O Alqueva pode não chegar para todos

Hoje vou contar-vos uma história surreal. Encontrei um amigo alentejano e falou-me do maior lago artificial da Europa, o Alqueva. Todos devem estar lembrados de como começou o Alqueva, com a possibilidade de as águas virem a submergir algumas aldeias ali existentes e até se construiu uma aldeia semelhante a uma que ficou debaixo de água. O meu amigo contou-me que na altura de se retirarem pessoas e bens da aldeia, o seu pai estava no hospital. Ele levou para sua casa montes de caixas e objectos da família. Nas caixas de papelão encontravam-se imensos escritos de seu pai que o meu amigo resolveu mexer mais tarde até porque o senhor seu pai veio a falecer.

Recentemente, resolveu começar a rasgar papéis e encontrou uma carta do pai onde estava escrito que tinha construído um alçapão por baixo da sala da lareira e que no seu interior encontrava-se o dinheiro (muito) de uma vida. Naturalmente, que o meu amigo quase enlouqueceu porque a aldeia e o dinheiro estão lá muito no fundo das águas do Alqueva.

E um lago que é o maior da Europa, local já de grande turismo, com barcos-casas, com aviões a amarar, com uma praia fluvial lindíssima, com tudo isto, está em perigo de não chegar para todos no Alentejo. Um reservatório gigante de água pode vir a ter restrições severas e imediatas para aqueles que actualmente são servidos. A barragem do Alqueva é um sonho com séculos dos alentejanos que foi concretizado apenas na década passada. As obras começaram em 1996 e as comportas foram encerradas em 2002. Neste momento, com a muita chuva que tem caído, está apenas a três metros do seu limite de enchimento. A quantidade máxima de água é de 4 150 000 000 000 litros de água, uma monstruosidade, mesmo assim este volume é da mesma ordem de grandeza de todo o consumo anual de água em Portugal incluindo todo o regadio, o abastecimento humano e a indústria.

A título de exemplo, olhando para as disponibilidades do Guadiana vemos um rio muito artificializado e explorado do lado espanhol, mas que faz chegar à barragem de Alqueva, por ano e em média, de cerca de 2000 hm3 e logo a sua albufeira pode armazenar cerca de 2 anos de escoamento médio. Na verdade, o Alentejo parece outro, há hectares verdinhos e onde nunca mais faltará água. Mas, há um problema bicudo: o Alqueva pode não chegar para todos. Como assim?

Acontece que os responsáveis pela barragem têm os seus clientes e os acordos para determinados regadios e esses clientes começaram a estragar tudo em 2019. Esses proprietários que já estão beneficiados têm naturalmente, outra perspectiva pois acreditam que a expansão pode lhes ser confiada para estenderem as suas redes privadas de distribuição de água às áreas vizinhas. Muitos deles já concretizaram essa expansão explorando as chamadas “áreas precárias”. Segundo os técnicos é essencial travar o crescimento de essas “áreas precárias” que já somam cerca de 18 mil hectares, quando o total da rega atinge 95 mil hectares.

A água do Alqueva não é ilimitada, mas com os cenários de consumo e eficiência que hoje conhecemos será suficiente para garantir o abastecimento de todos os clientes actuais – integralmente em áreas exploradas pelos responsáveis da barragem e reforçando os sistemas confinantes ligados – bem como toda a expansão projectada que já começou a ser concretizada e conta com financiamento assegurado.

O que o Alqueva nos deixa a pensar é como antes, durante décadas, os alentejanos viviam com as secas e iam à fonte com o recipiente de barro buscar água para beber e para a horta e nos tempos de hoje já se pensa na ganância total para se ficar rico expandindo a água por onde lhes apeteça. O Alentejo está lindo com o Alqueva, mas é importantíssimo pensar que a água é um bem indispensável com tendência mundial a desaparecer.

*Texto escrito com a antiga grafia

8 Mar 2021

Ascenso, o demolidor

Aqui em Portugal chegou-se à loucura completa. E não é por causa da covid-19. Deve ser consequência de uma doença mental. Durante a semana passada nunca tinha visto nas redes sociais tantos gráficos a desenhar as mais interessantes e irónicas obras artísticas contra o socialista Ascenso Simões. O homem colocou o país a interrogar-se onde está a sua razão e lógica ao anunciar que o Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, devia ser demolido. O homem é socialista? É da escola de Mário Soares? Ou a criatura devia ser militante de um partido esquerdista da Catalunha ou do País Basco? Demolir um monumento que simboliza a história de Portugal? Está certo. Se dermos razão ao dito Ascenso vamos igualmente derrubar o Mosteiro dos Jerónimos, a estátua de D. José no Terreiro do Paço, a do Marquês de Pombal que mandou matar milhares de concidadãos. Desmembre-se já a ponte sobre o Tejo do fascista Salazar, tal como o monumento aos combatentes do Ultramar.

Na sexta-feira, perguntei a um membro do Comité Central do Partido Comunista, qual era a sua opinião sobre as ideias do Ascenso. Respondeu-me: “O gajo é maluco e ninguém lhe liga mais. O partido dele já o devia ter expulso desde que foi governante incompetente”. Isto diz tudo. Temos pelo país fora o maior testemunho do que foi edificado durante os 40 anos de fascismo e durante toda a nossa história estatual do tempo da Monarquia e nunca ninguém democrata se lembrou de mandar abaixo uma estátua, nem sequer retiraram os nomes das ruas a homenagear os mais radicais fascistas.

Quando a Assembleia da República aprovou um voto de pesar pela morte do tenente-coronel Marcelino da Mata, Ascenso Simões votou contra, contrariando o sentido de voto do seu partido. Depois, pôs-se a escrever armado em literato num jornal diário e defendeu que o Padrão “devia ser destruído”. Ainda pior e perplexo adiantou que “devia ter havido mortos no 25 de Abril”, desculpando-se que não seriam mortos físicos, mas cortes epistemológicos. Mas Ascenso não deixou de referenciar que o Padrão dos Descobrimentos devia ser destruído enquanto “monumento do regime ditatorial”… Isto é caso para rir ou chorar. Ria quem acha que o homem é louco. Chorem os que passaram pela guerra do Ultramar e que se encontram física e mentalmente afectados e que são homens para dar um tiro no socialista Ascenso.

O caso é grave dito por quem foi. Um membro do Partido Socialista não pode ter posições destas. Não quererá Ascenso Simões destruir o templo romano de Évora por todo o mal que os romanos fizeram ao nosso povo? Não quererá destruir as igrejas que foram construídas no “regime ditatorial” com o qual a Igreja portuguesa esteve sempre em conluio? Incrivelmente o articulista vai ao ponto de salientar que “em Portugal, o salazarismo foi muito eficaz na construção de uma história privativa”. Privativa? Alguém acha que os milhões de crentes que têm visitado a “construção” do santuário de Fátima é algo de privativo ou é de quantos ali vão rezar? Ou Fátima também deve ser destruída porque foi edificada no “regime ditatorial”?

Há mesmo razão para o povo na sua maioria estar revoltado com Ascenso Simões, especialmente quando se refere ao regime de Salazar e à nossa história do império consequente dos descobrimentos? Então, o império que pertenceu ao Portugal teve a ver alguma coisa com o Salazar? No século XV já existia instabilidade em Portugal e ninguém pegou fogo às caravelas ou cortou a cabeça ao Infante D. Henrique. São dados concretos que demonstram que esta criatura que ainda é deputado do Parlamento não sabe o que diz.

O “herói” do revolucionarismo do século XXI esqueceu-se, ou fez de propósito, quando votou contra o voto de pesar pela morte do Marcelino da Mata que para além de ofender a memória de um português que se limitou a cumprir as ordens do regime fascista, também está a ofender todos os portugueses que vestiram a farda militar e que lutaram nas colónias, o que traduz uma ofensa gravíssima e merecedora de um voto no Parlamento da sua imediata expulsão de deputado. Não podemos envergonharmo-nos do império que tivemos, tal como o fazem os ingleses.

Pessoalmente, só gostaria de perguntar à criatura Ascenso Simões, como é que ele justifica a “infâmia” dos descobrimentos se ainda se fala português em São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Angola, Moçambique, Brasil, Guiné-Bissau, Timor-Leste e Macau?

*Texto escrito com a antiga grafia

1 Mar 2021

Juiz revolta homossexuais

Ao que isto chegou em Portugal. Um país a ocupar-se durante uma semana de um juiz presidente do Tribunal Constitucional que há anos tinha uma posição anti-homossexual. É um tema antigo e demasiadamente badalado.

Até entre os nossos reis tivemos D. Sebastião, D. Pedro I e D. Afonso VI que eram mais para lá do que para cá. O homossexualismo tem sido um dos maiores preconceitos da história humana mundial e em Portugal sempre existiu a prática do amor entre homens ou entre mulheres. Há anos, os sacerdotes católicos abusavam de jovens ainda no seminário. Alguns foram expulsos da Igreja, mas nos dias de hoje até o Papa Francisco admitiu o casamento homossexual.

A Assembleia da República aprovou o casamento gay e a partir daí muita gente tem saído do armário. Entretanto, um magistrado de nome João Caupers, sem qualquer investigação sobre o seu passado conseguiu chegar a presidente do Tribunal Constitucional. A maioria dos comentadores televisivos indicaram que para se chegar a um cargo desta natureza tem de ser um cidadão impoluto e exemplar. Ora, o juiz Caupers escreveu em 2010 alguns textos, que indignaram as pessoas em geral e até os seus pares na área judicial, textos esses completamente anti-homossexuais.

Quer dizer, não me digam que durante toda a carreira deste juiz se lhe apareceu pela frente qualquer réu que ele soubesse ser homossexual, seria certo que o condenava mesmo sendo um inocente? Nem posso acreditar nisso. O que sabemos é que o juiz presidente do Tribunal Constitucional referiu-se aos homossexuais como uma “inexpressiva minoria cuja voz é despropositadamente ampliada pelos media”, posicionando-se como um fulano integrante de uma “maioria heterossexual dominadora”. As suas declarações estiveram directamente ligadas à promulgação da lei que abriu a possibilidade de casamento para casais homossexuais. O juiz tem agora em 2021 o desplante de se desculpar e de afirmar que se tratou de um “instrumento pedagógico, dirigido a estudantes para melhor provocar o leitor” e acrescentando que hoje em dia não tem as mesmas ideias. Não tem? Será que passou a ser homossexual? Claro que não. O que o juiz escreveu por diversas vezes, tais como “os homossexuais não são nenhuma vanguarda iluminada, nenhuma elite”, pelo que não faria sentido a sua “promoção”. Gostaria de ouvir a opinião de um juiz que conheci e que era homossexual e que, infelizmente, já faleceu. Tenho a certeza que esse homem de uma competência extrema e que nunca misturou alhos com bugalhos exigiria a demissão do juiz Caupers de presidente do Constitucional.

Um juiz deste pensamento quando era professor catedrático nunca poderia chegar ao mais alto cargo do Tribunal Constitucional, com a agravante dos seus textos continuarem à mercê dos estudantes da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e onde os docentes partilham e expõem artigos de opinião.

Eu não sou homossexual nem defendo qualquer causa ligado ao tema, mas sei de fonte clínica de que a homossexualidade não é doença nenhuma e que desde a nascença do ser humano que os genes já têm a sua tendência hetero ou homossexual. Não tenho nada a ver com a vida e opções de cada um, mas não posso admitir pacificamente que um juiz desta envergadura deixe revoltados quantos já compreenderam que ser homossexual não é crime nenhum, apesar de continuarem a ser terrivelmente perseguidos e discriminados, sendo ainda criminalizados pela sua orientação sexual em muitos países, nalguns inclusive submetidos à pena de morte. A criminalização da homossexualidade em Portugal só foi definitivamente afastada em 2007. Mas em 2010, o professor Caupers ainda tentava provar aos estudantes que ser homossexual era um crime hediondo. Mas, como em Portugal o habitual é que a discriminação, a injustiça, a corrupção e a prepotência morram solteiras, temos mais um caso em que um “senhor” juiz rir-se-á disto tudo.

22 Fev 2021

Até nas vacinas há fraude

Vive-se em Portugal na loucura da vacinação. Não se entende a pandemia cerebral que vai no íntimo desta gente com medo de morrer quando todos sabemos que temos um fim. As vacinas existem desde o século XVIII, quando o médico inglês Edward Jenner utilizou a vacina para prevenir a contaminação por varíola. As vacinas multiplicaram-se para os mais variados combates a doenças que podem ser mortais. Até os animais foram contemplados com vacinas. Até Março do ano passado, a vacina de que mais se falou foi a chamada vacina da gripe, doença que em Portugal mata anualmente entre 3000 a 3500 pessoas e nunca ninguém do Ministério da Saúde indicou o uso de máscara ou o confinamento.

A loucura pela vacinação contra a covid-19 tem levado aos mais diferentes disparates e actos criminosos. O plano de vacinação, disse um especialista na televisão, nunca existiu e o coordenador que foi nomeado pelo governo para o task force, um tal Francisco Ramos, que já tinha sido governante várias vezes e que o Partido Socialista contemplou com mais um tacho como presidente executivo da Cruz Vermelha e coordenador do plano de vacinação. Mas, o homem alguma vez na vida teria sido vacinado contra a gripe, contra o tétano, contra a cólera ou mesmo visto alguma seringa? A sua incompetência foi total e o plano “inexistente” de vacinação começou a dar que falar e foi o tema de discussão durante toda a semana passada. Os abusos de autoridades responsáveis começaram a ser uma realidade e, por exemplo, quando se vacinaram 800 padres, também se vacinaram por tabela, e que não estavam na lista prioritária, um número inusitado de freiras. Houve autarcas que determinaram a si próprios a vacinação e aos amigos na edilidade que dirigiam. Enfim, por todo o país não se respeitou o tal plano de vacinação e foram milhares de doses parar aos bracinhos de quem não tinha direito. Anteriormente, já tinha havido uma polémica porque se queria vacinar primeiramente os políticos em vez de os profissionais de saúde. Igualmente não queriam vacinar quem tivesse mais de 80 anos. Devia ser com a intenção de morrerem todos para que o governo pudesse poupar nas pensões…

Com tanta ilegalidade e com vários juristas a sublinhar que se trata de um crime a merecer prisão para todos os que tomaram vacina e que não estavam nas listas prioritárias, que o coordenador tachista e incompetente Francisco Ramos pediu, obviamente, a demissão do cargo, tendo a desfaçatez de afirmar que tomava essa posição por ter descoberto que no próprio hospital da Cruz Vermelha tinham havido abusos. Vocês riram ou choraram? É demais, assistirmos a tamanha incompetência numa área como a saúde das pessoas. Ainda há médicos, enfermeiros e bombeiros que não foram vacinados e a preocupação da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) está na realização de umas inspecções aos abusos deixando para trás aqueles que vivem em risco constante a tratar dos doentes com a covid-19. A descoberta das irregularidades no hospital da Cruz Vermelha foi a gota de água que forçou Ramos a apresentar a demissão, acrescentando-se os inúmeros casos de abusos nas mais variadas instituições e as falhas de supervisão no terreno sobre a distribuição das vacinas. No meio disto tudo tinha de aparecer a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que tem a gestão do hospital da Cruz Vermelha e um outro socialista como provedor, por sinal um arrogante e malcriado que nem responde às missivas que lhe são enviadas e que, segundo funcionários da Santa Casa, só se preocupa com o Euromilhões e a Raspadinha. A Santa Casa defendeu sempre Francisco Ramos e no seio da instituição que se devia preocupar na construção de lares para idosos com condições dignas para humanos também correu a informação que teriam havido vacinações fraudulentas.

O governo diz que a vacinação corre sobre rodas, mas não se pronuncia sobre as dezenas de unidades que se estragaram e que foram para o lixo, nada diz se existe numerário suficiente para a segunda toma dos utentes e muito menos parece que ninguém sabe de matemática porque não tenhamos dúvidas que a população portuguesa não estará vacinada antes do fim do verão. E com uma agravante: a maioria dos velhos não tem telemóvel e as autoridades decidiram requisitar os cidadãos por mensagem telefónica…

E agora, perguntarão os meus leitores? Agora, chamou-se um elemento da instituição que percebe de organização e logística. A militar. Sem dúvida, que os militares nunca brincaram em serviço no respeitante a organizar e a disciplinar. Agora, foi nomeado o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo que tem um curriculum mega exemplar. E começou bem. Afirmou logo que “Não é em bicos de pés que vamos ajudar o povo português”. Gouveia e Melo não alinhará em fraudes e muita gente que pensa ser muito importante neste país vai ficar em sentido e a trabalhar seriamente num plano de vacinação sem buracos. Gouveia e Melo ocupava recentemente o cargo de adjunto para o Planeamento do Estado-Maior das Forças Armadas. É um homem que não quer louros nem tachos para o curriculum, disse logo que vai trabalhar com a estrutura da Saúde valendo-se da fama que tem na Marinha, um homem exigente e de pensamento vanguardista. Comandou submarinos onde o planeamento é algo de infalível para o bom cumprimento de uma missão. Com um português desta estirpe, que se ponham a pau os fraudulentos e irresponsáveis que grassam pelo nosso país oficial e que até num plano de vacinação correram logo para a prática da fraude.

*Texto escrito com a antiga grafia

8 Fev 2021

Quarenta ambulâncias em seca

As novidades sobre Portugal são catastróficas. Fazemos um esforço enorme em enviar-vos acontecimentos alegres, de grande satisfação, de uma inauguração de um novo complexo social que albergue os idosos não lhe chamando lar, mas um local de convívio com moradias pequenas concedendo autonomia aos utentes; um aumento das reformas que fosse digno de um país europeu; um partido político novo que emergisse com o intuito principal de ocupar um verdadeiro centrão entre o PS e o PSD de modo a combater a corrupção profundamente e anunciando uma política de favorecimento e melhoria da vida dos portugueses. Mas não se encontra nada que nos anime. Ainda recentemente fiquei incrédulo e revoltado quando conversei com um amigo que viveu em Macau e que está em Lisboa desde 2005 como cuidador informal sem nunca ter recebido qualquer apoio estatal. O país está angustiado. Em algumas autarquias toda a vereação e a população estão desorientados e impotentes no combate à covid-19. Os hospitais regionais já passaram do limite e enviam os pacientes infectados para outros hospitais.

As novidades que vos posso enviar só vos entristecem e isso deixa-me desolado por não vos proporcionar algo de bom. Mas é a realidade deste Portugal que na semana passada deixou-nos com três acontecimentos particularmente chocantes. Custa a acreditar, muitas vezes, que exista governo, presidente da República, deputados, gestores de hospitais e aquela coisa que inventaram para dar uns tachos a amigos e a que deram o nome de Protecção Civil, a qual nem apoio soube dar às dezenas de bombeiros que têm estado dias à porta das urgências dos hospitais.

O país ficou incrédulo quando soube que a vacinação contra a covid-19 tinha sido interrompida porque deixaram estragar milhares de unidades. Como é possível tanta incompetência? E ainda sobre as vacinas assistimos a uma guerra suja e incompreensível de quem é que devia ser vacinado primeiramente, se os profissionais de saúde e os idosos ou os políticos? Chegámos ao ponto de ouvir no parlamento um deputado a dizer: “Mas porque razão é que eu tenho de ser vacinado quando tenho em casa os meus pais com 90 anos e não fazem parte do lote de cidadãos a vacinar?”. Custa a acreditar como é que Portugal passou para o primeiro lugar mundial no número de infectados por cada milhão de habitantes.

A segunda faceta a que assistimos, vá lá, foi uma bofetada sem mão à GNR e a outras autoridades que passaram o verão a perseguir e a multar os autocaravanistas. Não os deixavam estacionar em lado nenhum e em locais junto às praias. Pois, os autocaravanistas deram uma lição de humanismo e solidariedade. Decidiram levar as viaturas para os hospitais, a fim de proporcionar aos profissionais de saúde umas horas de sono e não terem de se deslocar a suas casas, muitas vezes a residirem do outro lado do Tejo e esta atitude nobe dos caravanistas veio provar que os hospitais não têm estruturas para o seu pessoal.

A terceira vergonha que tenho para lamentar diz respeito a algo nunca visto. O Hospital de Santa Maria tinha fama de eficiente e de uma organização louvável. Inclusivamente tem um piso somente dedicado a doentes de cardiologia e cujos profissionais têm fama em todos os continentes. De um dia para o outro, tudo foi por água abaixo. Ou porque os profissionais de saúde estão exaustos ou não há local para receber os doentes, imaginem as ambulâncias a chegar às urgências e a ficarem em fila horas e horas. Quando falamos em horas, dizer-vos que houve ambulâncias em que os seus doentes esperaram 18 horas no interior da ambulância sem assistência, sem oxigénio e sem qualquer alimento. Uma bombeira heroína mandou vir uma pizza e distribuiu-a por dez colegas que ali estavam sem comer há mais de 12 horas. E o absurdo aconteceu: 40 ambulâncias em fila a aguardar assistência. Escrevi quarenta, é surreal ou inacreditável. Os doentes no interior das 40 ambulâncias desesperaram e pioraram. Só no dia seguinte foram contemplados com uma triagem móvel. Não tinham nada para comer. A dada altura, lá apareceu a solidariedade de muita gente que foi levar alimentos aos doentes e aos bombeiros. O caos instalou-se à porta do hospital de Santa Maria e as 40 ambulâncias em fila já decoraram várias páginas de jornais internacionais. É assim que estamos em Portugal: confinados, doentes, amedrontados, com os miúdos endiabrados em casa, com os bares clandestinamente a servir bebidas até a polícia aparecer e até proibidos de regressar ao local de trabalho em Inglaterra ou no Brasil, após o governo ter decretado a suspensão de voos para esses países a contas com variantes da covid-19.

1 Fev 2021

A palhaçada do fascismo

Por André Namora

 

Assistimos a uma não campanha eleitoral para as eleições presidenciais. Mais uma vez a pandemia fez das suas. O governo decretou o confinamento. O povinho não mostrou qualquer civismo e responsabilidade. Saiu tudo à rua e de confinamento ao ar livre aconteceu tragédia. A campanha eleitoral não existiu. Os candidatos iam suspendendo as acções já agendadas. O governo e o país assistiram à desgraça de verem o número de óbitos e de infectados a subir assustadoramente. Os dias passaram a ser de uma constante surpresa com mais de 200 mortos em 24 horas.

Os candidatos a presidente da República, em número demasiado na esquerda política e com pouco sumo de mudança política passaram a limitar-se a umas mensagens nas televisões.

O Partido Socialista deixou o país incrédulo em não apoiar um candidato próprio e ainda por cima em não dar o seu aval à socialista Ana Gomes em detrimento de Marcelo Rebelo de Sousa. Porque não venham com a história da chamada liberdade de voto porque não pega. O actual presidente Marcelo obviamente que será reeleito e por larga vantagem. Só não sabemos uma coisa: é se a abstenção é significativa e poderá provocar uma segunda volta. Com quem? Bem, isso é outra conversa. Andam dois passarões a disputar a mesma presa do segundo lugar, a candidata Ana Gomes e o “bocas” que fez Portugal voltar a falar e a pensar naquilo que já ninguém imaginava – no fascismo.

O homem André Ventura apareceu como o “palhaço” da moda política: dizer mal de tudo e de todos, mas deixando um rasto bem visível de que a extrema-direita europeia estava a financiar as suas campanhas. Extrema-direita com a cabeça de fora não se imaginava que passasse a ser uma realidade. Falar em fascismo e aparecerem ideias autenticamente fascistas, racistas e xenófobas é uma realidade na companha do homem que aprendeu política no PSD. O homem insulta, ofende, diz que vai ser presidente, governante, autarca, diz tudo e mais alguma coisa sem lógica, mas com o perigo de angariar apoios nos descontentes. Acontece que os portugueses estão zangados com muitos actos governativos, especialmente pelo que não se faz pelos mais desprotegidos. E aqui é que o homem bate forte numa onda de populismo como nunca se vira nas hostes do CDS ou do PSD.

Portugal está triste, preocupado e de luto. Morre muita gente com a covid-19, os hospitais do norte ao sul do país estão em ruptura, sem mais camas e profissionais de saúde. Nenhum governo alguma vez se preocupou que poderíamos ser alvo de uma catástrofe. Nesse sentido, deviam-se ter construído mais hospitais e valorizado o trabalho dos profissionais de saúde. O número de óbitos, que nos últimos dias ultrapassou os 220 por dia, criou o medo permanente em toda a gente, excepto nos inconscientes que até andam pelas ruas sem máscara. E é neste ambiente nacional de tristeza e preocupação que o candidato Ventura provoca o impensável: regressaram as manifestações idênticas aos da década de 1970, com protestos de “Fascismo nunca mais” e “Fascismo não passará”, sempre que ele aparece numa cidade. Em todos os locais onde o candidato se desloque os protestos contra a sua presença fazem-se ouvir. Em Setúbal, a polícia teve de intervir porque a caravana automóvel do candidato Ventura foi alvo de grande ostracismo por um grupo de opositores de etnia cigana.

Onde está a noção de confinamento para o candidato Ventura, quando todos os outros candidatos suspenderam as actividades de rua? O homem só sabe gritar que há o bem e o mal. É óbvio que ele e o seu grupelho se acham a parte boa da população e tem o desplante de anunciar que vai vencer as eleições numa segunda volta, quando se sabe há anos que Marcelo Rebelo de Sousa será reeleito logo à primeira votação.

No entanto, a campanha presidencial teve momentos de grande elevação com as posições de candidatos como Ana Gomes, Marisa Matias, João Oliveira e Tino de Rans. Souberam trocar palavras que não ofendiam, não insultavam, simplesmente demonstraram que em política não podem ser todos iguais nem anunciar as mesmas medidas. Os debates nas televisões tiveram sobriedade, cordialidade e em certos casos nas entrevistas realizadas aos candidatos, estes souberam, com clareza, manifestar o que poderia mudar em Portugal.

Durante esta campanha eleitoral ficou uma nódoa negra, a mais negra da campanha: a posição do candidato Ventura contra a comunidade cigana. A maioria dos ciganos trabalha à sua maneira, alguns já têm cursos superiores, há dias conheci um que é veterinário. Os ciganos não merecem os insultos do candidato Ventura que anunciou que os ciganos nada fazem e que vivem à custa do dinheiro do povo. É mentira. Conheço vários casais de ciganos que se levantam todos os dias às cinco da madrugada para se deslocarem nas suas carrinhas para vender os seus produtos nos mais variados locais onde se realizam feiras de rua. Há ciganos que trabalham em empresas de distribuição, nas obras de construção civil, nos armazéns de hipermercados e nos mais variados tipos de trabalho. O candidato Ventura disso não fala e nada diz sobre o prejuízo que têm os ciganos, tal como todos nós, devido ao confinamento e de não poderem ganhar dinheiro para sustento das famílias que normalmente são numerosas.

O candidato Ventura mostrou ao país uma única teoria: a palhaçada do fascismo, que até teve a presença em Portugal da líder fascista francesa Le Pen. No meio disto tudo, com as escolas também encerradas, o povo apenas deseja que a pandemia termine e que Marcelo Rebelo de Sousa tenha um novo mandato especialmente virado para a defesa dos mais desprotegidos no nosso país.

25 Jan 2021

Na gaiola outra vez

Por André Namora

Aí está a chamada tradição do Natal transformada em confinamento. Todos achavam que a celebração eucarística da família à mesa com bacalhau e peru é que tinha de acontecer. Em primeiro lugar estava a oportunidade de dizer à covid-19 que passasse ao lado da malta porque as festas eram importantíssimas… nem sequer o alerta de certos especialistas clínicos a avisar que os ajuntamentos familiares no Natal iriam provocar grandes dissabores traduzidos em números astronómicos de infecção e aumento do número de óbitos, permitiu que as pessoas não aderissem às festas natalícias. De nada serviu, os médicos atentos ao que se vai passando por esse mundo sabiam que as festas iriam dar bronca. Festas que foram do conhecimento das autoridades com 100, 300 ou 500 pessoas. Tudo na maior.

Toca a banda e abre o garrafão que é Natal ou ano novo. A Guarda Nacional Republicana ainda entrou por umas quintas a dentro e acabou com o festim. Numa delas, havia mulheres e homens nus numa piscina interior aquecida em plena orgia do tipo grego com uvas e outras bolas nas mãos. No interior do salão com lareira manjava-se javali e veado cozinhados com vinho tinto. Resumindo: estava tudo bêbedo sem se darem conta que o coronavírus andava por lá a marcá-los à distância para passadas duas semanas enviá-los para o hospital, na secção chamada de covid.

A propósito, de falarmos sobre a covid-19 e o aumento estonteante do número de infectados e de mortes que levaram o governo a decretar novo confinamento à população, há que registar o excelente e sacrificado trabalho dos profissionais de saúde pública, especialmente os enfermeiros e assistentes sociais. As secções nos hospitais onde são instalados os doentes com a pneumonia covid são geridas com uma seriedade espantosa. Qualquer profissional está equipado dos pés à cabeça com bata especial plastificada, uma touca, dois pares de luvas, sapatos especiais, óculos de plástico, máscara profissional, todo este material que ao deixarem a secção onde se encontram os doentes com a covid são atirados fora para recipientes próprios para cada tipo de objectos utilizados. Os enfermeiros merecem os nossos maiores aplausos pelo trabalho que realizam. É proibido entrar nos hospitais mas tive a oportunidade de ver um vídeo que um profissional hospitalar realizou e vê-se que felizmente não se está a brincar em serviço.

Quem brinca com o povo são os políticos tão incompetentes que até eles apanham a covid-19, como foi o caso da ministra do Trabalho e da Segurança Social. Por sinal, quando a vi toda gaiteira e a falar sem máscara, disse para comigo “esta não se safa à covid”. Dito e feito. Mas, a verdade total neste aspecto não vem a público: há mais governantes e assessores infectados e incrivelmente, pelo menos um deles, sabia que estava positivo e foi “trabalhar” para o Ministério onde se encontram centenas de colegas. A irresponsabilidade tem sido grande, o governo perdeu o controlo da pandemia, os médicos que sabem da matéria não têm sido levados a sério e assim estamos com cerca de 150 mortes por dia. Quem diria que chegávamos a um ponto tão trágico e tão triste e mesmo assim foi decretado um confinamento da treta. Qual confinamento? As escolas estão abertas, os pais saem à rua para ir levar e buscar os filhos aos estabelecimentos de ensino, os supermercados estão abertos, as pastelarias estão abertas servindo o cafezinho numa mesa colocada à entrada e onde os ajuntamentos de clientes são uma realidade, as padarias não param de vender toda a espécie de pão, as mercearias estão cheias dos clientes habituais lá do bairro, os cabeleireiros estão fechados mas as marcações telefónicas levam a que no interior o trabalho não pare.

Resumindo: as ruas estão cheias de “confinamento”, uns foram à farmácia, outros ao hipermercado, alguns dizem que vão ao dentista, outros que vão à consulta que o médico marcou há duas semanas, há muitos a passear o cãozinho, à porta do talho vêem-se as filas de carnívoros, enfim, são tantas as excepções ao confinamento que estou certo que o número de infectados e de mortos não vai baixar.

Por outro lado, tenho um vizinho que já trocou o seu Mercedes pelo último modelo. É proprietário de uma agência funerária e disse-me que nunca imaginou ficar tão rico. Só os funerais dos muçulmanos dão-lhe um lucro astronómico porque é das poucas agências que sabem tratar dos rituais inerentes à religião de Maomé. O confinamento que foi decretado na passada sexta-feira é um fiasco e tristemente o civismo das pessoas ainda não alcançou uma plataforma de compreensão de que esta pneumonia covid não brinca com os humanos, simplesmente trata-lhes da saúde enriquecendo as agências funerárias.

As pessoas não entendem o que é uma pandemia, não querem compreender a gravidade deste tipo de vírus e até há quem brinque aos testes. Hoje dá negativo, no dia seguinte deu positivo, tem que ficar 15 dias confinado, mas depois de mais um teste volta a resultar negativo e aí vai ele para a rua porque as eleições estão à porta e há quem queira continuar a ser presidente da República. O que me apetecia era ter uma fábrica de gaiolas onde pudesse meter esta passarada toda…

*Texto escrito com antiga grafia

18 Jan 2021

A pandemia tem de ir morrer longe

Por André Namora

Li muito do filósofo escocês David Hume, um homem excepcional que faleceu em 1776. A sua principal obra foi a “Investigação sobre os Princípios da Moral”. Cada vez que mais o lia mais discordava com ele, apercebendo-me que eu era uma formiga intelectual ao pé de um elefante. O genial David Hume teorizava sobre questões epistemológicas – aquelas que tratam da natureza do conhecimento. Seus pensamentos foram revolucionários o que o levou a ser acusado de heresia pela Igreja Católica por ter ideias associadas ao ateísmo e ao cepticismo. Compõs a famosa tríade do empirismo britânico, sendo considerado um dos mais importantes pensadores do chamado iluminismo escocês e da própria filosofia ocidental. Dizia que era impossível provar a existência de Deus. Opôs-se particularmente a Descartes e às filosofias que consideravam o espírito humano desde um ponto de vista teológico-metafísico. Assim David Hume abriu caminho à aplicação do método experimental aos fenómenos mentais. A sua importância no desenvolvimento do pensamento contemporâneo é considerável. Somente no fim do século XX os comentadores se empenharam em mostrar o carácter positive e construtivo do seu projecto filosófico.

Mas, ó André, a que propósito vens com filosofias? Não seria empírico falares sobre o que nos desgosta em Portugal?

Precisamente, apresentei-vos David Hume porque ele escreveu uma vez que nada se destruía ou tudo desapareceria. Discordei logo dele. Primeiramente, não concebo que muitas coisas não se destruam quando, por exemplo, entre milhares de factos, estamos desde Março a aturar e a sofrer com uma pandemia que já matou milhões de pessoas em todo o mundo. O confinamento foi terrível e levou um amigo meu ao suicídio, o que aconteceu com tantos humanos que não aguentaram o enjaulamento caseiro e a progressiva deterioração na relação com a companheira ou vice-versa, tendo, alguns, os filhos pelo meio a enlouquecer o cérebro dos pais. Uma pandemia que nos trouxe a covid-19, algo ainda hoje inexplicável. O Coronavírus pulula pelo mundo há anos e a ciência tem andado sempre no seu alcance e no seu controlo. De repente, foi denominado de covid-19 e começou a matar humanos por todo o mundo, particularmente nos EUA, Brasil, China e Índia. As especulações são imensas: guerra entre americanos e chineses com o objectivo da destruição económica, anulação de metade da população de velhos no mundo em especial porque os governos já não têm dinheiro para pagar as reformas e para sustentar os organismos de apoio à saúde, uma tentativa da China de colocar Donald Trump na ordem ou no jazigo, farmacêuticas e laboratórios que viram a porta aberta para a angariação de biliões de dólares, enfim, uma panóplia de teorias de conspiração que levou às mais variadas opiniões de especialistas, cientistas, simples clínicos, comentadores de televisão e até políticos, esses incompetentes que nem das suas tutelas entendem quanto mais de uma pandemia.

Ainda bem que já estamos em 2021, um novo ano que nos leva a ter esperança que tudo poderá melhorar. É uma esperança, porque se um rochedo dos Himalaias ou da Serra da Estrela dá razão a David Hume em nunca se destruir e assistirem à vivência milenar de gerações atrás de gerações, também temos de pensar que o vírus tem de desaparecer para Júpiter ou Saturno, mas que não nos mate mais. Agora assistimos ao negócio das vacinas. Esperemos que a ciência ganhe a batalha e que o inacreditável da criação de uma vacina em tão pouco tempo possa dar o efeito desejado, mesmo que seja um dos maiores negócios lucrativos do globo.

O ano que terminou nem queremos lembrá-lo. Mudou o mundo, as pessoas, as estruturas, os pensamentos, os investimentos. Mudou a estabilidade de milhares de empresas. Deixou milhares no desemprego. Obrigou patrões pela primeira vez a despedirem trabalhadores fiéis de dezenas de anos com as lágrimas nos olhos. Obrigou jornais e revistas a encerrar. Obrigou casais a divorciarem-se porque a maioria dos homens nunca esteve habituada a não sair à noite para tomar um copo com as amigas e amigos. Obrigou os políticos a mentir nos números de infectados e de óbitos no respeitante à covid-19. Obrigou os médicos e enfermeiros a trabalhar como nunca pensaram e a sofrer desmesuradamente por se sentirem impotentes quando os seus doentes lhe morriam nos braços devido a esse vírus maldito.

Por aqui, em Portugal, ai, meus leitores de Macau. A situação é horrível. Não houve Natal, não se festejou a passagem de ano, os restaurantes têm ido à falência, os hotéis estão vazios, os táxis estão sem clientes, os cabeleireiros nem sabem se os seus clientes mais idosos morreram ou não saem de casa desde Março. Meus amigos, que conhecem Portugal, dizer-vos que aquelas tascas maravilhosas à beira das estradas que serviam bifanas e pregos de provocar a lambidela dos dedos também têm encerrado as portas. Estão a morrer quase 80 pessoas por dia. O recorde de infectados chegou quase aos oito mil em 24 horas. Que o novo ano venha cheio de sorte, fé, amor e saúde! Que encha os nossos dias de força, de coragem e de pessoas de luz nas nossas vidas! Que nos ajude a manter o foco e a fé no que realmente importa! Que alivie o peso das lutas e nos traga paz! Que nos faça acreditar que aconteça o que acontecer, há sempre um sol por detrás dos dias escuros e nublados… há sempre! E que todos nós, em 2021 possamos dizer: fuck… estou a viver o melhor ano da minha vida,

Desculpa, meu admirado David Hume, algo tem de terminar para bem de todos nós. Não podemos continuar a sofrer como tem acontecido desde Março do ano passado. A pandemia tem de ir morrer muito longe…

*Texto escrito com a antiga grafia

– Artigo escrito em 3/01/2021

11 Jan 2021

Os SEF matam

Opinião de André Namora

 

Ai, Portugal que deixas os teus filhos tão envergonhados, revoltados e tristes. Durante a semana, imaginem, só se falou num caso com nove meses de existência, quando inspectores dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) assassinaram alegadamente um cidadão ucraniano. O problema é que o caso veio à baila agora porque tem sido encoberto, deturpado e aldrabado desde o início e porque se estão a descobrir mais casos de violência extrema contra imigrantes. Chegou-se ao ponto de o relatório da autópsia e uma declaração de óbito terem sido falsificadas.

Só se falou que um cidadão ucraniano que pretendia entrar em Portugal foi violentamente agredido até à morte por inspectores dos SEF em serviço no aeroporto de Lisboa e que uma vigilante já confirmou à Polícia Judiciária. Casos deste tipo são graves em qualquer país do terceiro mundo. Os SEF transformaram-se num poder independente que tem cometido as maiores ilegalidades e barbaridades.

Sobre o cidadão ucraniano que pretendia entrar em Portugal, à sua chegada os funcionários de uma empresa de segurança privada que opera junto dos SEF do aeroporto de Lisboa detectaram logo que o indivíduo sofria de epilepsia. Nada fizeram para que fosse assistido clinicamente, a não ser atá-lo nos pés e nas mãos com fita adesiva.

Mas, uns funcionários de segurança podem torturar um visitante do nosso país? Onde estão os vários directores e chefes dos SEF que nada sabem do que se passa nas instalações do organismo? A própria directora-geral que se demitiu passados nove meses e que já foi para Londres com um “tacho” no consulado português vencendo 12 mil euros mensais, não tinha que se demitir imediatamente após o conhecimento do óbito do ucraniano? O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, não tinha que ter tomado uma posição radical contra as chefias dos SEF mal soubesse que tinha sido morto um cidadão estrangeiro em instalações da sua tutela? Aliás, há ainda em Macau quem se lembre de Eduardo Cabrita como director dos Serviços de Tradução Jurídica do governo macaense. Era um jurista exemplar, funcionário competente, digno, educado e nunca entrou nos cambalachos dos seus camaradas socialistas de serviço em Macau. Cabrita poderia ter dado um bom ministro da Justiça, mas até hoje tem andado a deambular por onde o seu íntimo amigo António Costa lhe ordena. Pois, presentemente está o país envergonhado e chocado. O cidadão ucraniano depois de estar maniatado por vigilantes, foi alvo de espancamento com bastões até à morte. Mas estamos em que país? As facetas jihadistas já fazem regra? A tortura e o assassínio processam-se em instalações do Estado? Um médico, uma enfermeira, inspectores dos SEF, vigilantes de uma empresa de segurança ajudam a deturpar e a abafar um crime? Uma autópsia informa que se tratou de um ataque cardíaco? Uma certidão de óbito é falsificada? Uma viúva sem apoio de ninguém paga do seu bolso a transladação dos restos mortais do seu marido para a Ucrânia? O Estado não contacta com a viúva a fim de lhe comunicar quanto lamentava uma tragédia destas e comunicar que a senhora seria indemnizada?

Mas, afinal o que são os SEF? Só vos digo que suspendi a leitura das redes sociais. O meu coração quase não aguentou quando li queixas de cidadãs estrangeiras que foram assediadas, expoliadas e maltratadas sem direito a terem um advogado ao seu lado. Quando fiquei a saber que nestes SEF há muitos anos que chineses, russos e brasileiros, por exemplo, tiveram de despender milhões de euros para obterem o chamado “visa gold” que lhes deu direito à residência no nosso país. Incrédulo fiquei quando li que uma cidadã brasileira ou praticava sexo com o interlocutor funcionário dos SEF ou, então, entregava três mil euros para que a sua documentação fosse assinada oficialmente. Nas redes sociais pode ler-se as mais diversas queixas de imigrantes que só agora tiveram a coragem de denunciar o sofrimento que os SEF lhes proporcionaram. Inclusivamente lemos que a Ordem dos Advogados, na pessoa do seu bastonário, ao longo dos tempos teve conhecimento de inúmeras e variadas queixas dos seus associados contra os SEF.

Não, senhor Presidente da República. Não, senhor primeiro-ministro. Não, senhor ministro da Administração Interna. Este caso está nas bocas do mundo. A imprensa estrangeira chamou à primeira página que “funcionários do Estado português mataram estrangeiros visitantes”. Tem havido muitas situações de violência e tortura nos SEF.

Ninguém sabe quantos imigrantes já teriam morrido às mãos de inspectores dos SEF. Ninguém sabe ainda qual a razão da demissão da directora-geral dos SEF passados nove meses. Ninguém sabe a razão de tantos processos disciplinares a inspectores e ainda a semana passada demitiu-se também o inspector-coordenador dos SEF.

Constatar junto de um advogado que sem corrupção de muito dinheiro nada se conseguia resolver nos SEF é chocante, deplorável e obrigatoriamente a ter de levar as mais altas autoridades a tomar uma posição de fundo e de limpeza nos quadros de um organismo criminoso. O mesmo advogado salientou-me que uma cliente sua foi obrigada a assinar que vinha para Portugal trabalhar sem visto e sem contrato, quando a senhora vinha a Portugal por uma semana a fim de cumprir uma promessa em Fátima. O caso dos SEF ultrapassa toda a compreensão de um português que ainda pensava que a oficialidade estatal era minimamente séria. Não, os SEF têm de ser reestruturados de alto a baixo e tem de se remover a maioria dos seus funcionários que esteve ligada ao licenciamento ou aprovação de qualquer processo ligado à regularização de cidadãos estrangeiros. Os SEF matam e isso tem de terminar imediatamente. Talvez o general que foi nomeado como novo director dos SEF saiba castigar as tropas mal comportadas…

*Texto escrito com a antiga grafia

20 Dez 2020

A loucura das heranças

ANDRÉ NAMORA

Nunca pensei que alguma vez tivesse de escrever sobre a loucura que a pandemia da covid-19 provocaria nos portugueses um comportamento absurdo quanto à necessidade de obter dinheiro e bens por qualquer meio, relativamente à obtenção de heranças.
As pessoas, muitas, milhares, segundo me informou um advogado, têm tido um comportamento de teor variado sobre conseguirem ficar com o dinheiro e outros bens que um dia lhes haveria de caber um dia, não agora. Um dia quando os seus pais ou avós morressem. O processo que se tem gerado sobre as heranças tem provocado um chorrilho de dificuldades processuais maior do que era costume em todo o país. Antes, em alguns casos, os processos de heranças levavam anos a resolver devido ao desentendimento entre os herdeiros e algumas vez só se resolviam nos tribunais. E agora, não será mais demorado?
Quase que não dá para acreditar no que se está a passar neste Portugal. As dificuldades económicas de milhares de portugueses estão a provocar um aumento desmesurado da procura de serviços como habilitações de herdeiros e partilhas por óbitos nos cartórios notariais. Muitos até estão a fazer os seus testamentos. Toda esta gente quer é urgentemente resolver o que está pendente e daí realizarem o testamento. Toda a mecânica jurídico-burocrática deverá ser, até ao final deste ano e primeiro trimestre de 2021, superior à registada em anos anteriores. A preocupação com a possibilidade de adoecer sem deixarem assegurada a situação dos cônjuges ou filhos fez também aumentar a realização de testamentos. Tal é o receio de morrer que este vírus tem provocado, que os preocupados esquecem-se que a chamada gripe invernal mata anualmente mais de três mil pessoas e que todos os dias morrem centenas de cidadãos vítimas de cancro, AVC, ataques cardíacos e até por causa da asma. E não têm sido apenas os testamentos que têm aumentado, igualmente as procurações, doações e partilhas em vida.
No entanto, praticamente inverosímil é o caso de os mesmos cartórios notariais registarem uma diminuição de vinte por cento na sua actividade normal, nomeadamente, nas escrituras de compra e venda de imóveis.
Mas há a outra face da moeda que nos deixa ainda mais perplexos. Os notários têm-se deslocado aos lares de terceira idade a fim de efectuar os registos necessários com a assinatura obrigatória dos patronos. Os notários vão aos lares e depois choram. Ficam contaminados e são obrigados a encerrar os escritórios. Até aos dias de hoje, desde o início da pandemia, já estiveram encerrados 40 cartórios notariais.

O tema que na semana que findou mais deu que falar já nós tínhamos esclarecido aqui os nossos leitores na edição do passado dia 16 de Novembro. Refiro-me ao caos em que se encontra a situação na TAP, onde o caso já levou a um imbróglio entre o primeiro-ministro e o ministro das Infraestruturas, o tal que pretende de qualquer forma o lugar de António Costa como líder do PS. O ministro Pedro Nuno Santos desejava levar a solução da TAP à Assembleia da República e os deputados que decidissem como reestruturar a companhia aérea. Nesse ponto, António Costa esteve muito bem e disse ao ministro que os problemas governamentais devem ser resolvidos pelo governo e não por outros órgão de soberania. Nestes dias têm-se vivido momentos degradantes sobre a situação na TAP. Tudo pode acontecer: o povo ter de pagar a injecção financeira de mais de três mil milhões de euros, caso a Comissão Europeia aprove a proposta de reestruturação, a qual nem foi apresentada ao Presidente da República; podemos assistir a cerca de três mil despedimentos como prenda de Natal aos trabalhadores da TAP e proceder-se à venda de mais de 20 aeronaves. E ainda podemos ficar sem companhia aérea de bandeira, disse o mesmo ministro, caso a União Europeia rejeite a proposta portuguesa de reestruturação da empresa, o que constituiria uma tragédia na ligação com os portugueses que vivem na diáspora e com outros povos do nosso antigo Ultramar, não mencionando os Açores e a Madeira.
A TAP tem sido alvo nos últimos anos de um prejuízo escandaloso, administrada vergonhosamente por incompetentes e acordos financeiros pouco sérios. Este ministro que tutela a TAP chegou ao dissabor de os sindicatos da empresa o desmentir e provar que o governante tem mentido aos portugueses quando afirmou que os pilotos da TAP ganhavam muito mais que os que laboram nas principais companhias aéreas europeias, o que é falso. Com este ministro, nem a TAP nem o país irão longe e o que mais se lamenta é que a criatura se gabe, sem qualquer modéstia, de que ele é o único a decidir sem medo, o único com coragem disto e daquilo. Coragem? Só se for aquela “coragem” de ter deixado o seu Maserati escondido para que ninguém visse que um socialista é pior que muitos capitalistas quando se dirigiu a uma cerimónia oficial onde estava presente quase toda a governação do país e uma multidão popular…

*Texto escrito com a antiga grafia

14 Dez 2020

Na prisão ao telemóvel

[dropcap]H[/dropcap]oje vou escrever-vos sobre um tema a quem ninguém agrada. Sobre as prisões em Portugal. A maioria dos portugueses não faz a mínima ideia das condições em que vivem os reclusos. Não vou defender criminosos, como os homicidas de mulheres e de crianças, os assaltantes de velhos com noventa anos para lhes roubar a pequena reforma ou os pedófilos que violam crianças de três anos que são suas enteadas. Se estão presos é porque foram sentenciados pelos tribunais, apesar de sabermos que muitos inocentes passaram anos e anos no interior de um presídio.

Um director de uma cadeia convidou-me para visitar o seu local de trabalho e para que eu acreditasse com os meus olhos nas condições depauperadas que existem no interior de um estabelecimento prisional. Passei o dia na conversa com o director falando sobre o que se passa no nosso Portugal presidiário e duas horas sobre a cadeia que dificilmente dirige. Não sabia, por exemplo, que entre os criminosos havia estatutos de certa “ética” e “moral”… só vos digo que um indivíduo que tenha matado a mulher ou violado uma criança, que sofre no interior da prisão aquilo que nunca imaginou. Passam a ser criados dos outros presos para todas as tarefas, são alvo de pancadaria mal “metem o pé na poça”, são alvo de actos sexuais de todo o género, nomeadamente, terem de fazer diariamente sexo oral a um qualquer preso que lhe apeteça. Estatutos que variam conforme as cadeias espalhadas pelo país e há cadeias onde os pedófilos sentem todos os dias um pau a ser-lhes enfiado pelo ânus ou andar com um peso metálico atado ao pénis. O interior das cadeias é mesmo tenebroso. Os prisioneiros organizam-se em mafias, alguns deles que já anteriormente pertenciam ao crime organizado. Há mesmo sentenciados com dez e quinze anos de detenção que controlam e gerem negócios que se processam no exterior tais como os de tráfico de droga e de prostitutas. A higiene nas cadeias é um horror e as casas de banho são de tal forma que nem os porcos lá entravam. Algumas das celas são desumanas, não são para um ser humano dormir juntamente com a sanita que nem água deita. Os recreios são normalmente momentos de conspiração para o que acontecerá nos próximos tempos no interior da prisão e para aqueles que vão sair em liberdade.

Os presídios em Portugal têm necessidades de toda a ordem. A alimentação é do pior que possam imaginar. O director mostrou-me a cozinha e confessou que se sente impotente para gerir as dificuldades que se lhe deparam por falta de verba e de pessoal competente. Quem dirige uma prisão tem forçosamente de ter um grupo de guardas prisionais de confiança. Grupo esse que tem de ter todas as benesses que entender, dias de folga nas datas que melhor lhes convier, liberdade para insultar ou agredir um prisioneiro, venderem aos reclusos os telemóveis topo de gama, fecharem os olhos aos bolos que as visitas transportam e que contêm no interior objectos letais.

O director a dado momento disse-me o que me fez quase duvidar da sua palavra, apesar de ter dado a sua palavra de honra. “Sabe que se algum preso quiser fugir é coisa que consegue quando lhe apetecer. É só pagar a certos guardas prisionais. Eles é que nem casa têm lá fora e aqui têm cama e comida”. Obviamente que a conversa tinha de deambular para os guardas prisionais, para a sua formação, para a sua seriedade, para o seu salário, para as suas ligações ao mundo do crime e para a falta de pessoal, cujas organizações do tipo sindical estão sempre a reivindicar melhores condições de trabalho e um aumento substancial no número de activos e de justeza nas suas carreiras profissionais.

O meu interlocutor é uma pessoa muito séria e trabalhadora. Às sete horas já está no gabinete de trabalho e na maioria dos dias só se retira para casa às vinte horas. Foi sério a responder-me a todas as perguntas e sobre os guardas prisionais não deixou de responder concretamente às questões mais melindrosas. Se os reclusos vivem num submundo, há guardas prisionais que não lhes ficam atrás. Há poucos dias soubemos que na cadeia de Paços de Ferreira havia guardas prisionais que geriam uma rede de tráfico de droga juntamente com alguns funcionários do estabelecimento prisional, corrupção com lucro exorbitante. Era um negócio que se fazia quase diariamente e há muito tempo. Os reclusos recebiam droga e telemóveis que eram colocados no interior do presídio por, pelo menos, quatro guardas prisionais. Apenas três foram presentes a julgamento porque o quarto morreu no entretanto, sem ter sido divulgada a razão do óbito. Os contactos entre guardas e familiares de alguns presos tinham lugar no exterior da cadeia e era aí que eram entregues os objectos proibidos. Negócios como estes estão enraizados em todo o país onde exista uma prisão, incluindo as de mulheres. Chega-se ao ponto de se namorar por telemóvel em vídeo-conferência de uma cadeia de mulheres para outra de homens. E não escrevo da tutela? Da Justiça? Não, não escrevo, porque o director que me recebeu, os presos e os guardas prisionais afirmam que a tutela vale zero.

*Texto escrito com a antiga grafia

André Namora

7 Dez 2020

A Santa Casa do desprezo

[dropcap]H[/dropcap]á cerca de uma hora estive a ouvir de um amigo uma história tão triste quanto mirabolante. É sobre o Portugal que temos e que em parte justifica que eu vos escreva semanalmente aqui de longe e onde a pandemia está cada vez pior. O meu interlocutor começou por ser enxovalhado pelos amigos quando lhes anunciou que iria escrever um email ao primeiro-ministro António Costa. Foi a risota geral e a chacota com contornos políticos.

– É pá, mas tu deves andar doido. Escrever ao primeiro-ministro à espera de teres uma resposta é a mesma coisa que te saírem os números do euromilhões…
– Eu tenho mais que razões para lhe escrever porque é o representante de todo o povo.
– Mas ó meu, tu ainda não percebeste que o Costa tem milhares de emails no computador de chatos como tu e que vai tudo para o lixo porque o homem não tem tempo nem para se coçar e muito menos para aturar a Catarina Martins e o Rui Rio, não percebes?
– Não, não percebo, porque o meu caso é grave e ele já disse por várias vezes que está sempre preocupado com os pobres. Vocês não se esqueçam que a minha reforma são duzentos euros, não tenho apoio social do Estado, tenho a minha mulher muito doente, não tenho dinheiro para medicamentos nem para tratamentos e exames médicos que ela tinha de fazer e há dias que comemos uma banana…
– É pá, desculpa lá, mas não te queria ofender. A malta tem de se reunir para te ajudar… mas fazes bem em escrever-lhe e mete na tua cabeça que nunca terás uma resposta…

O amigo lá conseguiu encher-se de coragem e enviou uma missiva ao chefe do Governo, tendo explicado a sua situação vivencial praticamente abaixo da pobreza, salientando que há meses que não podia pagar a renda de casa e que os vizinhos lhe têm pago a água e a luz. Que a reforma era baixíssima e que os remédios eram caríssimos.
Qual não foi o seu espanto, quando passados quatro dias, recebeu na sua caixa de correio electrónico uma resposta do próprio primeiro-mistro a transmitir-lhe que o seu caso iria ser resolvido.
Passada uma semana, o “novo” amigo de António Costa recebeu um telefonema do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

– Está lá!?… Fala o senhor…
– Sim, sim!
– É por causa daquele assunto que o senhor colocou ao senhor primeiro-ministro e nós recebemos aqui no Ministério instruções para que ao seu caso fosse dada a maior atenção. Queremos dizer-lhe que em breve irá receber um contacto sobre o assunto…
– Muito obrigado pela atenção e agradeço a vossa generosidade.

Passaram-se duas semanas e o seu telefone tocou:

– É o senhor…
– Sim, sim!
– Daqui fala a doutora… da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa… Estou a ligar-lhe por causa daquele assunto que colocou ao senhor primeiro-ministro…
– Sim, eu sei. Uma funcionária do Ministério da tutela para casos deste tipo já me tinha avisado que alguém me haveria de contactar para se resolver o assunto…
– Pronto, isso mesmo! Agora diga-me qual é o seu email para lhe enviar uns dados a que terá de responder e depois aqui na Santa Casa será tomada uma decisão…
– Agradeço muito a vossa atenção e aguardarei o seu email.

Dois dias depois, o cidadão cheio de esperança que melhores dias viriam, recebeu um email da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Começou a ler atentamente e achou logo que o texto era maior que um discurso do Presidente Marcelo… continuou a ler e a tentar entender o que estava escrito, mas simultaneamente a sua boca ia ficando aberta de espanto e o coração cada vez mais desalentado… no final da leitura tinha que acreditar que a burocracia na Santa Casa é maior que a Torre Eiffel. A Santa Casa exigia dezassete (17), leiam bem, dezassete documentos e declarações juntamente com o formulário que requeria apoio social. Dezassete documentos? – indagou-se o cidadão – e ainda por cima não era apenas a identificação da sua mulher, a dele, números ficais, números do Serviço Nacional de Saúde, declarações de IRS, não, havia documentos que exigiam que a pessoa, que está praticamente acamada, se deslocasse ao Banco de Portugal e às Finanças. Ao Banco de Portugal para solicitar uma declaração de que não possuía imóveis… e nas Finanças tinha de obter uma declaração de que não possuía rendimentos extras aos declarados. O indivíduo quase enlouqueceu e perguntou a si próprio se no IRS não consta tudo sobre um cidadão. E o caricato é de tal forma que se um pobre tivesse imóveis, a primeira coisa que faria era vendê-los para poder sobreviver… o absurdo estava patente naquele email brutal e esfaqueador.
O cidadão que se considera educado, voltou a enviar outra missiva ao senhor primeiro-ministro a agradecer a sua pronta gentileza e atenção pelo seu problema, mas que tinha acabado de esquecer para toda a vida a instituição Santa Casa que gere milhares de milhões e que tinha exigido dezassete documentos, quem sabe, para um possível subsídio de 100 euros…

*Texto escrito com a antiga grafia

29 Nov 2020

Hospitais pelas costuras

[dropcap]N[/dropcap]as redes sociais corre um vídeo que se tornou rapidamente viral. Num encontro de técnicos e responsáveis pela Saúde, uma enfermeira com mais de vinte anos de carreira, levantou-se e usou da palavra. Foi o fim do mundo. A senhora trabalha há quatro anos nas urgências de uma unidade hospitalar e disse aquilo que o povo tem ouvido pela calada. A enfermeira falou alto, bem alto e desancou em todos os que têm tido responsabilidade pelo sector da saúde pública. Ouvimos pormenores de comover um elefante: que as macas enchem os corredores; doentes que morrem sem qualquer assistência nesses corredores porque as enfermeiras nem conseguem chegar às macas com o material adequado para salvar uma vida; que há cantos de salas que são para aqueles que os profissionais de saúde entendem não haver nada a fazer, ou seja, morrerem virados para as paredes do canto; que o pessoal médico e de enfermagem bem como os auxiliares estão exaustos, não têm um salário decente e ainda por cima agora proibiram-lhe quaisquer dias de férias até ao fim do ano. A enfermeira corajosa sintonizou que a situação acontece há anos e que por não aguentar mais psicológica e fisicamente já pediu para mudar de local de trabalho.

Passam décadas, a aflição continua, as horas, dias ou meses para uma consulta, a incapacidade de encontrar soluções estruturais, não apenas a prazo, são algumas das razões do caos na Saúde. O problema não é dos últimos governos. Tudo tem a ver em grande parte com o intuito de alguns “tubarões” desejarem que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) – que em boa hora o saudoso António Arnaut fundou – possa chegar ao fim para que os hospitais privados e os seguros de saúde tomem o seu reinado. Todos aqueles que nunca concordaram com a existência do SNS, hoje, hipocritamente, dizem defendê-lo mas boicotam-no sistematicamente e, tantas vezes, das maneiras mais vis preocupando-se apenas em informarem os hospitais públicos que os materiais necessários estão esgotados…

Lamento que a generalidade das reais denúncias sobre o que se passa no SNS venha de organizações partidárias quando lhes convém, e com a lenga-lenga do costume: falta pessoal especializado, faltam camas, faltam meios. Pois faltam. E faltam faculdades de medicina, médicos novos que em princípio são chumbados para não irem ocupar o lugar dos “cotas”. E quais outras razões de tanta carência? A Ordem dos Médicos, comandada por um imitador de sindicalista, nem pode ouvir falar em médicos vindos do exterior ou em construir-se um hospital novo que não seja em Lisboa. Outra razão prende-se, sem dúvida, com os salários miseráveis que são pagos aos profissionais de saúde. E há discriminação entre as classes. Imaginem, por exemplo, que no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, os médicos podem estacionar os seus carros gratuitamente, mas se for um enfermeiro, uma terapeuta doutorada ou outro técnico terão de pagar todas aquelas horas de trabalho. Horas? Ui, nem falemos de horários. É uma tristeza. Especialmente sobre os enfermeiros que chegam a trabalhar o dia todo e no dia de folga, muitas vezes, são chamados para as 24 horas de um banco de urgência. Centenas de enfermeiros já debandaram para Inglaterra e para outros países onde são tratados como gente: bom salário, horas extraordinárias bem pagas, cedência de residência, alimentação gratuita nos hospitais, subsídio para transporte e férias pagas sem qualquer desconto. Com estas condições de trabalho, quem é que não quer deixar os hospitais portugueses? Os médicos pretendem deixar o SNS para ingressar nos privados, mas há dias o governo proibiu a saída do SNS a qualquer profissional.

A tradição da falta de coragem política em dar saúde ao povo mantém-se. Temos uma ministra e uma directora-geral na tutela da Saúde que já levaram portugueses ao desespero por não as poder diariamente ouvir a palrarem, em todos os canais de televisão, apenas sobre o número de mortos e de infectados pela covid-19. Mas nunca se pronunciaram sobre os milhares que morrem diariamente com ataques cardíacos, diabetes, AVC’s, infecções renais ou pulmonares, muito menos referiram-se ao cancro que afecta milhares de doentes, alguns que já nem são atendidos. Muito menos falam de se construir novos hospitais, de aumentarem os salários dos profissionais de saúde e de oficializarem as suas carreiras para que os mesmos não deixem o país. E a situação está cada vez mais grave, ao ponto do Presidente da República decidir a continuação do estado de emergência. Ainda na semana que findou chegou-se ao ponto de os hospitais Santa Maria e Pulido Valente terem suspendido as cirurgias que não sejam urgentes durante três semanas, dependendo da evolução da situação pandémica. Mas as queixas sobre hospitais sobrelotados chegam de todo o país. A ruptura é uma realidade e em certas unidades hospitalares as camas já são no interior das ambulâncias estacionadas à porta das urgências porque os hospitais estão a rebentar pelas costuras…

*Texto escrito com a antiga grafia

22 Nov 2020

A TAP devia fechar a porta

[dropcap]A[/dropcap] Filomena era linda, tinha treze anos. Loirinha e diziam que era a mais bonita da escola. A miudagem no recreio não a largava e só queria brincar com ela. Cresceu e os anos da adolescência colocaram-na num patamar de espanto. A beleza era invulgar. Um amigo de seu pai disse que a filha poderia ser a modelo mais linda para capas de revistas, e não só. O pai rejeitou logo a proposta e ao dialogar ao jantar com a sua mulher, num dia em que a filha tinha saído com amigos, veio à baila a conversa sobre a beleza da filha.

De tudo um pouco trocaram impressões sobre a filha. O pai preocupado com o curso de medicina que lhe parecia ser a preferência da filha. A mulher respondeu-lhe que devia andar enganado. A surpresa do pai foi total e interrogou-se sobre os gostos da filha que tinha alguns quatro rapazes atrás dela como candidatos a namorados. A senhora depois de terminar a refeição e após o café que não dispensava, virou-se para o marido e transmitiu-lhe: – “A tua filha tem um sonho há muito tempo. Ela só pensa em poder ser hospedeira de uma companhia aérea… ela quer mesmo ser hospedeira!”. O pai ficou atónito e ainda perguntou: – Quer ir para a TAP?”. A interlocutora retorquiu que possivelmente seria na TAP que ela arranjaria lugar, até porque tinha acabado de ser admitida uma amiga mais velha mas muito mais deselegante que a filha.

O pai levantou-se da mesa, pegou num whisky, preparou um charuto, sentou-se no sofá e puxou pelo telefone. Do outro lado da linha estava um amigo que era director na TAP. Falou-lhe no caso da filha e o amigo respondeu-lhe que tomara a TAP ter hospedeiras lindas, altas e elegantes como a sua filha.

O caso estava arrumado e Filomena iria participar, sem quaisquer entraves do pai, no curso para comissária de bordo nas instalações da TAP. No final do curso ficou aprovada com distinção. Durante quatro anos voou para os mais diversos destinos e deixou muitos comandantes e co-pilotos de boca aberta quando ela se juntava às suas equipas de viagem. Filomena teve um filho e como mãe solteira a vida profissional dava para todas as despesas, incluindo uma ama que ficava com o bebé durante as suas ausências.

Na TAP a vida de um trabalhador nunca foi um sossego. A empresa andou financeiramente sempre aos altos e baixos. Os trabalhadores protestavam quando o subsídio de férias ou de Natal não caíam na conta bancária. A TAP atravessou um período liderado por um administrador brasileiro que tinha chagado cheio de fama no sector, como se em Portugal não existisse ninguém que tivesse capacidade para dirigir os destinos de uma das maiores empresas e que, afinal, só apresentava débitos. A perplexidade maior foi a aquisição de novos aviões quando a TAP nem dinheiro tinha para comprar um avião de papel. Ainda me recordo quando na década de 1990 os aviões da TAP fizeram a rota Lisboa-Macau e a China pretendeu negociar uma rota que fizesse escala numa cidade chinesa e oferecia à TAP três aviões dos melhores. Os “chicos-espertos” administradores da altura na TAP negaram por completo a proposta da China e o voo Macau-Lisboa foi por água abaixo, porque afinal era Macau que pagava praticamente tudo.

Entretanto, assistimos a uma privatização sui generis tendo como grandes accionistas o homem rico da Barraqueiro e um “tretas” brasileiro que iam levando a empresa à falência, não fosse o governo estar sempre a “meter” nos cofres da TAP o nosso dinheiro. E o dinheiro nunca chegava para nada, nem para a manutenção, o que alguns mecânicos da empresa consideravam um crime. Recentemente, o governo passou a ter um ministro, que adora ter um Maserati, que praticamente “nacionalizou” a TAP e 2.000 trabalhadores vão para o desemprego.

Filomena chegou a casa a chorar e os pais aterrorizados pensaram o pior, que tivesse sido assaltada e violada. Debalde. A filha sentia o seu sonho a desmoronar-se e tinha quase a certeza que iria ser despedida nesta leva da “limpeza” do homem do Maserati. A TAP só tem tido problemas em diversos quadrantes: são os credores, é o presidente da Câmara do Porto que contesta não existirem rotas a partir da cidade invicta, os trabalhadores só olham para os aviões estacionados em fila junto à pista, já sem lugar para estacionamento. As rotas diminuíram, mas os aviões de outras companhias chegam a Lisboa completamente cheios. Naturalmente, que a segunda vaga da covid-19 levou a Europa a adoptar novas restrições às populações, incluindo a circulação de aviões. Mas a TAP só sabe cancelar voos e a Filomena não voa há três semanas… A TAP é um desgosto nacional e que devia, infelizmente, fechar a porta.

*Texto escrito com a ANTIGA GRAFIA

15 Nov 2020

Os peixes já não respiram

[dropcap]T[/dropcap]odos nós já ouvimos falar do que se está a passar nos oceanos. A falta de civismo dos homens, a falta de infra-estruturas, as fábricas que despejam produtos químicos para os rios, os piqueniques nas praias e nas margens dos rios, os navios que descarregam o lixo e lavam o seu interior deitando os detritos para o mar têm constituído as principais razões para que a poluição marítima comece a colocar a saúde dos humanos em perigo. Todos os que se dedicam ao mergulho sabem bem do que estamos a escrever. As águas dos rios e do mar estão a ficar um caos e têm sido inúmeras as vezes em que aparecem peixes mortos ao cimo das águas.

Estamos perante um verdadeiro crime ecológico. Os peixes já se alimentam de plástico e de produtos tóxicos. Alguns já nem conseguem respirar e morrem. O tio Alfredo é um pescador que assiduamente levanta-se de madrugada para ir à pesca, conforme as horas das marés o permite. Levanta-se cedo, pega no seu material de pesca e aí vai ele para a beira do rio Tejo.

– Então, tio Alfredo, isto está a dar ou não?
– Viva, amigo! Isto já não é o que era… antes até o robalinho apanhava aqui, agora nem vê-los…
– Mas tem visto aí uns golfinhos? Quer dizer que as águas estão mais limpas?
– Não, amigo. Os golfinhos aparecem porque andam cheios de fome e vêm atrás dos cardumes e rapidamente se vão embora porque sentem que as águas estão cheias de porcaria que não “lhes cheira bem”… tá-me a perceber?
– Parece que sim, tio Alfredo. Está a dizer-me que o que vem pelo rio abaixo chega aqui perto da foz e nota-se que os peixes não andam nada felizes…
– É isso mesmo. O peixe já não tem a mesma qualidade e agora ainda pior com essa história dos “aviários” que têm feito por todo o lado… aquilo é só farinha e o peixe não vale nada… ainda vou preferindo estes que ficam aqui nos meus anzóis…

O problema é grave e quem nos governa até tem ministros das Pescas. Que não servem para nada a não ser a preocupação dos licenciamentos de bons hotéis à beira da costa marítima… As organizações relacionadas com a defesa do ambiente tudo têm feito para que os rios e o mar possam ser alvo de uma acção musculada e efectiva. Normalmente falam para as paredes. Vamos ao rio Guadiana, ouvimos queixas. Vamos ao Mondego, as mesmas queixas. No Douro nem se fala. Num dos maiores rios navegáveis o factor ambiental está a tornar-se um crime. Como é possível que cada ano sejam licenciados mais barcos para navegar no Douro a fim de transportar turistas. E o ambiente marítimo? Nem se fala nisso. Os barcos são de os mais variados portes e até já existem navios-hotéis. Os motores das embarcações fazem uma barulheira que eles pensam que não incomoda os milhares de peixes que estão no fundo das águas. Os barcos a gasóleo largam resquícios de óleo e deitam uma fumarada que até o ambiente exterior fica conspurcado. No rio Douro é uma pena que a família piscícola não seja defendida. Peixes mortos aparecem todas as semanas de verão, altura em que os barcos são aos montes.

Mas, não haverá alternativa para estas embarcações a gasóleo que navegam por todo o país? Felizmente existe, mas as autoridades governamentais e os empresários que deviam ser obrigados a mudar de paradigma assobiam para o lado. Portugal tem um dos melhores estaleiros do mundo, em Olhão no Algarve, onde são construídos navios de todas as dimensões e que são movidos com baterias eléctricas e à base da energia solar. Energia solar? É verdade, amigos, num país como o nosso cheio de sol, os barcos que saem daquele estaleiro têm sido a alegria dos seus compradores. Já vai havendo alguns a navegar, mas o rio Douro, o lago Alqueva, o rio Tejo e tantas barragens existentes por todo o país mereciam uma legislação oficial que fosse obrigatória na aquisição de navios a energia solar. Nada melhor para o ambiente. Silenciosos e nada poluentes. Quem está satisfeito é o governo da Madeira que encomendou uma embarcação para cerca de 400 pessoas e para realizar o trajecto Funchal-Porto Santo. E por que não, o governo nacional não obrigar os empresários do Douro, Tejo, Guadiana e barragens a adquirir barcos a energia solar? Por que razão o governo prepara-se para adquirir novas embarcações, no valor de milhões de euros, para a travessia Lisboa-Barreiro e vai escolher embarcações poluentes? Ainda por cima a Sun Concept, a empresa portuguesa que está a desenvolver embarcações electro-solares inovadoras e sustentáveis está a exportar para vários países, nomeadamente para a Alemanha. Por que não dar a ganhar dinheiro a uma empresa portuguesa e defender o ambiente onde vivemos e onde os peixes já nem conseguem respirar?…

*Texto escrito com a ANTIGA GRAFIA

8 Nov 2020

Conselho de amigo

“Conheço homens e mulheres que desde Março quase não voltaram a sair de casa, não foram almoçar ou jantar a um restaurante, não foram a um espectáculo, não deram sequer uma volta na rua. Sei de pessoas apavoradas que não saem de frente do televisor a ver as notícias sobre a pandemia. Há pais e mães que deixaram de ver os filhos, avós que deixaram de ver os netos. Ora, será isto viver?”
José António Saraiva

 

[dropcap]E[/dropcap]ste é o Portugal amedrontado. Há milhares que nunca mais viram o sol desde Março e alguns entraram na loucura. O confinamento não é solução para nada quando nem sequer sabemos o que é que está perante nós. Um vírus que mata? Parece que sim. Uma pandemia generalizada? Decretada. Brasil, EUA e Índia com milhares de mortos? Uma realidade. Um jantar nos arredores de Lisboa com mais de 100 pessoas e que deixou 10 infectados? Um facto. Uma corrida de Fórmula 1 num autódromo, construído mal e incompetentemente para corridas de motas, cheia de mais de 40 mil espectadores em tempo de calamidade e com tudo mal organizado, deixou já cerca de 20 presentes infectados com a covid-19? Uma tristeza que já retirou Portugal do calendário de Fórmula 1 de 2021 e levou o governo a decidir que as corridas de MOTO GP não terão público.

E o surf voltou à Nazaré e encheu a colina adjacente à costa com milhares de adeptos sem máscara e sem distanciamento físico? Bem, ao chegarmos a este ponto já temos que salientar a incompetência das autoridades oficiais. A inconsciência do pessoal já é conhecida desde que realiza festas todas as semanas com mais de 200 pessoas e nos dão a certeza que a propagação do vírus não vai parar tão certo. Desde que grupos de jovens se juntam ao redor de uma árvore de um jardim e bebem até às cinco da madrugada. No caso da Nazaré toda a gente sabia, incluindo os técnicos da Meteorologia, que vinham aí ondas gigantes e que os melhores surfistas da Austrália, Japão, Hawai, Brasil e Indonésia já estavam a caminho de Portugal.

Ora, se o espectáculo era inevitável, então, as medidas oficiais tinham de ser tomadas. As estradas em direcção ao canhão da Nazaré tinham de ser encerradas, brigadas da Saúde tinham de obrigar o uso de máscara a todos os presentes e os agentes policiais deviam obrigar ao distanciamento físico. Não acontecendo nada disto e continuando a existir eventos com milhares de pessoas, tais como, corridas de toiros, transportes públicos a abarrotar, corridas de carros ilegais nocturnas, assim, ninguém pense que a covid-19 vai terminar.

A semana que terminou deixou, pela primeira vez, os portugueses muito preocupados. O número de infectados em 24 horas ultrapassou os 4500 e já se prevê que chegue aos 7000 com o número recorde de 40 mortos. O Conselho de Ministros reuniu extraordinariamente depois de proibir a mobilidade entre concelhos apenas para que a tradição da ida aos cemitérios não se cumprisse. Proíbem a ida aos cemitérios, mas mantêm as fronteiras abertas quando sabemos que a situação em Espanha é 10 vezes pior que no nosso país. A situação está a ficar preocupante. Há especialistas que reportam hospitais completamente esgotados. Dos centros de saúde e dos departamentos da função pública ninguém atende os telefonemas.

Os lares continuam diariamente a sinalizar mais surtos. Governantes que em vez de se preocuparem com uma pandemia que poderá matar milhares de portugueses no próximo Dezembro, e por esse facto, anuncia-se a possibilidade de um novo estado de emergência para as duas primeiras semanas do último mês do ano.

Assim não se deve governar porque estiveram simplesmente preocupados com o Orçamento do Estado e com as eleições nos Açores.

Quanto ao Orçamento do Estado foi um circo de chorar por nunca mais. O Partido Socialista para se manter no poleiro do poder precisou de umas abstenções de deputados que nem pertencem a qualquer partido.

Nesta tristeza política assistiu-se ao inesperado. O Bloco de Esquerda, ao fim de tanto amor pelo PS, resolveu juntar-se à direita e à extrema-direita votando contra o Orçamento. Pouca gente percebeu a atitude do Bloco. Irá perder o apoio de milhares de eleitores ou pensa que sendo mais radical, e vendo um PCP mole e pouco activo, que terá um êxito eleitoral? Duvido que o Bloco venha a ter alguma coisa a ganhar com um comportamento que mais parece uma loja de costureiras…

Nos Açores, deixem-me dizer-vos que nunca esperei que o PCP ficasse fora do parlamento regional e que o PS ao fim de tantos anos perdesse a maioria absoluta. Com uma agravante: os ultras do Chega elegeram dois deputados, o que, no absurdo, toda a direita junta poderá formar governo nas ilhas açorianas. Todavia, é um prenúncio para o nível nacional político. No continente o PSD anda de rastos a querer igualar o comportamento do CDS. O Iniciativa Liberal, o PAN e o Chega têm angariado cada vez mais apoiante e as últimas sondagens apontam que os extremistas do Chega são um género da antiga maioria silenciosa. Parece que não existem, mas na altura do voto podem surpreender.

Portugal, anda ao Deus dará. O povo anda revoltado, triste e pobre. O confinamento de milhares de infectados com a covid-19 está a deixar as pessoas sem alma, sem forças e sem dinheiro. Quem nos ler em Macau que se compenetre de uma certeza: deixem-se estar e nunca saiam da RAEM, um conselho de amigo.

*Texto escrito com a ANTIGA GRAFIA

2 Nov 2020

O gangue do alcatrão

[dropcap]E[/dropcap]m tempos que já lá vão convivi com jornalistas e senti o amor que colocavam no que faziam. O jornalismo tem que se lhe diga quando praticado com a investigação à verdade. Recordo-me do caso Watergate que levou ao fim político de Richard Nixon. Na altura, foi um grande escândalo, o mundo tremeu, a América chorou de vergonha e o mundo ficou a saber que o jornalismo tem muita força quando aborda os temas com surpresa suprema e indiscutível.

Encontrava-me numa mesa de café com amigos quando um deles afirmou: “É pá, isto do Nixon foi uma grande caxa”! “Caxa”? O que era isso, indaguei e explicaram-me que se tratava de uma notícia verdadeira que podia derrubar montanhas. Uma “caxa” era algo que o jornalista apresentava ao chefe e quando lhe mostrava, ouvia logo “Tens a certeza disto? Olha que é muito grave!”. O chefe arriscava e a manchete de jornal provocava que a edição esgotasse. Foi assim ao longo dos anos. Anos que passaram mas que infelizmente cada vez menos nos têm surpreendido cada vez menos por não existirem tantas “caxas”. Há quem diga que os jornais agora são de sociedades multinacionais, que os jornalistas são uns jovens receosos de tudo e todos, ganhando mal e cheios de medo de perderem o emprego. Pode existir menos qualidade no que se lê nas páginas dos jornais, mas vê-se que continuamos a ler jornalistas com um grande nível literato e com histórias que são autênticas “caxas”. Então, o escândalo do ex-juiz Rui Rangel que colocava as namoradas a escrever os acórdãos de um tribunal superior e que não passava de um corrupto que envergonhou todos os magistrados, não foi uma “caxa” que deu brado? As “caxas” continuam a existir e a mostrar ao mundo que o pateta do Trump que tanto mal diz da China, afinal tem uma conta bancária num banco chinês e negócios com a China.

Ao lembrar-me destas histórias das “caxas” conclui que o que tinha acabado de saber, mesmo não sendo jornalista, tinha uma “caxa” na mão e que valia a pena colocá-la ao conhecimento dos meus leitores de Macau, já que em Portugal nenhum jornal faz a mínima ideia do que se passa.

E o que se passa é que no seio da Guarda Nacional Republicana (GNR) anda tudo doido. Trata-se de um gangue de malfeitores profissionalmente organizados que têm ganho milhões de euros em prejuízo de centenas de portugueses. Uma autêntica mafia à qual lhe chamam “o gangue do alcatrão”. Imaginem que acabaram de construir um armazém de grandes dimensões para a guarda de pneus e que ao lado do armazém tem de ter um espeço equivalente a um campo de futebol bem alcatroado para os camiões carregar e descarregar. No escritório aparece-lhe um Alberto qualquer a dizer-lhe que tem uma empresa de alcatroamento e que lhe pode fazer o trabalho de terraplanagem e alcatroamento. Falam em custos e o Alfredo adianta-se logo a elucidar que normalmente as empresas da especialidade levam entre 20 e 50 mil euros conforme a dimensão do terreno, mas que devido à pandemia o negócio tem andado mal e que ele lhe faz o trabalho por cinco mil euros. O empresário esfrega logo as mãos de contente e concorda com a empreitada proposta. No entanto, o Alberto diz logo que lhe terá de pagar adiantado para as despesas de compras de materiais. O empresário concorda e passa um cheque de cinco mil euros. Alberto, informa que no dia seguinte lá estarão as máquinas e que as obras terão início.

Na verdade, no dia seguinte chegam ao local as monstruosas máquinas e camionetas empregues nos trabalhos deste género de alcatroamento de grandes superfícies junto de hipermercados, fábricas, estações de transportes públicos, zonas industriais, arruamentos e até parqueamentos ao redor de estádios de futebol. Os trabalhos decorreram e passadas três semanas, o empreiteiro sobe a escritório para falar com o empresário e apresentar a conta dos trabalhos no valor de 30 mil euros…

– Mas, desculpe, deve haver um grande engano da sua parte, senhor empreiteiro!?
– Não, não me parece que haja qualquer problema. Então, o senhor não encomendou a obra? Eu recebi um telefonema no meu escritório que avançasse com as máquinas para alcatroar toda este seu terreno e foi o que fiz como o senhor assistiu estes dias todos…
– Mas… Mas, desculpe, eu recebi aqui o senhor Alfredo a comunicar-me que tinha uma empresa especializada nestes trabalhos e que me faria a obra por cinco mil euros e até me pediu para lhe pagar adiantado, o que fiz em dinheiro vivo…
– Pois é, meu caro amigo, o senhor foi aldrabado e esse Alfredo é um dos muitos vigaristas que andam por aí a aldrabar centenas de empresários que precisam de ter as suas superfícies alcatroadas… usam sempre o mesmo estratagema… quando veem um local por alcatroar, contactam com o patrão, contam essa mesma história do bandido, mamam a massa adiantada e depois telefonam para as empresas especializadas que avancem para determinado sítio a fim de executar a obra…
– Você nem me diga uma coisa dessas…
– Digo-lhe e mais ainda: isto é o “gangue do alcatrão” que é um polvo enorme que tem andado a por a GNR e a Guarda Civil a entrarem em loucura, porque não conseguem apanhar os fulanos… a vigarice é em Portugal e em Espanha… os fulanos têm ganho uma fortuna milionária… já imaginou as centenas de trabalhos que têm sido feitos nos dois países com um início deste calibre, onde aparece um aldrabão a propor um trabalhinho baratinho e levam logo o dinheirinho adiantado… Isto está muito bem organizado e têm ganho milhões…

*Texto escrito com a ANTIGA GRAFIA

28 Out 2020

A covid-19 também não gosta do Ronaldo

[dropcap]N[/dropcap]ão sou médico. Conheço é muitos clínicos. O que escreverei é simplesmente baseado nas conversas com médicos e enfermeiros amigos. A covid-19 tem sido um mal mundial desde que em Wuhan iniciou a sua marcha mortífera. Uns dizem que é um vírus; outros de que se trata de uma bactéria.

Uns afirmam que é uma treta inventada para exterminar com os velhotes que ainda podem testemunhar o que é uma ditadura, a fim de se poder definitivamente implantar no globo um governo ditatorial mundial, como sonha o fascista Trump; outros inclinam-se para uma pandemia descontrolada da qual ninguém estava preparada e muito menos com alternativas de cura imediata. Uns cientistas condenam o confinamento e a obrigatoriedade do chamado stayway, uma nova forma de controlar a nossa privacidade; outros aconselham os governos a decretar a obrigatoriedade de estados de emergência e ao uso de máscara obrigatória mesmo na rua. Uns, alvitram que tudo não passa de criar o medo em toda a gente e que o convívio, os festejos, os casamentos, os baptizados, as festas, os beijos, os abraços terminem de modo a que a natalidade reduza drasticamente no planeta porque não haverá dinheiro para sustentar tanta gente no planeta; outros, contrapõem que tudo não passa de teorias de conspiração que não querem admitir que o caso é grave a nível mundial. Mundial, ponto e vírgula. Lembro-me, por exemplo, de uma terra chamada Macau onde os infectados e os óbitos são praticamente inexistentes. Será porque a RAEM tem dezenas de casinos e que fazem muita falta que estejam abertos 24 horas para que possam lucrar muito dinheiro que irá servir para múltiplos financiamentos, inclusivamente as obras faraónicas da mãe-pátria?

A covid-19 é a maior demonstração de competência e de incompetência de quem esteja ligado aos assuntos de saúde. Os médicos, enfermeiros e auxiliares nos hospitais trabalham até à exaustão como autênticos heróis enquanto os dirigentes políticos só se preocupam nos materiais a comprar porque num contrato de ajuste directo há sempre rendimento pecuniário indirecto para quem tem o poder de decisão. No entanto, os médicos estão divididos e até já foi criado um movimento em Portugal, onde se insere o bastonário da Ordem dos Médicos, que visa chamar a atenção que o Serviço Nacional de Saúde está a rebentar pelas costuras e que em Novembro e Dezembro se a pandemia vier a agravar-se será o caos. Já existem hospitais sem condições para receber doentes. Há serviços hospitalares encerrados por falta de profissionais ou de camas.

A covid-19 tem servido para todas as desculpas num país em que já tivemos 100 infectados por dia e agora já vai em mais de 2.500 e com os óbitos a aumentar. Óbitos que muitos médicos já afirmaram não terem nada a ver com a covid-19: são doentes com males graves, como doenças pulmonares, cardíacas, renais, regenerativas, intestinais, estomacais, prostáticas e naturalmente cancerígenas. Todas estas doenças levam à morte, especialmente quando o paciente ultrapassa os 80 anos de idade. Para tristeza de um povo, os doentes sem covid-19 têm sido postos de parte: as consultas pararam, as cirurgias foram suspensas e milhares de cidadãos continuam sem médico de família. A Saúde parece, mesmo com uma pandemia dita mortífera, continuar a ser o parente pobre de um Orçamento de Estado. Nem quero acreditar que em 2021 irá mais dinheiro para a TAP e para as ferrovias do que para a Saúde. Dizemos mesmo que o grande cancro de Portugal é a falta de saúde da sua população. A falta de hospitais públicos, a falta de ambulâncias e de clínicos no interior e a impossibilidade financeira de um povo poder visitar um hospital privado. Isso, só em sonho. Como é que um cidadão com uma pensão de 200 euros pode ser operado no Hospital da CUF-Descobertas a uma Trigeminal Neuralgia, cirurgia delicada que tem um custo de 18 mil euros? Obviamente que neste país anda-se a brincar com a saúde de todos nós.

A covid-19 que tem sido apresentada através de testes que cientificamente ainda não foi provada a sua eficiência, tem provocado outros danos colaterais que muita gente nem faz ideia. Falei com um amigo que me transmitiu que nunca tinha chorado ao levar os filhos à escola, mas que desta vez ficou profundamente triste ao ver que a sua filha não podia abraçar nem beijar os amigos. E há mais danos inimagináveis: sabem que desde Março, devido ao confinamento, ao teletrabalho, ao layoff, ao controlo dos filhos encerrados em casa que as depressões aumentaram 300% e que desde Abril já se registaram cerca de 5.000 divórcios? Tudo isto é covid-19, a tal doença que segundo os responsáveis só ataca depois das 20 horas e que ingerir álcool depois dessa hora é óbvio que o líquido chama o vírus para o restaurante ou bar. A covid-19 continua tão estranha que o Conselho de Ministros reúne todas as semanas, mas apenas três ministros ficaram infectados. Trata-se de uma doença que não gosta de futebol visto que até deixou o Cristiano Ronaldo doente depois de estar a jantar com todos os colegas da selecção nacional e ninguém ficou infectado…

*Texto escrito com a ANTIGA GRAFIA

18 Out 2020

O regresso de Sócrates

[dropcap]O[/dropcap]s portugueses estão fartos de ouvir falar de José Sócrates, uma criatura que subiu das irregularidades na Câmara Municipal da Covilhã com projectos na mão que eram autênticos mamarrachos que nenhuma edilidade do mundo aprovaria até à cadeira de primeiro-ministro deste Portugal endividado até ao tutano. Especialmente as dívidas monstruosas que três gerações futuras irão pagar no que respeita às escandalosas Parcerias Público-Privadas (PPP) que tanta tinta corruptiva fez correr. As PPP de Sócrates são um escândalo e ainda bem que foi preso por alegados crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e mais umas dezenas de acções criminosas, antes que a criatura avançasse para mais pontes sobre o rio Tejo, TGV e aeroportos. Um megalómano que soube enriquecer possivelmente devido às notas que caíram com a chuva nos seus terraços habitacionais, em especial o de Paris, onde gastou milhões só para remodelar o imóvel adquirido num dos bairros mais chiques da capital francesa. As PPP’s são um dos maiores cancros da nossa economia e que irão levar anos e anos para serem pagas. Uma mina para os amigos de Sócretes, uma criatura tão poderosa no expectro sócio-políItico-judicial que o seu julgamento talvez seja realizado se um dia Portugal passar a ser uma região autónoma de Espanha…

E a que propósito estamos a escrever sobre o medíocre veraneante da Ericeira? É que na semana passada assistimos a um escândalo no seio do governo e da Presidência da República que deixou o país atónito. Vítor Caldeira era há 25 anos o presidente do Tribunal de Contas. Um homem de bem, profissional exímio, um exemplo de transparência e independência, mas… que de vez em quando lá estava Caldeira a criticar certas decisões do governo socialista, o que em democracia é absolutamente saudável. O Tribunal de Contas não foi criado para ser um yes man do governo, antes pelo contrário. Este organismo tem a obrigação de velar pela seriedade das acções governativas e indicar todas as lacunas que as despesas oficiais possam apresentar. Mas em Portugal tudo é diferente. Quem não está com o poder, leva… já dizia há muito o ex-ministro socialista Jorge Coelho. E desta feita, o primeiro-ministro, António Costa, refastelado no cadeirão do seu gabinete do palácio de São Bento, pegou no telefone e vai daí:

– É o senhor presidente Vítor Caldeira?
– Sou sim, senhor primeiro-ministro! Faz o obséquio de dizer…
– É para lhe dizer que já não o reconduzo no lugar. Termina aqui o seu trabalho…
– Mas?!… Está lá?!… Estou?!

A notícia correu célere. O exemplar presidente do Tribunal de Contas tinha sido demitido por telefone, atitude nada cordial. As conjecturas não se fizeram esperar, nomeadamente a mais triste e incómoda para quem chefia um governo que diz respeito aos milhares de milhões de euros que aí vêm a caminho oriundos da União Europeia para fazer frente aos mais diversos e espampanantes projectos e adjudicações que nunca poderão ter a adversidade do Tribunal de Costas. Obviamente, uma conjectura grave.

Entretanto, rapidamente o primeiro-ministro anunciou o substituto de Vítor Caldeira. Pior a emenda que o soneto. Uma escolha que recaiu num socratino. José Tavares é dado pela Polícia Judiciária como muito próximo do ex-secretário de Estado de José Sócrates, Paulo Campos, um dos principais suspeitos nas investigações às PPS’s e que sempre foi o braço-direito de Sócrates nos chamados cambalachos com o venezuelano Hugo Chavez e o líbio Muhamar Kadaffi. José Tavares é mencionado no inquérito às Parcerias Público-Privadas, caso onde se investigam prejuízos de cerca de 3,5 mil milhões de euros para o Estado, numa alegada prática de corrupção e de outros ilícitos criminais. A proximidade entre Paulo Campos e o novo presidente do Tribunal de Contas é atestada com diversos emails trocados entre o ex-secretário de Estado de Sócrates e José Tavares, então director-geral do Tribunal de Contas, em 2009 e 2010. José Tavares terá inclusivamente participado em reuniões secretas com o governo de José Sócrates para tentar contornar o chumbo que os próprios juízes conselheiros do Tribunal de Contas fizeram a quase todos os contratos das subconcessões rodoviárias lançados pelo então ministro Mário Lino e Paulo Campos.

E os mais diversos políticos da oposição e o povo observador destas temáticas políticas em geral perguntam-se como pode existir tão pouca seriedade ou tanto compadrio na nomeação de um cargo de suma importância para uma governação transparente e profícua. Lá diz o ditado que à mulher de César não basta ser séria, há que parecer…

*Texto escrito com a ANTIGA GRAFIA

12 Out 2020

Adopção para as calendas

[dropcap]A[/dropcap]lguns dos leitores possivelmente já tentaram adoptar uma criança. Na maioria dos casos porque num casal, o homem ou a mulher não puderam ter filhos após o veredicto clínico. Mas têm um desejo enorme de ter um filho ou uma filha. Há casais que já adoptaram três e quatro filhos. Em Portugal é difícil. Em Portugal é um martírio, um desespero, um sofrimento mental que já levou muitas mulheres à depressão profunda. Tudo isto porque a burocracia é superiormente exagerada. As exigências são as mais variadas e concludentes. Obviamente que o casal é analisado pelos serviços estatais e competentes para o efeito de uma adopção de uma forma criteriosa. O casal tem de ter condições de sobrevivência do eventual filho adoptivo, um bom rendimento mensal, uma residência condigna, um comportamento exemplar. E não são só os casais que desejam adoptar a serem analisados, pois, os seus progenitores também são alvo de uma avaliação por parte dos técnicos da Segurança Social. Pais e avós têm de ter rendimentos suficientes para o caso de acontecer algo de imprevisível ao casal que adopta.

Em Portugal reina a burocracia até ao mais alto grau do desalento dos interessados em adoptar uma criança, tenha a mesma três ou oito meses, ou já com seis ou sete anos. A burocracia é o verdadeiro cancro de uma adopção. E não só a burocracia estatal. Por vezes, o problema reside na atitude do pai, mãe, avô ou avó da criança que foi institucionalizada porque os pais não tinham condições para o sustento. Um dos membros da família da criança, em muitos casos, rejeita-se a assinar a documentação imprescindível para a efectivação da adopção. E assim, ficam as crianças anos e anos a aguardar uma solução. E as crianças institucionalizadas sentem um sofrimento contínuo porque não recebem o carinho de uns pais, não recebem a educação devida, não recebem o hábito de pertencerem a uma família, diríamos mesmo que sem estarem abandonadas estão ao sabor do nada. As de sete e oito anos sofrem imenso nas escolas. Onde está o teu pai? Onde está a tua mãe? Quem é aquela que te veio trazer? Quem é que te vem buscar? Onde moras? São perguntas dolorosas que essas crianças ouvem a todo o momento nos intervalos das aulas. E como as crianças, infelizmente, são cruéis umas para as outras, assim que se sabe na escola que determinado colega está institucionalizado porque foi abandonado pelos pais, ai Jesus, é um fartote de chacota: Olha ele não tem pais! Olha ela não tem casa! Olha ele não sabe quem é mãe! Olha ela nunca viu o pai! Uma triste realidade. E as crianças institucionalizadas a aguardar que a burocracia ou a corrupção lhes arranjem uns pais que requereram a adopção há muitos anos.

Lamentavelmente, o ano passado 80 por cento das crianças que aguardavam adopção, apenas 20 por cento viram a sua situação resolvida e foram acolhidas para um novo lar onde passaram a ter um pai e uma mãe.

Uma tristeza quando neste Portugal os processos de adopção começam logo por ficarem na gaveta durante os três meses das férias judiciais. Três meses em que pára tudo nos tribunais, o que provoca um atraso significativo em todo o andamento que se deseja o mais rápido possível. Rápido? A maioria dos casos leva seis, sete, oito anos para ser resolvida. Um amigo meu juntamente com a sua mulher requereu há oito anos uma criança para adopção. Em todos os testes e avaliações de que o casal foi alvo a aprovação foi total. O casal tem todas as condições financeiras, e outras, para poder adoptar um filho. Esse casal ao fim de cinco anos esqueceu a pretensão e nunca mais pensou no assunto de poder ter um filho. Felizmente que agora, ao fim de oito anos, a Segurança Social informou-os que tinham um bebé para lhes ser entregue. Foi a alegria mais sentida na vida do casal. Demorou muito, mas neste caso a luz ao fundo do túnel tornou-se realidade e o casal está a viver os dias mais felizes da sua existência. Realmente, quando existe um desejo assoberbado não há ventos e tempestades que façam desistir definitivamente um casal de receber nos braços o que tanto sonhou.

Neste tema da adopção há surpresas. Alguns casais tentam conseguir ter um filho através do método in vitro e mesmo assim nada feito. Mas, surpreendente um dia mais tarde o mesmo casal que tentou por esse método consegue naturalmente que a mulher engravide. Todavia, uma assistente social transmitiu-me que para tristeza de todos que trabalham no seu departamento a mesma mãe após o nascimento de dois gémeos transmitiu que o namorado já tinha desaparecido e que ela estava desempregada e órfã, sem condições para criar os bebés e nesse sentido entregava os filhos para adopção. Dá que pensar. Tal como recentemente uma mãe foi deixar o seu recém-nascido à porta de uma igreja dentro de uma alcofa, bem tratado, bem alimentado, bem agasalhado, com um biberão ao lado e uma carta onde a mãe apelava que alguém criasse o seu filho com muito amor porque ela não tinha a mínima possibilidade. Que raio de país é este em que se apela a uma maior natalidade e depois não existem condições para muitas mães poderem sustentar e educar os seus filhos.=

27 Set 2020

Ai, Portugal, Portugal

 O anti-benfiquismo é político

[dropcap]A[/dropcap]qui em Portugal está tudo a ficar doido. Estou à vontade a escrever sobre o Benfica porque até sou portista. Mas, na verdade a loucura absolutamente anti-benfiquista é uma campanha política porque tem sido ao longo da semana passada um fartote de críticas por parte de políticos destacados e de personalidades que não gostam do primeiro-ministro António Costa. Temos em jogo, sem árbitro, uma panóplia de noticiários radiofónicos e televisivos, já não falando da imprensa, que tem abordado o facto de António Costa e Fernando Medina, presidente da edilidade lisboeta, terem sido escolhidos por Luís Filipe Vieira como fazendo parte de uma lista com mais 498 nomes para apoio à sua futura recandidatura à presidência do clube encarnado. E digo que está tudo doido ao criticarem Costa e Medina quando estas duas personalidades sempre foram sócios do Benfica e convidados a assistir aos jogos na tribuna do estádio da Luz. Então, um sócio de um clube não tem o direito e a liberdade de escolher um candidato? Não pode fazer parte de uma comissão de honra do seu candidato preferido? A demagogia tem imperado nas críticas dos mais distintos quadrantes nas redes sociais. Alvitram os detractores que a o cargo de primeiro-ministro e de presidente de Câmara é incompatível com o apoio a um candidato a presidente de um clube de futebol. Que o candidato Luís Filipe Vieira tem processos em tribunal e dívidas bancárias. Mas o que tem a ver o cu com as calças?

Para sermos sérios temos que concordar que António Costa e Fernando Medina são sócios do Benfica e nessa condição têm acompanhado as vitórias e derrotas do seu clube, vibrado com os golos como os sócios de outro qualquer clube, têm tomado conhecimento das dificuldades em dirigir um clube com a grandeza do Benfica, sabem dos balanços financeiros anuais, ocupam-se com a vida do clube e, talvez, por isso, é que preferem determinado candidato a dirigir os destinos do clube. Se Luís Filipe Vieira tem problemas judiciais, isso é uma questão com os tribunais. Nada tem a ver com a política. Se Vieira na qualidade de candidato à presidência do Benfica escolheu 500 sócios para a sua comissão de honra porque não vieram à baila os outros nomes? Naturalmente, que houve uma intenção de matar dois coelhos com uma cajadada. Assim, os alvos das críticas têm sido Luís Filipe Vieira e António Costa. Vieira porque se tem processos no Ministério Público não tem credibilidade e seriedade para dirigir o clube, com os críticos a esquecerem-se do que diz a lei ao referir que até em julgado todo o cidadão é inocente. Por outro lado, António Costa leva pela medida grossa porque é o secretário-geral do Partido Socialista e é importante para os políticos adversários mancharem a sua imagem o mais possível com a mira de em futuras eleições poderem destroná-lo, esquecendo-se que as sondagens dão os socialistas perto da maioria absoluta.

É óbvio que a proximidade entre a política e o futebol causa sempre polémica, mas neste caso, o primeiro-ministro fez muito bem em afirmar que não tem nada a dizer sobre o assunto porque a sua posição no clube da Luz nada tem a ver com a sua participação política na vida pública. Só que assistimos a posições descabidas e intencionais com o fim de denegrir a imagem de Costa. Acusam-no de promiscuidade, que os negócios do futebol são sujos e ilegais, que se Luís Filipe Vieira está a contas com a justiça também António Costa ao apoiar um dirigente com problemas judiciais passa a ter o mesmo carisma. Nada mais errado. O que tem o primeiro-ministro a ver com contratações ou vendas de jogadores, com obras no complexo do Seixal, com os funcionários do clube que andaram ligados ao mundo da droga, com as pesquisas ilegais efectuadas pelo hacker Rui Pinto? Que eu saiba, nada. Sendo assim, há que ter um pouco de seriedade mental ao acusar-se uma pessoa com um cargo de Estado sem ter os fundamentos legais. Direi mais, sem eu ter qualquer ligação partidária: António Costa teria todo o direito de mover uma queixa-crime contra os principais adversários políticos que deixaram na praça pública a ideia de que o socialista primeiro-ministro era igual ao “vigarista” Luís Filipe Vieira. Há acusações e insinuações intoleráveis. Não pode valer tudo em política e na rivalidade clubística. Quem não for benfiquista deve respeitar o bom nome do clube representado pelos seus directores eleitos. Se não se gosta de um primeiro-ministro e pretende-se efectuar uma luta política, arranjem-se argumentos políticos com veracidade para essa mesma luta. A semana que passou fica tristemente marcada pela demagogia e radicalismo demonstrado por certas facções políticas e desportivas. Portugal não pode continuar a assistir à destruição do carácter sem qualquer lógica de quem ocupa lugares cimeiros no espólio político.

O mais lamentável é que Luís Filipe Vieira acabou por retirar os nomes dos sócios benfiquistas António Costa e Fernando Medina da comissão de honra para a sua recandidatura alegando que a “companha difamatória e ofensiva” contra as duas individualidades e contra ele próprio “está a ultrapassar todos os limites”. Os detractores ganharam o jogo, sem árbitro.

20 Set 2020