Um Grito no Deserto VozesBuraco negro na educação Paul Chan Wai Chi - 19 Jun 2020 [dropcap]O[/dropcap] médico é um ser humano, por isso, quando adoece, deixa de ver doentes para não os contagiar. No caso dos professores, se tiverem problemas e não beneficiarem de uma supervisão adequada, são eles próprios e os seus alunos que ficam em perigo. O recente caso de assédio sexual de uma aluna por parte do professor, não só provocou uma onda de indignação popular, como também fez soar o sinal de alarme no sector da educação. Casos semelhantes ocorreram mais do que uma vez no passado. Nos finais de 2019, um professor e uma estudante de Macau suicidaram-se no quarto de uma pensão. Este caso deu sem dúvida o alerta para o perigo das relações entre professores e alunos. Mas depois deste assunto ter caído no esquecimento, será que o sector deu mais atenção ao problema e envidou esforços no sentido de prevenir o abuso de alunos por parte dos professores? Esta temática pode ser considerada o buraco negro da educação. Cada profissão tem o seu próprio código de ética cujo objectivo é impedir quem a pratica de se aproveitar de vantagens e privilégios e evitar prejudicar os utentes dos serviços. Estes códigos de ética contemplam a relação entre: advogados e clientes, médicos e pacientes. Segundo o código de ética dos profissionais da educação, professores e alunos não se devem apaixonar uns pelos outros e ter relacionamentos sexuais. No Despacho do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura n.º 6/2017 – “Homologa as Normas Profissionais do Pessoal Docente”, promulgado pela Governo da RAE, no que respeita à relação entre professores e alunos, apenas é referido que se deve “estabelecer uma relação de confiança e respeito mútuo com os alunos” e se deve “salvaguardar os direitos e interesses dos alunos”, o que é uma formulação muito genérica. Na totalidade do documento não são mencionados quaisquer requisitos respeitantes ao código de ética dos professores. O mesmo não sucede em Hong Kong, onde existe um “Conselho da Conduta Profissional na Educação”, formado por representantes dos professores, de grupos pedagógicos, representantes de pais e representantes do Governo. No código de ética dos professores vem claramente mencionado que “não poderão tirar partido da sua relação com os alunos para benefícios pessoais”. A escola tem obrigação de ser um lugar seguro e é por isso que os pais lhes entregam os filhos. As autoridades escolares têm a confiança dos pais e são responsáveis por garantir que os alunos tenham professores qualificados. Para além do conhecimento técnico e do bom carácter, os professores também devem ser seleccionados com base na ética profissional. Ao longo das suas carreiras, os professores vão deparar-se com vários problemas, que requerem a supervisão e aconselhamento do director da escola e dos colegas mais velhos. No entanto, o aperfeiçoamento das condições para evitar a violação das leis é da responsabilidade das escolas. No caso recente do professor suspeito de ter assediado sexualmente uma aluna, a polícia não revelou detalhes, mas colocou-o sob investigação do Ministério Público, para proteger a vítima de danos secundários. A autoridade informou a comunicação social que esta abordagem, não só protegia a privacidade da vítima, mas também garantia o direito do público à informação e colocava o agressor em posição de vir a ser responsabilzado. Penso que esta é a abordagem correcta para lidar com a situação. A escola fez imediamente uma declaração pública e despediu o professor, o que me parece ter sido decisivo. Existe um ditado na China que diz “Nunca é tarde de mais para reunir o rebanho mesmo depois de algumas ovelhas se terem tresmalhado”. Penso que este ditado contém apenas uma meia verdade. Reunir o rebanho apenas impede que as ovelhas venham a fugir de novo, não faz com que as que se perderam venham a ser encontradas. Os problemas acumulados no sector da educação estão ligados a um grande buraco negro, que devora silenciosamente os estudantes que lá se encontram. Poderá a Proposta de Lei intitulada “Estatuto das escolas particulares do ensino não superior”, que está a ser submetida à análise na especialidade na Assembleia Legislativa há mais de um ano, criar um ambiente seguro para os estudantes e estabelecer as linhas administrativas e operativas das escolas privadas? Poderá ainda eliminar o buraco negro do sector da educação? Todas estas são questões importantes para o Governo, os educadores e a comunidade trabalharem. Infelizmente, os estudantes são alvo de muitos incidentes nas escolas, que nunca deverão ser ignorados pela justiça. Os professores e os directores têm a responsabilidade de proteger os estudantes dentro das escolas. Devemos deixar que o Sol brilhe nos locais de ensino para fazer desaparecer para sempre o buraco negro.