As crianças que aguardavam por Tao Yuanming

Wang Qihan (act. 950-75), autor de uma célebre pintura de um Literato que limpava os ouvidos ao lado da qual Yongcheng, o quarto filho do imperador Qianlong, escreveu que aquela era uma obra que «circulara, deliciando muitos olhares», também concebeu outra representação que mostra uma fina sensibilidade capaz de provocar a mesma sensação de inesperado deleite.

Numa folha de álbum (tinta e cor sobre seda, 43 x 33,2 cm, no Museu de Belas Artes de Boston) de Mulheres e crianças junto de um lago com lótus diante de um salgueiro (simbolizando a ausência do pai?) apresenta uma cena íntima e familiar: junto de um bebé, uma mãe que cultiva as artes e as letras, como se vê nos rolos de pinturas e caligrafias e um qin atrás dela. O que explicará o gesto leve e o olhar brando com que levanta o braço para acalmar as brincadeiras mais irrequietas de outras crianças que estão num pátio à sua frente.

Se bem que invulgar entre as obras dos literatos, esse género de figuração de mulheres e crianças, ou apenas crianças, tornar-se-ia uma característica única da pintura das seguintes dinastias Song e Yuan, depois repetida em obras impressas e artes decorativas, como espelho exemplar da harmonia familiar nas dinastias seguintes. Porém, de modo típico, nessa altura a atenção ao espaço da intimidade familiar estava ancorada na sublimidade literária das palavras de poetas como Tao Yuanming (365-427). Em Regresso a casa (Guiqu laici, poema IV) o poeta recorda com alegria os que o esperavam ao chegar ao seu refúgio campestre:

«(…) E então vi a minha casa de família,

Cheio de alegria pus-me a correr,

Um rapaz meu criado veio receber-me

Meus filhinhos esperavam-me à porta (…)

Os três caminhos quase não se distinguiam

mas os pinheiros e os crisântemos ainda lá estavam.

Segurando as crianças pela mão,

entrei na minha morada (…)»

A descrição, feita com tal detalhe inspiraria inúmeros pintores.

He Cheng (1224-depois de 1315) foi um dos autores de vários rolos horizontais que recriam essa situação como o anónimo, dos mesmos anos de 1300, que está no Museu de Arte de Cleveland ou o feito a partir de um original de Qian Xuan (1239-1301), que está no Metmuseum (tinta e cor sobre papel, 106,7 x 26 cm), que se tornariam um tema querido por pintores, sobretudo depois do rolo horizontal de Li Gonglin (c. 1049-1106) que está no Smithonian (tinta e cor sobre seda, 37 x 521,5 cm).

Deles faz parte a encenação desse encontro com as crianças, que torna visíveis os sentimentos do poeta ao regressar. Um pediatra da dinastia Song, Qian Yi (c.1032-1113) escreveu sobre esse olhar de ternura do poeta e da mãe, na pintura de Wang Qihan:

«Acredito que disseminar o afecto é uma responsabilidade das pessoas de bem. Cuidar dos mais novos é uma instrução que nos foi passada pelos sábios. Como poderemos não propagar essa protecção?»

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