças e outro para adultos, tendo participado no primeiro, quarenta e uma crianças de sete anos, que tiveram de escolher entre rostos mais ou menos dominantes e  confiáveis, como o seu capitão de equipa para os liderar em uma expedição nas montanhas.

O primeiro teste mostrou que crianças expostas a condições socioeconómicas desfavoráveis, preferiram capitães mais dominantes e menos confiáveis do que seus colegas, que vivem em ambientes mais favoráveis. Tendo por base este efeito precoce da pobreza, os pesquisadores ficaram interessados, então, em saber a sua influência sobre as preferências políticas subsequentes. A parceria com o “Instituto Ipsos”, permitiu medir as preferências de uma amostra representativa da população francesa (mil participantes, método das quotas) para os homens políticos, mais ou menos dominantes e confiáveis. Nesta parte do estudo, os rostos mais ou menos dominantes e de confiáveis foram apresentados aos participantes pares de forma aleatória, com a pergunta “em quem votariam? Este estudo revelou que ter vivido a pobreza durante a infância, aumentou a preferência pelos políticos dominantes e indignos de confiança na idade adulta e que, independentemente do nível de escolaridade e socioeconómico actual dos participantes.

A equipa de investigação ficou finalmente e directamente interessada nas atitudes explicitamente autoritários, pedindo aos participantes para estudar o seu nível de aderência à segunda frase: “Eu acho que ter como líder do país um homem forte que não tem de se preocupar com o parlamento ou eleições é uma coisa boa.”. A análise dessas respostas mostrou que ter vivido a pobreza durante a infância, aumentou a adesão a atitudes explicitamente autoritárias, não só na amostra da população francesa, mas também em mais quarenta e seis países europeus. Através de três testes diferentes, estes trabalhos permitem destacar a importância dos factores iniciais, para determinar as atitudes políticas e assim enriquecer a compreensão das dinâmicas das democracias. As obras empíricas, durante décadas, demonstraram que a dureza do meio envolvente, afecta sistematicamente as preferências políticas.

A ameaça perceptível para a segurança e as visões mundiais perigosas, de facto, correlacionam-se com o autoritarismo de direita, e os cenários de ameaça ou de guerra, induzem sistematicamente, à preferência por líderes mais altos, masculinos, dominantes e menos confiáveis. É importante, que a essa mudança de autoritarismo, também aparece como resposta a ameaças não-políticas. O patógeno e a prevenção de doenças, por exemplo, são um problema importante na evolução humana, e correlacionam-se com o grau de autoritarismo a nível nacional e individual. Em conjunto, esses estudos sugerem que a preferência por líderes fortes é uma resposta evolutiva profundamente enraizada aos agentes externos. No entanto, as sugestões do ambiente actual dos indivíduos não são os únicos sinais que afectam o comportamento. Os sinais percebidos, durante a infância são realmente cruciais para calibrar os comportamentos actuais e futuros.

O ambiente da infância fornece sinais sobre o tipo de meio que os indivíduos provavelmente enfrentarão, como adultos, ou o tipo de recursos físicos que podem confiar para o seu desenvolvimento. Em consonância com esta ideia, pesquisas empíricas mostram que os fenótipos são ajustados às condições iniciais, através de trinta e seis mecanismos de desenvolvimento múltiplos. Os animais, por exemplo, que viveram um período de alto “stress” na fase juvenil, passam a estar mais orientados para o presente, e priorizam a sobrevivência imediata e a reprodução sobre os benefícios a longo prazo. As pessoas que nascem com baixo peso ou que sofrem “stress” psicossocial e interrupção familiar na infância, amadurecem mais cedo e têm o seu primeiro filho mais jovens, que o restante da população.

A dureza nos estádios iniciais de desenvolvimento também induz a mudanças importantes na cognição social. Por exemplo, independentemente do seu estatuto socioeconómico, ulterior na vida, os adultos que cresceram em ambientes com elevado nível de “stress”, são mais sensíveis a ameaças sociais e emoções negativas, que podem ser adaptáveis em ambientes mais competitivos e violentos. O objectivo do estudo realizado pelo “Instituto Francês de Neurociências Cognitivas” aconselha também, estudar se as preferências dos líderes são influenciadas por sugestões de dureza na infância, independentemente das circunstâncias actuais dos indivíduos. Para testar esta hipótese, seria de confiar em uma medida robusta de dureza na infância, como a privação de recursos.

A privação de recursos infantis reflecte realmente níveis mínimos de recursos e aumento da instabilidade e exposição a eventos adversos, ou seja, a privação de recursos constitui um servidor interessante para o nível de “stress” externo, experimentado durante a infância.Logo, avalia-se o impacto da privação durante a infância nas preferências dos líderes infantis, e depois avalia-se o seu efeito duradouro na idade adulta.Para medir as preferências dos líderes de forma consistente em crianças e adultos, depende da percepção dos participantes sobre os rostos, como foi efectuado.Pesquisas extensas em psicologia, de facto, mostraram que os sinais faciais são usados para escolha de líderes tanto em adultos como em crianças, e que seu uso prevê de forma confiável nos resultados eleitorais.

Os estudos transnacionais e manipulações experimentais mostraram que a importância concedida a sinais faciais específicos, como confiabilidade ou domínio, é sensível a factores envolventes. Da mesma forma, as diferenças políticas da vida real entre democratas e republicanos, têm sido associadas a diferenças estáveis nas preferências faciais, ao escolher um líder. Esses resultados sugerem que a confiança das pessoas em sinais faciais específicos para escolher um líder é um “proxy” confiável das suas preferências políticas reais. No referido estudo, foi explorado o embate diferencial de dominância e confiabilidade, nos julgamentos sociais, para investigar o impacto da privação da infância sobre a preferência por líderes autoritários. Mais precisamente, foram usados rostos controlados tanto pela dominância, quanto pela confiabilidade, para medir a forma como a experiência adversa precoce, pode moldar o uso dessas duas questões faciais para escolher um líder. Finalmente, foi confirmada a associação entre as preferências dos líderes e a privação da infância, e analisado o impacto do autoritarismo extremo, auto-relatado em uma amostra nacional francesa e europeia em larga escala.

O objectivo do primeiro estudo foi investigar o efeito imediato da pobreza infantil na preferência das crianças por líderes fortes. Para isso, foi adaptado um projecto experimental existente que desencadeia preferências políticas em crianças. O segundo estudo consistiu no facto dos participantes adultos, terem que escolher em quem votariam em uma eleição nacional, entre o “avatar que defronta-se parametricamente, variando em confiabilidade e domínio. Os participantes também relataram a sua preferência por líderes autoritários, para investigar a relação entre privação na infância e as atitudes autoritárias explícitas. O terceiro estudo teve a ver com o impacto da privação na infância, sobre a preferência por líderes fortes, sendo analisado através de uma pesquisa sociológica de grande escala, realizada em mais de sessenta e seis mil entrevistados residentes em quarenta e seis países europeus.

As experiências efectuadas pelos pesquisadores procuraram compreender o impacto do meio ambiente infantil nas preferências políticas. Em consonância com a sua hipótese, descobriram que viver a pobreza, durante a infância prejudica as preferências em relação aos líderes dominantes. Estes resultados são consistentes com a literatura sobre o efeito de ameaças externas sobre preferências políticas. Por exemplo, as análises de registos históricos revelaram o aumento do autoritarismo durante períodos de ameaça social e económica como a “Grande Depressão” e o final da década de 1960 e 1970 nos Estados Unidos. As ameaças agudas de 9 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos e os atentados de Londres em 2005, igualmente, foram fortemente associadas ao aumento do conservadorismo e do autoritarismo.

Os estudos actuais, no entanto, sugerem que o efeito das ameaças externas é muito mais abrangente do que se pensava anteriormente. Os resultados, de facto, revelam um efeito imediato de experiências adversas precoces nas preferências das crianças, bem como, um efeito adiado nas preferências políticas dos adultos. Este efeito adiado foi evidenciado tanto na tarefa experimental como em auto-relatos, e sugere a existência de um impacto directo da dureza do meio ambiente infantil nas atitudes políticas. No entanto, não se pode excluir a existência de uma variável não observada, que poderia afectar as atitudes políticas dos adultos, e o meio ambiente infantil de forma independente. Além disso, vale a pena notar que mesmo que a descoberta tenha sido a mesma em quarenta e seis países europeus diferentes, factores genéticos, também podem ser parcialmente responsáveis pelos resultados. Na verdade, demonstrou-se que o autoritarismo é parcialmente determinado geneticamente.

As descobertas presentes serão, assim, reforçadas por pesquisas futuras envolvendo choques externos em ambientes experimentais ou ensaios naturais. No entanto, para controlar factores de confusão, deviam ser incluídos vários exames nos modelos que permitissem demonstrar que o efeito da dureza do meio ambiente infantil, nas atitudes políticas é independente do estatuto actual, eventos da vida recente, nível educacional, estilo parental, bem como da confiança dos participantes em instituições políticas. Esta verificação de robustez, sugere um impacto limitado de variáveis observáveis omitidas no estudo. A ideia de que as preferências dos líderes, emergem relativamente cedo na infância e orienta o comportamento dos indivíduos durante toda a vida, é consistente com estudos longitudinais que mostram que a orientação do autoritarismo de direita é estável durante anos. Além disso, a pesquisa de imagens cerebrais mostrou diferenças substanciais, entre adultos que experimentaram ambientes com “stress”, como crianças em áreas cerebrais envolvidas em avaliações de rosto.

O impacto da pobreza na infância evidenciado no estudo pode depender de mudanças profundas no funcionamento do cérebro. Além disso, os estudos também podem lançar luz sobre a base ecológica de atitudes políticas, como o autoritarismo e o seu valor adaptativo. Na verdade, demonstrou-se que as escolhas dos líderes são principalmente determinadas por julgamentos de competência. Essa associação entre a competência percebida e a escolha do líder pode explicar, porque os líderes dominantes são percebidos como mais atraentes em ambientes de elevado “stress”. Do ponto de vista ecológico, os ambientes de elevado “stress” são mais competitivos e menos cooperativos. Nesses ambientes, os indivíduos dominantes, que procuram superar os outros, são naturalmente capazes de adquirir maiores quantidades de recursos e, portanto, aparecem mais competentes. Finalmente, esses estudos podem oferecer uma nova maneira de explicar as mudanças de longo prazo nas atitudes políticas. A calibração inicial das preferências sociais de facto, sugere que a vida política não é apenas influenciada pelas circunstâncias actuais, como as recessões, guerras e actos de terrorismo, mas também pelas circunstâncias experimentadas pelos eleitores quando eram jovens.

Tal pode ter um efeito protector contra as circunstâncias agravantes, quando os eleitores experimentam situações favoráveis ​​como as crianças, mas também podem prejudicar os efeitos benéficos das melhorias actuais no ambiente pessoal. Por exemplo, no início da década de 1970, após trinta anos de prosperidade crescente, cada vez mais pessoas começaram a abraçar valores pós-materialistas, como enfatizava a autonomia e a auto-expressão. No entanto, as crianças nascidas e criadas antes da II Guerra Mundial, que sofreram a recessão dos anos trinta e as restrições da guerra, continuaram a aderir aos valores materialistas, enfatizando a segurança económica e o autoritarismo.

Os países ocidentais, por outro lado, desde a década de 1970, experimentaram mais de trinta anos de estagnação económica e desigualdades crescentes. O efeito do elevado “stress” sobre as atitudes políticas das pessoas, pode ter sido atenuado, algum tempo, pela presença de grandes conjuntos de indivíduos criados durante períodos de prosperidade crescente de 1945 a 1975, e cujas atitudes políticas ainda foram influenciadas por uma infância favorável. Mas, à medida que as gerações mais novas atingem a maioridade e começam a votar, os candidatos autoritários podem tornar-se cada vez mais populares.

7 Jun 2017

Deficit de liderança global

“Traditional leadership in all its forms, even the most liberal and humanistic, has always had to delve deep into what is instinctual and emotive in the collective psyche to find the elements which will lend it force. Democracy, in its fundamental dimension, is a means of limiting the egotism and waywardness of those who exercise power by replacing them with others when their pretensions become intolerable.”
“The Mask of Command” – John Keegan

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] história é movida pela interacção entre a actividade humana e a circunstância, pelo que se dá um grande valor a esta união, particularmente nas matérias de guerra, paz, e de construção das nações. O historiador John Keegan fez a impressionante asserção de que a história de grande parte do século XX, foi um conto da biografia de seis homens, Lenin, Stalin, Hitler, Churchill, Roosevelt e Mao. Onde quer que nos encontremos sobre a questão do papel do indivíduo na história, o seu impacto deve ser incorporado nesta equação, particularmente, quando se trata de explicar os sinais de mudança na história de uma nação.

É que actualmente somos empanturrados com líderes e lideranças como a solução, se não a panaceia, para quase tudo o que nos aflige. Admiramos o atrevido líder transformador, que procura mudanças fundamentais e valoriza menos o cauteloso que negoceia, triangula e se prepara para resultados menos dramáticos, e tendemos a esquecer também, que os grandes líderes quase sempre surgem em tempos de crise nacional, trauma e carência, um risco que corremos, se sentimos a necessidade pelo seu retorno. Ainda assim, como o Santo Graal, procuramos alguma fórmula mágica ou chave para tentar entender a explicação sobre a grande liderança, e devoramos vorazmente as lições dos percursos de quem consideramos líderes eficazes nos negócios, meios de comunicação, ou na política.

Se digitarmos livros de liderança no motor de busca da “Amazon” obtemos oitenta e seis mil e quatrocentos e cinquenta e um resultados, e esse número cresce diariamente. Quer estudar sobre liderança, ou melhor ainda tornar-se um líder? Há certamente um programa até para os mais exigentes. A “International Leadership Association” faz uma lista de mais de mil e quinhentos programas académicos nessa área. Este foco nos líderes é compreensível, particularmente durante épocas de grande incerteza e ansiedade. É natural e até mesmo lógico procurar líderes, quando o nosso destino e futuro, parecem movidos por forças impessoais e imprevistas, além do nosso controlo.

Os psicólogos e mitólogos dizem-nos que a necessidade de procurar o grande líder para nos guiar ou até mesmo nos resgatar é um impulso antigo, mesmo primordial. Esta forte necessidade de forte liderança existe também na América, embora pareça estar em conflito com uma crença americana, que coloca um reconhecimento na auto-suficiência e independência. É suspeita pelo poder e autoridade e, expressa ambivalência sobre a ideia de líderes poderosos. A necessidade exagerada e extraviada de heróis e de liderança heróica, de facto, parece particularmente incongruente e até mesmo inapropriada em uma cultura política que celebra uma liderança eficaz, mesmo quando a constrange, e especialmente em um momento em que parece haver tão poucos líderes políticos predestinados a serem encontrados. Para complicar ainda mais as coisas, não entendemos como os líderes realmente lideram. Na verdade, temos uma visão muito idealizada, até mesmo cartoonista, desta matéria.

Temos a noção de que os melhores líderes são aqueles que são eleitos, prometendo altos princípios, visões elevadas, ou grandes programas e, em seguida, impô-los através do seu poder pessoal e persuasão, e quando os líderes não podem desempenhar o papel do herói, atribuímos o seu fracasso à incapacidade de comunicar e articular uma narrativa tão poderosa e convincente, que os seus seguidores se reúnem e os que duvidam e se opõem, não têm escolha, senão cumprir ou realizar comícios para recobrar forças, e na linha de Shakespeare, que Jacqueline Kennedy amava, Glendower vangloriava-se de Hotspur, em Henrique IV (acto 3), de que poderia “chamar espíritos do repouso profundo”. “Assim pode qualquer homem,” Hotspur respondeu, reflectindo a situação do líder na nossa era, acrescentando: “Mas virão quando os chamar?”

A concepção de liderança “chamada e vinda” é mais apropriada para Hollywood e para uma visão idealizada da nossa história, do que para a vida real no mundo político. O estratega democrata Paul Begala, brincou com referência às acusações de que Barack Obama não conseguiu elaborar uma narrativa convincente, afirmando que não tinha problemas de comunicação, mas um iceberg de problemas. As palavras de um presidente são importantes, mas deve haver contexto para dar-lhes um verdadeiro significado e poder. Tal contexto é muitas vezes uma questão de circunstâncias incontroláveis.

Os líderes não podem criar todo o contexto, se é crise, oportunidade, ou ambas. Karl Marx ao escrever no século XIX, observou que os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias auto-seleccionadas, mas sob circunstâncias existentes, dadas e transmitidas do passado. O líder aspiracional que adora concentrar-se no amanhã, o ontem é ironicamente pelo menos muito importante. Na maioria das vezes, os líderes eficazes intuem o que os tempos tornam possível e, em seguida, se são verdadeiramente habilidosos, exploram e ampliam essa oportunidade para ajudar a moldar a política que os sustenta. Na verdade, hoje em dia aqueles que favorecem e se alinham com a multidão de Carlyle e a visão do “Grande Homem” da história têm um sério problema.

Estamos no século XXI, setenta anos após os seis transformadores de Keegan, que tentaram conquistar ou salvar o mundo. Olhando ao redor, onde se encontram os grandes heróis, os líderes ousados e inovadores, aqueles que simplesmente reagem aos acontecimentos, mas também os moldam? Onde estão os gigantes de antigamente, os transformadores que mudaram o mundo e deixaram grandes legados? Muitos foram líderes muito maus que apareceram e desapareceram como Pol Pot, Idi Amin, Saddam Hussein, Muammar Qaddafi, Slobodan Miloševic, e alguns muito bons, como Charles de Gaulle, Konrad Adenauer, Anwar Sadat, Mikhail Gorbachev, Papa João Paulo II, e Nelson Mandela. Os líderes, com certeza, podem emergir dos lugares mais improváveis e nos momentos menos esperados e mais fortuitos. Pensemos apenas em Abraham Lincoln, Mahatma Gandhi e Martin Luther King Jr., e quem sabe que tipo de círculo longo da história dos líderes pode produzir o futuro? Apostar no futuro é, na melhor das hipóteses, um negócio incerto. Hoje as realidades não se apresentam tão brilhantes.

Enfrentamos um deficit de liderança de proporções globais. Encontramo-nos no que se poderia chamar de era de liderança pós-heróica. A ONU tem cento e noventa e três países membros, dos quais oitenta e oito são democracias livres e funcionais. Os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, os chamados grandes poderes, Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, China e Rússia, não são liderados por grandes líderes transformadores, e nem outros países em ascensão como o Brasil, a Índia e a África do Sul possuem líderes com sinais fortes. O Brasil vive os piores momentos de governança da sua história. Vemos líderes que são hábeis em manter o poder e os seus cargos por muitos anos, como Vladimir Putin e Recep Tayyip Erdogan. Angela Merkel é uma líder poderosa e uma política habilidosa; o primeiro-ministro indiano Narendra Modi pode muito bem revelar-se um líder a ser escutado.

Mas onde estão aqueles líderes que poderíamos descrever honestamente como potencialmente grandes, heróicos ou inspiradores? E quantos não são apenas grandes, mas bons, com humildade e elevados padrões morais e éticos, também? Quantos serão os autores de alguma realização incomparável, inigualável e enobrecedora no seu país ou no cenário mundial, uma conquista que provavelmente será vista ou lembrada como grande ou transformadora? Se fosse pressionado a identificar um líder potencialmente grande, seria impossível oferecer um chefe de Estado tradicional, mas sim uma figura religiosa – o Papa Francisco I, cuja grandeza, bem como a bondade, pode muito bem ser definida pela ironia da sua anti-grandeza, comunhão e humildade. Os grandes eventos ou crises, actualmente, não parecem conduzir a uma liderança afável, mas justamente considerados recipientes para líderes emergentes, pois nem a rebelião nem a revolução parecem capazes de produzir líderes históricos, mais condicentes com essas circunstâncias históricas.

A mais ampla transformação desde a queda da antiga União Soviética foi a chamada Primavera Árabe, que ainda não conseguiu conceber um único líder político com o poder e capacidade de transição do autoritarismo para uma reforma democrática. Os que permanecem em um mundo árabe inseguro, em grande parte os reis, emires e xeques parecem muito ocupados a olhar o espelho retrovisor, para considerarem qualquer realidade como uma reforma voltada para o futuro, audaz ou transformadora, esquecendo as mudanças históricas. Os líderes têm o que é necessário para serem bons líderes transaccionais, ou seja, para gerir os problemas mais mundanos e os desafios que têm em mãos e ainda para proporcionar uma boa governança? Será possível explicar a ausência de grandes líderes no cenário mundial? Não existe nenhuma explicação simples ou única. A parcela da resposta seguramente repousa sobre o simples facto de que a grandeza, se for definida geralmente como uma realização incomparável do que é uma nação, ou mesmo que altera o mundo, é por definição rara, não apenas na política, mas em qualquer aspecto do empreendimento humano.

É de entender que uma apreciação desta natureza também requer tempo, que é o último árbitro que dá valor à vida juntamente com a perspectiva de poder julgar o valor ou a qualidade de uma realização. Ao contrário da realização individual na arte, música, literatura ou mesmo nos desportos, a política tem muitas partes movediças e uma variedade muito ampla de factores, que estão além da capacidade de controlo de um político. Há uma terrível complexidade e contingência para a vida política, particularmente em democracias onde a política eleitoral, opinião pública, grupos de interesse e as burocracias conspiram para frustrar até mesmo os melhores planos estabelecidos. Se tal é verdade nos países, é duplamente real para os que procuram o sucesso da política externa no mundo cruel e imprevisível além fronteiras. Os líderes contemporâneos que aspiram a conquistas inigualáveis e sem precedentes, enfrentam o grave problema da incerteza que preside ao nosso tempo.

As nações, tal como as pessoas, passam por provações necessárias, ameaças existenciais e crises no início das suas histórias. As nações e as políticas que sobrevivem provavelmente nunca passarão por essa forma de provação novamente, em grande parte, porque tinham os líderes certos no momento correcto, para guiá-las através desses desafios. À medida que as nações amadurecem, a necessidade e oportunidade da acção heróica para prevenir ou lidar com esses desafios existenciais diminui, juntamente com figuras e narrativas que definem o mito e a realidade necessárias a uma grande conquista. Talvez o mais significativo para explicar o deficit de liderança moderno, é o facto de que o mundo se tornou um lugar muito mais complexo para os que querem adquirir, manter e usar o poder de forma eficaz, mas muito menos para produzir mudanças históricas. Alguns argumentam que chegámos ao fim da liderança, outros ao fim do poder, ou pelo menos à sua decadência e dissolução.

O escritor e colunista venezuelano Moisés Naím editor chefe da revista “Foreign Policy” afirma que o poder defronta-se com mudanças rápidas que tornaram as pessoas, bens e ideias mais cinéticas, móveis e conectadas, ideias que têm desencadeado expectativas e aspirações muito mais difíceis de gerir e controlar. Tal é certamente o caso dos autocratas que, como uma verdadeira classe de líderes, entraram em tempos difíceis, pois em 1977, os ditadores controlavam oitenta e nove países no mundo, tenho diminuído para vinte e três em 2011 e restando doze em 2017. O Egipto e a Tunísia que tinham sido governados por dois líderes autoritários durante décadas, foram retirados do poder em poucos meses. Mesmo nas democracias, onde reside a metade da população mundial, a era da informação globalizada e orientada para a tecnologia tornou a governação muito mais desafiadora.

A mídia 24/7 intrusiva que reconhece e não aceita fronteiras, confunde a celebridade com uma realização séria e dilui a distância, desapego, aura e a mística necessárias para uma grande liderança. A proximidade, como Ben Franklin opinou, produz desprezo e ingénuos. E para os políticos, demasiada exposição e familiaridade diminui a disposição do público de pensar no líder como ser especial ou grandioso. A cultura mediática actual abre uma verdadeira janela para observar e identificar as imperfeições e falhas dos líderes. Ao mesmo tempo, o nivelamento e a globalização do tradicional campo de disputa, têm conferido ao menor poder para competir e influenciar o maior. Até certo ponto, sempre foi assim na história. O poder de um único indivíduo para actuar sempre foi terrível. O assassinato do Arquiduque Francisco Fernando por um anarquista sérvio colocou em movimento uma cadeia de eventos que levaram à guerra mundial.

O assassinato do primeiro-ministro israelita Itzhak Rabin ajudou a matar o processo de paz de Oslo, e a mergulhar a relação israelo-palestiniana em uma crise de confiança, da qual ainda não se recuperou. Ainda assim, os actores menores, livres do que Naim descreve como “tamanho, escopo, história ou tradição entrincheirada”, desafiam cada vez mais os grandes de formas que poucos poderiam ter imaginado ser possível. Em 11 de Setembro, os ataques de dezanove terroristas da Al-Qaeda, prepararam o cenário para as duas guerras mais longas da história americana e uma reorientação fundamental da política de segurança nacional dos Estados Unidos. Em 2013, as revelações de um único contratado do governo dos Estados Unidos de um vasto trabalho de recolha de informações da “Agência de Segurança Nacional (NSA na sigla inglesa) ” no país e no exterior, desencadeou o maior debate em meio século, em como encontrar o equilíbrio certo entre segurança, privacidade e direitos individuais em uma sociedade democrática. Os modernos Gullivers, aspirantes e ambiciosos líderes são amarrados por um exército de constrangimentos e desafios que tornam eficaz governar de forma dura e frustrante.

29 Mai 2017

A marcha para a transformação da França e da Europa

“To avoid the trap of Europe fragmenting on the economy, security, and identity, we have to return to the original promises of the European project: peace, prosperity and freedom. We should have a real, adult, democratic debate about the Europe we want. We need to restore democracy and sovereignty in Europe.”
Emmanuel Macron

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] político novato que nunca desempenhou um cargo político electivo enfrentou uma nacionalista de extrema-direita, provinda dos antípodas da política francesa, pelo que a eleição presidencial pertencerá aos livros de história. Os eleitores franceses participaram na primeira volta das eleições presidenciais, que se realizaram a 23 de Abril de 2017. Após o encerramento e contagem dos votos, os resultados determinaram uma segunda volta, entre os candidatos Emmanuel Macron e Marine Le Pen, que se realizou a 7 de Maio de 2017. O terceiro lugar foi uma corrida renhida entre o esquerdista Jean-Luc Mélenchon e o republicano detentor de alguns escândalos e ex-primeiro ministro, Francois Fillon, que era único favorito de um partido francês. Há cinco anos, na última volta das eleições presidenciais, o socialista François Hollande venceu o então Presidente francês Nicolas Sarkozy da “União por um Movimento Popular (UMP na sigla em língua francesa) ”.

O partido foi fundado em 2002, pelo ex-Presidente Jacques Chirac, dissolvido em 2015 e sucedido pelo “Os Republicanos”, fundado em 2015 e liderado por Sarkozy. Os dois partidos dominaram a vida política francesa desde a década de 1980, à semelhança dos partidos republicanos e democrata nos Estados Unidos, embora em França, os principais partidos sejam frequentemente apoiados por partidos menores parceiros de coligação. O ex-Presidente Hollande cumpriu apenas um mandato presidencial, e era de esperar que se recandidatasse, mas assediado por escândalos pessoais e taxas extremamente baixas de popularidade resolveu afastar-se, sendo a primeira vez que um presidente em exercício desde 1958, não se recandidata.

O candidato Benoit Hamon, escolhido pelos socialistas para substituir Hollande, lutou para sair da sombra do seu antecessor, mas apenas conseguiu 6,36 por cento dos votos. O colapso do voto na esquerda dominante deveria ter beneficiado os republicanos, mas também tiveram enormes dificuldades. O primeiro a sucumbir foi Sarkozy, cuja tentativa de retorno à vida política francesa terminou em uma derrota humilhante e ficou em terceiro lugar em uma primária republicana. O vencedor dessa corrida foi Fillon, que parecia uma aposta certa para a presidência, até que surgirem alegações de que tinha pago salários à esposa e filhos com fundos públicos, trabalho que não realizaram, e apesar de ter negado qualquer irregularidade, deteriorou a sua imagem e, teve de lutar pelo terceiro lugar com Mélenchon, fundador, em 2006, do movimento “França Insubmissa”, e seu actual líder. O movimento é uma continuação da “Frente de Esquerda”, constituída em 2008.

O candidato Macron de trinta e nove anos, emergiu dos destroços dos dois  clássicos partidos políticos franceses. Foi banqueiro e ex-ministro da economia e indústria de Hollande, socialista, independente e fundou o partido social – liberal, “Associação para a Renovação da Política”, mais conhecido por movimento progressista, “Em Marcha”, em 6 de Abril de 2016, que rapidamente atraiu centenas de milhares de membros e subiu nas sondagens, prometendo uma reforma da assistência social e do sistema de pensões, políticas favoráveis às empresas e aumento das despesas com a defesa e um novo projecto para a UE que passa pela sua dinamização. A fraqueza da esquerda e direita moderada, criou a circunstância ideal para um centrista como Macron, que apelou aos eleitores de Fillon e aos socialistas de direita, tendo enfrentado desafios tanto da direita como da esquerda, mas mesmo o aumento dramático de Mélenchon nas últimas semanas da campanha, chegou tarde demais para derrubar os apoiantes do “Em Marcha”.

O valor do euro subiu no dia seguinte às votações que favoreceram Macron na primeira volta das eleições, ao contrário das resultantes do voto no Brexit ou das eleições presidenciais nos Estados Unidos. O então candidato Macron é um forte defensor da UE, ao contrário da sua ex-rival Marine Le Pen que defrontou na segunda volta das eleições presidenciais. A líder da “Frente Nacional” de extrema-direita, desde 16 de Janeiro de 2011, mudou o partido racista e anti-semita fundado pelo seu pai Jean-Marie Le Pen, com um discurso mais próximo da maioria da população para tentar vencer as eleições presidenciais. A candidata apesar de vir do extremismo da política francesa foi uma das figuras mais reconhecidas na campanha eleitoral francesa, sendo figura de relevo em todos os meios de comunicação social nacionais e estrangeiros.

O facto de ser anti-imigrante, economicamente conservadora e partidária da saída da França da UE e da OTAN, a sua eleição seria uma ruptura dramática da tradição política francesa, não diminuindo por tal facto, as suas possibilidades de poder eventualmente ganhar as eleições, que foram impulsionadas pelas preocupações sobre o terrorismo e a crise de refugiados, beneficiado do aumento de apoiantes em muitas partes do mundo, nomeadamente na UE e nos Estados Unidos às políticas anti-imigração. Apesar de sua forte campanha na primeira volta das eleições, teve a inteligência suficiente para considerar o maior obstáculo que representou o desafio de Macron, cujo apoio político maioritário previsível, acabou por se formar.

O candidato Hamon exortou os eleitores socialistas a apoiarem o novato, mesmo não sendo de esquerda, assim como o ex-primeiro-ministro Bernard Cazeneuve. O candidato Fillon, após conhecidos os resultados eleitorais, pediu aos eleitores para apoiar Macron, afirmando que a “Frente Nacional” tinha uma história conhecida pela sua violência e intolerância, e que o seu programa económico e social levaria a França ao fracasso. Os líderes da UE também apoiaram Macron, pelo menos em privado, pois esperavam evitar um outro Brexit, sendo benéfico que o candidato vencedor tivesse sucesso nas eleições para o fortalecimento da UE e da economia social de mercado. A última vez que a “Frente Nacional” esteve próxima de alcançar a presidência, foi em 2002, quando Jean-Marie Le Pen foi à segunda volta, mas os eleitores de todo o espectro político acabaram por derrotar a extrema-direita, tendo Jacques Chirac esmagado Le Pen com mais de 82 por cento dos votos, o maior desaire de uma eleição presidencial francesa, que contou com uma enorme participação, tendo a abstenção representado, apenas 20 por cento dos eleitores registados.

A candidata Le Pen melhorou significativamente o seu círculo eleitoral, mas mais de 73 por cento dos eleitores na primeira volta, escolheram um candidato diferente da líder da “Frente Nacional”, constituindo um sinal bastante sólido acerca da forma como as pessoas iriam votar no dia 7 de Maio de 2017, não tolerando que Le Pen viesse a ganhar as eleições na segunda volta. O escrutínio da primeira volta deu a Macron 24,01 por cento, a Le Pen 21,30 por cento, a Fillon 20,01 por cento e a Mélenchon 19,58 por cento. O recém-chegado político centrista Macron acabou por derrotar na segunda volta das eleições a candidata de extrema-direita, Le Pen. Assim, o pro-europeu Macron obteve 66,1 por cento dos votos, que representam 20,75 milhões de eleitores e Le Pen 33,9 por cento, que representam 10,64 milhões de eleitores e que tinha prometido um referendo “Frexit” se ganhasse as eleições. A abstenção foi de 25,44 por cento e os votos brancos e nulos de 11,47 por cento.

A vitória de Macron representa um virar de página na longa história dos cinquenta e nove anos da “Quinta República Francesa”, sendo o mais jovem presidente eleito. O resultado eleitoral foi uma rejeição enfática ao nacionalismo primário francês. A candidata Le Pen, esperava que a mesma vaga populista que fez Donald Trump vencer as eleições nos Estados Unidos e que teve o seu apoio de Putin, se repetiriam em França. Macron tem pela frente enormes desafios, devendo para além do que consta do seu programa eleitoral, encontrar os medicamentos certos para curar as divisões sociais expostas pela áspera campanha eleitoral e trazer fé e segurança reavivada,  que minore a raiva, ansiedade, e as dúvidas que muitos expressaram ao votar em um extremismo agudo de direita. A vitória de Macron foi a terceira em seis meses, após as eleições na Áustria e na Holanda, em que os eleitores europeus derrotaram os populistas de extrema-direita que queriam restaurar as fronteiras em toda a Europa. A eleição de um presidente francês que defende a unidade europeia também pode reforçar a UE no seu complexo processo de divórcio com a Grã-Bretanha.

A campanha presidencial francesa foi a mais imprevisível que há memória em que muitos eleitores rejeitaram os programas de ambos os candidatos. A França moderna sempre foi governada pelos socialistas ou pelos conservadores. Quer Macron como Le Pen desviaram essa tradição da direita – esquerda. A França enviou uma incrível mensagem para si, para a Europa e para o mundo. Macron era um desconhecido dos eleitores antes de exercer as suas turbulentas funções como ministro da economia e indústria de 2014 a 2016, tendo assumido um repto gigantesco quando deixou o governo do presidente socialista Hollande e concorreu como independente na sua primeira campanha. O seu movimento político inicial, optimisticamente denominado de “Em Marcha” enraizou-se em apenas um ano, aproveitando a ânsia dos eleitores por novos rostos e ideias. É um momento de glória para a França e para a UE, porque depois do Brexit, e da eleição de Donald Trump, o populismo foi derrotado.

Apesar da sua derrota, a subida enorme do número de votantes em Le Pen, pela primeira vez, marca um progresso pessoal e político e realça uma aceitação crescente da sua feroz plataforma anti-imigração. Le Pen foi a terceira candidata mais votada nas eleições presidenciais de 2012. Após estas eleições a sua atenção volta-se imediatamente para as próximas eleições legislativas em França, a realizar, em 11 e 18 de Junho de 2017. Macron vai precisar de uma maioria para poder governar de forma eficaz, tendo o movimento “Em Marcha”, mudado o nome para partido “República em Marcha”, para disputar as eleições legislativas e que é liderado desde 8 de Maio de 2017, por Catherine Barbaroux. Le Pen teve uma votação histórica e maciça, que no seu entender, tornou o partido na principal força de oposição contra os planos do novo presidente. O número de votos obtidos por Le Pen representa quase o dobro dos votos obtidos pelo seu pai nas eleições presidenciais de 2002.

As visões de pólos opostos de Macron e Le Pen foram apresentadas a quarenta e sete milhões de eleitores registados em França e com a maior escolha possível. As fronteiras fechadas de Le Pen confrontaram-se às abertas de Macron. O compromisso deste com o livre comércio competiu contra as propostas daquela para proteger os franceses da concorrência económica global e da imigração. O desejo de Le Pen de libertar a França da UE e do euro como moeda comum foi contra o argumento de Macron, de que ambos são essenciais para o futuro da terceira maior economia da Europa. Além de capitalizar a rejeição dos eleitores do monopólio esquerda -direita do poder, Macron também teve sorte, pois o ex-primeiro-ministro conservador Fillon, um dos seus adversários mais perigosos, foi prejudicado pelas alegações de que a sua família tinha beneficiado de empregos financiados durante anos pelos contribuintes.

O Partido Socialista ruiu e o seu candidato foi abandonado pelos eleitores que queriam punir Hollande, o Presidente mais impopular da França desde a II Guerra Mundial. Macron preside a uma nação que, quando a Grã-Bretanha deixar a UE em 2019, se tornará o único Estado membro com armas nucleares e assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. A votação também mostrou que os sessenta e sete milhões de franceses estão profundamente divididos, angustiados pelo terrorismo e pelo desemprego crónico, preocupados com o impacto cultural e económico da imigração e temendo a capacidade da França de competir com gigantes como China e o Google. Macron prometeu uma França que iria enfrentar a Rússia, mas que também iria procurar trabalhar com o Vladimir Putin na luta contra o Estado Islâmico, cujos extremistas reivindicaram ou inspiraram vários ataques na França, desde 2015.

Tendo tomado posse a 14 de Maio de 2007, o novo Presidente francês tem um vasto e ambicioso programa liberal – conservador, que não é de esquerda, nem de direita, não se propondo reformar a França, mas transformá-la, sem rupturas, baseadas no trabalho e responsabilidade. Quanto à área económica propõe medidas como o eliminar de cento e vinte mil postos de trabalho na administração pública nos próximos cinco anos; realizar uma poupança na despesa pública de sessenta mil milhões de euros durante o seu mandato; destinar cinquenta mil milhões de euros ao investimento público nos sectores de futuro; cortar o cabaz de impostos que sobrecarregam as empresas, acompanhada da redução dos impostos locais. A estratégia económica procurará melhorar as despesas públicas, responsabilizar os particulares e relançar o emprego com investimentos, para além de financiar a educação e a formação profissional.

Quanto à área social propõe uma reforma global do sistema nacional de contribuições e de protecção social, procurando flexibilizar o mercado de trabalho, assim como a aposentação, que sofrerá uma grande mudança. Quanto à área política propõe moralizar a vida política, com legislação mais apropriada, considerando-se a favor de uma reforma parcial do modelo eleitoral a duas voltas, benéfico aos grandes partidos, por um modelo com certa dose de proporcionalidade, para facilitar a situação dos partidos mais jovens e emergentes. Quanto à área da segurança propõe reforçar a polícia e as forças de segurança, sugerindo novas formas de cooperação europeia. Quanto à UE considera que já funciona a várias velocidades, sendo a favorável ao inicio de reformas feitas por outros países, para poder adquirir poder e prestigio na Europa. Quanto à área social e cultural aposta no modelo laico francês, avançando ideias mais ou menos gerais e pouco comprometedoras sobre a nova França multicultural.

O presidente social reformista maquilha todas as suas iniciativas com doses aleatórias de ecologia, radicalismo e respeito à diversidade. O ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, Sigmar Gabriel, disse uma verdade cruel: se o Presidente Macron falhar nos próximos cinco anos, Le Pen será Presidente, e o projecto europeu será como um osso atirado aos cães. A UE por sua parte terá de voltar à essência e natureza do projecto da sua fundação, deixando de ser a Europa dos políticos, tecnocratas e burocratas, para passar efectivamente a ser a tão anunciada e desejada e não praticada, Europa dos cidadãos.

16 Mai 2017

A diplomacia de Cubo de Rubik

“Classic geopolitical concerns such as the nuclear non-proliferation regime, the maintenance of the reputation of United States as nuclear and global hegemon, Sino-Japanese hostility, Sino-US distrust and the Taiwan Straits issue, and the desire of Russia to participate in regional security and development schemes are all super-imposed on and shape the fundamental insecurity of Korea.”
“Complexity, Security and Civil Society in East Asia: Foreign Policies and the Korean Peninsula” – Peter Hayes and Kiho Yi

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] palavra dissuasão soa a mofo, pois trata-se de uma construção da Guerra Fria, e era uma teoria complicada, seguida de um conjunto de políticas em evolução que mantiveram os Estados Unidos e a União Soviética em um Armagedão nuclear. Foi em grande parte uma bolinha de neve durante a era do após Guerra Fria. Trata-se do passado e actualmente com um novo conjunto de ameaças em todo o mundo, como na Coreia do Norte, Síria, Estados Bálticos e Mar do Sul da China, o governo do presidente Donald Trump poderá ser beneficiado se reaprender e reaplicar as lições de dissuasão para esta nova era turbulenta. Qual a razão pela qual a dissuasão interessa?

A primeira razão é porque o poder americano de dissuadir é fraco para manter as alianças dos Estados Unidos, e a administração de Donald Trump pode não conseguir impedir outros países de os atacar com armas nucleares. Muito poucos duvidariam da disposição dos Estados Unidos, ou da sua capacidade para neutralizar qualquer país que lançasse um ataque nuclear contra o seu território. A administração Obama redescobriu o seu significado, quando a Rússia anexou a Crimeia e invadiu a Ucrânia, e constatou que os Estados Unidos tinham um problema crescente em dissuadir os adversários de usar armas convencionais, ou mesmo comandos especiais operacionais para atacar Estados regionais fracos, o que é profundamente desestabilizador.

A segunda razão pela qual a dissuasão importa, é que as ameaças à segurança dos Estados Unidos e dos seus aliados estão a aumentar. As guerras das últimas décadas, especialmente a partir do 11 de Setembro de 2001, tiveram um grande custo para os Estados Unidos. Os Estados Unidos lutaram em guerras prolongadas como nos Balcãs, no colapso da Somália, nos conflitos do Iraque, Afeganistão, Líbia e Síria, e viveram a crescente crise sobre as ambições nucleares do Irão, mas nenhuma dessas ameaças era existencial.

Ainda não existiu qualquer ameaça que pusesse em causa a sobrevivência do povo americano, ou a destruição em larga escala do seu território, e nenhuma situação ameaçou directamente os principais aliados dos Estados Unidos, à excepção da guerra psicológica que a Coreia do Norte tem criado com o desenvolvimento de um denominado, mas não comprovado programa nuclear, com armas nucleares capazes de atingir a Coreia do Sul, Japão e menos provável, o solo americano. As ameaças emergentes ao longo do próximo quarto de século, provavelmente, serão muito mais consequentes.

A China, Rússia e Coreia do Norte estão a modernizar rapidamente os seus arsenais nucleares e actualizar os seus sistemas de defesa. A Rússia e a China também estão a melhorar amplamente as suas capacidades militares convencionais, mudando o equilíbrio de poder e criando novas incertezas. As armas químicas e biológicas são mais fáceis de obter do que nunca, a ameaça dos ataques cibernéticos parece ilimitada e o terrorismo internacional não vai desaparecer em breve. Como será possível aos Estados Unidos dissuadir essas ameaças? Deve em primeiro lugar, entender que não existe uma dissuasão global. Em vez disso, precisa de impedir um adversário específico de tomar uma acção especial.

A dissuasão significa antecipar as intenções de um adversário e influenciá-las. Os Estados Unidos não podem, por exemplo, dissuadir a Rússia. No entanto, podem planear dissuadir o presidente Vladimir Putin de apoderar-se da Estónia, rapidamente. Há dois anos, os especialistas em geoestratégia advertiram que tal cenário era bastante provável. A NATO e os Estados Unidos desde então, tomaram medidas para incutir dúvidas na mente dos líderes russos, que tal ataque poderia ter êxito.

Os Estados Unidos, igualmente, podem impedir a Coreia do Norte de iniciar um ataque nuclear contra a República da Coreia ou do Japão, ou iniciar um ataque convencional de grande escala contra a Coreia do Norte. Em ambos os casos, os Estados Unidos e os seus aliados oferecem respostas credíveis que seriam tanto esmagadoras quanto devastadoras. É de acreditar que será difícil, senão impossível, os Estados Unidos ou mesmo a China impedir a Coreia do Norte de continuar com o seu programa de desenvolvimento de armas nucleares, pois está a fazer por instinto de sobrevivência, ou pelas provocações regulares do sul, que lhe trouxeram atenção internacional e recompensas ao longo de décadas.

O fim do programa nuclear norte-coreano exigirá um acordo negociado, que possivelmente obrigará que a China seja uma garantia do regime. A abordagem holística para essas ameaças deve incluir o aumento das capacidades da administração de Donald Trump para antecipar ameaças emergentes, incluindo eventos, que são improváveis ​​que aconteçam, mas que seriam devastadores se ocorrerem. Os Estados Unidos nunca conseguirão prever o futuro, mas podem antever múltiplas possibilidades e tomar as medidas apropriadas. Os planeadores civis e militares, também devem desenvolver políticas e capacidades específicas para dissuadir as grandes ameaças que podem augurar, devendo enfatizar os meios convencionais de dissuasão, mais do que os meios nucleares.

As ameaças dos Estados Unidos precisam de ser credíveis e prepararem-se para dissuadir em vários domínios, incluindo o espaço e o ciberespaço, devendo adaptar as capacidades de dissuasão e mensagens para influenciar distintos potenciais adversários. O que afasta Vladimir Putin pode não perturbar Kim Jong-un. Algumas ameaças não serão antecipadas ou dissuadidas, como as pandemias, desastres naturais ou ataques furtivos, por exemplo. Aumentar a resiliência nacional poderá ajudar os Estados Unidos a recuperarem-se mais rapidamente e de forma mais sólida de quaisquer desastres ou ataques que ocorram.

A interrupção pode ser inevitável, mas a antecipação, dissuasão e resiliência podem ajudar. Os Estados Unidos, amigos e aliados, por mais de sete décadas, construíram uma ordem internacional liberal que abriu uma era de paz e prosperidade sem precedentes. Actualmente, e após quinze anos de guerras inconclusivas, desencanto generalizado com o desempenho económico do país e uma eleição presidencial polarizadora que dividiu os americanos, e que levaram à eleição de um presidente mal preparado e imprevisível, que após cem dias de governo, apresenta 54 por cento de descontentamento e que começam a desconfiar do seu governo. As grandes mudanças de poder e realinhamentos estão a ocorrer por todo o mundo.

A administração de Donald Trump terá de lidar com a modernização militar russa e chinesa e posições mais agressivas, mas procurar a sua cooperação em questões de segurança globais e económicas, exigirá uma diplomacia hábil de “Cubo de Rubik”. O pensamento multidimensional e a capacidade de gerir relacionamentos ambíguos, com governos que têm interesses compartilhados e conflituantes será um desafio. As perspectivas de crescimento dos Estados Unidos são melhores do que as de outro grande país desenvolvido, e está melhor posicionado do que qualquer dos seus rivais para resolver problemas, incluindo a dívida, empregos, deslocação e demografia.

O lento crescimento global, a fraqueza do mercado de trabalho interno e a relação recorde da dívida/PIB serão enormes desafios. Os Estados Unidos não enfrentam nenhuma ameaça existencial, mas a liderança americana será necessária para enfrentar ameaças potencialmente existenciais de armas nucleares russas e chinesas, ameaças biológicas emergentes e alterações climáticas repentinas. Reduzir estas ameaças supranacionais é um interesse central dos Estados Unidos. Os únicos adversários não aliados dos Estados Unidos são a Coreia do Norte e os violentos movimentos jiadistas, como o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIL na sigla inglesa), a Al Qaeda e grupos similares.

A nova era que se apresenta, está cheia de desafios importantes aos interesses dos Estados Unidos, e exigirá que se adaptem a mudanças e realinhamentos internacionais significativos. Os realinhamentos na Ásia incluem a sempre agressiva Coreia do Norte, que continua a testar as suas armas nucleares e os mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs na sigla inglesa) para os lançar. A China reafirmou o seu apoio básico ao regime norte-coreano, apesar das relações com o jovem líder Kim Jong-un, estando a exercer pressão no sentido da desistência do programa nuclear, que será extremamente difícil de acontecer.

A Coreia do Norte é o país mais secreto e estranho do mundo. A fome é horrenda e desenfreada. A tortura e a execução comuns, infligidos por uma única família que perpetua um culto de personalidade, tornou-se em um hábito. O seu líder, exibe a letal paranóia dos ditadores, tendo assassinado vários altos funcionários e familiares, mais recentemente, o seu meio-irmão em um aeroporto da Malásia como uma advertência pública. O líder norte-coreano aprendeu com Muamar Kadafi o que acontece quando um tirano desiste de armas nucleares. Quer no exterior, como internamente, o medo garante a sobrevivência e as suas ogivas nucleares proliferam.

Os seus testes de ICBMs aceleram e por erro de cálculo ou desenho, a Coreia do Norte poderá desencadear uma calamidade nuclear. As três décadas de mudança de estratégias americanas, como ameaças, negociações, sanções, ajuda e isolamento, deixaram aos Estados Unidos e aos seus aliados um perigo nuclear. A China, ex-inimigo da Coreia do Sul, tornou-se no seu principal parceiro comercial, mas as relações têm sido desgastadas, pelas crescentes ameaças de um ataque nuclear pela Coreia do Norte, levando os Estados Unidos a instalar o sistema anti-mísseis balístico, denominado de “Sistema de Defesa Terminal de Área a Grande Altitude (THAAD na sigla em inglês) ”.

A China considera que o dispositivo é uma ameaça à sua segurança. As Filipinas, sob a presidência de Rodrigo Duterte, melhoraram as relações com a China e Rússia, e criticaram duramente os Estados Unidos. Enquanto os Estados Unidos são muito populares no país, a postura do presidente Duterte lançou alguma dúvida sobre o futuro do “Tratado de Defesa Mútua”, acordado em 30 de Agosto de 1951, entre os dois países, acrescido das graves violações aos direitos humanos, pelo assassinato de traficantes e consumidores de droga, considerados crimes contra a humanidade.

O Vietname ameaçado pelas reivindicações marítimas da China está a fortalecer os laços de segurança com o Japão e os Estados Unidos. Outros países da “Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN na sigla em inglês) ” e a Austrália também estão a trabalhar com os Estados Unidos para melhorar suas capacidades marítimas. O Japão está a aumentar as despesas militares, e a fomentar relações de defesa mais fortes com o Vietname, Birmânia, Filipinas e Austrália, para equilibrar a influência da China. O recente pedido de desculpas do Japão à Coreia do Sul pelo uso de “mulheres de conforto”, abre a porta para uma maior cooperação em questões de segurança entre os dois países.

O Japão preocupado com as actividades marítimas da China, tem forçado o “Conceito de Diamante” no qual os Estados Unidos, Japão, Austrália e Índia formariam os quatro pontos de uma zona de segurança, em forma de diamante no Indo-Pacífico. A Índia há muito tempo segue uma política externa não-alinhada, compartilhando com os Estados Unidos preocupações sobre a construção naval chinesa no Indo-Pacífico. Ao mesmo tempo, a Índia está a alargar a cooperação em matéria de segurança com o Japão, cooperando em tecnologia de defesa, partilha de conhecimentos e modernização de infra-estrutura nas Ilhas Andaman, mantendo vínculos estreitos com a Rússia, seu fornecedor tradicional de armas.

11 Mai 2017

A sacrossanta soberania da Síria

“For the Foreseeable Future, No Government Will Be Able to Rule All of What Was the Modern State of Syria Assad’s forces, with external support, appear to have stalemated a fragmented rebel movement, but Assad will not be able to restore his authority throughout the country.”
“The Dynamics of Syria’s Civil War” – Brian Michael Jenkins

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]inda que nunca tenha sido articulada em termos tão rígidos, um dos objectivos principais dos Tratados de Vestefália, que foram assinados para pôr termo à Guerra dos Trinta Anos, em 1648, tinham como ideia basilar a de “nunca mais vir a acontecer”. Os termos dos tratados procuraram, em última análise, assegurar que o mundo pudesse estar para sempre livre do envolvimento de forças externas em conflitos internos, que tornaram a Guerra dos Trinta Anos tão prolongada e catastrófica. As numerosas intervenções estrangeiras na actual Guerra Civil Síria demonstraram, incluindo mais recentemente, os ataques de mísseis de cruzeiro pelos Estados Unidos, em 6 de Abril de 2017, que esta visão está a tornar-se cada vez mais ruinosa.

O mundo tem razão em diluir o poder da soberania desde 1945, no entanto, a presença e o impacto de intervenções estrangeiras repetidas na Síria lembra-nos, a razão pela qual a soberania foi concebida, e devemos quiçá, encontrar rapidamente um seu substituto. A Guerra dos Trinta Anos foi uma das mais sangrentas e destrutivas da história, com cerca de sete milhões e quinhentas mil pessoas mortas, devido às batalhas travadas e doenças, além das atrocidades do governo.

É de realçar que sendo um assunto predominantemente interno sobre a política e religião das províncias alemãs no Sacro Império Romano, a crise transformou-se numa guerra pan-europeia, que foi dominada pelas intervenções de potências estrangeiras. Essas intrusões, aconteceram principalmente, como resposta ao aumento e diminuição das fortunas dos vários lados, quando os protestantes pareciam estar à beira da vitória, sofreriam a oposição dos Estados Católicos externos, e quando os católicos prosperassem, seriam rejeitados por poderes Protestantes externos, e como resultado, o conflito arrastou-se em um ciclo aparentemente interminável de violência.

A imagem de uma miríade de exércitos estrangeiros marchando de um lado para outro pelo solo alemão, deixando a morte e a carnificina no seu caminho, resumem o conflito. O princípio central que emergiu dos Tratados de Vestefália no fim da guerra, foi a deliberação de que o príncipe de cada Estado, decidia que tipo de Cristianismo devia seguir no seu domínio. O tempo fez evoluir para a moderna soberania estatal como a conhecemos, com a sua crença de que os assuntos internos de um Estado estão exclusivamente sob a jurisdição do seu governo. Mas o fundamento subjacente à criação desse princípio é muitas vezes ignorado.

Os Tratados de Vestefália foram redigidos com a determinação de que a horrível saga, que a Alemanha tinha experimentado, nunca mais deveria ocorrer. Tendo em consideração essa ideia, o envolvimento militar de um Estado nos assuntos de outro seria considerado inaceitável, pelo menos parcialmente, para impedir que as potências estrangeiras alargassem as guerras civis, através de intervenções repetidas em nome do lado perdedor. O paralelismo entre as intervenções estrangeiras na Guerra dos Trinta Anos e a presença estrangeira na Síria são bastante claros.

A lista completa de incursões externas é muito longa. Durante os primeiros anos do conflito, quando os rebeldes ainda estavam a lutar para encontrar o seu caminho, os seus esforços foram assistidos pelo fornecimento de grandes quantidades de armas e outras ajudas pelo Qatar, Arábia Saudita, Jordânia e de vários outros Estados árabes. O arranjo foi formalizado em 2013, quando a Liga Árabe oficialmente aprovou o fornecimento de armas e financiamento para apoiar os grupos rebeldes. Os Estados Unidos e outros estados ocidentais, também forneceram quantidades limitadas de armas e ajuda não letal.

Os esforços foram parcialmente compensados pelo apoio limitado ao regime de Assad, pelo Irão, Rússia e Hezbollah, mas os rebeldes foram, no entanto, suficientemente reforçados para que pudessem estabilizar as suas posições e, mais tarde, pressionar o governo. A situação inverteu-se, no final de 2015, e as perspectivas militares pareciam tão sombrias para o governo sírio, que muitos especialistas previram o seu fim iminente. A Rússia, nesta fase, intercedeu mais fortemente para apoiar o regime de Assad, através do envio de conselheiros militares, desenvolvimento de ataques aéreos e o aumento de fornecimento de armamento e ajuda, permitindo ao governo recuperar gradualmente vantagem sobre os opositores.

Quando o governo sírio parece aproximar-se de um ponto em que a vitória pode estar quase ao seu alcance, os Estados Unidos intervieram disparando cinquenta e nove mísseis Tomahawk, e ameaçam com novas acções em um futuro próximo, o que promete trazer de novo, o equilíbrio de poder ao “status quo” anterior, uma vez mais, e mergulhar a guerra em um estado de indecisão e mudança. Os numerosos grupos internos apoiados externamente, continuarão a conflituar agressivamente uns contra os outros, causando ainda mais sofrimento humano, mas sem perspectiva de vitória para qualquer um dos lados.

Tais intervenções e o seu impacto, reflectem o mesmo modelo que levou a guerra civil na Alemanha a durar trinta longos e dolorosos anos, e não são só as actividades dos poderes externos na Síria que compartilham paralelismos com a Guerra dos Trinta Anos, mas também as motivações por detrás das suas acções. É de considerar que na Guerra dos Trinta Anos, os poderes externos não intervieram, apenas porque queriam defender os direitos políticos e religiosos de certas facções, mas também porque a guerra civil oferecia uma arena longe das suas terras, onde podiam demonstrar o seu poder na cena internacional, fazer valer as suas ideias estratégicas, e controlar as ambições dos seus rivais.

O rei Gustavo II da Suécia, por exemplo, decidiu mergulhar-se no conflito, em parte porque temia que os seus rivais estrangeiros adquirissem demasiado poder se a facção católica na Alemanha saísse vitoriosa. A semelhança com a Síria é notável. A Arábia Saudita, por exemplo, possui genuína repulsa contra a opressão exercida pelo governo sírio contra o seu próprio povo. No entanto, também é motivado a apoiar os rebeldes pela realização estratégica de que o derrube do regime de Assad, seria provavelmente mudar o equilíbrio regional de poder. A Rússia, da mesma forma, em 2015, interveio em parte para lembrar ao mundo o seu grande estatuto de potência, estimular um dos seus poucos aliados e exercer maior influência na região.

Mais recentemente, apesar das reivindicações formais de ter atacado o governo sírio como punição pelo uso ilegal e desumano de armas químicas, o governo americano parece ter aderido à guerra por várias outras razões, e que incluem o desejo de mostrar a sua rivalidade com a Rússia à sua população, demonstrar a disponibilidade para usar a força militar como sanção contra os Estados que cometam atrocidades dos direitos humanos, e empregar armas de destruição massiva (uma ameaça não muito subtil contra a Coreia do Norte).

É sinal de que os Estados Unidos estão a rejuvenescer a sua posição como poder global, sob a batuta do novo presidente. A Síria, da mesma forma que a situação na Alemanha forneceu um motivo distante para que esses e outros estados estrangeiros se esforçassem por avançar nas suas políticas individuais, prejudicassem as dos seus concorrentes, comunicassem a sua força e resolução a outros Estados, e enviassem mensagens a audiências internas. Através da criação de uma versão inicial da soberania, os redactores da paz vestefaliana aspiravam criar um mundo mais seguro, em que o tipo de tragédia criado pela Guerra dos Trinta Anos poderia ser evitado para sempre.

Se nenhuma potência estrangeira tivesse sido autorizada a intervir na guerra civil alemã, a lógica provavelmente demonstraria que o conflito teria permanecido predominantemente local, e teria muito menos mortes e devastação. No entanto, séculos subsequentes demonstraram, quão errada foi esta solução. A norma de não interferência permitiu e até incentivou o mundo a ficar de braços cruzados, enquanto centenas de milhões de pessoas foram mortas pelos regimes fascistas, comunistas e outros ditadores, a fechar os olhos ao horroroso genocídio e às campanhas de extermínio dos governos nazi e japonês na década de 1930, até que forçarem a invasão de outros países, e desviar o olhar para o genocídio levado a cabo no Ruanda. Estes e muitos outros casos, demonstraram as insuficiências inaceitáveis do sistema vestefaliano, e a sua ênfase na não interferência. Simplesmente não podemos e não devemos viver num mundo, em que os tiranos podem cometer atrocidades contra o seu povo livremente, e sem consequências.

A resposta global às falhas do sistema vestefaliano, foi diluir a robustez da soberania e começar a cortejar o intervencionismo mais uma vez. Vários tratados internacionais, por exemplo, permitem que os Estados possam interceder nos assuntos de outros Estados, quando crimes internos de suficiente grandeza ou tipo tenham sido cometidos. Na sequência dos fracassos da manutenção da paz da ONU, na década de 1990, a Organização libertou as protecções concedidas aos Estados através da soberania, com a criação da “Responsabilidade de Proteger”, que é uma doutrina que concede um direito e um encargo sobre os Estados de intervir nos assuntos de outros Estados, quando determinados crimes são cometidos. Foi criado também um Tribunal Penal Internacional, que pode julgar suspeitos de violação dos direitos humanos quando o seu Estado de origem é incapaz ou não está disposto a fazê-lo. Dadas as terríveis atrocidades que foram cometidas ao abrigo da soberania e das suas protecções, o regresso ao princípio da sua inviolabilidade tem um sentido considerável.

Os Estados não podem ficar de braços cruzados enquanto o genocídio e outros crimes contra a humanidade são cometidos além das suas fronteiras, sendo ao invés, idóneos e obrigados a agir nestes casos, o que é certamente algo de valioso. No entanto, quando olhamos para a Síria, é difícil não ver a mesma mecânica que levou a Guerra dos Trinta Anos a ser tão demorada e prejudicial. A intervenção externa de potências estrangeiras está a prolongar e intensificar a guerra na Síria, assim como as forças externas fizeram na Alemanha, quase quatro séculos atrás.

A tentativa de solução para este problema que foi alcançado na Vestefália, levou a um sofrimento ainda maior, ao permitir que os ditadores abusassem dos seus súbditos, e é justo que a soberania não seja mais considerada sacrossanta. No entanto, isso não altera a existência do problema original que levou à sua criação em 1648. Ao adoptar a norma do intervencionismo, as maiores potências do mundo estão a redescobrir a razão pela qual foi banido na Vestefália há tantos anos. A soberania e o intervencionismo não são a resposta certa para o problema. É necessário e urgente encontrar uma melhor solução, ou então o povo sírio ainda pode enfrentar mais vinte e três anos de guerra e miséria.

4 Mai 2017

O aquecimento global como desafio ambiental

“We will know only what we are taught; we will be taught only what others deem is important to know; and we will learn to value that which is important.”
Native American proverb

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Terra não herdámos dos nossos antepassados, mas sim tomámos emprestada dos nossos filhos. Este antigo e nativo provérbio americano e o que implica, soam actualmente, como se tornou cada vez mais óbvio, que as acções das pessoas e as interacções com o ambiente afectam não só as condições de vida, mas também as de muitas gerações futuras. Os seres humanos devem analisar o efeito que têm sobre o clima da Terra, e como as suas escolhas terão um impacto sobre as gerações futuras. Muitos anos antes, Mark Twain, disse que “O mundo todo fala sobre o clima, mas ninguém faz nada”, o que não é mais verdade.

Os seres humanos estão a mudar o clima do mundo, e assim o clima local, regional e global. Os cientistas dizem-nos que o ambiente é o que nós esperamos, e o clima o que obtemos. As alterações climáticas, ocorrem quando esse clima médio muda a longo prazo, em um local específico, uma região ou todo o planeta. O aquecimento global e as alterações climáticas são temas urgentes, de discussão diários nos meios de comunicação social, conversas e até mesmo nos filmes de terror.

Quanto significa de facto? O que representa o aquecimento global para as pessoas? O que deveria significar? são das questões mais importantes. O aquecimento global e as suas ameaças são reais. Tal como os cientistas desvendam os mistérios do passado, e analisam as actividades actuais, alertando que as gerações futuras podem estar em perigo. Há uma evidência esmagadora de que as actividades humanas estão a mudar o clima do mundo. A atmosfera terrestre pouco mudou nos últimos milhares de anos, mas actualmente, existem problemas em manter o equilíbrio.

Os gases de efeito estufa estão a ser adicionados à atmosfera a uma taxa alarmante. A partir da Revolução Industrial, nos finais do século XVIII e início do século XIX, as actividades humanas de transporte, agricultura, queima combustíveis fósseis e biomassa, eliminação e tratamento de resíduos, desflorestação, centrais eléctricas, uso da terra, e processos industriais, têm sido os maiores contribuintes para a concentração dos gases de efeito de estufa. Essas actividades estão a mudar a atmosfera mais rapidamente, do que os seres humanos enfrentaram alguma vez. Alguns pensam que aquecer a atmosfera da Terra por alguns graus é inofensivo e não poderia ter nenhum efeito sobre os seres humanos, mas o aquecimento global é mais do que apenas uma tendência de aquecimento ou arrefecimento.

O aquecimento global pode ter consequências ambientais, sociais e económicas imprevisíveis e de longo alcance. A Terra viveu uma idade de gelo de treze mil anos no passado. As temperaturas globais aqueceram depois cinco graus e fundiram as vastas camadas de gelo,  que cobriram grande parte do continente norte-americano. Os cientistas prevêem que as temperaturas médias podem subir sete graus durante este século. O que acontecerá com os restantes glaciares e calotes polares? Se as temperaturas subirem, como prevêem os cientistas, haverá menos água doce disponível, e um terço da população mundial, ou mais de dois mil milhões de pessoas sofrerão de falta de água.

A falta de água impedirá que os agricultores cultivem as terras e produzam alimentos, o que também irá destruir permanentemente peixes sensíveis e habitats de vida selvagem. À medida que os níveis do oceano subirem, o litoral e as ilhas serão inundadas e destruídas. As vagas de calor podem matar dezenas de milhares de pessoas e com temperaturas mais quentes, surtos de doenças se espalharão e intensificarão. Esporos de fungos ou mofos na atmosfera irão aumentar, afectando os que sofrem de alergias. Um aumento severo no clima poderia resultar em furacões semelhantes ou mesmo mais forte do que o Katrina, em 2005, que destruiu grandes áreas do sudeste dos Estados Unidos.

As temperaturas mais elevadas farão com que outras áreas, sequem e se tornem mecha para incêndios florestais maiores e mais devastadores que ameaçam florestas, vida selvagem e casas. Se a seca destruir as florestas tropicais, os combustíveis fósseis e a poluição da Terra serão afectados, prejudicando a água, ar, vegetação e toda a vida. Ainda que, os Estados Unidos tenham sido um dos maiores contribuintes para o aquecimento global, situa-se muito abaixo dos países e regiões, como o Canadá, Austrália e Europa Ocidental, a tomar medidas para corrigir o dano que tem sido produzido.

O aquecimento global é um conjunto multi-volume que explora o conceito de que cada pessoa é membro de uma família global, que compartilha a responsabilidade de corrigir esse problema. Na verdade, a única maneira de corrigi-lo é o trabalho conjunto em direcção a um objectivo comum. Um dos maiores contribuintes causados pelo homem para o aquecimento global, são os gases de efeito estufa, emitidos para a atmosfera através da queima contínua de combustíveis fósseis. Enormes quantidades de gases de efeito estufa, como o vapor de água, dióxido de carbono (CO2), metano, óxido nitroso e ozónio, são emitidos diariamente. Durante muitos anos, os Estados Unidos foram o maior contribuinte, mas a China e a Índia, devido às suas  revoluções industriais, tornaram-se o maior emissor de CO2 do mundo.

Os combustíveis fósseis, como o petróleo, gás natural e carvão, são as principais fontes de energia dos Estados Unidos, representando 85 por cento do consumo actual de combustível para fins de transporte, industrial, comercial e residencial. Quando os combustíveis fósseis são queimados, entre os gases emitidos, um dos mais significativos é o CO2, que é um gás que retém o calor na atmosfera da Terra. A queima de combustíveis fósseis, nos últimos 200 anos, resultou em mais de 25 por cento de aumento na quantidade de CO2 na atmosfera. Os combustíveis fósseis também estão implicados no aumento dos níveis de metano atmosférico e óxido nitroso, embora não sejam a principal fonte desses gases. O carbono negro é uma forma de poluição do ar em partículas, produzida pela queima de biomassa, cozimento com combustíveis sólidos e gases de escape diesel, e tem um efeito de aquecimento na atmosfera, três a quatro vezes maior do que o previamente calculado.

A fuligem e outras formas de carbono negro podem contribuir com até 60 por cento do actual efeito de aquecimento global de CO2, mais do que qualquer outro gás de efeito estufa, além do CO2. Nos últimos anos, entre 25 e 35 por cento do carbono negro na atmosfera global, provêm da China e da Índia, emitido pela queima de madeira e esterco de vaca nas cozinhas domésticas e pelo uso de carvão para aquecer as habitações. Os países da Europa e outros países que dependem fortemente de combustível diesel para o transporte, também contribuem com grandes quantidades. Desde que registos confiáveis começaram no final dos anos 1800 a ser efectuados, a temperatura média global da superfície terrestre aumentou entre 0.3 e 0.6 graus.

Os cientistas do “Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em língua inglesa)”, concluíram em um relatório de 1995, que o aumento observado na temperatura média global no último século, provavelmente, não será de origem totalmente natural, e que o balanço das evidências sugere que há uma ” Influência humana discernível no clima global “. O ar limpo também é essencial para a vida, boa saúde e qualidade de vida. Vários poluentes importantes são produzidos pela combustão de combustíveis fósseis e emitidos directamente na atmosfera, como o monóxido de carbono, óxidos de nitrogénio, óxidos de enxofre e hidrocarbonetos.

É de considerar também, as partículas suspensas totais (minúsculas partículas aerotransportadas de aerossóis com menos de 100 micrómetros [um micrómetro é de 1/1000 de milímetro], que constantemente entram na atmosfera, tanto por meio de processos industriais e veículos motorizados], e fontes naturais [de pólen e de partículas de sal]) contribuem para a poluição do ar, e os óxidos de nitrogénio e os hidrocarbonetos podem combinar na atmosfera, para formar o ozónio troposférico, componente principal da poluição atmosférica. As emissões de combustíveis fósseis são adicionadas à atmosfera por vários meios. O maior contribuinte é o sector dos transportes.

Os automóveis são a principal fonte de emissões de monóxido de carbono. Os dois óxidos de nitrogénio – dióxido de nitrogénio e óxido nítrico são formados durante a combustão. Os óxidos de nitrogénio aparecem como nuvens castanhas amareladas sobre muitos arranha-céus das cidades. Os óxidos de enxofre são produzidos pela oxidação do enxofre disponível em um combustível. Os hidrocarbonetos são emitidos de fontes humanas, tais como os escapes de automóveis e motociclos. O uso de combustíveis fósseis também produz partículas, incluindo poeira, fuligem, fumaça e outras matérias em suspensão, que são substâncias irritantes das vias respiratórias. A poluição do ar forma frequentemente a névoa acastanhada predominante, que foi denominada por nuvem marrom atmosférica. Esse nevoeiro com fumaça, está a causar efeitos ambientais sérios. É um perigo para a saúde pública, causando problemas respiratórios graves em todo o mundo.

O aquecimento global é o desafio ambiental mais urgente do século XXI. Devido à dependência contínua do mundo dos combustíveis fósseis como fonte de energia, os níveis de gases de efeito estufa, estão a aumentar constantemente na atmosfera e a aquecer a Terra. Se a acção correctiva não for tomada, as temperaturas continuarão a subir, causando a destruição mundial dos ecossistemas e a extinção das espécies. O maior contribuinte para o aquecimento da atmosfera é o uso excessivo de combustíveis fósseis para a produção de energia. Se não forem empregues tecnologias mais eficientes e limpas, fontes de energia renováveis, como a energia eólica, energia solar, células de combustível ou energia geotérmica, para substituírem os combustíveis fósseis, não haverá esperança de controlar o aquecimento global.

Os combustíveis fósseis são hidrocarbonetos, derivados de carvão e petróleo (óleo combustível ou gás natural) e são formados a partir de restos fossilizados de plantas e animais enterrados, que foram submetidos ao calor e à pressão na crosta terrestre durante centenas de milhões de anos. Os combustíveis fósseis também incluem substâncias como o xisto betuminoso e areias betuminosas, que contêm hidrocarbonetos que não são derivados exclusivamente de fontes biológicas, e referidos como combustíveis minerais. Actualmente, a maior parte da indústria do mundo desenvolvido depende fortemente de combustíveis fósseis para produzir a energia necessária ao fabrico de bens e serviços.

O calor derivado da queima de combustíveis fósseis, também é usado para aquecimento e convertido em energia mecânica para veículos e produção de energia eléctrica. A queima de combustíveis fósseis é a maior fonte de emissões de dióxido de carbono (CO2). Infelizmente, o seu uso está a aumentar constantemente. Um dos maiores dilemas que enfrentamos é que a China e a Índia, em 2012, na sua corrida para modernizar e industrializar, tinham um plano para construir mais de oitocentas centrais a carvão, e aumentar as emissões de CO2. A China desistiu da construção de 104 centrais a carvão.

Os combustíveis fósseis são compostos quase inteiramente de carbono, e quando são queimados, como em uma central a carvão ou na forma de gasolina, o carbono de que são compostos é libertado na atmosfera sob a forma de CO2. Os combustíveis fósseis mais comuns são o carvão, gás natural e petróleo. Outro gás fóssil, o gás liquefeito de petróleo (GLP), é principalmente derivado da produção de gás natural.

Segundo o último relatório da OMS, morrem anualmente 1,7 milhões de crianças de idade inferior a cinco anos por causas relacionadas com o meio ambiente. A redução dos riscos ambientais poderia evitar uma quarta parte dessas mortes. Entre os riscos ambientais encontram-se a poluição do ar, os produtos químicos e o deficiente fornecimento de água, o saneamento e a higiene. A minimização destes riscos é fundamental para proteger as crianças e alcançar os “Objectivos do Desenvolvimento Sustentável”.

As exposições a agentes ambientais começam na vida intra-uterina e podem ter efeitos para toda a vida. As crianças e adolescentes estão expostos a diversos perigos presentes nos ambientes em que vivem, aprendem e brincam. A poluição do ar é uma ameaça invisível para a saúde das crianças. A poluição do ar causa anualmente a morte de 570.000 crianças de idade inferior a cinco anos de idade, incluindo-se a exposição ao fumo do tabaco de terceiros e a poluição atmosférica do ar interior.

A poluição do ar pode afectar nas crianças a dificuldade de desenvolvimento intelectual, reduzir a função pulmonar e causar asma e criar as condições para o aparecimento de problemas futuros, como os diversos tipos de cancro, doenças respiratórias crónicas, doenças cardiovasculares e acidentes cerebrovasculares. A cada ano morrem de pneumonia cerca de 1 milhão de crianças. A metade desses casos está relacionada com a poluição do ar. Quando aprenderão a maioria dos países a legislar em conformidade com as instruções e relatórios da OMS?

27 Abr 2017

O populismo étnico em marcha

“Populist leaders like Donald Trump, Marine Le Pen, Norbert Hoffer, Nigel Farage, and Geert Wilders are prominent today in many countries, altering established patterns of party competition in contemporary Western societies. Cas Mudde argues that the impact of populist parties has been exaggerated. But these parties have gained votes and seats in many countries, and entered government coalitions in eleven Western democracies, including in Austria, Italy and Switzerland. Across Europe, their average share of the vote in national and European parliamentary elections has more than doubled since the 1960s, from around 5.1% to 13.2%, at the expense of center parties. During the same era, their share of seats has tripled, from 3.8% to 12.8%. Even in countries without many elected populist representatives, these parties can still exert tremendous ‘blackmail’ pressure on mainstream parties, public discourse, and the policy agenda, as is illustrated by the UKIP’s role in catalyzing the British exit from the European Union, with massive consequences.”
“Trump, Brexit, and the Rise of Populism: Economic Have-Nots and Cultural Backlash” / Harvard Kennedy School – Ronald F. Inglehart and Pippa Norris

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] voto britânico para abandonar a União Europeia (UE) e a eleição do presidente Donald Trump nos Estados Unidos deixou muitos surpreendidos no passado ano. O economista e comentarista irlandês, David McWilliams, denominou 2016, como “o ano do outsider”. As previsões apontam que 2017 não será diferente, com eleições importantes que irão ocorrer por toda a Europa e muitos viram as eleições holandesas de 15 de Março de 2017, como “o primeiro grande teste” do que está por vir.

O líder do Partido para a Liberdade (PVV, na sigla em língua holandesa) de extrema-direita Geert Wilders tinha proclamado uma “primavera patriótica” que podia aumentar as pressões sobre uma sitiada UE. O político holandês islamofóbico viveu sempre rodeado por fortes medidas de segurança, tendo por mais de uma década, passado a maior parte do tempo num refúgio desconhecido, ou em uma ala do Parlamento fortemente guardada. Este esquema de segurança, durante vinte e quatro horas, que raramente permitia a saída à rua, e para assistir a alguns eventos da campanha eleitoral, teve de deslocar-se em uma caravana de veículos blindados, devidos às constantes ameaças de morte, que recebe de extremistas enfurecidos pelas suas declarações contra o Islão, comparando o “Alcorão” ao livro “A Minha Luta” de Adolfo Hitler.

O grande tema é de questionar a ideia de que as eleições holandesas marcaram o início de uma “primavera patriótica”, ou seja, a de que o povo retomará o controlo da elite a nível nacional e europeu. Até agora, a Europa dificilmente desempenhou qualquer papel na campanha eleitoral holandesa. Mesmo Geert Wilders pareceu afastar-se da questão. O co-investigador Stijn van Kessel no “projecto 28+perspectivas sobre o Brexit: um guia para as negociações com múltiplos intervenientes” da Universidade de Loughborough elaborou os dados que mostravam que os holandeses não queriam um “Nexit”. Além disso, outras questões prevaleceram na campanha.

O tema mais dominante foi a economia holandesa e, em particular, a questão de saber que política prosseguir em tempos de superavit orçamental e baixa taxa desemprego. A economia é tipicamente, um tema que os políticos holandeses gostam de ligar à UE, acrescentados dos motes de “muita burocracia”, “somos pagadores líquidos” e “não mais dinheiro para a Grécia”. Mas, nesta campanha, os políticos ligaram-se à questão do que é importante para a sociedade holandesa, como o do dinheiro extra que deveria ter uma maior taxa de participação para a criação de mais empregos, reforma do sistema de saúde, investimento nas políticas de alterações climáticas e melhoria do sistema educacional.

O outro tema abrangente é o que constitui a identidade holandesa no modelo da globalização. Uma “primavera patriótica” pressupunha debates sobre a identidade nacional, ameaçada por elites cosmopolitas e pressões externas. No entanto, na actual campanha eleitoral, a discussão pareceu ter sido mais matizada, centrada na redefinição da identidade nacional, sem necessariamente rejeitar a imigração e a integração europeia. Por exemplo, o líder do Partido Democrata Cristão (CDA, na sigla em língua holandesa) enfatizou os símbolos nacionais, trazendo a ideia dos alunos cantarem o hino nacional nas escolas.

O líder do Partido de Esquerda Verde (GL, na sigla em língua holandesa), enfatizou uma cultura inclusiva de tolerância e diversidade. Além disso, é muito provável que Geert Wilders seja marginalizado após a derrota sofrida nas eleições. Primeiro, a maioria dos partidos declarou que não quer cooperar com o seu partido e pessoa. Em segundo lugar, uma semana antes das eleições, as últimas sondagens, também sugeriam que não iria ter o número elevado de votos que foi previsto algumas semanas antes, e que se veio a confirmar. Isso não significa que as suas ideias estejam a ser ignoradas, tal como aconteceu com frequência na história política holandesa, em que os partidos tradicionais já haviam adoptado alguns dos seus discursos populistas, e até mesmo nacionalistas sobre questões como a imigração e a integração europeia.

A título de exemplo, em termos de valor nominal, as suas ideias parecem ser menos dignas, apesar de a identidade ter sido uma questão fundamental durante a campanha eleitoral, e que lhe pode ser atribuída, curiosamente, na trilha da alegada “primavera patriótica”, um contra-movimento que parece estar a surgir. A ascensão da direita populista é muitas vezes vista como um processo linear, começado com o Brexit e a eleição de Donald Trump, e continuado durante as eleições no continente europeu. Mas confrontados com as ideias populistas de direita de Geert Wilders, são um conjunto de crenças que realçam a diversidade e a abertura para influências externas, sendo mais visivelmente ilustrado, pelo crescente apoio ao Partido Democratas 66 (D66, na sigla em língua holandesa), que é progressista, liberal-social e radical democrata e o GL.

A tendência semelhante na França e na Alemanha é notória, onde, respectivamente, o pro-europeu Emmanuel Macron e o ex-presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, estão a ter ganhos inesperados nas sondagens. Ambos, também sublinham as ideias de abertura e de tolerância, e a necessidade de cooperar a nível europeu. As urnas confirmaram a vitória do actual primeiro-ministro, o liberal de direita Mark Rutte, e revelaram que Geert Wilders, o candidato racista e antieuropeu que chegou a liderar as sondagens, não obteve tanto apoio como se esperava. Depois do Brexit e do êxito que representou a vitória de Donald Trump, o populismo xenófobo enfrenta, assim, a sua primeira derrota no Ocidente.

As eleições holandesas não conduziram ao início de uma “primavera patriótica” da extrema-direita populista europeia, mas sim a um reequilíbrio da política europeia. Todavia analisadas mais profundamente as eleições holandesas, vimos que ao entardecer do dia das eleições, os meios de comunicação social de todo o mundo, anteciparam uma vitória não apenas para o Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD, na sigla em língua holandesa) liderado pelo actual primeiro-ministro Mark Rutte, mas uma vitória para a política racional, liberal, enquanto elogiavam a derrota esmagadora dos nacionalistas étnicos de Geert Wilders.

O líder do VVD, de uma forma mais sóbria, em um discurso proferido depois de aparentemente o seu partido ter ostensivamente triunfado, declarou que os holandeses disseram não ao tipo errado de populismo. Mas esta é uma interpretação equivocada. Neste ano de eleições, que indicará se a UE pode sobreviver num futuro próximo, a eleição holandesa recebeu uma atenção indevida da imprensa mundial. Na sequência do Brexit, da vitória de Donald Trump, um referendo holandês e a quase um ano da eleição presidencial austríaca e meses do referendo constitucional italiano, o foco dos meios de comunicação sobre a Holanda tem sido compreensível, mas também tem sido distorcido pelos eventos de 2016.

O Brexit, a vitória presidencial de Donald Trump e os referendos foram escolhas binárias do “Candidato A” versus “Candidato B”, ou simplesmente “Sim” versus “Não”, e conjuntamente com o crescente domínio anglo-americano dos meios de comunicação internacional, ou pelo menos dos meios de comunicação transatlânticos, no seguimento de Donald Trump e da caótica política do Reino Unido, isso resultou no facto da comunicação social estrangeira, examinar as eleições holandesas através de uma lente distorcida. A eleição holandesa não era binária, mas multipolar. A comunicação social na análise política e no sistema de dois partidos e dualismo de Sim/Não, enfatizaram a possibilidade do PVV vencer as eleições.

Os mesmos meios de comunicação, em segundo lugar, apresentaram a eleição como uma derrota para o PVV e o seu líder. No entanto, nada poderia estar mais longe da verdade. O líder do PVV não perdeu em um sistema binário, anglo-americano, antes ganhou em um sistema multipolar europeu. Os dois partidos governamentais da Holanda perderam. O VVD do primeiro-ministro, Mark Rutte, perdeu oito assentos, enquanto o Partido Trabalhista (PvdA, na sigla em língua holandesa) de Lodewijk Asscher, vice-primeiro-ministro, passou de 38 assentos para 9 assentos, perdendo de forma assombrosa 29 assentos. No rescaldo do tropeço do VVD e da derrota do PvdA, o partido que estava mais preeminente era o PVV.

Apenas onze anos após a sua criação, o PVV é o segundo maior partido na Holanda. Não voltou ao seu auge de 2010, mas o desafio para a VVD de outros partidos e a derrota do PvdA, levaram a menor margem eleitoral do PVV a uma posição muito mais evidente. A ascensão do GL desafia o apelo do PVV, especialmente entre os jovens eleitores urbanos que, na Holanda, país altamente urbanizado, formam uma parcela substancial do eleitorado. Mas, ao mesmo tempo, o GL suprimiu o suporte do VVD. Enquanto o PVV e o GL, conjuntamente com o D66, não poderiam ser mais distintos em termos de políticas, mas compartilham uma característica comum que preocupou o líder do VVD, pois eram evidências do mesmo fenómeno visto nos Estados Unidos e no Reino Unido, em que os eleitores se sentem desiludidos com os principais partidos formados no rescaldo da II Guerra Mundial, e voltam-se para os partidos mais novos, que oferecem uma lufada de ar fresco, em relação a uma ordem política, ideológica e económica estabelecida e aparentemente estagnada.

O motivo adicional de preocupação é que nas grandes áreas metropolitanas da Holanda o PVV apresenta-se como o partido que reunia as maiores preferências, ou o segundo partido a nível nacional, e de forma preocupante, próximo do VVD. O surgimento do PVV, como partido dominante em Roterdão, põe uma séria questão quanto à ilusão dos meios de comunicação social, nas cidades holandesas como bastiões do liberalismo racional. O político que ganhou mais em termos de derrota dos seus inimigos, foi Geert Wilders. A maior causa de preocupação, é os complexos mecanismos de formação de uma coligação.

O governo anterior VVD – PvdA viu apenas duas partes a lutar para apaziguar uma população holandesa que está cada vez mais cansada de austeridade e diminuição dos benefícios sociais. A nova coligação liderada pelo VVD deve ser formada por quatro, talvez até cinco, partidos, que até agora se uniram principalmente na sua oposição ao PVV, e tendo ganho, é apenas uma questão de tempo, antes de enfrentar as duras realidades que representam os entendimentos políticos e da aparente derrota do inimigo comum, que cria brechas entre os diferentes partidos.

O período da lua-de-mel terminará rápido. A formação e gestão de uma coligação multipartidária será um desafio significativo para o líder do VVD, e não é de forma alguma claro como um governo tão diferente em ideologia, prioridades políticas e opiniões de uma UE em apuros, seja capaz de reagir à economia, com uma potencial vitória da Front Nationale na França, uma possível mudança para a direita na Alemanha, em Agosto, ou outra crise da zona do euro ou crise migratória, após a ruptura das relações UE – Turquia, mais acentuada depois da vitória do “SIM” no referendo turco de 16 de Abril de 2017.

As crises cada vez mais parecem não só inevitáveis como iminentes.Enquanto a ténue coligação do líder do VVD luta para lidar com os problemas da Holanda e responder a forças económicas externas, Geert Wilders encontrar-se-á em uma posição política forte, e como nenhum outro partido trabalhará com o PVV terá um papel desprezível face à nova coligação, destacando toda a sua inépcia e disputas, enquanto se banha na imunidade das críticas inevitáveis do governo, ou seja, uma imunidade concedida pelo seu isolamento da formulação de políticas.

O líder do PVV, em uma ironia sombria, ainda que tenha perdido assentos, continua com uma base eleitoral sólida, que o torna mais seguro que o líder do VVD e os seus aliados de coligação, sendo capaz de defender uma insatisfação anti ordem estabelecida, enquanto se autentica mais na ordem estabelecida. Até ao final de 2017, é provável que vejamos o líder do VVD e os aliados de coligação a enfrentarem uma crescente hostilidade por parte de uma população holandesa decepcionada e frustrada por politiquices, enquanto Geert Wilders prega a mensagem repetitiva mas mediática dos eternamente marginalizados e de hipócrita mártir político. É certo que isso está longe de ser certo.

Os holandeses não vão entrar numa “primavera patriótica” e Geert Wilders cometeu sérios erros, especialmente na sua recusa em se envolver com os meios de comunicação de massa.Mas se aprender com esses erros, irá garantir uma enorme posição como figura popular de proa, canalizando a frustração e a decepção pública para uma coligação de rangedores.E porque é altamente provável que uma disputa em curso entre a Holanda a Turquia, caracterizada por invocações repetidas dos dias mais sombrios da “Nova Ordem”, só vai aumentar ainda mais, depois do referendo de 16 de Abril de 2017, e Geert Wilders terá mais condições de aproveitar o desapego e a desilusão holandesas. para atrair o esquecido, o desapontado, o contrariado e o temeroso com sua bandeira.

A eleição holandesa não representou a derrota do populismo étnico. Na melhor das hipóteses, é uma vitória pírrica para o último bastião da ordem estabelecida. Na pior das hipóteses, é um sinal de um eleitorado desencantado que expressou a sua infelicidade com o “status quo”. A esse respeito, as eleições holandesas não são diferentes do Brexit e das eleições americanas. Não são uma vitória para o liberalismo, nem uma vitória para o racismo, mas uma vitória para a frustração, raiva, ansiedade e ressentimento. É uma vitória que não merece um elogio, mas um lamento ao contrário do afirmado pelos líderes europeus, com o Presidente da Comissão Europeia, como porta-voz de tão peregrina ideia.

19 Abr 2017

A poluição atmosférica como agente mortal

“The economy is a wholly owned subsidiary of the environment. All economic activity is dependent upon that environment with its underlying resource base.”
US Senator Gaylord Nelson on first Earth Day

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] poluição do ar, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, é actualmente a principal causa de morte, mas trata-se de uma mensagem que ainda não foi captada, conscientemente, pelas mentes dos decisores políticos em todo o mundo. O movimento de poluentes não respeita fronteiras políticas, e mata inocentes. O mais doloroso é as alterações climáticas que estão a colocar um enorme desafio para prever o movimento de poluentes. As decisões tomadas com base em estudos de modelos e legislações não estão a produzir o resultado desejado, pois existe sempre uma lacuna entre teoria e a prática.

As questões ambientais mudam de um lugar a outro, e de tempo a tempo. As questões ambientais são de cariz local e global. A compreensão das questões ambientais é necessária para se encontrarem soluções. Os problemas de poluição atmosférica mudaram ao longo de um período de tempo. As questões como a nuvem marrom atmosférica, as alterações climáticas, os poluentes atmosféricos perigosos, a neve preta/lamacenta, que não foram discutidas durante algumas décadas, ganham actualmente, importância.

A poluição é originária da palavra latina “Pollutus”, que significa “sujo ou pouco claro”. A poluição do ar pode ser definida, como a condição atmosférica, em que as substâncias estão presentes em concentrações superiores às normais, para produzir efeitos significativos nos seres humanos, animais, vegetação ou matéria. O ar que respiramos é o recurso natural mais importante, e que nos permite sobreviver. A composição do ar continua a mudar constantemente, devido às emissões naturais, bem como às produzidas pelo homem para a atmosfera. A atmosfera terrestre é uma camada de gases retida pela gravidade.

O ar seco, em média, consiste em 78,09 por cento de azoto, 20,95 por cento de oxigénio, 0,93 por cento de árgon e 0,039 por cento de dióxido de carbono, em volume. Também estão presentes constituintes menores como o metano (CH4), ozónio (O3), dióxido de enxofre (SO2), dióxido de azoto (NO2), óxido nitroso (N2O), monóxido de carbono (CO), amoníaco (NH3) etc. Estes constituintes variam de lugar para lugar devido à mudança nas condições atmosféricas. Os constituintes do ar sobre o mar não são iguais aos do litoral. O ar da litoral mar pode não ter as mesmas concentrações de constituintes como o ar do deserto.

O ar da costa será dominado pelo vapor de água e o ar do deserto terá mais poeira suspensa. A espessura da floresta amazónica, da mesma forma, terá mais vapor de água e compostos orgânicos voláteis enquanto o ar acima do depósito de resíduos sólidos é provável que tenha mais metano e amoníaco. A baixa concentração de poluentes atmosféricos não significa que possa haver negligência, se considerarmos o exemplo do chumbo, que está presente na atmosfera em camadas, tendo sido a quantidade total em 1983 e na década de 1990, estimada em cerca de trezentas e trinta mil toneladas e cento e vinte mil toneladas, respectivamente.

As emissões totais de fontes naturais foram de cerca de duzentas e vinte mil a quatro milhões e noventas mil toneladas por ano. Quando o sistema solar se condensou a partir da “nebulosa primordial”, que não é mais que nuvens interestelares de gás e poeira, a situação não era tão complexa como actualmente, e a poluição do ar não era um problema. Acreditava-se que a atmosfera primitiva do planeta era uma mistura de dióxido de carbono, nitrogénio, vapor de água e hidrogénio. A atmosfera inicial do planeta reduziu ligeiramente a mistura química, em comparação com a atmosfera presente, que é fortemente oxidante e com o lapso de tempo, camadas distintas da atmosfera foram formadas com características distintas.

A troposfera é a camada mais baixa de atmosfera que se estende da superfície da terra até dez a quinze quilómetros de altitude, dependendo do tempo e latitude. A estratosfera está posicionada apenas, acima da troposfera, e estende-se entre onze e cinquenta quilómetros. Na estratosfera, a temperatura aumenta com a altitude, de sessenta graus negativos na base até zero graus no topo. A mesosfera, situa-se justamente acima da estratosfera, estendendo-se entre cinquenta e oitenta quilómetros de altitude. Os vaivéns espaciais orbitam nesta camada da atmosfera. Devido à diminuição do aquecimento solar, a temperatura diminui com a altitude na mesosfera, sendo zero graus na base, e noventa e cinco graus negativos no topo. O topo da mesosfera é a região mais fria da atmosfera.

A termosfera é a última camada da atmosfera, situando-se a oitenta quilómetros acima da exosfera. Na termosfera, a temperatura aumenta com a altitude, à medida que os átomos dessa camada são acelerados pela radiação solar. A temperatura na base da termosfera é de noventa e cinco graus negativos, sendo de cem graus a cento e vinte quilómetros, e de mil e quinhentos graus na parte superior. A ionosfera estende-se entre cinquenta e cem quilómetros cobrindo parcialmente a mesosfera e a termosfera. Tem variação diurna e sazonal, pois a ionização depende do Sol e da sua actividade. A poluição do ar, desde a sua descoberta, tem sido um problema. O “Ar pesado de Roma”, em 61 A.D. foi registado pelo filósofo romano Séneca.

O rei Eduardo I, em 1273, proibiu a combustão de carvão em Londres. Na década de 1280, as pessoas usavam carvão como combustível em processos como o calcário e metalurgia, levando à poluição do ar que continha fumo preto, bem como óxidos de enxofre. O final do século XVIII e início do século XIX viram mudanças dramáticas no fabrico, agricultura, mineração, produção, bem como nos transportes. A invenção da energia eléctrica no século XIX, resultou na sua distribuição em 1880, despedindo-se do carvão. O exemplo muito famoso de poluição do ar,  foi a formação de poluição em torno da cidade de Los Angeles durante a década de 1940, que levou à aprovação da primeira legislação ambiental estadual nos Estados Unidos. A “Lei de Controlo da Poluição do Ar”, foi promulgada nos Estados Unidos, em 1955, sendo a primeira legislação ambiental federal do país.

O petróleo, mais tarde, na década de 1960, ultrapassou o carvão como fonte de energia primária. O uso extensivo do óleo conduziu às emissões, onde quer que os veículos circulassem. A revolução industrial do pós-século XVIII, fez a economia mudar para a fabricação baseada em máquinas, em muitos dos países desenvolvidos. A mecanização das indústrias têxteis e das técnicas de fabrico de ferro aumentou a procura de combustível, e a sua poluição atmosférica nas áreas de tais actividades. Os desenvolvimentos no século XIX levaram à segunda revolução industrial. A actividade da construção civil viu também a mudança no material, assim como, na tecnologia. A invenção do cimento, substituiu as paredes de barro, e o aumento da procura de cimento levou a emissões desse sector. Os mercados europeus e americanos estavam saturados, abrindo-se os mercados asiáticos aos veículos, apesar de existir um enorme desequilíbrio, pois as pessoas pobres viajam em cima de autocarros ou camiões, enquanto as pessoas ricas circulam em carros individuais, como acontece na Índia, Paquistão e muitos outros países. Enquanto a crise económica na Grécia teve como resultado a redução da poluição do ar, a China testemunhou uma dramática explosão da qualidade do ar na última década.

A análise dos dados da rede de monitorização criada pela OMS e pelo PNUMA, em cinquenta cidades, e trinta e tinta e cinco países desenvolvidos e em desenvolvimento, mostra que nos últimos quinze a vinte anos, as lições de experiências anteriores nos países agora desenvolvidos, ainda necessitam de ser assimiladas. A poluição do ar em vinte das vinte e quatro megacidades, apresenta níveis que têm graves efeitos sobre a saúde. O aumento da população nos países em desenvolvimento no futuro, com a falta de controlo da poluição do ar, irá piorar em muitas outras cidades. No início da década de 1970, quando o rápido crescimento na Europa, levou a poluição ambiental a níveis inusitados, apesar de em 1952 a poluição de Londres, ter  sido a causa de cerca de quatro mil pessoas, estava fresco na memória a “Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano” realizada em Estocolmo, em 1972, que tinha por objecto a fundação da cooperação internacional neste domínio, seguida de um conjunto de medidas que visavam reduzir a poluição do ar.

A “Convenção sobre a Poluição Atmosférica Transfronteiriça a Longa Distância”, foi assinada pelos países da “Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa (CEE-ONU, ou UNECE, na sigla inglesa) ”, a 13 de Novembro de 1979. A UNECE é uma das cinco comissões regionais da ONU, dependentes do “Conselho Económico e Social (ECOSOC) ”. A UNECE é um fórum, em que os cinquenta e seis países da Europa, Ásia central e a América do Norte se reúnem, para elaborar as ferramentas da sua cooperação económica. O “Protocolo de Helsínquia” de 5 de Julho 1985, tinha por objectivo reduzir as emissões de enxofre ou dos seus fluxos transfronteiriços, em pelo menos 30 por cento nos países da UNECE. Todas as decisões de negócios afectam o ar e a atmosfera. Tal como a água que é purificada, embalada e o preço fixado, o ar puro igualmente, será fixado um preço. Há bares de oxigénio, desde 1990, abertos em muitas partes do mundo para fornecer oxigénio aos clientes.

No entanto, apesar da necessidade urgente de políticas e legislação rigorosas sobre a poluição do ar em várias partes do mundo, o controlo da poluição do ar ainda não é uma prioridade política, em comparação com os negócios e a economia em muitas partes do mundo, e como resultado, a poluição é continuada de uma forma ou outra, e muitas das formas nem sequer são monitorizadas e controladas. Ao longo dos anos, apenas alguns poluentes atmosféricos convencionais tais como o SO2, NO2, partículas, O3 etc., são monitorizados pelos investigadores e pelas autoridades de controlo da poluição. Os poluentes, como os “Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs)” foram negligenciados no passado, mas  recentemente são monitorizados continuamente, devido aos seus graves efeitos sobre a saúde. Os poluentes orgânicos, bem como os poluentes inorgânicos do ar causam doenças mortais, e a sua monitorização é muito importante para os seres humanos e meio ambiente. Enquanto muitos países em desenvolvimento levaram a questão a sério, outros só quiseram satisfazer a comunidade internacional.

Ainda que as legislações ambientais tenham entrado em vigor em todo o mundo, a capacidade das instituições competentes para a sua monitorização foi limitada, principalmente devido à insuficiência de conhecimentos e capacidade de pesquisa e de aplicação da lei.Muitas instituições tinham muito poucos recursos humanos e orçamentos limitados para monitorizar. A ausência de especialização, levavam a uma monitorização inadequada, selecção imprópria do local e metodologia de amostragem, bem como efectuavam uma análise pobre.Muitas instituições continuam a deparar-se com recursos humanos insuficientes e sem preparação técnica, sendo a média de um a dez técnicos e cientistas para um milhão de habitantes.

O que torna a poluição atmosférica mais difícil em comparação com outras formas de poluição é a sua complexidade, pois ao contrário da água que pode ser contida num recipiente para um estudo fácil, é difícil simular a configuração atmosférica num laboratório. Além disso, a aerodinâmica na superfície da terra não pode ser facilmente explicada pela matemática, como ocorre na natureza. Uma variedade de factores como a radiação, atrito, fluxo padrão, reacção química, influência por configuração biológica, alterações climáticas, mudança de estilo de vida, novas invenções, modificações sociais, direito da terra, atitude do povo, fisiologia das pessoas, transformações económicas da região em conjunto, são responsáveis pelo cenário em um determinado momento e por uma determinada razão.

A poluição do ar, devido à complexidade do problema, não foi completamente compreendida por muitos países em desenvolvimento e não é uma prioridade. As questões como a má governação, baixa capacidade de pesquisa, analfabetismo, corrupção, conflitos nacionais/internacionais e a instabilidade política, têm muitas vezes causado a fraca atenção à poluição do ar, apesar de sete milhões de pessoas morrerem anualmente, segundo a OMS, devido à poluição do ar em todo o mundo. Apesar da magnitude do problema, a perda de vidas e riqueza devido à poluição do ar é invisível para muitos governos. O analfabetismo entre os cidadãos, também é motivo para não se queixarem da poluição.

O uso de recursos humanos para outras funções como eleição/recenseamento/desporto, também é uma das muitas razões para a má implementação da legislação ambiental. Muitas instituições de aplicação da legislação ambiental em grande número de países, estão mais preocupadas com as despesas em termos financeiros, ao invés do controlo de poluição, como seja a apropriação indevida de recursos financeiros que pode levar o funcionário responsável a ser punido com uma pena de prisão. Por outro lado, a poluição não contabilizada não é de modo algum tão grave, como a apropriação financeira indevida. As leis ambientais também podem ser usadas de forma abusiva para arrecadar fundos ou causar prejuízos aos adversários das pessoas no poder. As questões, causas, factores de influência e impactos da poluição do ar podem ser atribuídos a muitos agentes que não são quantificáveis. A corrupção entre os governantes, baixa ética entre as indústrias, falta de disponibilidade de tecnologia, incapacidade de adoptar novas tecnologias e a baixa capacidade de pesquisa afligem muitos países. Apesar do entusiasmo demonstrado por muitas organizações internacionais para apoiar a causa, muitas vezes é negado ou mal adoptado pelos países beneficiários.

As principais fontes de poluição são o processo de combustão, indústria, transportes, eliminação de resíduos, uso de agro químicos e a respiração de organismos vivos, e nenhuma dessas fontes pode ser evitada, uma vez que se destinam à sobrevivência dos seres humanos. Para além destas fontes, outras como o incêndio acidental, tempestades de vento, desastres naturais, educação/pesquisa, decomposição de matéria morta, guerras, explosões, utilização de explosivos, eventos desportivos, testar/praticar o uso de armas de guerra, lançamento de satélites, erupções vulcânicas, construção, produção de metano em campos de arroz devido à biodegradação, demolição de edifícios, metano gerado por animais ruminantes durante a digestão dos alimentos, pintura, processamento de grãos, erosão do solo e desintegração de rochas/minerais, aumentam a poluição.

Os sectores de serviços como saúde, informática e subcontratação de processos de negócios, também contribuem com poluentes atmosféricos ao usar equipamentos, ar condicionado e transportes. A libertação de agentes patogénicos dos estabelecimentos de cuidados de saúde, criação de animais, abate e pesquisa pode ser muito mais prejudicial, em comparação com os poluentes convencionais. Ao contrário da guerra e do crime, a poluição do ar geralmente ocorre de forma lenta, levando anos até que o impacto real seja visível, como os desastres de Chernobil e Bhopal, que foram amortecidos pela memória de pessoas devido a outras questões quentes de maior interesse individual.

11 Abr 2017

A incontida gestão da raiva

“Donald Trump’s US election win is America’s Brexit – voted for by people angry with the status quo.”
Daily Mirror, 09 NOV 2016 – Jack Blanchard

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]e tivermos de expressar em uma frase a grande característica da psicopolítica da actual situação mundial, deve soar como a da entrada em uma era com uma visão do mundo, sem sinais de gestão da ira. A raiva é a chave para compreender e descrever a psicologia política do mundo, após o fim do comunismo e da era bipolar. A partir da ira de Aquiles, o mundo nunca soube gerir a energia da raiva na história. O termo grego “thymos” significa a vontade, o desejo, luxúria e ira. O “thymos” é o motor das acções do herói homérico. Mais tarde, torna-se a sede da aspiração de reconhecimento, e a falta de reconhecimento desperta a raiva e com as religiões monoteístas o património é impelido na outra vida, onde vai realizar a justiça divina.

O ressentimento terreno será satisfeito no final dos tempos. A situação muda completamente com a Revolução Francesa. A possibilidade de igualdade mudou-se para um mundo futuro, que é a base da “thymotica” dos oprimidos. O líder do partido e da militância revolucionária marcou a acumulação da ira até ao colapso da União Soviética. O mundo actual é um sistema pós-histórico em que desapareceram os pontos tradicionais de gestão da ira e das energias “thymoticas”. Foi a raiva mal gerida que permitiu a vitória de Donald Trump e o sucesso dos movimentos populistas e de extrema-direita e dos seus líderes.

Os novos tempos exigem paciência aos cidadãos globais e humildade aos economistas. Ambas as qualidades são necessárias porque a incerteza que reina desde Setembro de 2008 acentuou-se, embora não tenha atingido os níveis críticos desse tempo. O presidente americano surpreendeu ao concentrar a sua enorme energia sobre a questão dos imigrantes, e em menor medida, na agenda de protecção às indústrias do país e a última das muitas das suas ameaças, foi a da aplicação de uma taxa alfandegária de 20 por cento às importações, especialmente as provenientes do México, bem como a suspensão por sessenta dias das importações de limões tucumanos, que o ex-presidente Obama, depois de mais de quinze anos de proibição, tinha aprovado e, finalmente, a acusação à Alemanha de manter o euro subvalorizado.

O presidente americano, surpreendentemente, acusou a Alemanha, que durante a presidência de Trichet no Banco Central Europeu, apoiou as políticas monetárias que levaram o euro ao recorde de 1,60 dólares americanos e, por outro lado, não mostrou qualquer contentamento com as políticas do actual presidente Mario Draghi, de emissão monetária e taxas de juro de zero por cento e inclusive negativas. Tudo evidencia que o presidente americano ignora as questões básicas da economia, mas mais preocupante é que da mesma doença padecem os seus principais colaboradores, sendo as suas intervenções marcadas pela ausência de políticas detalhadas, por outro lado, fazem referências às insistentes promessas eleitorais, entre elas, as de baixar impostos aos mais ricos e ambiciosos planos de infra-estruturas.

É muito cedo para prever qual dos cenários acabará por prevalecer na malfada política do presidente americano cuja ignorância pelos assuntos de Estado raia o absurdo e das suas tresloucadas decisões. Os três cenários perceptíveis continham uma tendência ao proteccionismo, o aumento do deficit fiscal e a consequente queda dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos. O primeiro cenário seria acompanhado por um rápido aumento nas taxas da Reserva Federal, valorização do dólar, maior crescimento, fuga de capitais dos países emergentes, um pouco mais de inflação e, por fim, uma queda nos preços das matérias-primas à excepção do ouro. Seria, mas não necessariamente, a perspectiva negativa e dramática para os países emergentes.

O segundo cenário é semelhante ao primeiro mas mais acentuado. O mundo viveu entre 1979 e 1981 um tempo delicado, quando a inflação nos Estados Unidos foi superior a 13 por cento, os rendimentos dos títulos chegaram a cair 16 por cento e a taxa da Reserva Federal foi de 20 por cento, tendo levado ao super dólar do presidente Donald Reagan, e que se traduziu numa década perdida para os países emergentes, sobretudo, na América do Sul com incumprimento financeiro de muitos países. Este cenário é de considerar como o menos provável.

O terceiro cenário é quase o oposto do primeiro e assemelha-se ao acontecido entre 2004 e a crise de 2008, com o dólar no seu mínimo histórico e as matérias-primas a preços recordes, apesar de uma subida sustentada das taxas da Reserva Federal até ao máximo de 5 por cento, com a consequente subida dos rendimentos dos títulos do Tesouro e uma inflação do índice de preços ao consumidor, que atingiu um máximo de 3,8 por cento em 2008. Este seria o melhor cenário para os países emergentes e parece ser o mais provável. Existem alguns sinais desde as eleições americanas.

Os mercados financeiros, em especial os bolsistas, são tanto ou mais optimistas que antes do triunfo do de Donald Trump, pois prevalece uma expectativa de crescimento da economia global, que se reflecte também na subida dos preços dos seus activos e das matérias-primas, e que não sofreu interferência até ao momento por uma moderada valorização do dólar, com excepção do peso mexicano que foi a moeda que mais se depreciou. Os indícios favoráveis ao primeiro cenário, prevaleceram nas semanas seguintes às eleições americanas, sobretudo pela subida dos rendimentos dos títulos do Tesouro, a valorização do dólar, um aumento do risco dos países emergentes e matérias-primas mais baratas, à excepção do cobre, devido ao suposto plano de infra-estruturas de Donald Trump e do petróleo pela OPEP.

As valorizações do dólar e os rendimentos dos títulos do Tesouro, em contraste, no último mês de Dezembro de 2016, retrocederam, tendo ganho as matérias-primas e as bolsas e diminuído o risco emergente, apresentando uma maior semelhança com o terceiro cenário, considerado como sendo sem margem para dúvidas, o melhor para os países emergentes. Isto deve-se também ao facto de se poder observar como mais factível uma economia americana com maior inflação, não esquecendo que o desemprego é de apenas 4.8 por cento, e os aumentos do deficit e da dívida pública.

O valor internacional do dólar dependerá em parte de um provável braço de ferro entre a Reserva Federal que quererá subir mais rapidamente as taxas e o presidente Trump que quer um dólar fraco. Pelo que se continuará a assistir a uma situação complexa, mas que não é de alto risco para os países emergentes. Assim se observa, por exemplo, a colocação bem sucedida de títulos da dívida pública, na solidez dos preços da soja e da tendência de recuperação do Brasil, incluindo a valorização do real.

O discurso do presidente Donald Trump no Congresso a 28 de Fevereiro de 2017, impressionou favoravelmente a quem o questionava pelo seu tom moderado e conciliador, mas desencantou os que esperavam detalhes sobre a anunciada reforma impositiva ou o grande plano de obras públicas que iria pôr em prática. Foi num tom muito contido e distinto do primeiro discurso no Congresso, pronunciado a 20 de Janeiro de 2017. Inclusivamente apelou à unidade política e assinalou a urgência de substituir com uma lei, o “Obamacare”, que tem grandes fissuras, e para os seus opositores foi gratificante ver a mudança de atitude, ainda que se mantenham preventivamente atentos, de que rapidamente aparecerá o Donald Trump de sempre.

Os seus seguidores aplaudiram-no como um estadista. O poder financeiro e económico do país que tinha grandes expectativas quanto à prometida orientação económica sentiram-se defraudados pela falta de anúncio de medidas reais. Foi um discurso civilizado, tranquilo, sem os usuais ataques brutais. Poderá mesmo existir a possibilidade de uma pequena mudança em algumas das matérias mais sensíveis, tendo sugerido que poderia existir um novo regime legal para os indocumentados, ao invés de os deportar a todos do país, sem vacilar.

Mas há que esperar para saber se é apenas uma simples artimanha ou uma verdadeira mudança. A nova atitude não é ainda o bastante para que seus opositores acreditem, em especial os milhões de pessoas que se sentem ameaçadas pelas políticas que se cansou de anunciar, durante a campanha eleitoral e nas primeiras semanas como inquilino da Casa Branca. Se analisarmos bem, o conteúdo do discurso foi o mesmo de sempre, revestido de cuidadas expressões para não soar como mais uma intimidação. Todavia é certo que houve uma aberta condenação do anti-semitismo e um chamado à unidade política. Este inesperado ramo de oliveira alcançou também os aliados e organizações que antes tinham sido colocados no pelourinho.

Acerca da NATO assegurou que esse pacto militar, que foi forjado com a guerra mundial e através da Guerra Fria, derrotou o comunismo, aclarando que os parceiros deste selecto grupo deveriam cumprir com as suas obrigações financeiras, quase abrindo um conflito diplomático com a Alemanha, ao exigir os pagamentos que esta deve aos Estados Unidos, pelas obrigações no quadro da Organização. Todavia, declarou que os Estados Unidos estavam dispostos a liderar novamente a Organização. Mas existiu uma ideia digna de realçar, que é facto de não querer liderar o mundo livre, como afirmavam os anteriores presidentes, pois afirmou que o seu trabalho, era apenas o de representar os Estados Unidos, o que ajudou a acalmar os ânimos nas fileiras republicanas, alarmadas pelo caótico movimento da Casa Branca, durante os primeiros quarenta dias de mandato.

A impressão que deixou nesse discurso é que Donald Trump amadureceu, e que a sua intervenção no Congresso, foi mais presidencial e menos recheada de manhas de um político difícil de classificar, como se a intenção fosse atrair para a sua órbita os sectores mais moderados. O discurso foi mais sóbrio, até surpreender, mas não houve revelações relevantes nem sequer insinuou intenções sobre o que realmente pensa fazer no futuro.

Tal como disse um senador democrata, chegou-se a um ponto, onde o discurso presidencial é um êxito, porque quem o pronuncia nada disse de embaraçoso ou abertamente ofensivo. O presidente Trump, em matéria de política externa não mencionou a China ou a Rússia, ainda que tenha ratificado as metas proteccionistas prometidas na sua campanha eleitoral.

28 Mar 2017

O crescimento sustentável

“The triple bottom line (TBL) thus consists of three Ps: profit, people and planet. It aims to measure the financial, social and environmental performance of the corporation over a period of time. Only a company that produces a TBL is taking account of the full cost involved in doing business. In some senses the TBL is a particular manifestation of the balanced scorecard. Behind it lies the same fundamental principle: what you measure is what you get, because what you measure is what you are likely to pay attention to. Only when companies measure their social and environmental impact will we have socially and environmentally responsible organisations.”
“The Economist Guide to Management Ideas and Gurus” – Tim Hindle

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] grande tema revisitado do capitalismo nos velhos países industrializados, é reduzir os funcionários, aumentar o impacto da tecnologia e percentagem das pessoas idosas, sem um rendimento que lhes permita uma vida digna, o que por si deve ser a mola suficiente para promover um plano de reformas ao capitalismo, que faça que a economia crescer de forma sustentável. O historiador inglês, Eric Hobsbawm, no seu livro “The Age of Extremes: The Short Twentieth Century, 1914 -1991”, referia-se à história do século XX, como sendo o século curto, porque tinha começado em 1914, com a I Guerra Mundial e terminado em 1989, com o colapso da União Soviética.

Afirmava Hobsbawm que a versão oposta à soviética também estava falida, pois a fé teológica em uma economia que afectava totalmente os recursos à economia, através de um mercado sem restrições, em uma situação de concorrência ilimitada; um estado de coisas que se acreditava que não só produzia o máximo de bens e serviços, mas também o auge de felicidade era o único tipo de sociedade que merecia o epíteto de livre. Os seus críticos reagiram imediatamente, considerando uma vingança do velho marxista, aludindo ao pensamento político do historiador. Passados mais de vinte anos, damos conta que o capítulo desse livro intitulado de “Rumo ao milénio”, tem alusões proféticas, e que teria sido excelente ter levado em consideração.

O livro assinala os problemas fundamentais da actualidade, como o demográfico e o ecológico. Era essencial determinar como alimentar-se-ia uma população mundial dez anos maior em número, com cerca de nove a dez mil milhões de pessoas em 2050, sabendo que um quinto será de idosos, ou seja, cerca de dois mil milhões de pessoas. Os países ricos enfrentarão a imigração em massa, que iriam causar graves problemas políticos internos, o que soa familiar, ou munir-se de barricadas inúteis para protegerem-se dos imigrantes.

Quanto aos problemas ecológicos entendia como cruciais, mas não tão explosivos a curto prazo. Se o indicador de crescimento económico se mantivesse indefinidamente nos níveis da segunda metade do século passado, teria consequências irreversíveis e catastróficas para o ambiente natural do planeta. O que obrigaria a ter uma política ecológica radical e realista por sua vez. Tudo o que reforça o conceito de economia sustentável é ferramenta importante para a abertura do caminho almejado. Enquanto isso, o progresso tecnológico incessante continuou a deslocar e a transformar empregos.

A globalização fez mudar as indústrias do centro para a periferia à procura de custos mais baixos e enfraqueceu mecanismos estatais para gerir as consequências sociais dos novos processos económicos e houve uma enorme transferência de indústrias procurando mão-de-obra barata, desde os países mais ricos aos mais pobres, com todas as suas indesejáveis consequências sociais.

O mesmo ocorreu, também, no interior de cada país rico e esta é uma boa explicação para entender a reacção dos ingleses ao votar a saída da Grã-Bretanha da União Europeia (UE). Até agora não existia nenhuma ameaça credível que impulsionasse o capitalismo e os seus principais actores, a procurar reformas rápidas e eficientes e em certa medida, o Brexit, ou abandono britânico da UE, pode comparar-se com a queda da União Soviética, não importando apenas o que aconteça no Reino Unido, pois mais grave seria a fractura e a desintegração do velho projecto de unidade continental.

As organizações supranacionais enfraqueceram a noção de Estado-Nação, mas também o fizeram as forças internas com movimentos autonómicos, como a Escócia na Grã-Bretanha, ou a Catalunha em Espanha. O que se divisa com claridade, é que muitas pessoas não estão de acordo com a globalização, porque não entendem a sua utilidade ou conveniência na sua vida diária. Sentem-se assustadas pelos avisos, acrescidos de ameaças, e sobretudo, estão com ira. É o que se observa no momento de votarem, e com transparência afirmam, que votam contra as elites dirigentes, governantes, teóricos, empresários e em especial bancos que os submetem a uma vida pior que a prometida, e para se libertarem sentem necessidade de resgatar o poder entregue a essas elites, ainda que seja, para cair nas mãos de uma nova burocracia. A situação real observada apresenta matizes graves do jogo perigoso político e societário em este momento da história.

Os autores e consultores defendem que as empresas devem assumir a liderança de uma das batalhas mais concretas que se tem travado em matéria de protecção ambiental. Não é uma opinião unânime. Muitos críticos defendem que não é uma boa estratégia, pôr a raposa em frente do galinheiro, pois o que dizem, e existe alguma razão é de que não se pode omitir o facto de a história revelar os danos e negligências das empresas em matéria ambiental. Há que fazer muito mais e rapidamente para alterar essas práticas prejudiciais. É certo que pela primeira vez, os países se uniram com solenidade, para atingirem metas como as de travar ou reverter a deterioração climática e combater o efeito dos gases de estufa, que o Presidente Donald Trump afirma serem de mera falácia, apregoando o abandono do Acordo de Paris pelos Estados Unidos.

Todavia, existe um longo caminho a percorrer das palavras às acções, mesmo com os prazos a reduzir. Os principais países em processo de industrialização aderem às metas de modo estridente, mas pouco fazem para as cumprir. Primeiro, querem obter um nível de desenvolvimento que detém os países industrializados. Até há pouco tempo as preocupações conservacionistas eram cheias de boas intenções. O sociólogo inglês John Elkington introduziu o conceito de “Triple Bottom Line (TBL)”, pela primeira vez, em 1994, e usado mais tarde no seu livro “Cannibals With Forks: The Triple Bottom Line Of 21st Century Business,” publicado em 1997, demonstrando como todas as empresas podem e devem ajudar a sociedade a alcançar três objectivos interligados, que são a prosperidade económica, protecção ambiental e equidade social, questões que estão no topo da agenda corporativa.

O TBL mede o grau de responsabilidade social de uma empresa, o seu valor económico e o impacto ambiental. O desafio é representado pela dificuldade de medir os objectivos social e ambiental, o que exige que os três objectivos sejam avaliados pelos seus méritos. O empresário alemão Jochen Zeitz, que usa a sua fortuna para alterar as opiniões mundiais sobre as alterações climáticas, publicou o primeiro relatório no âmbito do TBL concluindo que para realizar uma economia sustentável, os líderes das empresas devem assumir os três objectivos definidos como metas.

O livro “The Breakthrough Challenge: 10 Ways to Connect Today’s Profits with Tomorrow’s Bottom Line”, que tem como autores John Elkington e Jochen Zeitz, publicado em 2015, defende a ideia de que o ataque crescente à globalização, o maior poder das empresas multinacionais e a incidência de uma recessão generalizada tornam mais difícil a acção dos governos. O argumento tem sentido. Se há catástrofes naturais e deterioração do ambiente e, se as pessoas não têm emprego e não tem recursos, e se o sistema financeiro entra em colapso, estão em sério perigo os lucros das empresas. As empresas devem tentar, pelo menos, uma economia sustentável não pela filantropia, mas na procura dos seus interesses. Todavia, em momento algum subestimam os referidos autores, o esforço a realizar.

Os trabalhos pendentes incluem o impulso de novas estruturas como as Empresas B que reinvestem todos os seus lucros no crescimento da firma, princípios contáveis sólidos e verdadeiros, cálculo real dos verdadeiros retornos, alcançar benefícios no plano humano, social e do planeta, eliminação de subsídios ou incentivos com efeitos destrutivos, transparência plena, alterar a forma como se educam e formam os líderes empresariais do futuro e eliminar o curto prazo. Esses são os requisitos a cumprir. O uso generalizado das mídias sociais e da análise de dados torna cada vez mais fácil seguir e observar o comportamento de uma empresa.

A grande parte das pessoas declara que suportam as suas decisões de compra neste tipo de informação que recolhem, e que é designado por “transparência radical”, conforme alcunhou Allen Hammond, um dos ex-Chefe do Departamento de Comunicação do World Resources Institute. A informação obtida na Internet permitiria aos ambientalistas procurar maiores padrões éticos das empresas, mas tudo indica que a grande alteração não é a nova ferramenta que dispõem os activistas para exercer maior pressão. É especialmente efectiva entre os clientes e compradores, sobretudo, os geracionalmente que fazem parte da geração do milénio, ou seja, os nascidos entre 1980 e 2000.

A expectativa dos consumidores é de que as marcas sejam totalmente transparentes nas suas práticas comerciais, pois fazem um uso intenso das mídias sociais, permitindo que um potencial cliente se torne amigo da marca, e a expectativa é que a marca se comporte como uma amiga. Este novo conceito de “transparência radical”, onde todos sabem tudo, o que todos fazem, apresenta uma dificuldade, pois existem muitas empresas que não estão preparadas para fazer as alterações que esta nova situação exige. As empresas que prefiram ganhar confiança junto dos seus clientes, têm que aceitar e facilitar o escrutínio público, que é algo mais que melhorar as práticas habituais. É mostrar sem reservas o que ocorre dentro da empresa.

A economia global, começa lentamente a recuperar e a melhorar, em algumas áreas geográficas, de forma mais clara que outras, pois durante a recessão, a situação válida foi sobreviver. A atenção, actualmente, concentra-se no crescimento, um motor moldado por forças externas com capacidade para transformar a sociedade e os negócios. O novo cenário é definido pelo trabalho de cinco tendências globais, como os avanços tecnológicos, alterações na demografia, ciclos económicos globais, urbanização, escassez de recursos e alterações climáticas. O impacto que podem ter essas tendências está a mudar de forma drástica as expectativas que a sociedade tem sobre o mundo dos negócios. Quando uma empresa funciona de forma coerente com essas tendências, adquire fiabilidade que é a base de toda a relação e transacção em qualquer mercado. É como se adquire a famosa licença para exercer a actividade.

O curto prazo por mais tentador que seja, não funciona. Não existe medicação para se voltar ao inicio e todos os líderes empresariais devem concentrar-se no TBL. É essencial saber que a forma de fazer negócios incide sobre o nível de utilidades, a comunidade onde está inserida e o impacto sobre o ambiente e planeta, apesar de nos últimos anos, as sondagens terem revelado que aumentou de forma sustentável a fé e confiança que o público tem nas empresas, e muitos líderes do sector continuam empenhados em reduzir o que entendem como sendo a ausência da verdade.

17 Mar 2017

A liderança ambiental no Grande Delta do Rio das Pérolas

“Environmental leaders confront complicated and seemingly intractable problems. They consider the impacts of a growing world population, increased energy demand, and resource scarcity. They wrestle with misconceptions of the trade-offs between economic growth and environmental protection. Environmental leaders help us understand the environmental impacts of our actions and design the educational programs that reach out to the world’s inhabitants.”
“Environmental Leadership: A Reference Handbook” – Deborah R. Gallagher

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Grande Delta do Rio das Pérolas (GPRD na sigla em língua inglesa) é uma região de megacidade no sul da China, composta por Dongguan, Foshan, Guangzhou, Hong Kong, Huizhou, Jiangmen, Macau, Shenzhen, Zhaoqing, Zhongshan e Zhuhai como principais cidades na província de Guangdong, e duas regiões administrativas especiais de Hong Kong e Macau. O GPRD tem uma população de mais de cinquenta milhões de habitantes e abrange uma superfície de quarenta e três mil quilómetros quadrados. Além da província de Guandong e das Regiões Administrativas Especiais de Hong Kong e Macau, ainda engloba as províncias de Fujian, Jiangxi, Hunan, Guangxi, Hainan, Sichuan, Guizhou e Yunnan, representando na sua totalidade um quinto da superfície do país, um terço da sua população e do seu PIB.

A sua população é similar à dos Estados-Membros da União Europeia. Tendo em consideração apenas a província de Guangdong como parte do GPRD, é de recordar que há aproximadamente vinte e cinco anos a província de Guangdong era constituída em grande parte por aldeias rurais subdesenvolvidas. A partir de 1991 tem-se produzido uma enorme transformação. A política de reforma e abertura da China teve um impacto dramático na sociedade e na economia nos últimos trinta e cinco anos, permitindo que o país entrasse numa era de rápido desenvolvimento.

As regiões de megacidade, como o GPRD, são um dos precursores desta transformação. Mas esta rápida mudança levou a um desenvolvimento que não só é enviesado em termos de progresso económico, mas também criou uma sociedade com desigualdades e carências. O GPRD, economicamente, tornou-se uma fábrica de renome mundial, enquanto Hong Kong foi reestruturado como um centro de serviço regional, fornecendo indústrias com funções “frontend”, tais como pesquisa, marketing e distribuição. Uma divisão regional do trabalho, o modelo das “front shops, back factories” começou a tomar forma na década de 1990.

O GPRD, em termos espaciais, como um todo tornou-se cada vez mais policêntrico e muitas cidades e vilas que antes eram áreas periféricas e rurais desenvolveram-se em centros económicos activos. A forma espacial policêntrica combinou-se com a ascensão do empreendedorismo urbano, resultando em um ambiente político em rápido desenvolvimento que incentiva as cidades a competir umas com as outras por mobilidade do capital. Ao contrário do que muitos defendem não se descortinam consequências indesejáveis da fragmentação política que estão a tornar-se cada vez mais agudas, bem como os impactos de Hong Kong e Macau, sob o modelo de um país, dois sistemas, possam vir a ser complicações adicionais a esta fragmentação. Assim, não será também de levar em conta que as fronteiras políticas impedem o planeamento coordenado, bem como socialmente, o GPRD tenha enfrentado desafios causados pelo aumento da população residente, que tem esmagado os governos locais.

A inundação da migração rural para as áreas urbanas agravou a infra-estrutura nas cidades e levou a um tremendo crescimento de áreas urbanas mal preparadas, onde milhões de trabalhadores migrantes não têm acesso a serviços básicos. Há também uma necessidade urgente de enfrentar os problemas de uso generalizado da terra, expansão urbana, congestionamento do tráfego, saneamento deficiente e qualidade de vida em declínio em todas as cidades, especialmente naquelas que estão ameaçadas por crescimento rápido e frequentemente descontrolado, inadequado e mal conservadas infra-estrutura, industrialização e a crescente circulação de automóveis e motocicletas.

A sustentabilidade na urbanização está estreitamente ligada à competitividade, especialmente a económica. No entanto, a competitividade não inclui o sucesso não económico ou aceita as consequências, como a polarização social e a poluição ambiental. O favorecimento do crescimento económico tem consequências sociais problemáticas mais amplas. Logo, o conceito de competitividade está a ser modificado para incorporar critérios sociais e ambientais, pois afecta a qualidade de vida. O estudo “Measuring the urban competitiveness of Chinese cities in 2000” de Yihong Jianga e Jianfa Shen, publicado em 2010, sugere que a competitividade global de Guangzhou entre 20 cidades chinesas está a cair devido ao menor desempenho social e ambiental.

A competitividade de Guangzhou exige um equilíbrio do crescimento económico com o desempenho social e ambiental, o que, por sua vez, afecta significativamente a qualidade de vida. É importante referir neste contexto o “Programa Asiático de Incubação de Líderes Ambientais (APIEL sigla na língua inglesa) da Universidade de Tóquio, que se recomenda e propôs ajudar a entender esse equilíbrio. A APIEL é um programa educacional projectado para promover líderes ambientais, especialmente direccionados para questões de sustentabilidade na Ásia, em que parte do seu conteúdo descreve a estrutura e discute as circunstâncias sob as quais a teoria da actividade, pode ser usada para um programa de liderança ambiental, e para ajudar a construir uma melhor qualidade de vida nas cidades, dentro da região do GPRD, que se urbanizam rapidamente.

Tal unidade assume a liderança ambiental como uma ferramenta para melhorar a qualidade de vida durante a rápida urbanização, bem como o desenvolvimento sustentável no GPRD. Além disso, essa unidade ilustra o uso da liderança ambiental para um futuro sustentável nas cidades do GPRD, utilizando a estrutura da teoria da actividade e estudos de casos, concentrando-se principalmente em domínios importantes para a qualidade de vida urbana, explorando o intrincado relacionamento com a urbanização, bem como são utilizados métodos baseados na teoria da actividade para conduzir a dita unidade e gerir os processos de colheita e análise de dados, concluindo com uma discussão da relevância e adequação da teoria da actividade como modelo para os problemas complexos actuais na promoção de futuros líderes ambientais.

A teoria da actividade é sócia psicológica com raízes no trabalho do psicólogo russo Lev Vygotsky, realizado durante a primeira metade do século XX. A percepção importante de Vygotsky sobre a dinâmica da consciência, é de ser essencialmente subjectiva e moldada pela experiência social e cultural de cada pessoa. Além disso, o psicólogo viu a actividade humana como distinta de entidades não humanas. É mediada por ferramentas, sendo a mais significativa, a linguagem. A teoria da actividade teve várias influências posteriores, tendo actualmente como fundamento, a ideia de que as pessoas mudam ou aprendem quando se envolvem na actividade produtiva, e nessa actividade também mudam o seu sistema.

A teoria da actividade para promover futuros líderes futuros sugere que a liderança ocorre através da interacção do líder com outros componentes de um sistema de actividade, como as ferramentas que têm disponíveis e as pessoas com quem interagem numa divisão de trabalho. A procura por um futuro sustentável tornou essencial a promoção de líderes ambientais, especialmente para a mediação entre as sociedades do conhecimento e a comunidade. Estudos têm mostrado três comportamentos que parecem relevantes para a liderança ambiental, como sejam os de articular uma visão atraente com elementos ambientais, mudar percepções sobre questões ambientais e tomar acções simbólicas, para demonstrar um compromisso pessoal com as questões ambientais.

A APIEL relativamente ao GPRD enfatiza seis atributos para a educação em liderança ambiental, como a informação, ou a capacidade de encontrar, entender e transmitir a inclusão de informações necessárias ou ouvir e usar todas as habilidades e ideias disponíveis; a decisão ou definir e prosseguir uma agenda de acção; a expedição (acção), ou fazer as coisas agora, em vez de mais tarde; a definição de padrões, ou formular a definição de sucesso e a humanidade, ou usando empatia e humor a lidar com os outros. A APIEL, nos últimos anos, construiu redes amplas entre as universidades da Ásia. Os laços com a Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong (HKUST na sigla na língua inglesa) e a Universidade de Sun Yat-sen (SYSU na sigla na língua inglesa) cresceram fortemente através da realização de um exercício de campo denominado GRPD Unit durante três anos consecutivos.

Durante o primeiro ano do programa (2010), usando estudos de casos, foram analisadas matérias relativas às questões ambientais e a necessidade de líderes ambientais na Ásia. Os temas amplos de discussão incluíram o ambiente, a necessidade de líderes ambientais, exemplos de liderança na Ásia, bem como um ambiente sustentável e gestão no GPRD. O programa nos anos seguintes focou o desenvolvimento urbano sustentável no GPRD, tendo sido discutidas a deslocalização urbana sustentável e a regeneração de regiões industriais. Desde que o GPRD é uma das principais regiões económicas no sul da China e um grande centro de manufactura, combinado com a economia em expansão e as influências ocidentais de Hong Kong, criou um portal económico atraindo capital estrangeiro para a China. Nesse âmbito, vários tópicos foram escolhidos para os participantes discutir, e ao fazê-lo, construir as suas habilidades de liderança.

Os temas incluíram questões transfronteiriças e programas colaborativos para combater a poluição atmosférica regional e por sua vez, lidar com as alterações climáticas, a regeneração urbana e a deslocalização da indústria para o desenvolvimento sustentável no GPRD. Foram ainda revistas as abordagens que foram utilizadas para o desenvolvimento urbano do GPRD e as cargas ambientais relacionadas nas últimas três décadas, ou seja, as abordagens utilizadas na orientação do desenvolvimento urbano foram estudadas e discutidas. Além disso, o peso ambiental relacionado com as últimas três décadas foi estudado, tendo em Março de 2008, o ex-chefe executivo da Região Administrativa Especial de Hong Kong, Sir Donald Tsang Yam-kuen, proposto ao secretário do partido de Guangdong, Wang Yang, que os dois territórios deviam formar conjuntamente um “Círculo de Vida de Qualidade Verde no Grande Delta do Rio das Pérolas”.

Os princípios norteadores foram a promoção da protecção ambiental e do desenvolvimento sustentável. O exercício foi realizado em 2012 e os estudos recaíram sobre o desenvolvimento urbano do GPRD, incluindo a formação urbana, a deslocalização da indústria, o desenvolvimento económico, a equidade social e a conservação da biodiversidade. A liderança ambiental é sobre crescimento pessoal ou mudança dentro de um grupo para orientar o desenvolvimento positivo em direcção a uma visão de um futuro ambientalmente amigável e melhor, pelo que encontrar assunto comum, negociação e cooperação são mais adequados para a maioria dos problemas complexos e de longo prazo enfrentados pelos líderes ambientais. Sendo o GPRD uma das regiões de maior desenvolvimento mundial e tendo a liderança ambiental um papel preponderante, é de considerar as futuras estratégias e políticas futuras neste âmbito.

8 Mar 2017

O longínquo futuro sustentável

“Most people in the world today have an immediate and intuitive sense of the urgent need to build a sustainable future. The stories that carry the message may be about pollution alerts or the bans on driving and closed beaches that result from them, or about hunger and famine, growing health problems such as asthma and allergies, unsafe drinking water, ’greenhouses gases’ and the threat of global warming and rising ocean levels, the destruction of the world’s forests and the expansion of its deserts, the disappearance of species, the large-scale death of fish and birds caused by oil spills and pollution, or about forest fires, floods, dust storms, droughts and other so-called ’natural’ disasters.”
“United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization – Educating for a Sustainable Future” – UNESCO (1997)

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap] fotografia tirada pelo astronauta William Anders durante a missão Apollo 8 à Lua, em 24 de Dezembro de 1968, permite-nos ter a certeza de que os recursos da Terra são limitados, carecendo de resposta o estudo, acerca de qual será o seu significado para a humanidade, durante o século que vivemos, e se poderemos prever quais serão os acontecimentos históricos existentes, que sofrerão um processo de alargamento ou reversão, e se iremos desfrutar de um estado permanente de capitalismo liberal, irradiando o pico da nossa civilização nos séculos vindouros, bem como o tipo de mundo que os nossos descendentes vão herdar.

É difícil acreditar conscientemente na mudança da nossa natureza de forma a adequá-la à individualidade de cada um, podendo existir um erro de pensamento, pois talvez pudéssemo-nos tornar criaturas dóceis, modestas, com pequenos egos e desejos, cultivando humildemente pequenas áreas de terreno e facilmente dissuadidos de procriar um grande número de crianças. O escritor alemão Kurt Vonnegut, sugeriu no seu romance “Galapagos”, publicado em 1985, que podíamos evoluir para mamíferos aquáticos peludos com cabeças aerodinâmicas, cérebros menores e mais simples e uma propensão para peixes.

É de duvidar que tal aconteça nessa linha de sugestão, pois o nosso esforço para a reprodução em quantidades cada vez maiores mais em uns locais que em outros, sustenta o nosso sucesso como espécie e historicamente permitiu-nos reconstruir as nossas comunidades rapidamente após um surto de fome ou praga. Além disso, a ambição pessoal é parte da nossa natureza e sempre existirão pessoas que vão querer dominar outras, sendo de suspeitar que uma proporção significativa da população vai continuar a ser atraída por essas pessoas de destorcida personalidade, quer sexualmente, como socialmente, forçando a uma maior competição dentro da comunidade, e mesmo que houvesse algum acordo político internacional que moderasse o nosso comportamento, logo seria minado ou derrubado.

É um facto sem margem para dúvidas, que os seres humanos não gostam de ser humilhados por sistemas, regras e limitações. Adoramos escutar os que se libertam da restrição e da opressão. A nossa paixão pela liberdade é intrínseca ao espírito humano, pois somos como a República de Veneza; condenados porque não podemos suportar o pensamento de ser algo diferente do que somos. O petróleo de entre todos os recursos é o que está configurado para reduzir a sua oferta e existência. O petróleo como bem escasso e não renovável é talvez o mais importante que conforma a mente das pessoas, pois sustenta as nossas vidas, desde a alimentação e transportes à lei e ordem, defesa e recreação, sendo certo que terminará em algum momento do actual século ou milénio. É apenas uma questão de tempo. As reservas actuais e comprovadas representam cerca de cinquenta vezes o consumo mundial anual, mas esse índice está sujeito a flutuações consideráveis que podem ser alargadas, à medida que forem encontrados mais campos petrolíferos.

As reservas comprovadas totais foram significativamente maiores em 2012 do que em 2000 e alternativamente, poderão diminuir à medida que o aumento da população e da industrialização consumissem essas reservas mais rapidamente. As reservas de petróleo existentes e a descobrir podem prolongar a sua existência por mais cinquenta ou setenta anos, mas mais importante, é que os fornecimentos de petróleo deixarão de atender à procura mundial em algum momento, e muito provavelmente na vida dos nossos filhos. O mesmo acontecerá com gás natural, do qual depende a produção de fertilizantes. As jazidas de gás natural existentes representam cerca de sessenta vezes o consumo mundial anual, que aumenta anualmente em 2 a 3 por cento.

O gás de xisto alargou muito essas reservas e provavelmente as estenderá ainda mais, mas essa energia extra começou a ser vendida a baixo custo. Poder-se-ia acreditar que os governos procurassem racionalizar esta herança inesperada, de forma a durar o tempo suficiente, para que seja possível encontrar e produzir fontes alternativas e viáveis de energia aos combustíveis fósseis. A Fábula de Esopo: A cigarra e a formiga, em que esta trabalha duramente todo o verão preparando-se para o início do inverno, enquanto a cigarra apenas canta ao sol e não tem nada para viver quando a estação muda, mostra o que acontece com aqueles que não conseguem proteger-se contra futuras faltas, pelo que os preguiçosos sempre colherão o que merecem.

Apenas os ditadores planeiam para um milhar de anos e nessa perspectiva, abre-se diante de nós uma série de possibilidades, sendo que numa extremidade do espectro está o futuro sustentável e dentro deste cenário, descobrimos como produzir toda a nossa energia e fertilizantes a partir de fontes sustentáveis, para que a sociedade possa continuar a existir, como sempre aconteceu, e no outro extremo do espectro está a “crise universal”, ou seja, uma calamidade de proporções maiores que a da “Peste Negra”, pandemia, que durante o século XIV matou cerca de setenta e cinco milhões de pessoas, e que será o resultado de uma falha mundial, em substituir os combustíveis fósseis antes de começarem a esgotar-se.

O problema é de que ambas as extremidades do espectro envolvem a sociedade tornando-se mais hierárquica e menos liberal. Se começarmos por considerar o tipo de resultado mais suave que é o futuro sustentável, que não sendo ficção, permite imaginar uma realidade futura em que cada quinta com geradores hidroeléctricos nos seus riachos nas encostas, painéis solares nos seus campos e turbinas eólicas que elevam nas colinas, as casas e edifícios industriais em todas as cidades brilhando com células fotovoltaicas nas suas paredes e telhados, e as casas rurais com uma caldeira de biomassa. Moinhos de vento enormes no mar aproveitam o poder da brisa do mar, e a cada onda, enormes pistões alojados em túneis nos penhascos conduzem a energia para a rede de distribuição aérea convencional a nível nacional.

As aeronaves voam com biocombustíveis, o que acontece já com a United Airlines, cujo modelo Boeing 737 está a voar na rota Los Angeles – São Francisco, desde 2015, com 30 por cento de biocombustíveis derivado de fezes e gorduras animais. Os tractores e as máquinas agrícolas usam biodiesel à base de soja, como acontece por exemplo, no Brasil. As carrinhas eléctricas levam grãos e animais para os mercados urbanos, de onde são transportados por comboios eléctricos para os seus locais de abate e processamento. Mas mesmo neste estado harmonioso, haverá uma concorrência muito maior por recursos, em particular, haverá uma luta inflexível sobre o solo.

Imaginemos o Reino Unido como um exemplo, e supormos que investimos significativamente em energia solar, eólica e hídrica nas próximas décadas, para que em 2050 possamos produzir toda a nossa electricidade a partir dessas fontes. Trata-se de uma enorme suposição; no entanto, por razões de argumentação, suponhamos que seja possível. Na verdade, vamos ainda mais longe e imaginemos que pelo tempo que o petróleo leva a atingir um ponto de crise, não apenas satisfazemos todas as nossas necessidades de electricidade, mas também, geramos tanta electricidade a partir de fontes renováveis que podemos reduzir o consumo de petróleo, gás e carvão pela metade, que ainda deixaria o problema de substituir a restante metade da energia derivada dos combustíveis fósseis. Todas as formas de biocombustível actualmente em experiência, incluindo a colza, várias nozes, algas, milho e beterraba precisam de terras.

O cálculo para satisfazer apenas metade da procura de transporte rodoviário do Reino Unido em termos de diesel e gasolina, mostra que seria necessário o uso exclusivo de 11,3 milhões de hectares, ou seja, quase 87 por cento da área total do país, representando muito mais que todas as terras agrícolas disponíveis, não incluindo as necessidades de transporte não rodoviário, a produção industrial e de plásticos, máquinas agrícolas e combustível para aviação e também, não tendo em conta o aumento da procura à medida que a população cresce. Ainda que se possa defender a construção de várias dezenas de centrais nucleares, mesmo que fosse politicamente e ambientalmente aceitável, seria apenas uma solução temporária.

As reservas mundiais de urânio são cem vezes menores que o consumo mundial anual, e à medida que o carvão, gás e o petróleo diminuem, a probabilidade é da sua procura aumentar drasticamente, mas que não ultrapassará o petróleo por muitas décadas. Assim, a longo prazo, o futuro sustentável não só requer níveis astronomicamente elevados de investimento em electricidade a partir de fontes renováveis, mas também uma quantidade incrivelmente grande de terras agrícolas a serem dedicadas à produção de biodiesel, bioetanol ou algum outro combustível novo, criando uma tensão entre a produção de alimentos e combustíveis, que já é politicamente explosiva em alguns países duramente pressionados. O crescimento da população e a consequente necessidade de construir cada vez mais habitações, contribuem para essa competição por terra. As cidades, vilas, aldeias e infra-estrutura urbana representam 10,6 por cento da superfície do Reino Unido.

Os bosques, orlas costeiras, dunas e estuários, lagos de água doce, rios, montanhas, e charnecas representam mais 15,9 por cento da superfície do país. Os restantes 73,5 por cento são terras agrícolas, existindo por consequência muito espaço para a construção de novas habitações. No entanto, actualmente, todas as terras agrícolas produzem apenas cerca de 59 por cento das necessidades alimentares totais dos ingleses, ou seja são apenas 72 por cento auto-suficientes, para os alimentos que são vendidos no seu mercado interno. Isso significa que até mesmo as colheitas que tiveram em abundância, como o trigo, cevada, aveia, sementes de linho e colza, não são produzidas em quantidades que permitam reduzir a produção. Tiveram um excedente de trigo em 2008, colhendo 10 por cento a mais do que necessitavam.

O inverso aconteceu em 2012, pois tiveram uma colheita pobre, tendo importado mais do que exportaram. O Reino Unido não é auto-suficiente em carne e construir em terras agrícolas, pode fornecer telhados para as pessoas, mas não vai ajudá-las a alimentarem-se a longo prazo. Os que discordam sempre poderiam argumentar que construir habitações ajudaria a alimentá-los, criando rendimento que permitiria comprar excedentes de outros países. Tal ideia só pode ser uma estratégia de curto prazo, pois sempre que uma parcela de terra é usada para habitação, deixa de ser produtiva para alimentos ou combustível.

Se supusermos que se tinha de entregar uma pequena porção da terra agrícola para ser desenvolvida como habitação todos os anos, em um montante equivalente ao aumento da população actual, e considerando que a terreno cultivado valia cerca de vinte mil libras por hectare, e que a terreno para construção valia um milhão de libras ou mais por hectare, dependendo do local, o balanço patrimonial é assim melhorado em novecentas e oitenta mil libras por hectare de terra de cultivo, e este dinheiro extra nutre a economia, apoiando empregos e aumentando lucros. Agora, suponhamos que os ingleses continuam com tal prática até ao final do século.

A taxa actual de crescimento da população é de 0,76 por cento por ano e quase duplicará em 2100, atingindo cerca de cento e quatro milhões de pessoas e prover habitações, postos de trabalho e infra-estrutura para mais cinquenta milhões de pessoas exigiria que cerca de 6,8 por cento do país fosse desenvolvido, dependendo do uso que puderem dar aos locais previamente desenvolvidos, o que representa 9 por cento das terras agrícolas produtivas no Reino Unido, sugerindo que a produção doméstica total seria 9 por cento menos do que os níveis actuais, a menos que os terrenos restantes fossem cultivados de forma mais intensiva. Mas esses terrenos de cultivo teriam que alimentar um número significativamente maior de bocas e ao invés de satisfazer 72 por cento das necessidades alimentares domésticas, as terras agrícolas reduzidas só poderiam alimentar 33 por cento.

Os ingleses seriam dependentes de alimentos de origem estrangeira. E aí reside o problema, pois dois terços das nações do mundo têm populações a crescer mais rapidamente que o Reino Unido, pois a média mundial actual é de 1,2 por cento anual. Todos estes países estão ocupados a transformar terras agrícolas em habitações para venda, afastando gradualmente a sua capacidade de produzir alimentos suficientes para as próprias populações, muito menos criando excedente necessário para a exportação.

O volume total de culturas de base oferecidas para venda nos mercados internacionais atingirá um máximo em algum momento e, em seguida, começará a diminuir rapidamente. Os preços irão subir em todo o mundo e, inevitavelmente, menos pessoas serão capazes de os comprar. As organizações de ajuda internacional e instituições de caridade serão pressionadas a não gastar o seu dinheiro alimentando vítimas da fome no exterior, mas a aliviar a pobreza nos seus países.

Além disso, o modelo actual não leva em consideração as enormes quantidades de terra necessárias para a criação de electricidade e produção de biocombustíveis, e sem grandes extensões de terra consagradas a essas formas de energia, não haverá cultivo, e nenhum progresso em direcção a um futuro sustentável. A situação imaginada para o Reino Unido poderá bem acontecer em apenas oitenta e três anos.

1 Mar 2017

A questão migratória

“Refugees are people who cannot assume protection by their own states. In many refugees crisis of the modern era, ethnicity has been one, if not the major criterion according to which people have been denied the protection of their own governments.”
“Ethnic conflict and refugees” – Kathleen Newland

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s anos de 2014 e 2015 caracterizaram-se por uma crescente consciencialização nos círculos políticos, meios de comunicação e na sociedade civil global da situação dos imigrantes no mundo. Os relatos de centenas de pessoas a morrer em naufrágios no Mediterrâneo; milhares de refugiados a escalar cercas de arame farpado erigidas na Hungria; milhares a viverem em acampamentos, em Calais, esperando para fugir através do Canal para o Reino Unido e navios repletos de refugiados rohingyas a serem empurrados de volta ao mar no Sudeste Asiático, publicitou sobremaneira a extensão global da crise.

A cobertura mediática, neste caso, não foi excessivamente sensacional e os dados confirmaram a escala sem precedentes da migração global. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, na altura liderado pelo actual Secretário-Geral, António Guterres, descobriu que catorze milhões de pessoas foram deslocadas pela guerra em 2014, o maior número em um único ano, desde a Segunda Guerra Mundial. A ONU, em 2014, registou cinquenta e nove milhões e quinhentas mil pessoas deslocadas em todo o mundo, quase o dobro de deslocados de 2005, constituindo o maior número de deslocados quantificados, e essa cifra nem sequer considera os milhões de pessoas que se deslocam por razões económicas ou ambientais, à procura de uma vida melhor para si e para a sua família.

A nível global e de acordo com a Organização Internacional para as Migrações, cerca de quarenta mil pessoas morreram ao tentar atravessar uma fronteira entre 2005 e 2014. Trata-se de mortes de civis que perdem as suas vidas ao tentar deslocar-se de um lugar a outro e não de mortes militares. As crianças que morrem, têm protagonizado cenas dantescas, e nunca foi efectuado qualquer estudo acerca da responsabilidade que devem sentir os governos e os cidadãos dos países ricos por essas mortes de refugiados, ao tentarem atingir as fronteiras do mundo livre, para além dos habituais actos de comoção e consternação.

Após séculos de práticas estatais destinadas a regular e a controlar o movimento de refugiados, porque razão tantas pessoas continuam a morrer nas margens dos Estados ditos modernos, civilizados e democráticos? Existe a ideia poderosa nos meios de comunicação sociais e nas sociedades ricas de que a violência nas fronteiras é inevitável, quando os países menos desenvolvidos e menos organizados se arremessam contra os países ricos e desenvolvidos do mundo.

Tal versão das fronteiras é ilustrada na descrição dada pelo então candidato presidencial e actual presidente dos Estados Unidos, de rotular migrantes como criminosos, traficantes de drogas e estupradores e que pretende levar a sua promessa eleitoral a cabo, com a continuação da construção do muro da vergonha da América, que a separa do México, e a ser pago pelos mexicanos, pela recusa da entrada de cidadãos de alguns países árabes que vivem conflitos armados e crises humanitárias, muitos deles provocados pelos Estados Unidos, e em programas de televisão como a das Guerras de Fronteira da National Geographic, que, como o título sugere, apresenta o México como uma zona de guerra onde os agentes da Patrulha de Fronteira dos Estados Unidos estão sob constantes ataques de traficantes de drogas, criminosos e grupos de crime organizado que invadem o país.

Segundo esta perspectiva, continuar a endurecer e a proteger as fronteiras é necessário para conter a violência ilegal no outro lado, e construir muros e militarizar a fronteira são as únicas opções para proteger os cidadãos do país. As práticas adicionais de segurança nas fronteiras, são descritas, como acções virtuosas que podem proteger os migrantes inocentes, de traficantes humanos, sem escrúpulos, que têm um desprezo irrestrito pela vida da sua carga humana.

A resposta da União Europeia às mortes no Mediterrâneo demonstra esta lógica, ao sugerir que o problema pode ser resolvido utilizando a força militar contra os traficantes de seres humanos, destruindo os seus barcos e atacando os seus acampamentos. A brilhante estratégia, baseia-se no pressuposto de que a situação dos refugiados é estimulada principalmente pelos traficantes, não pelas condições nos países de origem dos imigrantes, ou pelas políticas de imigração restritivas dos países que não oferecem sistemas seguros e organizados para pedidos de concessão do estatuto de refugiado e asilo, pelo que contesta a ideia de que as fronteiras são uma parte natural do mundo humano, e que a migração é impulsionada principalmente por traficantes e contrabandistas, pois em vez disso, a própria existência da fronteira produz a violência que a rodeia.

A fronteira cria as descontinuidades económicas e jurisdicionais que passaram a ser vistas como suas características, proporcionando um ímpeto para o movimento de pessoas, bens, drogas, armas e dinheiro através delas. O endurecimento da fronteira através de novas práticas de segurança é a fonte da violência, não uma resposta. O então Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, a 21 de Novembro de 2014, afirmou que o sucesso da América como nação, está enraizado no compromisso contínuo de acolher e integrar os recém-chegados no tecido do país. É importante que se desenvolva uma estratégia federal de integração de imigrantes, que seja inovadora e competitiva, com as de outras nações industrializadas, e apoie mecanismos para garantir que as diversas pessoas do país, contribuam para a sociedade com o seu máximo potencial.

Os Estados Unidos são, de longe, o líder mundial no destino dos imigrantes. O Departamento do Censo dos Estados Unidos informou que em 2013, tinha registado um número olímpico de quarenta e um milhões e trezentos mil imigrantes, ou seja, mais de 13 por cento da população que vivia no país, calculando que cerca de doze milhões permaneciam no país sem autorização legal. A Rússia encontrava-se na segunda posição com doze milhões e trezentas mil pessoas residentes nascidas no estrangeiro. A ONU relata que os Estados Unidos são o lar de mais de 19 por cento dos imigrantes do mundo e comprometer-se actualmente com a integração dos imigrantes é mais urgente do que nunca. O tamanho da população imigrante só obriga à tomada imediata de uma acção. O Pew Research Center refere que de 1990 a 2012, o número de imigrantes nos Estados Unidos aumentou mais de cinco vezes – 106 por cento, que a população nascida no país – 19 por cento, e em 2013, uma em cada quatro crianças no país viveu com pelo menos um pai imigrante.

O número de imigrantes na sociedade americana é enorme pelo que é fácil concluir que se os imigrantes não prosperarem, então o país não crescerá e desenvolver-se-á. Os imigrantes nas duas últimas décadas instalaram-se em novas áreas do país, particularmente no Sul, e em novos tipos de comunidades, incluindo subúrbios e cidades rurais. Os professores, assistentes sociais, membros do clero e funcionários públicos em tais locais, tendem a ter pouca experiência com imigrantes da América Latina, Ásia ou África, cujas experiências, culturas e línguas nativas diferem das dos imigrantes europeus que chegaram ao país em gerações anteriores.

A integração durante as grandes vagas migratórias anteriores, foi alcançada pelo Instituto de Política Migratória dos Estados Unidos e que denomina de mediação de instituições que não têm uma forte presença na sociedade americana, e que incluem sindicatos de trabalhadores e instrumentos dos partidos políticos, que concorrem pela adesão dos imigrantes e fornecem orientação, ligações sociais e um sentimento de pertença em novas comunidades. Ao contrário de outras nações como a Austrália, alguns países da Europa Ocidental e o Canadá, que também recebem um número significativo de imigrantes, os Estados Unidos não têm uma política sistemática para ajudar os imigrantes a tornarem-se auto-suficientes, membros que plenamente contribuam para a sua nova sociedade.

A política federal de imigração americana, em vez disso, tende a concentrar-se principalmente nas questões contenciosas de quem será permitido entrar, ficar e retornar. O governo federal não tem nenhuma instituição identificável, especificamente preocupada com a integração de imigrantes na sociedade. A integração dos imigrantes continua a ser uma reflexão tardia nas discussões sobre políticas e depende de escolas públicas, instituições religiosas, homens e mulheres de boa vontade e organizações sem fins lucrativos. Ainda que a integração de imigrantes seja tipicamente defendida por organizações progressistas, o movimento das pessoas de pés bem assentes no chão tem carácter não ideológico e evita atrair atenções, incluindo os directores de centros de inglês como segunda língua, membros da Câmara de Comércio, presidentes dos municípios, conselheiros municipais, líderes de comunidades religiosas e de organizações sem fins lucrativos. Talvez por isso o conceito e a prática da integração dos imigrantes tenham obtido o apoio de pensadores liberais e conservadores.

Os defensores da integração imigrante há muito tempo trabalhavam amarrados a uma mensagem simples e não ideológica, apoiada por factos, que enfatizavam o destino compartilhado, como a saúde da economia e da democracia que depende dos imigrantes encontrarem sucesso, felicidade e compromisso nas suas comunidades e nos Estados Unidos a longo prazo, ou melhor, por outras palavras, dependiam uns dos outros. Se os imigrantes não encontrarem sucesso nos Estados Unidos, o país também não o encontrará. As pesquisas de opinião sugerem que os americanos podem apoiar um esforço pro-activo para trazer os imigrantes de forma plena à vida cívica, económica e social dos Estados Unidos.

A pesquisa Gallup de 2013, descobriu que 88 por cento dos adultos auxiliavam os imigrantes indocumentados no caminho para a cidadania, desde que passem na verificação de antecedentes, aprendam Inglês e paguem uma taxa. A pesquisa Gallup de 2012 revelou que 72 por cento dos americanos concordaram que a imigração é um valor acrescentado para o país. As pequenas comunidades rurais e as pequenas cidades estão a mudar. Se forem dados aos jovens um local para progredir, crescer e realmente integrarem-se, e se forem criadas as oportunidades para todos à integração, será bom para as pessoas, para as comunidades e para a América, país de imigrantes cuja divisa é “E Pluribus Unum”, que o Presidente americano quer destruir com tresloucadas ideias e práticas de bloqueio à entrada de refugiados contrárias à história, natureza e essência dos Estados Unidos.

22 Fev 2017

A agonia da Europa

“Europe’s Economic and Monetary Union (EMU) today is like a house that was built over decades but only partially finished. When the storm hit, its walls and roof had to be stabilised quickly. It is now high time to reinforce its foundations and turn it into what EMU was meant to be: a place of prosperity based on balanced economic growth and price stability, a competitive social market economy, aiming at full employment and social progress. To achieve this, we will need to take further steps to complete EMU.”
“Why Europe Will Run the 21st Century” – Mark Leonard

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] actual crise da União Europeia (UE) torna dolorosamente evidente que a sua história deve ser repensada, reformulada e reescrita. Está em jogo mais do que simplesmente fixar o registo do que foi realizado. Ao mesmo tempo, vasta e paroquialmente, a pesquisa existente sobre a UE não apenas define os parâmetros intelectuais actuais do seu objecto, mas fornece também a linguagem que dá forma à discussão, estabelecendo os contextos de formulação de políticas, orientação da acção política e abertura de novas fontes de legitimidade. Trata-se de um acontecimento que envolve duas causas especiais.

A maior parte da literatura académica escrita sobre o assunto foi directa ou indirectamente financiada pela UE, pois durante a maior parte da sua vida, e mesmo até ao presente, foi também beneficiária da ideologia do europeísmo, ou seja, uma fé secular que é um agente ordenado do progresso humano. Os muitos estudiosos, comentaristas, variados especialistas, jornalistas e afins que passaram a maior parte das suas carreiras a fazer pesquisas na UE, são quase todos devotos do culto da Europa unida e para terem a certeza, podem muitas vezes ser críticos, e à luz dos acontecimentos actuais são mais do que anteriormente, mas apenas para melhor servir a causa.

Os que ainda duvidam são indesejáveis. Tais hereges ainda têm de fazer sérias incursões no legado da erudição da UE. Os fabricantes e agitadores em Bruxelas têm estado, e ainda estão, por detrás da empreitada maciça do estabelecimento intelectual e de forma simbiótica a tirar proveito. O mesmo não pode ser dito para os restantes dos cidadãos europeus. O laço entre os pensadores e os praticantes deve ser quebrado se quiserem fazer um progresso real na reforma da UE e no tratamento do seu legado.

É de recordar as três teorias influentes que têm sustentado a crença na UE como algo historicamente transcendental. Enquanto todas diferem fundamentalmente na interpretação do processo de integração, cada uma delas coloca um resultado teleológico semelhante, que é uma Europa Federal. Nenhuma delas tem muita aceitação. No entanto, um paradigma alternativo ainda não as substituiu. A mais antiga e proeminente entre tais abordagens conceptuais, é o funcionalismo, que sustenta que a integração europeia, uma vez posta em marcha, teria “efeitos secundários” que transportam de um sector económico ou político para outro, eventualmente permeando o corpo político. Poder-se-ia esperar que esse processo se movimentasse previsivelmente ao longo do tempo, mas nunca foi o caso.

O progresso foi, na melhor das hipóteses, esporádico e, na pior ausente por prolongados períodos. O autor da teoria funcionalista, elaborada na década de 1950, é o cientista político Ernst Haas, que mais tarde a repudiou. As recentes tentativas de reavivamento, apesar de desesperadas não tiveram praticamente qualquer resultado positivo. A segunda teoria, o intergovernamentalismo liberal, foi desenvolvida por outro cientista político, Andrew Moravcsik, no final da década de 1990, explicando o processo de integração como o resultado de acordos ideais entre actores estatais, e pouco tem a dizer sobre como as instituições operam, e nada menciona sobre os seus possíveis fracassos.

É contada uma história de sucesso, sendo difícil, à luz da actual situação da UE, levar a ideia a sério. A terceira abordagem reinante é um pouco diferente nas suas características. Tendo sido formulada no início da década de 1990 pelo historiador Alan Milward, sustenta que o processo de integração é entendido como um fortalecimento necessário e benéfico do Estado de bem-estar e tendo sido posteriormente elaborada, postula ainda, como as outras teorias que a UE não se vai transformar de uma ideia elitista em um projecto de massa.

A ligação entre as duas teses de Milward e os contornos da história real da UE e as suas predecessoras é apenas incidental. A fé profunda, permanente, difundida e ferozmente defendida de que o processo de integração se concretizará numa Europa social-democrática unida é o que sustenta tais ideias. As convicções são difíceis de morrer. As três desgastadas teorias, em percepções erradas, que imploram correcção e qualquer inquisição sobre a história da UE não farão nenhuma presunção triunfalista. Ao invés, reavaliará o passado da UE num esforço para descobrir o que houve de errado, como poderá ser corrigido e o que poderá vir a seguir. É preciso, desde o início, ver o sujeito de fora para dentro, em vez de, como antes, de dentro para fora.

O epifenómeno de forças históricas mais fortes, o crescimento e desenvolvimento da EU, ocorreu de forma exógena, por meio de motores internacionais de mudança, e intermitentemente por alterações nas relações de superpotência, e continuamente pela expansão aparentemente inexorável do comércio mundial, mediado por novos contextos económicos, políticos e organizacionais. Tal força, e não a UE, é a principal impulsionadora do processo de integração. A erosão gradual do poder inerente às instituições políticas nacionais e regionais, bem como a sua superação por mercados cada vez maiores e mais profundos, está intimamente relacionada com o fluxo crescente de importações e exportações.

O crescimento do comércio internacional reflecte o desenvolvimento de uma interdependência cada vez mais densa e complicada entre os Estados e as instituições corporativas, dentro delas e entre os mercados e as instituições. A tendência constituiu e continua a representar uma ameaça crescente para os construtores burocráticos do sistema da UE que, colocados à defensiva, levantaram interesses políticos num esforço inútil para impedir a torrente.

A Europa sofre com o resultado. Quanto aos argumentos, o original foi o cenário da Europa do pós-guerra, cujas características mais significativas foram o grande desenho americano, que trouxe o renascimento da Alemanha, bem como a Europa e a Guerra Fria. As razões seguintes resultaram da chamada mudança de regime monetário, ou seja, a desagregação na década de 1970 do sistema financeiro mundial de Bretton Woods, que havia sido criado nos últimos meses da Segunda Guerra Mundial e estava ancorada no padrão dólar-ouro. O colapso deste sistema deu início a uma era neoliberalista, bem como, regionalmente, à espada de dois gumes conhecida como o Acto Único Europeu de 1986.

As suas sequelas tiveram como epílogo o mal concebido Tratado de Maastricht de 1992, que alegremente se comemora, o lançamento de um projecto constitucional imperfeito e a decisão fatal de adoptar o euro como moeda única. A revolução cibernética fornece o contexto para a actual crise na Europa, que conjuntamente com o renascimento da China e da Índia e o seu retorno ao desempenho de um papel cimeiro na história mundial, apresenta imensos desafios técnicos e geopolíticos a uma UE debilitada por uma perda de autoridade, métodos de operação arcaicos e mau julgamento. A adaptação da UE às mudanças, por vezes, impõe respeito, mas muitas das vezes o oposto, sendo por um lado, um poderoso motor de potente melhoria, mas por outro lado profundamente falhado, produto tanto da tomada da decisão humana errada e desenho institucional e operacional.

A história da UE não seguiu um curso prescrito nem foi moldada por um modelo único, ou mesmo vários deles. Sem uma constituição ou outro documento único de formação, mas sendo consequência de vários tratados e muitos entendimentos informais, não apresenta uma sólida estrutura. A complicar ainda mais a situação, a UE opera também de forma oportunista fora desses quadros, num terreno legal e institucional imaginário. O seu desenvolvimento pode ser caracterizado como tendo sido mutável, polimorfo e refractário.

A UE, como organização, alterou-se com o passar do tempo, assumiu formas diferentes e adquiriu novas funções, mas continua a ser obstinada e resistente à mudança. Essa mesma falta de forma pode, paradoxalmente, ser uma fonte de força a longo prazo. A UE já se reconstruiu anteriormente e poderá voltar a fazê-lo. Os mecanismos operacionais da UE estão envoltos numa confusão semântica pelo que são desnecessárias complexidades e ineficiências. A explicação do funcionamento do mecanismo de Bruxelas deve, sempre que possível, evitar uma linguagem incompreensível, ser cauteloso com as relações públicas e considerar inaceitável a desculpa oficial de que o abuso de significado é a consequência inevitável do carácter “sui generis” do projecto da integração.

A última hipótese é insustentável. A UE é uma organização internacional que, como outras foi criada num espírito utópico, estando sujeita às limitações da história e, portanto, falível. Ao avaliar os seus pontos fortes e fracos, não se deve apenas examinar a UE enquanto instituição, mas também os caminhos alternativos de desenvolvimento e o peso dos impactos. O seu lamentável estado actual não estava predeterminado, mas deve-se a uma história de pensamento mal-intencionado, atitudes nefastas, má formulação de políticas e inércia. A UE é produto de mentes e acções individuais, mas também de instituições dependentes, disfuncionais e ossificadas. Esse legado deve ser superado de alguma forma.

A UE pode ainda não estar morta, mas padece de doença a caminhar para a fase terminal. A sua sobrevivência, como no passado, exige, no entanto, uma adaptação rigorosa e até mesmo dolorosa às poderosas forças globais de longo prazo que fazem progredir o mundo. A reforma futura pode implicar uma mudança de atribuição, reestruturação e redução acentuada do poder e da influência da UE enquanto instituição. A história da UE não pode ser sobre metas atingidas, ou mesmo, como nas revisões recentes, metas adiadas, mas de declínio.

A UE tem um longo historial de intervenções políticas ao longo das grandes questões humanitárias e sociais, falhando cada vez mais na tentativa de as implementar, infligindo consequentemente maior dano. É um peso morto que deve ser levantado para que as culturas nacionais floresçam e a Europa recupere a confiança necessária para enfrentar os desafios do futuro. Os cidadãos europeus na sua maioria têm vindo a troçar das pretensões da UE, condenam as políticas já vacilantes ao fracasso e lançam uma avaliação pública da sua necessidade.

O escândalo da fraude da Volkswagen sobre padrões de emissões de diesel, expôs o vazio da reivindicação da Comissão Europeia, para servir como consciência do mundo sobre a política climática, e minou a sua credibilidade como regulador, e sobrecarregada por essa humilhação, a escalada da crise dos refugiados trouxe a agonia evidente da impotência da EU, num campo em que afirmou a jurisdição exclusiva, como seja a segurança interna europeia. Os terríveis atentados suicidas de 13 de Novembro de 2015, em Paris, chocaram os cidadãos dos Estados-Membros, trazendo-os para uma consciência dolorosa de que a política de Schengen de fronteiras abertas compromete a segurança pública.

Os atentados tiveram também implicações políticas de longo alcance, pois inverteram a política de informação científico tecnológica anti-americana da Comissão que era a ponta de lança do seu programa económico, em prol de uma melhor vigilância cibernética, porque necessitavam de novos e improdutivos investimentos maciços em vigilância e bem-estar, resultando numa delegação de facto do poder da UE aos Estados-Membros, revirou a opinião pública bruscamente para a direita, e desencadeou uma procura de alternativas para a Europa.

O destino da UE pode muito bem ser determinado pelo Brexit e consequente saída do Reino Unido. O que parecia improvável quando o primeiro-ministro Cameron prometeu um referendo sobre continuidade da Grã-Bretanha no bloco europeu, e não conseguiu das instituições europeia as concessões de longo alcance necessárias para aplacar um eleitorado cauteloso, foi a votação inesperada pelo abandono da UE. A saída do Reino Unido dividiu ainda mais a UE e pode descentralizá-la A saída britânica pode em tempo desencadear uma reconfiguração da União Económica e Monetária e deslegitimar o corpo de leis e regulamentos europeus conhecido como acervo comunitário. Vivemos um momento decisivo na história da Europa do após Segunda Guerra Mundial.

13 Fev 2017

A China no Ano do Galo

“Chinese economy is faced with downward pressure as many other countries are now. However, China’s 1.3 billion population has offered a giant market with various buffer zones for the world’s economy and enormous consumption demands for its recovery. China imports goods worth $3.2 million from other countries in every 1 minute; and one in every 10 products exported around the world is bought by China. Just imagine, if every Chinese person buys products or service worth $100 from your country, $130 billion are generated in bilateral trade.”
CIPG Digital Media Center, January 17, 2016

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Ano Novo Chinês começará, tendo como regente o Galo, a 28 de Janeiro de 2017 e terminará a 15 de Fevereiro de 2018, marcando o final do ano do Macaco. O Galo é o signo da madrugada e do despertar. O triunfo e o êxito só aparecerão após muito trabalho e paciência. Assim, neste novo Ano Novo Chinês que se aproxima, a economia chinesa adaptou-se a uma nova normalidade em 2016, caracterizada pelo excesso de preocupações relativas ao crescimento do PIB, reforma estrutural dirigida à oferta, política monetária e ao Renmimbi (RMB), entre muitas outros factos e situações.

O próximo Ano Novo Chinês está a poucos dias de se iniciar e a grande questão é a de saber fundamentalmente, como será o desempenho da economia chinesa, existindo desde logo seis sectores que merecem a máxima atenção. Apesar da pressão descendente, o crescimento económico da China estabilizou-se em 6,7 por cento nos três primeiros trimestres de 2016, desmentindo os rumores de uma dura aterragem.

Os políticos chineses, em 2017, vão continuar a dar prioridade à estabilidade, dado que o Partido Comunista da China irá realizar o seu XIX Congresso Nacional, em Pequim, durante a segunda metade do ano. Os economistas prevêem um pouso suave da economia chinesa, e assinalam que a política fiscal pro-activa continuará a desempenhar um papel positivo. O sólido crescimento da China será garantido, quer por um forte potencial de crescimento, como por políticas de controlo macroeconómico.

O crescimento do investimento imobiliário e as vendas diminuirão, mas o efeito negativo será compensado pelo investimento em infra-estruturas. A Conferência Central de Trabalho Económico tem realizado a pesquisa do progresso, mantendo a estabilidade, que é o tema principal do trabalho económico, comprometendo-se a estimular um progresso significativo na reforma estrutural direccionada à oferta. É de crer que a China melhorará o seu sistema económico básico, e acelerará as reformas para delegar competências e optimizar os serviços.

É de crescente importância a reforma estrutural dirigida à oferta e as políticas de controlo macroeconómico, sendo que o crescimento estável da China não poderá ser conseguido sem reformas, que nunca terão sucesso se não forem controladas. Observando a partir de uma perspectiva global, a vantagem da China reside na sua ampla margem de manobra para realizar as necessárias reformas. A China espera realizar reformas fundamentais em empresas públicas, tributação, finanças, solo, urbanização, segurança social, educação ecológica e abertura.

A política monetária da China será prudente e neutral de acordo com a Conferência Central de Trabalho Económico. É pouco provável que no Ano do Galo, haja uma flexibilização monetária significativa e a política monetária poderá mudar, deixando de apoiar tão drasticamente o crescimento para evitar riscos. É de esperar que o banco central opte por instrumentos, tais como acordos de recompra e facilidades em empréstimos a médio prazo, para garantir a liquidez e evitar um crescimento excessivo do crédito.

A política monetária da China será determinada pelo objectivo de crescimento económico anual do governo, sendo de esperar uma crescente inflação, a subida das taxas de juros nos Estados Unidos e um yuan mais fraco, o que reduzirá o espaço para a flexibilização. O RMB tem registado agudas desvalorizações desde Outubro de 2016, causando preocupações no mercado. Todavia, é de descartar a possibilidade de quedas persistentes, e acreditar que a China pode gerir o impacto, mesmo se ocorrerem alterações nas taxas de câmbio maiores que o esperado.

É de considerar que não existe precedente para um país com o maior superavit em conta corrente no mundo, uma taxa excepcional de crescimento do PIB, abundantes reservas internacionais e restrições de capital, venha a sofrer uma depreciação significativa da sua moeda. O sólido progresso económico da China determina que o RMB irá manter a sua robustez contra outras moedas, considerando a recente debilidade, como uma correcção da excessiva valorização anterior.

É de esperar que o RMB termine a série de perdas na primeira metade do ano. O sector imobiliário, sendo um factor crucial do investimento em activos fixos, irá ser vigiado de perto pelo seu efeito no crescimento económico. O mesmo deveria acontecer em Macau onde as flutuações de carácter especulativo têm sido díspares, com um aumento geral de 32 por cento nos preços por metro quadrado das casas em Dezembro de 2016, quando comparado com o mesmo mês de 2015.

A China contará com regras mais severas para a compra de casas a fim de travar a especulação e a revisão do aumento de preços, pelo que a venda de propriedades crescerá a ritmo menor. Todavia, é de esperar que a urbanização da China apoie a procura de casas e mantenha um sólido crescimento do mercado. O principal órgão legislativo da China aprovará uma discutida lei de imposto sobre imóveis que fará aumentar o custo da especulação. É provável que o governo continue com as políticas imobiliárias diferenciadas para lidar com a divergência do mercado, entre as grandes e as mais pequenas cidades.

A economia mundial enfrenta uma lenta recuperação, com uma população em envelhecimento e uma larga diferença de riqueza, entre outros obstáculos a longo prazo. A China, por contaste, ainda que viva uma desaceleração, registou um invejável crescimento entre 6,5 e 7 por cento e continua a ser um poderoso motor a nível global, e neste contexto, o mundo depende cada vez mais da China para fazer face aos obstáculos que se apresentarão.

A China, apesar das invectivas de Donald Trump, terá um papel ainda maior no impulso da globalização. Tal como as maiores economias do mundo, os laços económicos entre a China e os Estados Unidos, merecem maior atenção, pois é provável que a decisão de Donald Trump de apelidar a China como manipulador de moeda e impor grandes tarifas alfandegárias contra os seus produtos, venha a criar uma enorme incerteza e a gerar efeitos negativos.

A nível global há que relembrar que nos princípios desta década, a corrente central de pensamento nos países centrais e em outros grandes actores internacionais, imaginava a consolidação de uma nova ordem internacional, assente sobre três pilares básicos. A hegemonia dos Estados Unidos apoiaria a paz internacional e o contínuo avanço da democracia liberal. O modelo de sucesso de integração continental, seria a contribuição da União Europeia (UE), o que poderia, eventualmente, ser imitado em outros locais.

A Rússia em declínio, uniria forças com a China, que continua a crescer, reconhecendo ambas as vantagens oferecidas aos seus países, em serem parte deste mundo concebido pelas potências ocidentais. Mas vai começar o mandato presidencial de Donald Trump, e a sua declarada intenção, é de que os Estados Unidos abandonem muito do seu esforço global e se concentrem em resolver os problemas de fronteira. Esse é o sentimento dominante na maioria dos americanos.

A Europa parece estar à deriva. A UE golpeada pelo Brexit, o destino do euro e os milhões de imigrantes que chegam, fez perder de vista boa parte do projecto original e não há nada de novo, que enriqueça e substitua a actual versão. Quanto à Rússia está demonstrada a sua política de ingerência e ocupação, pela invasão da Crimeia e no Médio Oriente.

A China não pertence ao Tratado Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), assinado em Auckland, a 4 de Fevereiro de 2016, e do qual fazem parte os Estados Unidos, Japão, Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Peru, Malásia, México, Nova Zelândia, Singapura e Vietname, representando cerca de 40 por cento do PIB mundial, um terço das exportações mundiais e abarca um mercado de oitocentos milhões de pessoas, e apesar dessa ausência avança para impor o seu domínio sobre os mares que a rodeiam, e têm deixado bem claro que não aceita a estratégia americana, e que a pode desafiar com sucesso. Esta mudança não aconteceu de um dia para o outro, pois existiam muitos sinais que a prediziam, ainda que quase sempre aconteçam despercebidos.

A crise financeira global de 2007-2008 que ainda faz sentir os seus efeitos, revelou fraquezas e limitações do actual modelo capitalista. A UE teve a sua sacudidela com a crise do euro e da zona euro. A China nunca deixou de crescer e assumir maiores parcelas no comércio e poder mundial. A novidade agora é um novo tipo de nacionalismo. A “América Primeiro” promete um recuo da globalização e uma concentração no isolacionismo.

A Rússia, com uma economia fraca, mas ainda com poderosos recursos militares, e quer uma desforra do “Império dos Czares”, depois da humilhação sofrida após a queda da União Soviética. A China, o “Império do Meio”, a maior economia do mundo até o século XVII, quer ressuscitar e deixar para trás a humilhação de ocupações sucessivas do seu território durante mais de cem anos. Todas estas nações, até agora actores de segundo plano, procuram definir um novo modelo de relações internacionais que, obviamente, seja mais favorável aos seus interesses nacionais do que o actual.

O Ano do Galo irá assistir ao enterro da velha ordem e à exigência de uma nova, que especialmente considere o novo estatuto da China como uma superpotência global, sendo que em futuro próximo, este novo mundo multipolar terá que encontrar um novo equilíbrio.

25 Jan 2017