O pecado da incúria

Nos passados dias 23 e 24 de Setembro, o Tufão Ragatsa atingiu a Província de Guangdong, na China continental, e também Hong Kong e Macau, duas regiões administrativas especiais da China. Este super tufão causou alguns estragos nestas três zonas. Felizmente, todos estavam preparados e os danos foram mínimos. As ocorrências mais sérias foram ferimentos provocados em algumas pessoas.

Em Hong Kong, uma família decidiu ir para a o molhe observar os ventos e as ondas. Infelizmente a mãe e o filho caíram ao mar. O pai saltou logo para os salvar deixando para trás a filha de 9 anos, sozinha e a chorar. Outras pessoas que aí se encontravam tentaram salvá-los de imediato, mas não conseguiram. Por sorte, um barco de pesca estava a passar e o marinheiro e o filho foram em socorro das vítimas. A mãe e o filho estavam inconscientes e o pai embora consciente estava ligeiramente ferido.

Posteriormente, o secretário para a Segurança de Hong Kong, Chris Tang, afirmou que embora a “perseguição de ventos e ondas” (追風逐浪) não fosse criminalizada em Hong Kong, levar crianças para o meio da tempestade durante a passagem de um tufão pode constituir “negligência infantil” (疏忽照顧兒童) e disse ainda que o Governo de Hong Kong irá investigar mais aprofundadamente esta matéria. Isto significa que a “perseguição de ventos e ondas ” pode vir a ser criminalizada.

Há algumas semanas, mencionámos nesta coluna o processo movido em Shenzhen contra pessoas que escalaram a montanha durante uma tempestade. Actualmente, Hong Kong só tem legislação que pune a entrada em praias vedadas pelo Governo Hong Kong, com uma multa máxima de 2.000 HKD e 14 dias de prisão. No entanto, apenas é criminalizada a “entrada em zonas proibidas” e não a “perseguição de ventos e ondas” durante uma tempestade. Em última análise, em Hong Kong, a “perseguição de ventos e ondas” não é crime.

Para impedir completamente as tragédias causadas pela “perseguição de ventos e ondas” durante a passagem de tufões, é necessário a implementação de legislação que a criminalize. Como mencionámos na coluna anterior, o acto de “perseguir ventos e ondas” é difícil de definir e de regular. Se o facto de ficar na praia durante uma tempestade for considerado um delito de “perseguição de ventos e ondas”, muitas pessoas serão acusadas. A lei tem de ser clara e detalhada e o seu âmbito deve ser limitado. Caso contrário, cria-se uma lei que será quebrada por muitas pessoas, o que não será certamente a intenção do legislador. Além disso, a actual agência de fiscalização é composta por funcionários do Departamento de Serviços Culturais e de Lazer (LCSD) do Governo de Hong Kong, e não da polícia. Se houver resistência às indicações dos funcionários, a situação será ainda mais caótica.

Outra consideração na legislação penal é a questão da prova. Como é que se pode provar que este grupo de pessoas estava a “perseguir ventos” na costa durante uma tempestade? Os funcionários do LCSD, embora estejam de serviço, também põem as suas vidas em risco durante as intempéries e têm simultaneamente de fazer cumprir a lei. O ambiente adverso em matéria de aplicação da lei exige uma atenção especial. Por outras palavras, num ambiente de alto risco, como podemos garantir que a equipa do LCSD está a aplicar a lei em segurança?

Talvez Hong Kong pudesse considerar a utilização de drones para patrulhar a costa durante as tempestades. Se fosse detectada qualquer actividade de “perseguição de ventos e ondas”, podia ser emitida de imediato uma mensagem sonora apelando à retirada do local. Como este delito ficava registado em filme, se os infractores se recusassem a sair o Governo de Hong Kong teria naturalmente provas para os processar.

O sucesso desta legislação dependeria da atitude futura da sociedade de Hong Kong, pelo que para já é difícil de prever. No entanto, o Governo de Hong Kong deverá certamente vir a considerar a possibilidade de obrigar os infractores a pagar as despesas das operações de salvamento. Durante uma tempestade, as equipas de resgate arriscam a vida para salvar quem “persegue ventos e ondas,” e o equipamento usado é muito caro. Não é despropositado pedir a estes “aventureiros” que suportem os custos.

A legislação para regular a “perseguição de ventos e ondas” passa mais pela prevenção do que pela acusação. Estas leis destinam-se a dissuadir estes comportamentos. As acções penais só são iniciadas após avisos repetidos. Mesmo com a legislação em vigor, a sua aplicação está repleta de dificuldades. Por último, devemos prestar homenagem àqueles que permanecem de serviço durante os tufões ou que realizam operações de salvamento. Sem eles, a segurança seria muito menor durante os tufões. A respeito do caso da família que caiu ao mar em Hong Kong, devemos prestar homenagem a todos os socorristas. A sua coragem e abnegação no salvamento de três pessoas durante uma tempestade foram admiráveis.

Macau tem actualmente um “sistema jurídico de defesa civil” (民防法律制度) e implementou uma série de medidas para serem aplicadas durante as tempestades, como o destacamento preventivo, a evacuação de residentes de zonas ribeirinhas e a garantia de abastecimento para as necessidades diárias. Muitas pessoas foram evacuadas, demonstrando a robustez do sistema de defesa civil de Macau. Além disso, não houve registo de incidentes de “perseguição de ventos e ondas” na costa, prova do excelente trabalho do Governo de Macau na protecção da vida e da propriedade dos residentes. Os residentes de Macau levam muito a sério a sua segurança pessoal. Por conseguinte, embora em Macau a “perseguição de ventos e ondas” não esteja criminalizada, as pessoas são cuidadosas. Actualmente, com condições meteorológicas invulgares e tufões frequentes e particularmente poderosos, a sociedade de Macau deve priorizar a consciencialização e a educação para garantir que as pessoas compreendam o que deve ser feito para protegerem as suas vidas e os seus bens durante uma tempestade. Só quando todos prestarem atenção à segurança é que o impacto dos tufões poderá ser minimizado.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Email: cbchan@mpu.edu.mo

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