António Saraiva VozesQuem descobriu o Brasil, ou Uma Dúvida [dropcap]E[/dropcap]stando a acabar a revisão do meu livro “As Árvores na Cidade” tive uma dúvida de “última hora” sobre a exacta classificação do salgueiro de ramos amarelos: era o Salix x sepulcralis var. chrysocoma, ou o Salix x salamonii var. chrysocoma? No site “The Plant List”, tido como “a referência” dos nomes científicos das plantas indicava-se que Salix x sepulcralis era um sinónimo e o nome aceite era Salix x salamonii. Os Jardins de Kew Ora eu tinha visto há algum tempo no site dos Jardins de Kew – os quais são os mais completos/conceituados a nível mundial (1) – o nome de Salix x sepulcralis, indicando inclusive onde tinha aparecido; e assim quis voltar a esse site – seria que teria lido apenas parte do texto e assim havido algo que me escapasse? E por tal voltei ao site dos Jardins de Kew, procurando esclarecer a minha dúvida. Um artigo sobre a descolonização Qual não foi o meu espanto, porém, quando verifiquei não conseguir encontrar nenhuma “brecha” para pesquisar as espécies pelo seu nome – o que anteriormente nesse site era muito fácil-, mas sim um grande artigo do director científico dos Jardins, Alexandre Antonelli intitulado “It’s time to decolonise botanical collections” (artigo que copio a seguir para que o leitor possa, independentemente do que vou referir, fazer o seu juízo). Fiquei espantado e chocado. Então a política tinha aqui chegado? Sim porque a razão de ser dos Jardins Botânicos em geral, e de o Kew em particular (uma criação da era Victoriana, iniciado em 1840) é o de conservar/ aclimatar nos seus países as plantas que os botânicos-exploradores foram encontrando nos vários continentes – de preferência vivos (por vezes em estufas, pois, o clima outra coisa não permite), mas se tal não for viável herborizados. Quem descobriu o Brasil? ou fazendo pouco caso da ciência Ora Antonelli (um brasileiro), começando por contestar que o Brasil tivesse sido descoberto pelos portugueses em 1500, pois, segundo ele, o país já era habitado por milhões de pessoas (o que é uma falsidade pois não existia o “Brasil”, apenas centenas de tribos, com falas e costumes diversos e guerreando-se entre si, nomeadamente com curare) – continua negando também que as plantas tropicais tivessem sido “descobertas”, pois essas plantas já eram conhecidas e utilizadas pelos aborígenes há muito. Um discurso que seria admissível numa conversa de “chofer de táxi”, mas que não se pode aceitar da parte de um botânico. De facto, essas plantas foram “apresentadas ao mundo” por botânicos intrépidos que viajaram por todo o globo em busca de novas espécies (2); e porque esses botânicos, provenientes de vários países europeus, dispunham – ou foram construindo – uma botânica sistemática e organizada, que definia rigorosamente os termos científicos que descrevem as plantas e as agrupava de acordo com as suas características (nomeadamente o tipo de flor). Tal método permitiu que fossem comparados os resultados e experiências dos diversos países e zonas do globo; e assim hoje na China, em Portugal, ou na América, quando falamos de uma planta sabemos do que estamos a falar. E assim as tais descobertas, por muitas aspas que lhe queiram pôr, fizeram com que os conhecimentos sobre determinada planta passassem de ser das poucas centenas dos membros da tribo para património de milhões de homens e mulheres Uma pseudo “nova política” E, continuando, Alexandre Antonelli enuncia como frutos dessa “nova política” dos Jardins de Kew, o ensaio de duas espécies alimentares (o inhame selvagem em Madagáscar e a falsa bananeira na Etiópia), e o mapeamento das espécies úteis na Colômbia; e a digitalização das suas coleções. Ora para tal não é preciso “descolonizar” – o ensaiar numa região de plantas provenientes de outras geografias foi o que as potências coloniais sempre fizeram através da história (em Portugal desde o tempo dos Romanos e dos Árabes). Sobre esta troca de plantas teve lugar uma Exposição muito interessante orientada pelo professor José Eduardo Ferrão, “A Aventura das Plantas e os Descobrimentos Portugueses”, exposição da qual resultou um livro com o mesmo nome. E se não tivesse havido essa troca muitos povos e países não teriam hoje de que viver, ou só poderiam suportar pequenas populações. P. ex., para o Brasil os portugueses levaram o café, a laranjeira, inhame, canela, jaca, fruta-pão, vinha, arroz, manga, a bananeira… para Angola a mandioca, o arroz, o feijão, o ananás, o milho, a batata doce, a bananeira, o limoeiro…E quanto à digitalização das coleções tanto um governo comunista como fascista ou democrático a poderia fazer. Mas, alto! Antonelli não fica pela digitalização – os textos e descrições vão ser “revistos” “and by examining and updating the western-centric labels we use to describe these items”. Habilitações ou Etnias? E Antonelli continua dizendo que vai aumentar o número de funcionários de diversas etnias entre os funcionários dos seus Jardins. Eu pensaria, na minha ingenuidade, que para a admissão de pessoal os critérios seriam as qualificações e a experiência dos candidatos – e que em igualdade de habilitações, obviamente, não se fizesse distinção de cor – mas parece não ser assim. Até porque os textos e descrições vão ser “revistos” “and by examining and updating the western-centric labels we use to describe these items”. E se este artigo começa com uma dúvida acaba com uma certeza. Pensava eu que as intrusões da ideologia na ciência tinham acabado com Galileu, há 400 anos (e pelas quais, aliás, já o Papa João Paulo II pediu desculpa). E que assim a botânica era “irrespective of politics” – e veja-se que nem a revolução russa de 1917 nem a chinesa de 1949 haviam tocado neste ponto. Assim para mim fico com a certeza de que o artigo de Antonelli, um membro influente da sociedade, revela uma alteração profunda de mentalidades, para pior e não para melhor; e que sob a aparência de “modernidade” é um triste sinal de regressão. …. (1) Estes Jardins têm uma área de 120 hectares (e várias grandes estufas); nele são cultivadas cerca de 28 mil espécies diferentes de plantas e de fungos, tendo além disso mais de 7 milhões de plantas herborizadas e uma biblioteca com 750 mil volumes. O número de funcionários é de cerca de 1.100. (2) Exploradores que Antonelli de certa forma apouca com a seguinte frase: “Colonial botanists would embark on dangerous expeditions in the name of science but were ultimately tasked with finding economically profitable plants.”
António Saraiva VozesOs quatro pecados mortais de Donald Trump Fogo a bombordo, fogo a estibordo O presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, foi eleito contra toda a expectativa. E, mal eleito, foi objecto de um coro de violentas críticas – não só nos Estados Unidos mas em todo o Mundo. Mal eleito não – ainda antes de ser eleito. Não teve assim direito ao “estado de graça” que é uso conceder a todos os novos governantes até se ver o que efectivamente valem – uma vez que só lhe eram reconhecidas más qualidades. Trump até fazia jeito: num Mundo tão dividido havia ao menos uma personagem, um “palhaço”, de quem todos podiam mofar – sem infringirem as regras do “politicamente correcto”. Entretanto, duvidoso de tanta unanimidade – after all somos todos diferentes – procurei entender o que se passava. Para as “Esquerdas” (especialmente no entender moderno da palavra) Trump era um alvo óbvio: defendia o capitalismo “puro e duro” (como aliás é uso defender na América) – não aceitava o Obamacare – e era rico – culpado portanto pelos sofrimentos dos pobres; era branco e loiro – carregando assim aos ombros os “crimes históricos” da raça branca; era homem – culpado assim do papel menor que até há pouco foi reservado às mulheres. Entre os políticos e intelectuais era desprezado, por não estar preparado para o cargo, e não ser dado a filosofias. E quanto aos seus gostos femininos era óbvio que preferia as Barbies às professoras ou às médicas. Desse lado, portanto, compreendiam-se os ataques – embora para mim seja mais apropriado julgar um político pelas suas medidas, do que pela sua maneira de ser. Mas logo após Trump começou a ser atacado também pelas “Direitas”, sendo um dos seus mais violentos críticos McCain, que não era de forma alguma uma personagem menor: herói de guerra, e antigo candidato republicano à Presidência dos EUA. Esse ataque tomou formas especialmente virulentas: Trump foi acusado de ter perturbações psíquicas, estar vendido à Rússia, e não ter um mínimo de idoneidade moral. Até antigas actrizes de filmes pornográficos foram usadas nesta luta (lembrando a história do vestidinho de Monika Lewinsky). O antigo director do FBI, Comey, lançou-lhe um ataque que é um monumento à hipocrisia: “Trump não está mentalmente incapacitado – está é moralmente incapacitado”. Procurando entender É verdade que para o comum dos cidadãos a descrição das várias facetas da personalidade e episódios da vida de um político se pode assemelhar ao desenrolar de uma telenovela. Mas, em termos históricos, são as medidas defendidas e especialmente os resultados obtidos o que define um político: “Não importa que um gato seja branco ou preto, desde que cace gatos” disse uma vez Deng Xiaoping. E assim para procurar entender os ataques de grande parte da Direita americana a Trump é necessário analisar as medidas por ele defendidas. A campanha de Trump baseava-se no slogan “Make America great again” – e concretizava-se em cinco pontos: baixar os impostos, cortando as prestações sociais; limitar o número de emigrantes ilegais na América (expulsando parte deles), e impedir a entrada de mais – pelo que seria construído um muro na fronteira com o México; limitar a emigração de cidadãos de certos países muçulmanos; levantar barreiras alfandegárias a produtos chineses; e tentar um entendimento com a Rússia (com quem as relações estavam esfriadas como consequência da anexação da Crimeia). Ora apenas o primeiro ponto era do agrado das Direitas; as restantes quatro intenções constituíram para as “Direitas” quatro “pecados mortais”. O abraço do urso Trump, na sua lógica capitalista, gostaria de favorecer as empresas, baixando os impostos. Ora para tal, uma das medidas (além dos cortes nos gastos sociais) seria baixar um pouco os gastos no campo militar – para o que era indispensável um entendimento com a Rússia. Isto também seria benéfico para a Rússia, em fase de reconstrução depois do buraco em que caiu com o fim do comunismo e a consequente desorganização do Estado. Mas esse aliviar do “estado de guerra” seria uma má notícia para a indústria do armamento. Só a Rússia tem tecnologia que se compare com a dos Estados Unidos – já em 1957 lançaram o primeiro satélite – pelo que só a manutenção de um estado de conflito latente com eles poderia justificar despesas crescentes em investigação e modernização das forças armadas. Assim rapidamente se avançou com a ideia de que a Rússia teria ajudado Trump a ganhar as eleições, que teria havido contactos entre pessoas da sua “entourage” e agentes russos, etc.; e que, quando tais factos se procuraram esclarecer, Trump havia tentado impedir o prosseguimento das investigações. Esta “teoria”, por um lado ajudava a “explicar” a derrota de Clinton, e por outro lançava sobre Trump, embora sem o dizer expressamente, o labéu de traidor. Ora tudo isto parece um pouco incrível – o país que mais se imiscui na política alheia são precisamente os Estados Unidos; e entre os políticos há estranhas alianças – os inimigos dos meus inimigos meus “amigos” são. Os contactos ou as conversas entre governantes (ou seus assessores) são normais, e muitas vezes secretas – pelo que não faz sentido (excepto em caso de traições propriamente ditas) que sejam objecto de “inquéritos”, para mais por órgãos do Estado. Entretanto, esta campanha já deu os seus frutos – está instalada na população americana e europeia a ideia de que a Rússia é “má” – e, portanto, há que nos defendermos, para o que são necessárias novas e melhores armas (nos bombardeamentos na Síria experimentou-se a eficácia de novas armas). O amigo árabe Um dos mais estranhos episódios do início do mandato de Trump foi o de este pretender vedar a entrada nos Estados Unidos a cidadãos de sete países árabes – medida que foi contestada e rejeitada em sede judicial. E estranha porque, nessa mesma altura, a América travava guerras e fazia bombardeamentos em vários países árabes – Paquistão, Iraque, Síria, Qatar, Líbia…- sem que isso parecesse incomodar ninguém (excepto os cidadãos desses países, evidentemente). Que seria pior? Serem alguns residentes proibido de entrar ou ser queimado por uma bomba? Para os media parece que a 1ª hipótese era a mais gravosa. A guerra poderia prosseguir. Os emigrantes e o muro A ideia – actualmente em fase de concretização – da construção de um muro entre o México e os Estados Unidos para impedir a emigração ilegal foi das que despertou maior coro de protestos contra o actual presidente americano. Nas palavras dos seus opositores a ideia de fazer tal muro denunciava insensibilidade aos problemas dos mexicanos pobres, que assim deixariam de ter uma hipótese de entrar nos Estados Unidos. Só que…esse muro já existia desde há dezenas de anos, e numa extensão de cerca de mil quilómetros (sendo o proposto por Trump apenas um completamento) – mas mal havia sido notícia, nem havia sido “apontado o dedo” ao ou aos que o havia mandado construir. Outro facto que também evidencia a diferença de tratamentos dado pelos media conforme se trate de amigos ou de inimigos: durante a presidência de Obama foram expulsos muitos milhares de emigrantes ilegais sem que isso fosse notícia, enquanto o simples enunciado dessa hipótese por Trump logo apareceu criticado em parangonas nos jornais. E porque tal ataque à limitação da emigração de mexicanos (e outros sul-americanos)? Pois porque estes constituem na América um manancial de mão de obra barata e sem direitos sociais, dado serem clandestinos. Todos sabemos como em Macau há uma pressão constante para a entrada de mais e mais trabalhadores não residentes para assim baixar os custos de mão de obra. A “guerra económica” com a China Outro aspecto alvo de amplas críticas foi o facto de Trump ter decidido taxar uma série de produtos chineses, invocando o desequilíbrio da balança de pagamentos (e possivelmente a vontade de auto-suficiência em matéria militar, embora esse argumento não fosse expressamente referido). A globalização ajudou de facto certos países, mas teve (e tem) a injusta face de pôr a competir empresas em que os salários altos e tem de obedecer a leis ambientais mais ou menos apertadas, com outras de mão de obra barata e regulamentação mais relaxada. A globalização permitiu que produtos pagos a x dólares nos países “pobres”, fossem vendidos a 10 ou 20 vezes mais dólares (e por vezes mesmo a mais) nos países “ricos”, o que deu origem a que enormes fortunas fossem acumuladas – (contribuindo para a actual “economia de casinos”) enquanto aumentava o desemprego nos países anteriormente industrializados. Uma das nações que poderá sofrer com esse protecionismo – indevidamente chamado de guerra – é a China (ao menos no curto prazo, no longo até poderá beneficiar na medida em que aumente a auto-suficiência); mas o certo é que temos que entender que Trump é presidente da América e não da China. Mas os americanos que fazem os tais negócios da China não vão perdoar a Trump estas “aventuras”. A teoria da conspiração Os jornalistas tiveram assim, da parte dos principais meios de comunicação mundial, que estão, como se sabe, na mão dos grandes magnatas, “rédea livre” para atacar Trump – o que era fácil dada a sua figura vagamente caricata (com uma franjinha ridícula, olhos pequeninos e aureolados por papos esbranquiçados), o seu aspecto arrogante, e o seu desamor pelos pobres. Mas esses magnatas deram plena liberdade aos jornalistas pois lhes interessa manter na América milhões de emigrantes ilegais a trabalhar a preços inferiores aos dos trabalhadores “legais”, um estado permanente de guerra larvar com a Rússia para manter a indústria e a investigação militares florescentes, uma globalização da qual arrecadam biliões. Mas esses objectivos, por inconfessáveis, têm de vir mascarados com roupagens de amor pelos desfavorecidos e pela verdade, para que se tornem aceitáveis para o comum do Zé Povinho.
António Saraiva VozesO efeito de estufa [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] “efeito de estufa” uma expressão muito em voga – consiste no aumento, ainda que até à data reduzido – desde 1975 cerca de 0,15 º C por década- da temperatura média da Terra. Tal subida, embora ligeira como dissemos, é inegável, pois resulta da média de milhares de medidas, em variados pontos do globo. Esta subida acompanha a subida constante da percentagem de anidrido carbónico na atmosfera, tendo-se assim relacionado as duas variáveis (há ainda outros gases que provocam o efeito de estufa, nomeadamente o metano (um gás combustível e explosivo, produzido nos campos de arroz, nas vacarias e nos aterros sanitários), os óxidos de azoto (produzidos pelos veículos), e os carbonetos halogenados (CFC e HCFC). Estes gases, juntamente com as poeiras, formam como que um manto que cobre a terra, impedindo a dissipação do calor, e provocando assim o aquecimento da Terra. A subida das temperaturas tem-se traduzido no degelo de gelos polares, o que por sua vez provoca uma subida das águas do mar (10 a 20 cm no século XX); a isto há que somar a expansão das águas devido ao aumento de temperatura, o, que, a continuar, fará com que algumas terras baixas fiquem alagadas; degelo das partes menos frias das montanhas geladas, subindo assim em altitude a zona ocupada pelas árvores; florações mais precoces alguns dias; da mesma forma antecipação das migrações de algumas aves; etc. As subidas de temperatura causarão maior evaporação – assim o ar será mais húmido e haverá maior precipitação (aumento de 7% da precipitação por cada grau Centígrado de aumento da temperatura); embora numas regiões passará a chover menos e noutras mais; e têm sido apontadas como causadoras de um maior número de tufões, tornados e cheias. A nível dos oceanos, haverá mais anidrido carbónico a dissolver-se na água, que ficará mais ácida; esta acidez afecta a fixação de calcário, ou seja, prejudica os corais, os bivalves (como as ameijoas), e os animais de esqueleto externo (lagostas, camarão…). Quanto ao impacto nas plantas poderá ser positivo – pois com mais calor e mais anidrido carbónico as plantas crescerão mais (já se usa a técnica de aumentar a percentagem de anidrido carbónico em estufas) – ou negativo, pois algumas plantas, nomeadamente as de longo ciclo vegetativo (árvores e arbustos) e pouca ”margem de tolerância” quanto à temperatura (ou também a outros factores, pois, como vimos, haverá alterações na quantidade de chuvas) poder-se-ão ver “fora” do seu clima preferido, e assim definhar, ou mesmo morrer. O acordo de Paris Cientes de tais problemas numerosos responsáveis das nações começaram a discutir a melhor forma de o enfrentar- do que resultou, após muitos avanços e recuos (1), o acordo de Paris. Este acordo visa limitar as emissões de anidrido carbónico, de forma a manter o aumento da temperatura média mundial em limites “aceitáveis” – abaixo dos 2 º C (preferivelmente a 1,5 º C) em relação aos valores da época pré-industrial. Embora tal acordo seja mais teórico do que efectivo – os Estados apenas têm que comunicar as suas emissões, não estando previsto qualquer mecanismo de ”punição ” para quem não cumpra, nem de ”recompensa” para os “bons alunos” (2), este acordo tem duas virtudes que importa realçar: em primeiro lugar assume o medo da humanidade face à alteração, por acção humana, de algo muito básico – visto por muitos como pertencendo à esfera do divino, o clima – assim como o medo do fogo. Em segundo lugar por ter sido um acordo que – num mundo tão dividido –- envolveu praticamente todos os Estados (talvez pelo medo a que acima nos referimos). Em todo o caso esse acordo – e aí a porca começa a “torcer o rabo” – considera que certos países já se desenvolveram o suficiente, tendo que diminuir os seus gastos energéticos, enquanto outros, menos desenvolvidos, têm direito a aumentar as suas emissões de anidrido carbónico. Mas quem deseja de boa vontade ver coartados os seus ”direitos”? Um, Dez, Cem Quando era miúdo, e andava na Escola Primária, escrevíamos numa lousa (pedra negra de xisto) com um lápis também de lousa. Uma verdadeira receita ecológica, pois apagava-se com um pano e voltava-se a escrever na mesma lousa. Havia ainda uns cadernitos, de papel de má qualidade, nos quais se escrevia com uma caneta de aparo, que era preciso molhar na tinta ao fim de cada linha. E havia alguns privilegiados que até tinham um lápis! Já em Macau, no início dos anos 90, as minhas filhas pediram-me lápis. Sabendo que havia muitos lápis em casa dediquei uma hora a junta-los numa gaveta: havia cerca de 30! Trinta lápis! Número ridículo quando comparado com as caixas cheias de lápis, uns ainda por afiar, outros de bico partido, não poucos já secos – que, vinte anos mais tarde, encontrei em caixas no quarto de uma das minhas netas. E assim vai o Mundo. Cada criança (adulto) “rica” tem hoje quilos de lápis, de brinquedos, de sapatos e sapatilhas…de facto calcula-se que hoje cada homem tenha às suas ordens cerca de 100 escravos mecânicos (número que, evidentemente, varia de país para país) …que .nos transportam de Macau para Portugal em 24 horas, nos levam aos ombros quando moramos no 20º andar, nos cozinham a comida sem fazer fumo, nos fazem ter temperaturas agradáveis em casa mesmo no Verão, nos possibilitam ter os tais 100 ou duzentos lápis, etc., etc., etc.. E vejamos: quem está disposto a dispensar o trabalho que todas essas máquinas nos fazem? Vamos por um exemplo caseiro – quem dá o sábado livre às empregadas filipinas que tem em casa? E será que não sabemos o que come essa multidão de escravos mecânicos? Matérias primas arrancadas da Terra e Energia. E dessa Energia 80%, ou mesmo mais, provem de “combustíveis fósseis” (restos de antigas florestas) – ou seja do petróleo, do carvão, e do gás natural. Que ao serem queimados produzem anidrido carbónico – o tal gás que provoca o “efeito de estufa”. E note-se que mesmo energias aparentemente “limpas” como a electricidade, foram geradas muitas vezes pela queima destes combustíveis (3). Quanto a outros gases de efeito de estufa, nomeadamente o metano, o problema é semelhante – se alguns podem dispensar o bife – quem dispensará o arroz? E assim, malgrado as numerosas declarações a favor da ecologia – todos podemos constatar que o tamanho dos automóveis aumentou (tendo não poucos as dimensões dos antigos carros funerários), o nível de iluminação das lojas aumentou, as lojas aboliram as portas para melhor chamarem clientes (aumentando-se assim os gastos energéticos para obter um ambiente fresco)… os prédios frente a Macau, no Zuhai, brilham toda a noite em festivais de cores e de formas… Alargando um pouco a discussão, todos os políticos baseiam o seu discurso em “mais bens, mais progresso”. Os investidores procuram o máximo lucro, os próprios atletas procuram bater records. Em jeito de conclusão O Acordo de Paris é mais um processo de intenções que a solução do problema –embora, como diz a minha mulher, “quem me dá um osso não quer que eu morra”. E somos NÓS que provocamos o efeito de estufa, e não políticos mais ou menos simpáticos. E embora não seja a única ameaça que pesa sobre a Humanidade – entre outras poderemos mencionar a bomba atómica – a solução deste problema – a menos que se descubram novos e revolucionários meios de obter energia, ou de captar o anidrido carbónico – implicará as mais profundas mudanças na vida dos cidadãos.
António Saraiva VozesCozinhando com carne de segunda [dropcap style≠’circle’]R[/dropcap]ecentemente relataram os “media” que o antigo chefe do Instituto Cultural de Macau, Ung Vai Meng, estava sujeito a um processo disciplinar por irregularidades na admissão de pessoal. É sempre delicado comentar processos em curso. De facto, embora tenha a ideia que Ung Vai Meng é um homem sério, que serviu com brilho a RAEM não posso afirmar com absoluta certeza que não possa ter infringido um ou outro artigo da lei. Menos delicado é no entanto discutir na generalidade as normas que regulam a Admissão de Pessoal. De facto, a partir de 2012 que foi alterado o regime de recrutamento – este, que até aí feito por cada serviço, passou, no caso dos técnicos, a ser feito por um serviço centralizado – âmbito que foi alargado em 2016 a todas as carreiras (salvo com algumas excepções) (Regulamento Administrativo nº 14/2016). Um método de recrutamento que tem quanto a mim numerosos e graves inconvenientes. Os “candidatos adequados” O primeiro, e facilmente compreensível, é o do desconhecimento de um serviço central das reais necessidades do serviço para onde o trabalhador irá prestar serviço. De facto, e embora a lei preveja que o serviço que necessita de pessoal tenha de enviar aos serviços centrais de recrutamento (Serviços de Administração e Função Pública, SAFP) o “perfil” dos candidatos a admitir, facilmente se compreende que uma tarefa tão importante como a admissão de pessoal não se deverá limitar a dados “objectivos”: a expressão facial, a postura, a vivacidade, a forma de andar, a forma de responder às questões, são características importantes que essa suposta objectividade ignora. E isto supondo que o serviço sabe definir com precisão as características dos candidatos a admitir. Note-se que o serviço central de recrutamento, que irá influir directamente, pelas escolhas que faz, na qualidade dos vários serviços da administração – não tem responsabilidade nessas escolhas, passando a “batata quente” para os outros. As chefias intermédias podem ver-se assim na posição do cozinheiro que tem de apresentar pratos de boa qualidade com carne de segunda. Chefias sem face O segundo é o da perda de face do chefe, e as consequências na disciplina do pessoal. Se o chefe nem teve o poder de me escolher (e também não pode adquirir artigos, função também desviada para uma “central de compras”) – pensará o novo funcionário – será que o tenho mesmo de respeitar? Devo respeitar é quem me escolheu! Para mais sabendo-se que a cultura chinesa é muito baseada no “face to face”. E que pensará o chefe? Salvo os casos em que o ou os escolhidos correspondam às expectativas da chefia, restará ao chefe puxar os cabelos (felizmente que em Macau a calvície é rara) – queria uma pessoa com estas e estas qualidades (ou mesmo, em casos específicos, queria Fulano) — e mandam-me para aqui este mastronço! Isto é o primeiro passo para o desmotivar. E fruto desta desmotivação baixa o empenho na tomada de decisões e no instruir, disciplinar, e ajudar nas dificuldades o pessoal. O chefe é um como os outros, as coisas são para se “ir fazendo”. Para mandar executar as suas ordens mais facilmente é muito possível cair-se no “são ordens de cima”. Ora ao não assumir uma ordem como sua a chefia está a equiparar as suas funções às de um secretário, ou telefonista. As “queixas” De perto relacionado com esta questão está o trabalho de disciplinar o pessoal. Se o chefe não admitiu o funcionário, terá que se queixar às chefias superiores, dos seus subordinados – o que também é sinal de fraqueza e fonte de conflitos. Suponhamos que alguém convida um amigo para jantar em sua casa mas, no dia aprazado, o amigo verifica que não há jantar. O dono da casa “explica” que a mulher não fez o jantar. Que pensará o convidado? Corrupção e Justiça Um dos argumentos para justificar um sistema de admissões centralizado é o de evitar a corrupção e colocar todos os cidadãos em pé de igualdade para concorrer aos lugares públicos. Mas como, infelizmente, sabemos a defesa contra a corrupção não está nas leis – existem leis punindo a corrupção em todos os países, mas o nível da corrupção varia muito sensivelmente de país para país, e de região para região – mas na melhoria do nível moral geral da população. Nunca se descobriu uma fechadura que não pudesse ser violada. Por outro lado, numa cidade pequena como Macau, em que quase todos se conhecem, é por vezes difícil ignorar pedidos de familiares e amigos ou simples conhecidos (ou inversamente esquecer certas antipatias antigas). O ego Sinceramente penso que o actual sistema apenas enche o ego das “chefias ao mais alto nível” que assim pensam melhor controlar a admissão de pessoal; enquanto descredibiliza as chefias a nível de serviços e departamentos – as que ao fim e ao cabo, são as que têm de apresentar resultados visíveis; sem esquecer que justifica a especialidade de “recursos humanos” (como se, desde que somos bebés, não tivéssemos que ter conhecimentos aprofundados nessa área para poder sobreviver). Ora é pelos resultados que um serviço deve ser julgado, e não pelo cumprimento de um mar de regulamentos feitos por vezes por quem não tem a experiência de se debater com problemas concretos.
António Saraiva VozesPó… PóPó… PóPó… Pó… Multas e mais multas [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão há muito um responsável policial afirmava na TV que o número de multas nos parquímetros era muito elevado. E concluía que tal se deve às multas serem muito baixas. Isto é, a possibilidade de os condutores não terem acordado a tempo – nem ao domingo há descanso, há que pôr as moedinhas logo a partir das 9 horas da manhã – se terem esquecido de pôr moedas, ou estarem em reuniões ou outras actividades que não puderam interromper – é simplesmente descartado como uma “não existência”. Como os cidadãos são, tanto quanto possível, cumpridores, há que “aproveitar” as horas em que, por esquecimento ou preguiça, será mais provável colher os cidadãos em falta…por exemplo às 9h e 10 m da manhã, ou às 9 horas da noite…ou certas situações – por exemplo quando os carros vão a entrar para os parques de estacionamento…Às 2 horas da manhã da noite de Natal andava um Polícia a multar junto ao Parque Central da Taipa!!! Back to basics Temos de voltar ao “básico” – e assim enunciar a noção fundamental, a nunca perder de vista – as leis são para FACILITAR A VIDA AOS CIDADÃOS, e não para lhes impor cargas desnecessárias. Assim – para que servem as proibições de estacionamento? Para encher os cofres do Governo não será, porque este de tal não precisa. As proibições servem para a) Manter a fluidez do trânsito, impedindo que as ruas, ou as saídas de garagens sejam bloqueadas por veículos; b) Possibilitar uma rotação dos lugares de estacionamento, uma vez que estes são escassos e não é justo que alguns os utilizem em permanência, impedindo os demais de estacionarem. c) Manter livres os passeios, de forma a assegurar a passagem de peões, carrinhos de bebé, cadeiras de rodas, etc. Circular e parar Mas o manter a fluidez do trânsito é apenas metade do problema – se os cidadãos têm carro é para o utilizarem – para irem tratar de negócios, transportarem materiais, levarem ou buscarem os filhos à escola (ou às “actividades”), fazer compras, ir ao Hospital…etc. Isto é, e em resumo: CIRCULAR É TÃO IMPORTANTE (ou “é indissociável” de) QUANTO PARAR. Ora este segundo aspecto parece estar ausente das preocupações dos nossos responsáveis pelo trânsito. Nenhuma escola tem um local para deixar as crianças – junto à porta há traços amarelos contínuos que impedem a simples paragem. Que fazer se quisermos deixar ou buscar uma criança à Escola Portuguesa?? Entrar para a lista dos prevaricadores?? E a lista dos locais onde só se pode estacionar ilegalmente não se limita às Escolas – os supermercados, os Centros de Saúde, as lojas de materiais de construção, etc., não têm local de estacionamento – quando muito um simples traço amarelo interrompido. Mas quem deixe o carro por momentos para acompanhar um doente ao Centro de Saúde, ou para ajudar a mulher a trazer os sacos até ao carro está sujeito a uma multa. Não se trata de suposições, mas de situações concretas que me sucederam. No caso do Centro de Saúde bem pude mostrar ao Polícia o papel da Consulta – mas em vão. A “Marca Amarela” Este desconhecimento da realidade, aliado a certa falta de preparação, é evidenciado pela proliferação das linhas amarelas. Como a lei, em meu entender, é para ser cumprida, um traço amarelo só se justifica em vias estreitas, ou muito movimentadas – situações em que a paragem de veículos causaria problemas graves à fluidez do trânsito. Mas a “marca amarela” chegou a ruas onde um veículo pode estar parado meia hora sem causar o menor problema de trânsito, o que evidencia bem a ligeireza/falta de critério com que foi colocada. A “marca amarela” chegou até a vias sem saída, como nos Jardins de Lisboa, ou os parques de estacionamento! como no caso do parque junto ao Parque de Seac Pai Wan!. Assim vêem-se não poucas vezes cidadãos a correrem esbaforidos para o carro para evitar multas, o que, convenhamos, os põe numa situação pouco digna, mais própria de crianças que de homens ou mulheres. Duas sugestões Com todo este arrazoado pode o leitor pensar que sou um anarquista militante. Nada mais longe da verdade (bom, como bom português tenho sempre uma costela anarquista…). Mas tenho de afirmar que, das muito numerosas multas que levei não considero mais que três ou quatro “justas”. E para demonstrar que não estou apenas esbracejando – propus inclusive à Direcção de Assuntos de Tráfego que fossem criados “estacionamentos de curta duração” (máximo de 30 minutos e uma pataca por cada dez minutos). E complementando esta ideia poderiam os serviços de tráfego rever as linhas amarelas contínuas e substituírem-nas por linhas tracejadas, sempre que as contínuas não fossem absolutamente necessárias; e os polícias passariam a deixar um aviso nos carros estacionados nestes locais e voltariam ao fim de 10-15 minutos, só então multando as viaturas. Também no espírito de não dificultar demasiado a vida aos cidadãos, não se colocariam imobilizadores (trancas) nos veículos estacionados em parquímetros (os imobilizadores de veículos podem traduzir-se em prejuízos graves para os condutores/proprietários desses veículos); quando muito haveria nova multa passadas duas horas. Por vezes tenho a sensação que se quer tornar Macau uma cidade “perfeita” sem lixos e sem conflitos (assunto que mereceria outro artigo). Mas, como já ensina o Taoísmo, quanto mais leis mais imperfeições.
António Saraiva VozesSobre o Plano de Turismo para os próximos cinco anos [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Governo da RAEM lançou uma consulta Pública sobre o Plano de Turismo para os próximos 5 anos. A premissa é que Macau seja um centro conhecido a nível regional e até mundial como local de turismo e lazer. Esta é a minha contribuição para o melhoramento da Cidade. Espaço, precisa-se Uma conclusão se pode tirar desde já: um “centro mundial” não cabe num pequeno porto que foi escolhido por estar na boca de um rio, e ter uma praia onde os marinheiros pudessem retemperar forças e reparar os seus navios. Esse “centro mundial”, com uma população que irá – a continuarem as coisas como até agora – ultrapassar um milhão de habitantes e 30 ou 40 milhões de habitantes por ano, precisa de ESPAÇO. Assim uma primeira recomendação, ou um pré-requisito para que se cumpra o desiderato de Macau ser um “centro mundial de turismo e lazer” é estender a região de Macau a mais territórios, nas Ilhas próximas – como já se fez, embora de forma tímida, no caso da Universidade de Macau. Tipos de turismo Outros requisitos serão alojamentos, restaurantes, transportes e lojas à altura. O “elo fraco” parece ser aqui os transportes, nomeadamente os táxis, escassos, pouco limpos, e com motoristas que dominam mal o inglês – para não falar de outras línguas. Continuando estas linhas, como se sabe, há diversos tipos de turismo – gastronómico, de jogo, de compras, de convenções, sexual…tudo áreas bem preenchidas em Macau. Mas há ainda outros tipos de turismo: o turismo histórico e cultural, o turismo paisagístico, o turismo ambiental, o turismo religioso, o turismo desportivo, o turismo educacional e o turismo de saúde. Assim toda a cidade no seu conjunto tem de ser considerada, se quisermos ter uma cidade atractiva, concorrencial em termos turísticos. Turismo histórico e cultural, académico e de Saúde Comecemos pelos três últimos: uma das características das cidades através dos tempos foi a de oferecer serviços/ser centros de, nas áreas da religião, da cultura e da saúde. Ora se no 1º aspecto se pode dizer que Macau cumpre o seu papel (embora o Seminário permaneça fechado), nas duas restantes as carências são muitas: Macau ainda não tem uma Universidade de referência, nem capta doentes na área da saúde. Vejamos as outras áreas: o turismo histórico está presente, mas há que se refrear a vontade de construir a todo o custo. Por exemplo “enxertar” um centro de doenças contagiosas numa zona já tão congestionada como a do Hospital, em frente a edifícios patrimoniais como o Farol da Guia, o Colégio de Santa Rosa de Lima, o quartel e o Jardim de S. Francisco não parece razoável. Como falha refira-se que o muro em taipa (uma mistura de areia, barro, e conchas de ostras pisadas), entre a Rua Nova à Guia e o Colégio de Santa Rosa de Lima, o qual data de 1637- 1638, não tem qualquer placa explicativa – isto muito embora se tivesse construído uma pequena caixa em vidro (junto ao recentemente aberto portão do Colégio de Santa Rosa de Lima) para mostrar o modo de construção do muro. Quanto aos aspectos mais propriamente culturais – isto é eventos – a situação é favorável, pois em Macau têm lugar o Festival de Artes, o Festival de Música, numerosas exposições e conferências. Uma palavra aqui para as pequenas e tradicionais lojas: quem conhece a Europa, ou a China, sabe bem que um dos encantos secretos das cidades são as pequenas lojinhas, oferecendo produtos variados e muito próprios. Lojinhas que existiam em Macau, mas que estão a ser cilindradas pelas rendas de casa proibitivas. Cada vez é mais difícil encontrar lojas de aquários, por exemplo. Aspectos paisagísticos Já o aspecto paisagístico – de perto ligado aos aspectos culturais – está completamente descurado. Macau não tem nenhum plano paisagístico. Assim, por detrás da igreja da Penha surge um mastodonte (ao porto interior) alterando completamente a “skyline” de umas das mais belas paisagens da cidade. O Hotel da Bela Vista (actual residência do Cônsul de Portugal) ficará abafado se se construir nos lotes junto aos lagos – e a “Bela Vista” desaparecerá. O “Ramalhete” – o Casino Lisboa 2 – infelizmente, vê-se de toda a cidade. A vista principal do Jardim Lou Lim Ioc, a partir do Pavilhão e sobre o lago – foi obstaculizada com um prédio imenso, mesmo em frente à entrada do Jardim; o edifício do Leal Senado teve também o seu recorte contra o céu arruinado pelo silo automóvel construído nas traseiras….os canhões da Fortaleza do Monte apontam para a cidade… etc… etc… etc. Um aspecto que dia a dia se vai tornando mais chocante é o metro de superfície. As poucas zonas da Taipa abertas estão a ser sistematicamente encobertas por pilares e pontes…bom, e quando se chega às estações nem é bom falar. A confusão é tanta que em Macau nem se sabe por onde o metro irá passar. Metro enterrado – precisa-se. O gigantesco cemitério na zona oriental da Taipa deveria ter sido também alvo de um plano paisagístico, que deveria prever zonas livres para plantação de árvores, de forma a que a zona, vista ao longe – é uma zona sensível da paisagem, isto é, visível de mitos pontos – mantivesse um ar verde, e não a chapa de cimento que hoje é. Tudo isto para mim fruto da falta de espaço, que faz com que se queira aproveitar cada nesga ao máximo – eventualmente aliada a alguma corrupção ou desleixo. O Mónaco é pequenino, vive do turismo – mas nunca permitiu as gigantescas construções de Macau. A super densificação acarreta ainda problemas complicados de trânsito – tanto de deslocações como de estacionamento. O centro da cidade é um osso duro de roer. Assim a não densificação deveria ser uma palavra de ordem, um lema orientador do planeamento urbano. Turismo ambiental Quanto ao turismo ambiental este poderia ser mais valorizado. As áreas junto ao mar (como também iremos referir a propósito dos desportos informais) deveriam estar disponíveis para a população. O actual Arboreto no Alto de Coloane deveria ser expandido para um Jardim Botânico a sério (ou expandir-se o actual Parque de Seac Pai Van. As pequenas praias deveriam ser limpas – actualmente ninguém por elas parece ser responsável e estão cobertas de lixos e detritos. Os trilhos nas montanhas deveriam ser mais valorizados, com placas indicativas do nome das diferentes espécies, e alguns painéis interpretativos. A zona de reserva para aves, em Coloane, está fechada ao público; outras duas zonas onde se poderia fazer a observação de pássaros – na Taipa, junto à Baía de Nª Srª da Esperança e em Coloane, junto ao Canal que separa a RAEM da China continental – não estão exploradas – deveria ali existir pequenas casitas de observação, aonde existiriam painéis explicativos das espécies que se poderiam observar. Turismo desportivo Quanto ao turismo desportivo informal as áreas junto aos lagos e as frentes de mar, como já se disse, deveriam ser sistematicamente aproveitadas para zonas de lazer e desporto informal (pistas de passeio, corrida ou de bicicletas – e cabe aqui uma palavra de apreço pelo Parque para peões e bicicletas junto à ponte de Sai Wan, parque esse que deveria ser continuado. Nomeadamente circundando os lagos deveria existir um passeio continuado, quase ao nível da água, para que cidadãos e turistas pudessem gozar da frescura e beleza da água. A pesca nos lagos deveria ser permitida. A criação de praias artificiais (p. ex. no lago de Sai Wan e junto à ponte de Sai Wan) deveriam ser consideradas. Cabe aqui a talhe de foice dizer que não parece nada razoável enxertar um bloco de apartamentos de habitação económica no meio de uma zona desportiva (Piscina Olímpica, Campos de Jogos, Estádio de Macau). Além de destruir a coerência do conjunto o “deixar reservas” é uma regra de oiro do urbanismo, regra que por isso não se deve violar. O turismo desportivo para desportos mais formais (em que participam atletas profissionais ou semi-profissionais – parece razoavelmente encaminhado – o melhor exemplo é o Grande Prémio. Água e Comida Para finalizar ainda duas palavras. Para descanso os turistas apreciam uma cidade em que possam “descansar”, segura – o que Macau de facto é (o submundo não afecta sensivelmente o dia a dia da população e dos turistas). Mas também segura no ponto de vista alimentar – não é por acaso que tantos turistas do Continente vem a Macau comprar leite para bebés. Ora: são as análises de alimentos efectuadas sistematicamente e abrangendo um nível suficiente de parâmetros? Pelo menos para a água, um bem mais que essencial, tal não se verifica, pois a água da rede pública é péssima.