Sexanálise VozesBruxas Tânia dos Santos - 7 Nov 201811 Nov 2018 [dropcap]J[/dropcap]á que foi Halloween – isto é, em belo português, o dia das bruxas – não há nada como falar destas criaturas (míticas?) do imaginário ocidental. Quem são elas, onde estão e o que fazem? Teorias não faltam. A teoria feminista tem sido particularmente prolífica na compreensão do desenvolvimento desta imagem da bruxa, que é feia, tem uma verruga no nariz, e usa um chapéu pontiagudo. Como é que se diz? ‘A chover e a fazer sol, estão as bruxas no farol a comer pão mole’? Dei de caras com esta imagem da bruxa, primeiro, porque o dia das bruxas foi na semana passada e, segundo, porque há quem defenda que a bruxa tem muito que se lhe diga ao feminismo e ao sexo. É possível que caça às bruxas tenha acontecido pela não aceitação da emancipação feminina naqueles tempos sombrios. Parece confuso, até porque ninguém falava de emancipação das mulheres nessa altura, mas há quem ache, as ditas feministas ‘radicais’ de hoje em dia, que a bruxa representava a curandeira, a esposa desobediente, a mulher que se atrevia a viver sozinha, a mulher que envenenava o patrão e incitava a revolta, que era parteira, que percebia dos meandros do sexo. Nada disto era desejável à figura feminina da época (também não acho que seja agora). Na altura muitas mulheres (e homens também) foram queimados na fogueira acusados de bruxaria. Não se sabe ao certo quantas pessoas poderão ter morrido durante três séculos, mas há várias estimativas: há quem diga 40.000, há quem diga 200.000. Vem-me automaticamente à cabeça a imagem de pessoas enfurecidas com tochas em fogo na calada da noite à procura de quem culpabilizar os males do mundo. A ‘caça às bruxas’ é sempre utilizada como o exemplo perfeito de histeria em massa. O movimento #metoo já foi acusado de ser uma caça às bruxas, neste caso, aos bruxos da misoginia – mas isso não interessa nada para aqui. Naqueles tempos sombrios as mulheres era consideradas mais fracas e susceptíveis à persuasão diabólica. Muitas das mulheres acusadas de bruxaria eram pobres, velhas e viúvas, na menopausa ou no pós-menopausa. Contudo, as bruxas surgem e surgiram de muitas formas e feitios, e por mais que se considere ‘radical’ o feminismo que tenta perceber que contornos esta caça as bruxas teve, as bruxas não deixam de ser uma questão bastante feminina. E parece que todos nós, uns mais do que outros, temos que lidar com a bruxa que existe. A psicologia do Jung analisa extensivamente o arquétipo da bruxa como a necessidade intrínseca de transgressão – que é socialmente vista como perigosa, malévola e indesejável. A bruxa, que é equiparada com a puta interior, vive à margem da sociedade, e – em vez de ser fruto do que quer seja que vivemos ou possuímos na nossa genética – é um produto civilizacional. Conseguiremos ir além da dicotomia da princesa e da bruxa das histórias de encantar e das mitologias? Como é que nos faz bem, a homens e mulheres de igual forma, incorporar os valores e fantasias das bruxinhas que outrora, e hoje, tememos tanto? A nossa bruxa, embora difícil de entender, é bastante normal. O problema é que a sexualidade, a perversão, e a diabolização do sexo que compete à bruxa incorporar, precisa de um espaço de compreensão. Mas quem é que tem coragem de dançar com a bruxa, e com o seu lado destrutivo e negro? Só aquelas e aqueles que têm a coragem de aceitar o maior desafio humano. Aprender a tocar, e a ritmicamente mexer com aquilo que mais nos aflige e nos assusta porque sabemos (ou pelo menos devíamos saber) que a bruxa não é nada mais do que um bocadinho de nós próprios.