VozesTrump acusado de crimes de falsificação David Chan - 11 Abr 2023 Na semana passada a comunicação social anunciou que o ex-Presidente dos Estados Unidos Donald Trump foi acusado de falsificação de documentos relacionados com a sua actividade empresarial, aquando da campanha para as presidenciais de 2016, ocultando informação que não lhe era favorável e comprometendo a integridade das eleições. Trump negou todas as 34 acusações e foi libertado sob fiança. O processo será retomado no início do próximo mês de Dezembro. Esta é a primeira vez que um ex-Presidente dos Estados Unidos é acusado da prática de crimes. O procurador de Manhattan, Alvin Bragg, escreveu uma acusação de 13 páginas descrevendo três incidentes. O primeiro refere-se a uma “empresa de média americana” que tem uma relação próxima com Trump. O ex-Presidente terá pagado a um porteiro do Trump Building 30.000 US dólares para que não vendesse aos jornais uma história sobre um filho que alegadamente teria tido fora do casamento. Mais tarde, veio a provar-se que a história era falsa. Os outros dois incidentes referem-se a alegados pagamentos de 150.000 e 130.000 dólares que Trump terá feito, respectivamente, a Karen McDougall, uma modelo da Playboy, e a Stormy Daniels, actriz de fimes pornográficos. Daniels, conhecida como “Storm Woman”, afirma que o ex-advogado de Trump, Michael Cohen, lhe pagou 130.000 dólares para que não divulgasse a sua relação com Trump, através de uma empresa fantasma em 2016. Trump negou o pagamento desta quantia e também o relacionamento sexual com Daniels. A acusação alega que em 2017, Trump passou cheques a Cohen do seu fundo fiduciário e da sua conta bancária para pagar “honorários de jurista”, mas Cohen afirma que se tratou de um reembolso do dinheiro que terá adiantado para “silenciar testemunhas”. Como não houve o pagamento de uma taxa de contratação inicial, estas verbas não podem ser consideradas como liquidação de serviços jurídicos. Segundo a legislação de Nova Iorque, não é ilegal pagar para silenciar testemunhas, mas se o dinheiro for dado a um advogado, fazendo-o passar pelo pagamento de serviços jurídicos, pode violar a “Lei Federal de Financiamento de Campanhas” e, neste caso, o arguido também fica sob suspeita de ter cometido o crime de “falsificação de documentação comercial”. Especialistas americanos em jurisprudência assinalam que, em Nova Iorque, falsificar documentação comercial é uma contravenção, mas se puder ser provado que o objectivo da falsificação é encobrir outros crimes, a contravenção pode tornar-se crime ficando o réu sujeito a uma pena que pode ir até quatro anos de prisão. “Trinta e quatro acusações de falsas alegações para encobrir outros crimes são crime no Estado de Nova Iorque e, seja o réu quem for, não podemos e não vamos normalizar essas infracções graves”, afirmou Bragg. A acusação também apresentou postagens anteriores de Trump nas redes sociais em que ele ameaça a cidade de Nova Iorque e os procuradores e critica o juiz Juan Merchan alegando que o odeia. O advogado de Trump respondeu que ele tem direito à liberdade de expressão, enfatizando que a postagem não é ameaçadora. Do lado de fora do tribunal, reuniu-se um grande número de manifestantes pró e anti Trump e a polícia rompeu os bloqueios para separar os dois grupos. Trump deixou bem claro que se vai candidatar às eleições presidenciais de 2024. Do ponto de vista legal, a candidatura nestas circunstâncias levanta várias questões que merecem ser analisadas. Em primeiro lugar, a lei americana estipula claramente que pagamentos para silenciar testemunhas que pudessem divulgar informação prejudicial a Trump durante a campanha não são ilegais, mas podem violar a “Lei Federal de Financiamento de Campanhas” dos EUA”. O objectivo desta lei é manter a equidade da eleição. Toda a informação sobre os candidatos, que inclui os factos positivos e os negativos, deve estar acessível ao público antes da votação para que possa eleger quem considerada mais qualificado para vir a ser Presidente. Os Estados Unidos têm muita experiência em eleições presidenciais, e a legislação que as regula está amadurecida. Em segundo lugar, se puder ser provado que Trump pagou 130.000 dólares a Daniels para a silenciar, através de Cohen e de uma empresa fantasma, Cohen pode estar envolvido com Trump na violação da Lei Federal de Financiamento de Campanhas, e ser considerado seu cúmplice. Portanto, Cohen também pode ter infringido a ética profissional enquanto advogado e vir a ser ouvido pela Law Society. Se for condenado, a sua licença pode ser revogada. Em terceiro lugar, segundo a acusação, não houve lugar entre Trump e Cohen ao pagamento “inicial de contratação de jurista” pelo que não pode haver pagamento de “serviços jurídicos”. Se os registos demonstrarem que estes pagamentos foram feitos por serviços jurídicos, a acusação não será sustentada. Portanto, Trump é suspeito de ter cometido o crime de “falsificação de documentos comerciais”. Se o arguido for condenado, o tribunal tem maior probabilidade de admitir que os 130.000 dólares entregues a Cohen se destinavam a reembolsar o pagamento feito pelo silêncio de Daniels. Se assim for, Trump pode ser acusado de infracção da “Lei Federal de Financiamento de Campanhas.” Em quarto lugar, durante a audiência, um grande número de pessoas reuniu-se no exterior, uns para apoiar Trump, outros para o combater. Isto equivale a exercer uma enorme pressão sobre o tribunal. Além disso, no post, Trump questionava os motivos do procurador para o acusar e escreveu que o juiz o odiava, o que representa outra forma de pressão que pode afectar a justiça. A lei deve ser suficientemente imparcial, e nem o Ministério Público nem os tribunais podem ser sujeitos a interferências externas, quando estão a instruir e a julgar um caso. Bragg deixou tudo bem claro, “seja quem for que esteja em causa, não podemos normalizar os crimes”. O Ministério Público não pode retirar a acusação porque o réu tem um estatuto proeminente ou porque está a ser pressionado, e essa condição é indispensável ao exercício do estado de direito. Uma vez que não conseguimos ver as provas apresentadas pela acusação ao tribunal, nem ouvimos a defesa de Trump, tudo o que até aqui foi dito não passa de especulação, e não podemos afirmar que Trump tenha cometido um crime, nem que o comportamento de Cohen tenha sido problemático, só porque houve uma enorme cobertura deste caso pela imprensa. Mas uma coisa é certa, nem a acusação nem o tribunal querem adiar o processo até 2024, porque se for eleito nas próximas eleições, Trump passará a gozar de imunidade e o caso pode ficar suspenso, algo que a Justiça não quer que venha a acontecer. A Constituição dos EUA não exige que o Presidente não tenha antecedentes criminais. Portanto, embora Trump possa ser condenado, mantem o direito de se candidatar à Presidência. A acusação de Trump mostra que nos Estados Unidos, ninguém pode estar acima da lei e isso é uma manifestação concreta do estado de direito. Como é que o povo americano encara os pagamentos para silenciar testemunhas, as mentiras, os casos extra-conjugais e as transacções imorais? As respostas vão ser dadas nas eleições presidenciais de 2024. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk