Corpo a Corpo

Crescemos a espaços de coisas que nem lembramos, somos da cadeia um elo projetado à amplificação. Enquanto isso, as dores do crescimento quase ofuscam o prazer da expansão que deve ser acompanhado do sonho da vitória contra a morte insolente, presente em todos os caminhos- e esses seres tão frágeis diante tudo – de todas as adversidades, parecem sair vitoriosos quando dobram os seus cabos.

Temos um corpo guiado por forças tais, que na emboscada de um outro, revolve toda a soberania sonhada só para transitar para ele, sua cúspide revelada. Porém, a virgindade renova-se como a Lua, e ser mulher, altera esta noção de fusão latente, pois que semeia em fundos vales uma intrepidez que não pode ser adaptada a nenhuma circunstância.

Para um japonês, a melhor porcelana fabrica-se nas paragens onde as condições de vida são mais duras, já o coração é difícil de fazer arder em brasas acesas, e todo o hedonismo cai por terra se nos esforçarmos na reabilitação das fontes essenciais. Talvez nem seja necessário nenhum prazer entorpecedor e vinculado aos veios das comemorações mercantis, que o corpo do desejo é uma impermeável película que atrai o desespero para os confins de uma busca a que chamamos conquista. No corpo encontraremos as reservas de sombras e deslumbres que se aglomeram como ressonância do que somos.

A terra então se abriu, «fendida pelo amor», onde dizem para aí que o seu centro parou. Que centro sabemos nós ser esse, vasto manto ebulitivo da sua natureza?! Vamos até onde podemos ir por explosão ou implosão, no entanto, somos mais orgânicos no acto explosivo, que a paixão dos corpos provoca choques magnéticos que se dissipam na atmosfera, onde só por ela é possível embater para que se alinhem como fabricantes de energia viva, já os do prazer, não saberão reproduzir o rastilho dessa força transfigurável, nem saberão reconhecer a viagem entre correntes contrárias que levam a um certo estado de clarividência. Delfos, esse umbigo, falava e muito embora pudesse assustar, aterrorizando, falava de poesia. Continuamos a levantar questões no corpo que nos acolhe, mesmo quando estamos certos que cumprimos uma maldição.

Enterrados em lamas saem braços de mulheres com unhas pintadas – é a guerra – por instantes parece-nos que foram expelidas para a superfície da crosta exposta aos ventos, ao sol e às neves, mas não; foram empurradas para um fundo à superfície- corpo de terra- e ficamos magoados com a fina camada que separa os mortos dos vivos, que o abstrato encanto de mergulhar no Hades nos dava distância e gravidade. Ter visto os nossos corpos a partir dos recursos de transmissão tecnológica em transe mortuário foi um estrondo ainda imperceptível que nos levou à perspectiva da Terra oca. Os hiatos que criámos davam bem para atravessar desertos de tecido cerebral onde grandes ligações ficaram desfeitas.

Por ora as nossas mais elaboradas estruturas belicistas recriam o cenário terráqueo de uma guerra das estrelas, mas não anda longe a luta corpo a corpo, que das estratégias não sobrará muito mais que terra desfeita, e nesse abraço mortífero quem sabe se não penetraremos de novo no núcleo parado, que mais que tempo anulado, é rasura para qualquer memória futura?! O que nos acossa agora? Canibalismo.

Ainda hoje aterrou no aeroporto de Lisboa um homem com pedaços de carne do ser que subtraiu à vida.- Nós já chegámos aqui! E saber isso é como entrar nos abismos mas de olhos abertos. Quem não sente, é como quem não vê, e por isso, felizes os cegos que entrarão no reino dos céus. Essa brandura é tudo o que gostaria de resgatar antes dos altares do mundo serem extintos por força inferior que fora inscrita como alto desígnio.

Entretecidas por personagens modernas e antigas irrompem sem fronteiras nem contornos – corpo de texto – a descida e a metamorfose dos nossos corpos dados à combustão de uma sagrada desdita, e dos Triunfos, a Rosa obscena da trituração. Este é um índice remissivo de um livro que nunca escreverei «Disseste o que queríamos que fosse dito», que as odes confessionais perderam o seu tempo na emaranhada insanidade dos disfarces.

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