II – O lushu

Andando de Guilin para leste uns bons cento e cinquenta quilómetros, deparamos com a montanha Niuyang. Na encosta sul dormem depósitos de ouro vermelho e na encosta norte repousam depósitos de ouro branco ou assim nos é sugerido em velhos rolos de papel, repletos de caracteres escritos num estilo anterior à dinastia Qin (220 a.E.C.).

Segundo os comentadores mais avisados, referem-se a minérios de cobre e de prata. Outros, mais propensos a fantasias, preferem acreditar que o texto antigo denota a existência de metais raros, desconhecidos das classificações hodiernas e de antanho.

Nesta incomum montanha existe um também exótico animal a que dão o nome de lushu. Dotado de uma forma semelhante à de um cavalo, o lushu distingue-se pela sua cabeça branca, o corpo malhado como um tigre e uma cauda avermelhada. Segundos os relatos, quando se desloca, este animal emite um som parecido com um ser humano a cantar.

Existem também algumas raras pinturas que o representam com chifres, o que poderá ter origem no facto do nome lushu incluir o caracter 鹿 (lu, veado). Já o segundo caracter 蜀 (shu) é mais difícil de interpretar, mas poderá referir-se ao antigo reino de Shu (hoje Sichuan) ou a um pântano. Se assim fosse, chamar-se-ia então “veado de Shu” ou “veado do pântano”, o que não parece totalmente credível à maioria dos comentadores.

Ao longo da História, numerosos pintores chineses revelaram-se fascinados pelo lushu, tendo produzido dissonantes interpretações. Era talvez o estranho contraste do seu corpo tigrado com a alva e imponente cabeça, ou então a cauda rubra vibrando como uma trémula chama em desfilada pelos planaltos de Niuyang.

Também os musicólogos imperiais foram, em certa época, chamados a ouvir e registar as “canções” dos lushu. A partir delas, terão elaborado algumas das mais famosas melodias do reportório tradicional do País do Meio.

O lushu vive em pequenas manadas com outros membros da sua espécie, as fêmeas não têm período de cio e os machos são dotados de uma fulgurante potência sexual. Estão, por isso, sempre dispostos a procriar. Tal facto faria com que os lushu fossem numerosos, o que não sucede devido à perseguição impiedosa que os homens sempre lhes moveram, certamente porque a sua pele e os seus pelos são considerados por numerosos sábios como poderosos talismãs.

É, no entanto, a cauda vermelha – muito desejada pelos homens, pois existe a crença de que usá-la no cinto provoca um acréscimo de potência sexual – que o torna excepcionalmente cobiçado. Quem assim se enfeitar com a cauda do lushu, com certeza terá um grande número de descendentes.

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Fernanda Gil Costa
Fernanda Gil Costa
12 Fev 2022 01:57

Guardo mias este contributo para um bestiário oriental fabuloso.