Literatura erótica de quarentena

[dropcap]E[/dropcap]screver histórias eróticas é o que está a dar nesta pandemia. Numa procura na secção erótica, de um site popular de ebooks, usando covid-19 como termo de busca, já existem 44 resultados. Em pouco menos de três meses já houve quem se sentasse, fantasiasse e escrevesse sobre como é que esta pandemia poderia criar cenários apropriados para o sexo. Quem disse que a pandemia não seria produtiva? Há quem já tenha começado colecções de livros eróticos da pandemia, só para perceberem como o negócio deve ser prolífero – ou simplesmente muito satisfatório. Claro que há erótica para todos os gostos, desde a amor incestuoso entre meios irmãos que estão presos em casa, até BDSM mais forte ou leve, heterossexual e homossexual e o covid69 – vocês apanham a ideia. Tudo contextualizado nesta contemporaneidade que ainda temos dificuldade em entender.

O que me leva a uma peça fabulosa da literatura erótica que é objecto de um podcast de comédia. A literatura erótica a ser um adereço de comédia não deve ser o objectivo de nenhum escritor erótico. Mas no sexo, e na escrita, para os corpos e a forma como os entendemos, as palavras importam. Irei elaborar sobre isto mais à frente.

Este podcast, my dad wrote a porno, tem sido o meu companheiro de pandemia para me introduzir à literatura erótica – e aos meandros do sexo cómico. O título diz tudo: um filho descobre que o pai, na sua velhice, decide escrever sobre sexo (sobre as suas fantasias?). O filho, com mais ou menos vergonha, decide ler um capítulo por cada episódio e comentá-lo com os amigos. Et voilá. Um êxito estrondoso no Reino Unido, e em muitos outros lugares por ouvintes que gostam de ouvir em inglês. Um fenómeno cultural, dizem os comentários.

O enredo que sai do Rocky Flintstone, o pseudónimo para o criador desta colecção de livros eróticos, são fabulosos. Desde mamas que são comparadas com romãs, a algemas de plástico vermelhas (que se calhar não cumpririam o seu propósito?), a um pénis, que é tão pequeno que se perde na penugem púbica de quem o pertence. Tudo acontece à heroína desta trama, uma tal de Belinda que é a directora de vendas de uma empresa de panelas e frigideiras, e onde o sexo faz parte do dia-a-dia laboral. Claro que um olhar mais crítico iria horrorizar-se pela objectificação feminina e pela tendência por interacções lésbicas sem explicação prévia. Já a descrição da entrevista de trabalho, é um cenário de exposição absurda, em que a entrevistada tem que se despir totalmente e… abrir as tampas vaginais (em inglês soa melhor, mas juro que é assim que é descrito) como se de uma inspeção ginecológica se tratasse.

Com toda a seriedade do sexo, esta possibilidade de rirmos dele, e destas descrições que poderiam ser melhor conseguidas, cria a possibilidade de o reinventar. Claro que o sexo é passível do gozo, muitas vezes bastante violento e de consequências nefastas, mas há qualquer coisa de maravilhoso quando este gozo não faz mal a ninguém. Quando o sexo não precisa de ser uma referência de seriedade e pode ser gozado de tantas outras formas, como a rebolar da cama, no chão, nos lugares estranhos que se quiserem. E ele pode existir nas palavras, neste exercício literário, entre o escritor, o leitor e até o ouvinte. O imaginário erótico, ainda assim, sobrevive nesta pandemia. Nem precisa de muito enredo, só mesmo de muito sexo.

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