Sofia Margarida Mota Eventos Festival Internacional de Cinema - EspecialShekhar Kapur, presidente do júri do MIFFA: “Festival tem todas as características para se solidificar” Shekhar Kapur é o cineasta indiano que assumiu a presidência do júri da principal competição na primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Macau (MIFFA). Foi contabilista, mas a necessidade de fazer alguma coisa que o divertisse deu-lhe outro rumo à vida. Vive agora entre a Índia e Hollywood, tem no currículo filmes de renome e vê o festival de Macau com um forte potencial de projecção além-fronteiras Como é que apareceu o cinema na sua vida? Comecei por ser contabilista. Mas percebi que precisava de saber qualquer coisa que me desse algum significado pessoal. Não quero dizer que ser contabilista é uma profissão má, mas acho que que faz muita diferença quando trabalhamos e nos estamos a divertir ao mesmo tempo. Também não quer dizer que enquanto nos divertimos não estejamos a fazer coisas sérias. Quando o trabalho não tem este aspecto lúdico, penso que as pessoas vão envelhecendo, mas num sentido negativo. O meu primeiro movimento para longe da contabilidade em direcção ao cinema foi provocado pela tentativa de olhar para alguma coisa que me fizesse sentir que estaria a brincar também, a divertir-me. É difícil encontrar pessoas em trabalhos muito sérios que se divirtam. Na maioria dos trabalhos as pessoas estão, muitas vezes, a pensar no que vai acontecer a seguir, no que vão fazer a seguir e quem vai fazer o quê, e eu queria fazer alguma coisa em que me sentisse tão apaixonado e completo que nesse momento não pensaria em mais nada. Foi aí soube que tinha de deixar a contabilidade e ir para uma área artística. Foi o cinema. O filme que o catapulta para a fama foi “Bandit Queen”. Um sucesso em Cannes que acabou por levá-lo para outros destinos e para as grandes produções. Que diferenças temos no seu trabalho antes e depois de “Bandit Queen”? Há alguns filmes que se destacam porque a sensação é a de que nunca vamos fazer uma coisa tão boa como aquela. Bom ou mau, não se pode dizer. Há muitas pessoas que dizem que “Elisabeth” é melhor que “Bandit Queen” e há quem diga o contrário. Mas, para mim, o “Bandit Queen”, feito naquela altura, foi muito mais intenso. Porquê? Porque foi uma autodescoberta. Foi um filme acerca da dominação sobre as mulheres. Apesar de ter essa atitude, senti que era também responsável pela minha ignorância e por não lutar contra isso. Transformou-se numa experiência de redenção. De certa forma, estava zangado comigo e fui fazer um filme acerca da minha zanga. Tentei redimir-me enquanto homem. Como é que alguma coisa pode ser mais pessoal que isto? Como é que qualquer grande produção que se seguiu, nomeadamente em Hollywood, pode ser tão profunda quanto isso? É um daqueles filmes que me assusta e que me põe a questionar se alguma vez conseguirei regressar àquele ponto. Para regressar tenho de me tornar inocente outra vez. Já perdeu a inocência? Não, ainda tenho alguma. Mas porque os filmes são cada vez mais caros, somos apanhados no nosso próprio sucesso e depois tornamo-nos prisioneiros. De alguma forma, o fracasso traz-nos liberdade. Se estamos no topo de uma montanha, deixamos de ter oxigénio. Por isso precisamos de descer para respirar. É preciso ter-mos um intervalo para isso mesmo, respirar. Quando precisa de se reencontrar, como faz agora? Vou para um ashram e passeio com pessoas que têm uma perspectiva da vida muito maior do que a minha. Encontro-me com vários amigos e acabamos por tentar discutir as questões mais fundamentais da vida. Não há nada melhor do que isso. Em “Queen Elisabeth” trabalhou, por exemplo, com a Cate Blanchet e contou com várias nomeações e prémios entre os Óscares e os Bafta. Como foi passar para uma produção desta envergadura? Para mim, o “Bandit Quenn” também foi uma grande produção. No fundo, o tamanho da produção não interessa. O importante é a intimidade que se consegue com o que fazemos. Penso que umas das grandes razões para o sucesso de “Elisabeth” foi a relação entre a equipa que estava ali a trabalhar. Fizemos questão de trabalhar de forma a tornar o filme muito íntimo. Fiquei surpreendido porque até aí nunca tinha feito um filme com mais de 800 mil dólares. Disseram-me que orçamento era de 24 milhões de dólares e eu fiquei sem saber o que fazer com o dinheiro. No primeiro dia de filmagens, já no local, verifiquei que chegavam autocarros, carros e roulottes quando tínhamos pedido que aquele espaço ficasse sem ninguém. Pensei que alguma coisa tivesse corrido mal e que os turistas estivessem a chegar. Acabei por perguntar quem eram aquelas pessoas e responderem-me que era a equipa a chegar. Nunca tinha visto uma coisa assim. Nunca tinha, sequer, tido um trailer para nenhum dos meus filmes, ou um serviço de catering. Lembro-me de estar ali a tirar fotografias, fascinado. Havia uma diferença nesta produção mas, uma vez dita a palavra ‘acção’, é sempre igual: é um momento mágico e esquecemos tudo à volta. Trabalhou, em “Bombay Dreams”, com Andrew Lloyd Weber, conhecido pelos musicais. Foi um retorno à música que também caracteriza o cinema indiano, no qual começou? É uma história engraçada. Quando nos conhecemos, ele convidou-me a fazer uma adaptação para o cinema de “O Fantasma da Ópera”. Falámos durante algum tempo e percebi que não podia fazê-lo. Apesar de já ter feito musicais, não sabia como fazer uma coisa em que não acreditasse na própria acção. Mas tornámo-nos amigos. Um dia falei-lhe de “Bombay Dreams”. Noutra altura, estávamos num jantar com outros amigos e acabei por falar nesse projecto. De repente apercebi-me que o Andrew Lloyd me estava a pontapear debaixo da mesa. Queria ser ele a fazer esse filme comigo. Aprendi muito com ele. Um musical é realmente como Bollywood: a história tem de ser muito simples porque a complexidade reside na música. Aprendi isso com ele. Depois achei que deveria existir outro compositor. Falei-lhe de Allah-Rakha Rahman. Quando contactei o Rahman, recusou com receio de ser rejeitado no mundo ocidental. Acabou por aceitar participar. Desde aí já ganhou dois Óscares. (risos) O que é que está a preparar neste momento? Estou a filmar uma série acerca da juventude de William Shakespeare. É a minha primeira experiência para televisão. Neste trabalho fiz uma espécie de “trabalho ultrajante”. As pessoas podem mesmo vir a perguntar: isto é Shakespeare? Percebi que Shakespeare, no fundo, escrevia para uma audiência um pouco idêntica à de Bollywood em que as pessoas pobres expressam o que sentem e o seu individualismo muito melhor e de uma forma muito mais forte e mais apaixonada. Os ricos, por exemplo, podem apresentar um bom carro e marcam uma posição, mas os pobres só se têm a si mesmos. É daí que vem também o punk. E no momento em que percebi que Shakespeare, à sua maneira, escrevia “para” o povo das ruas, soube o que tinha de fazer. Além do cinema, tem investido na protecção ambiental, nomeadamente na protecção da água. O que é que o motivou a ter este papel activo? Às vezes somos confrontados com equívocos. Lembro-me, quando era criança, que o meu tio tinha uma quinta e que eu e os meus amigos íamos para lá no Verão, e ficávamos debaixo dos tubos da água a refrescarmo-nos. Nunca pensámos que a água podia ser um recurso que podia gostar. De repente, apercebi-me que a água podia acabar. A minha geração criou o problema por não saber da verdade. Agora também quero fazer um filme que será sobre a água. Penso que quero mostrar a realidade às novas gerações para que não cometam o mesmo erro, o do desperdício de um bem precioso e que pode ser esgotável. As consequências podem ser catastróficas. Quando falam que podemos vir a ter uma crise de água, a minha resposta é que já temos esta crise há mais de 20 anos e nem a vemos. As pessoas que podiam fazer a diferença na preservação da água têm torneiras que nunca vão deixar de correr e nem sabem que uma grande parte da população nem torneiras tem. Também mudámos o princípio fundamental da água. A água sempre foi um recurso comunitário e nós transformamos num recurso pessoal. Como foi o visionamento e discussão dos filmes que estiveram em competição? Os filmes que entraram em competição, foram, e tenho de o admitir, muito bons. Entre os membros do júri discutimos muito. Falávamos muito uns com os outros porque cada um lutava de alguma forma pelo seu filme favorito. A discussão era sempre à volta dos destaques do que cada um tinha em especial e que marcavam os membros do júri. Uma sensação importante foi a de que, cada membro, tinha sido afectado pelos filmes que estava a ver e a classificar. E isso é o mais importante. Que balanço faz desta primeira edição do MIFFA? Vim a Macau há 30 anos e nessa altura não havia nada. Agora, o que posso constatar é que existem mais infra-estruturas aqui para a realização de um festival desta dimensão do que em muitos pelos quais já passei. Talvez Macau precise de mais salas de cinema. A sala do Galaxy, os outros casinos podiam sentir-se encorajados a fazer mais. Macau também é uma cidade pequena, com pouco trânsito e, por isso, tem potencial para se tornar um grande festival. Este primeiro ano foi muito bom. Penso também que a próxima fase da cultura, também em termos cinematográficos, é esta onda de interesse pelo que se faz na Ásia. Neste contexto, o aparecimento de um festival novo nesta região tem todo o potencial. As pessoas podem dizer que em Macau não há muita gente para assistir a este tipo e iniciativas. Quando comecei com o festival de Goa, dizia-se o mesmo, e tínhamos os mesmos problemas: em Goa há muito turismo e as pessoas não vivem lá. Mas agora, anos depois, os bilhetes esgotam, as salas estão cheias, as pessoas vão de todo o lado. É uma questão de tempo também? Sim, e também é uma questão do que é oferecido. Nestes festivais cria-se uma comunidade durante uma semana. As grandes vantagens de Macau já existem: a intenção existe, as infra-estruturas estão lá, o festival já começou e é na Ásia. Tem todas as características para se solidificar.
Sofia Margarida Mota Eventos Festival Internacional de Cinema - Especial“São Jorge” vendido para distribuição no mercado chinês Ainda em Veneza, aquando da estreia, o filme “São Jorge” de Marco Martins ficou com o destino ditado com a venda para distribuição comercial no mercado da China. Para o realizador, a passagem para o mercado asiático não deixa de ser positiva, apesar de ainda não saber o que esperar [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] filme português “São Jorge” foi vendido para distribuição comercial na China, devendo seguir-se “provavelmente” França, afirmou ontem o realizador Marco Martins, em Macau, onde a longa-metragem fez a sua estreia asiática. “São Jorge”, que valeu a Nuno Lopes o Prémio Especial de Melhor Actor na secção “Orizzonti” do Festival Internacional de Cinema de Veneza em Setembro, é um dos 12 filmes da categoria de competição do primeiro Festival Internacional de Cinema de Macau, que decorre até terça-feira. A exibição do filme – que conta a história de um pugilista desempregado que trabalha em cobranças de dívidas para sobreviver – teve lugar ontem à noite, na Torre de Macau, mas a venda para distribuição comercial para China foi concretizada em Veneza, indicou o realizador em conferência de imprensa. “O facto de ter sido vendido para distribuição na China deixou-me muito contente e curioso sobre a percepção que o filme teria aqui”, afirmou, quando questionado sobre as expectativas relativamente ao público chinês. Apesar de “São Jorge” estar focado num “período específico” da história portuguesa, Marco Martins considera que a longa-metragem percorre uma narrativa universal. “Quando faço um filme tento que seja absolutamente universal e perceptível por qualquer cultura, faixa etária, que seja absolutamente universal independentemente do país em que seja visto e, nesse sentido, acho que o filme fala de sentimentos que são universais. Há um pano de fundo que é a crise – sim –, mas depois é a história de um pai que tenta manter a sua família junta”, realçou. Obra do acaso Marco Martins descreveu ainda a génese do filme, contando que foi um pouco por “acaso” que entrou no submundo dos cobradores de dívidas, porque a ideia original era fazer um filme sobre um pugilista amador. A surpresa chegou quando começou a fazer a pesquisa nos ginásios de boxe – onde “pensava que ia encontrar o cliché habitual dos que trabalham em empresas de segurança ou em discotecas ou em estabelecimentos prisionais”, e acabou por encontrar uma série de boxers que trabalhavam em empresas de cobranças – umas legais e outras legais. “A partir do momento em que percebi qual era o trabalho que faziam, isso tornou-se mais importante que o boxe em si e foi ganhando um peso na história bastante grande”, relatou Marco Martins, explicando que face às dificuldades, por serem “empresas e esquemas muito fechados”, a pesquisa sobre esse mundo das cobranças difíceis foi feita nas entrevistas com os pugilistas que explicavam o processo. Neste âmbito, descreveu também a intensa preparação do actor Nuno Lopes para vestir a pele do protagonista: a física, ao longo de cerca de um ano e meio, e ao nível da própria personagem e do acento específico da margem sul de Lisboa, por exemplo. A inclusão de elementos de documentário – com conversas sobre a situação política e social em Portugal – também foi “ganhando importância”, dado que inicialmente o guião era “muito clássico”, explicou o cineasta. “Essas conversas eram mais interessantes do que estava originalmente no guião e, portanto, houve a vontade de trazer esse lado mais documental para o filme. “Todas aquelas pessoas que vivem nos bairros – alguns dos cobradores, alguns dos devedores – são pessoas com quem as quais me fui cruzando ao longo da pesquisa”, pelo que surgem “pequenos excertos de grandes diálogos” dessas pessoas que Marco Martins foi levando para o filme, fazendo com que elenco tivesse cada vez mais actores não-profissionais. “Um aspecto também interessante foi que a ideia era fazer um filme social sobre a crise, quase como um filme mosaico sobre aquele período da ‘troika’ em Portugal, mas quando o universo das cobranças entrou de repente assustei-me porque tinha um filme de género na mão – era de facto, quase um policial negro”, relata, indicando que esse “cruzamento de géneros” ou “híbrido” lhe despertou o interesse para trabalhar “esses dois materiais muito distintos entre si”. Além disso, “São Jorge” foi uma estreia para Marco Martins por ser o seu primeiro filme em digital, o que marcou uma “grande mudança” na linguagem: “Fizemos uma série de testes e o que nos pareceu mais interessante foi esta ideia de um filme passado de noite”, algo, “de facto, fantástico”.
Sofia Margarida Mota Eventos Festival Internacional de Cinema - EspecialJoão Rui Guerra da Mata: “A cultura tem de estar focada no futuro” [dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]oão Rui Guerra da Mata e João Pedro Rodrigues co-realizam “270, San Ma Lo”. O filme, que ainda só é uma ideia, tem como pano de fundo o Hotel Central de Macau e está a ser apresentado no “Crouching Tigers Project Lab”. O HM falou com Guerra da Mata que considera a possibilidade de comunicação entre a arte e a indústria uma oportunidade “fantástica” A dupla de realizadores João Rui Guerra da Mata e João Pedro Rodrigues estiveram em Macau para apresentar à indústria cinematográfica o novo projecto “270, San Ma Lo”, para o qual obtiveram ontem um financiamento de 20 mil dólares, atribuídos pela Fox International Productions. O projecto “Crouching Tigers Project Lab”. Sem querer adiantar ainda muito acerca do filme, Guerra da Mata admite que é uma ideia já com alguns anos. “Partiu de uma carta-branca para participarmos num festival que acabou por não avançar”, explicou ao HM. No entanto, fazer uma história a partir do Hotel Central de Macau, cuja morada corresponde ao nome da película, não ficou esquecida. “Mas a ideia de fazermos um filme que tivesse este hotel como ponto de partida era um projecto que queríamos mesmo fazer. É um lugar com uma história extraordinária, na altura era o prédio mais alto do chamado império português e nós sempre achámos que o facto daquele hotel ser um ninho de espiões era fantástico”. “O filme não é o Hotel mas o que se lá passa”, referiu. “Este filme tem muito a ver com o período da guerra do Pacífico que, na minha opinião, não é muito conhecido em Portugal. É um período que nos interessa muito”, mencionou enquanto desvendou um pouco mais do que poderá aparecer no grande ecrã: “o filme começa na actualidade e depois, sem revelar muito, vamos encontrar Macau e personagens de cá nesse período em que o território foi um importantíssimo centro geopolítico e tinha militares das várias tendências políticas mundiais”. A importância em abordar Macau no contexto da guerra reside no facto de ser “um assunto que ninguém sabe ou, quando muito, é do conhecimento de um grupo muito reduzido em Macau”. O desconhecimento abrange, na opinião do realizador, os países asiáticos: “por outro lado, tenho visto nos encontros que se estão a fazer aqui que é uma história que ninguém conhece”. Para o mundo João Guerra da Mata considera a ideia do Festival Internacional de Cinema que está a decorrer “absolutamente extraordinária” porque podia ser uma forma de divulgação de cinematografias de países com menos visibilidade em território chinês e asiático. A secção em que está a participar, o Crouching Tiger Project Lab, é no entender do cineasta, “uma ideia absolutamente maravilhosa”. “Esta coisa de existir uma secção que selecciona uma série de projectos entre os muitos que foram enviados, e permitir que o autor possa ter uma conversa, durante alguns minutos, em que se apresenta o projecto de modo a que possa haver possibilidades de produção, financiamento e distribuição é uma coisa muito boa”, explicou. Por outro lado, “o cinema português tem co-produções que já existem num registo imediato, como a França ou a Alemanha e esta iniciativa permite a possibilidade de associação a países asiáticos. Macau podia servir de ponte entre o mundo e o mercado chinês.” A ideia para o filme está a ser bem recebida, apesar de se encontrar ainda numa fase muito embrionária. “Nas reuniões que tenho tido apercebi-me que já há aqui filmes muito desenvolvidos, o que não é o nosso caso, mas as pessoas mostram-se interessadas”. De relevo, é a comunicação entre a arte e a indústria e, para Guerra da Mata, “o que é mais interessante é que o cinema enquanto arte, aqui tem o contacto que precisa de ter com a indústria. O cinema é uma arte, mas também é uma indústria”. Guerra da Mata passou a infância no território e tem-no “sempre muito presente”. Não sendo uma presença “nostálgica”, classifica a sua atracção por Macau como “quase física”. “No entanto tenho pena que não haja um pensamento relacionado com cultura”, admitiu ao HM. “A cultura não é só o passado, antes pelo contrário, tem de estar focada no futuro e, por causa disso mesmo, custa-me muito ver as coisas serem todas destruídas, porque qualquer dia é tarde demais”, explicou. Para o cineasta, “Macau, culturalmente, é única no mundo por ser um lugar de fusão e influencia mútua pelo que gostava que a cultura luso chinesa não fosse vista como um complemento aos casinos. Gostava que fosse mais dinâmica.”
Sofia Margarida Mota Eventos Festival Internacional de Cinema - EspecialMIFFA | Shekhar Kapur considera o cinema asiático “dos melhores do mundo” Teve início ontem a primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Macau. A abertura foi marcada pela conferência de imprensa com o júri da secção de competição. À comunicação social falaram essencialmente das diferenças e particularidades do cinema asiático [dropcap style≠’circle’]“O[/dropcap] cinema asiático é mais melodramático, é místico”. A ideia foi deixada ontem pelo presidente do júri do festival internacional de cinema de Macau (MIFFA, na sigla em inglês), Shekhar Kapur. “Às vezes tento explicar aos meus amigos em Hollywood que, o que eles entendem por melodrama, nós (na Ásia) chamamos de misticismo”, explicou na conferência de imprensa que marcou a abertura do festival. Para o cineasta indiano, que tem desenvolvido carreira em Hollywood, a forma como a vida é encarada na Ásia também é diferente da do mundo ocidental. “Penso que aqui aceitamos a ideia que o nascer, o morrer, a traição, o ter filhos, etc, são um conjunto de temas místicos pelos quais temos de passar e acho que é a isto que o ocidente chama de melodrama”, salientou. Se há traço unificador no cinema asiático, será esta ligação mística, e que abrange não só o cinema, mas é ainda comum à própria cultura. “Aqui temos uma grande ligação ao misticismo e não temos medo disso. Eles chamam-lhe melodrama e nós misticismo”, reiterou. Já para Giovanna Fulvi, membro do júri e que tem no currículo a programação do Festival de Cinema de Toronto, “comparado com o cinema ocidental, o cinema asiático tem a capacidade de contra uma história através das imagens em que os guiões não são tão importantes como são no ocidente.” A ideia é partilhada por Kapur que considera que “no ocidente as pessoas esperam que o guião seja o filme, e isso nunca deveria acontecer”. Outra questão de relevo entre as diferenças do cinema asiático e o ocidental, para o cineasta indiano, é que “na Ásia um filme não tem de ter sempre uma história completa”. Muitas vezes o filme faz mais questões do que dá respostas”, disse. Desejo versus destino O cinema ocidental é, muitas vezes, sobre desejo e o asiático é mais acerca do destino, considerou. “Há, claro, diferenças entre a forma de contar histórias japonesa e indiana, mas ainda assim, são mais próximas entre si do que com o cinema ocidental”, explicou, referindo-se aos traços comuns entre tanta diversidade no continente asiático. Ainda em contraponto com o ocidente, nomeadamente com Hollywood, onde Kapur tem estado mais presente, o cineasta considera que “agora há uma tendência para que os filmes sejam menos melodramáticos. O objectivo é que os filmes sejam uma experiência agradável para o público”. No entanto é com esta tendência que quem quer contar histórias está a distanciar-se das grandes produções feitas com orçamentos elevados e a dirigir-se para produções com custos mais baixos e que venham a ser distribuídas pela televisão. “É por isso que vemos cada vez mais bons filmes nas plataformas OTT – distribuição de conteúdos de áudio e vídeo através da Internet”. O cinema asiático está a caminho do ocidente e “o MIFFA já é um passo importante nesse sentido” salientou Kapur. A primeira edição do MIFFA começou ontem e acaba no próximo dia 13. Fazem parte do júri da secção de competição Shekhar Kapur, Giovanna Fulvi, Stanley Kwan, Jung Woo Sung e Makiko Watanabe. Um coreógrafo no cinema Foi ontem exibido “Polina, danser sa vie” de Valerie Muller e Angelin Preljocai . O filme que marcou a abertura do festival Internacional de Cinema de Macau é também a primeira aventura cinematográfica do coreógrafo Angelin Preljocai. Para o agora realizador, “foi muito interessante realizar um filme especialmente em conjunto com Valérie Muller”. O facto de ter a vida associada à dança e agora integrar a realização cinematográfica, não é de estranhar. “Penso que fazer um filme é, tradicionalmente, um acto que inclui música e dança, podemos ver o Fred Astaire por exemplo”, ilustrou. Mas o mais importante, é a ligação óbvia que se sente entre a música e o cinema: “dança é movimento e na minha opinião o cinema também. São ambos movimento e ritmo”. A bailarina do facebook Anastasia Shevtsova, dá corpo a “Polina”. A actriz russa estreou-se no grande ecrã com este filme porque a “encontraram no facebook”. Bailarina da Mariinsky Theater, foi convidada através da rede social a participar nos castings para “Polina”. Foram três selecções na Rússia e uma em França. Conseguiu o papel, aprendeu francês e movimentou-se, pela primeira vez, na dança contemporânea. Se a personagem do filme, desde pequena, sentia que a dança ia além do clássico, a actriz descobriu isso mesmo com as rodagens de “Polina”. “Foi uma óptima experiência enquanto actriz e também enquanto bailarina. Tenho formação clássica e não estava habituada à dança contemporânea”, disse em conferência de imprensa. Aprendeu ao longo das filmagens e tal como a personagem, agora prefere a dança contemporânea. “Com este filme também se abriu qualquer coisa nova dentro de mim e espero que resulte”, afirmou.