Carlos Morais José h | Artes, Letras e IdeiasII – O lushu Andando de Guilin para leste uns bons cento e cinquenta quilómetros, deparamos com a montanha Niuyang. Na encosta sul dormem depósitos de ouro vermelho e na encosta norte repousam depósitos de ouro branco ou assim nos é sugerido em velhos rolos de papel, repletos de caracteres escritos num estilo anterior à dinastia Qin (220 a.E.C.). Segundo os comentadores mais avisados, referem-se a minérios de cobre e de prata. Outros, mais propensos a fantasias, preferem acreditar que o texto antigo denota a existência de metais raros, desconhecidos das classificações hodiernas e de antanho. Nesta incomum montanha existe um também exótico animal a que dão o nome de lushu. Dotado de uma forma semelhante à de um cavalo, o lushu distingue-se pela sua cabeça branca, o corpo malhado como um tigre e uma cauda avermelhada. Segundos os relatos, quando se desloca, este animal emite um som parecido com um ser humano a cantar. Existem também algumas raras pinturas que o representam com chifres, o que poderá ter origem no facto do nome lushu incluir o caracter 鹿 (lu, veado). Já o segundo caracter 蜀 (shu) é mais difícil de interpretar, mas poderá referir-se ao antigo reino de Shu (hoje Sichuan) ou a um pântano. Se assim fosse, chamar-se-ia então “veado de Shu” ou “veado do pântano”, o que não parece totalmente credível à maioria dos comentadores. Ao longo da História, numerosos pintores chineses revelaram-se fascinados pelo lushu, tendo produzido dissonantes interpretações. Era talvez o estranho contraste do seu corpo tigrado com a alva e imponente cabeça, ou então a cauda rubra vibrando como uma trémula chama em desfilada pelos planaltos de Niuyang. Também os musicólogos imperiais foram, em certa época, chamados a ouvir e registar as “canções” dos lushu. A partir delas, terão elaborado algumas das mais famosas melodias do reportório tradicional do País do Meio. O lushu vive em pequenas manadas com outros membros da sua espécie, as fêmeas não têm período de cio e os machos são dotados de uma fulgurante potência sexual. Estão, por isso, sempre dispostos a procriar. Tal facto faria com que os lushu fossem numerosos, o que não sucede devido à perseguição impiedosa que os homens sempre lhes moveram, certamente porque a sua pele e os seus pelos são considerados por numerosos sábios como poderosos talismãs. É, no entanto, a cauda vermelha – muito desejada pelos homens, pois existe a crença de que usá-la no cinto provoca um acréscimo de potência sexual – que o torna excepcionalmente cobiçado. Quem assim se enfeitar com a cauda do lushu, com certeza terá um grande número de descendentes.
Carlos Morais José Editorial VozesA rua anda perigosa Proibir manifestações em Macau por causa da pandemia soa a falso. Pode ser legal, pode ser já costume, mas soa a falso. Compreende-se que o Governo tenha medo de manifestações depois dos “anos loucos” de Hong Kong e as queira evitar a todo o custo, servindo-se para isso de argumentos legais mas de difícil credibilidade. Afinal, há um ano que não existem casos de covid nesta cidade. Além disso, Macau não é a ex-colónia britânica e a população de Macau também não é igual aos seus vizinhos do outro lado do Rio das Pérolas. Duvido muito que aqui surgissem reivindicações absurdas como as que surgiram nas manifestações de Hong Kong. Pelo contrário, o que estava em questão nesta manifestação é uma preocupação social e legítima da população. Ou seja, pede-se uma simplificação dos métodos de apoio económico que o Governo desenvolveu para este ano. E convenhamos: os manifestantes teriam razão. De tal modo que o próprio Governo já anunciou que vai rever o processo. Uma coisa é certa: o Executivo não quer manifestações. Seja por isso ou por aquilo, simplesmente não está para aí virado. E, sabendo que se trata de um direito expresso e garantido pela Lei Básica, vai-se servindo de vários argumentos legais para as proibir. O covid pode até ter vindo a calhar mas não pega. Claramente o Governo prefere resolver os problemas sem o uso de megafones, através de conversações, de consensos, de diálogo à porta semi-fechada. Contudo, talvez fosse bom pensarem também que, para manter a harmonia, são necessários escapes através dos quais o descontentamento popular possa ser expressado. E manifestações deste tipo não parecem apresentar perigo por aí além para a ordem social da cidade. Quem as organiza seria também melhor que demonstrasse alguma compreensão e não as convocasse por tudo e por nada e só o fizesse quando se torna claro não existir possibilidade de diálogo, que as decisões estão rigidamente tomadas e vão para a frente. O que nem era o caso. Ultimamente, entende-se por aqui, a rua anda perigosa.