Sexo: uma estratégia para o auto-conhecimento

O sexo é um espelho para as fragilidades e um caminho para o auto-conhecimento. Mais do que o prazer, o sexo une o que está normalmente separado: o processo de fusão testa a porosidade dos limites pessoais. Torna-se num portal para as vulnerabilidades e dificuldades mais profundas.

O que mais revela é a forma (e a dificuldade) que temos de nos ligarmos com os outros. Não será de admirar, a vulnerabilidade sexual implica exposição física, emocional e simbólica ao mesmo tempo. Expõe a pele, as imperfeições e expõe o medo da rejeição, a dificuldade em pedir, a vergonha dos desejos e emoções que não parecem “normais”.

O sexo como artefacto cultural é uma tentativa de produzir máscaras protectoras a esse desconforto. Há uma associação clara do sexo à estética do superficial. É o domínio do não-real, o fantasiado, os corpos e as vidas que se pavoneiam pelas redes sociais, as cirurgias plásticas precoces de jovens que querem parecer-se de determinada maneira. A pornografia, a única fonte de “educação” que os jovens provavelmente têm actualmente, vive da fantasia e das expectativas irrealistas.

Estas imagens não só moldam a forma como nos mostramos, como também agravam a dificuldade em nos expormos tal como somos — a vulnerabilidade fica mascarada por uma performance de perfeição. Tive uma amiga que se deitava maquilhada e acordava mais cedo do que o seu parceiro para retocar a maquilhagem, de modo a que ele visse sempre a sua melhor versão: haverá maior resistência do que esta?

É por isso que falar sobre o sexo deve ser encorajado, porque no meio de tanta confusão é muito mais fácil agarrar em dogmas que explicam de forma deficiente a forma como o sexo manifesta partes de nós que não queremos olhar. Há vontades, desejos e medos não articulados que ficam reprimidos no fundo do ser e que lá permanecem para sempre, sem sequer darmos espaço a perceber o que dizem de nós.

Recentemente encontrei uma rubrica no jornal The Guardian que me pareceu um passo na direcção oposta. Primeiro, por convidar os casais a partilhar as suas histórias de sexo; segundo, por valorizar as formas criativas que encontram para lidar com os encontros e desencontros humanos. Por exemplo, um dos casais conta que, no meio de uma aproximação e de uma relação intensa mas cheia de dúvidas, decidiram fazer uma pausa no sexo durante três meses e assumiram a distância como um espaço para se redescobrirem na relação — que funcionou.

Este trabalho de dar sentido à vulnerabilidade, em vez de deixar que a experiência sexual permaneça no vazio, evita que as pessoas se sintam sozinhas e perdidas, sem perceberem porque é que o sexo pode ser um gatilho tão intenso para vivências que não conseguem explicar — para emoções cuja origem lhes escapa. Padrões de comunicação, desequilíbrios de poder, proximidade e distanciamento: tudo se recria no sexo. O quarto torna-se um palco onde se repetem, em miniatura, os mesmos jogos emocionais que vivemos no dia-a-dia. Claro que o kink, as brincadeiras sexuais, os fetiches e o role-play têm essa dimensão simbólica bem mais assumida, com uma compreensão mais aprofundada de que é preciso expressar sensações, emoções e conteúdos em espaços seguros e contentores (e.g. BDSM).

Não deixo de ser estupidamente optimista no desejo de trabalhar o sexo como um caminho para a auto-descoberta. É precisamente no jogo entre fragilidade e potência que reside o paradoxo do sexo — lugar de imobilização e de movimento. Quando é usado como esse portal metafórico para o auto-conhecimento, garanto: o resultado é impressionante. Para aqueles que querem pensar mais sobre si próprios, podem começar com questões simples. Como é que eu me posiciono em relação ao sexo?

Como é a minha relação com o prazer? Como é que gosto de ser seduzida? Que emoções é que evoca? Como é que eu reajo a elas? E, mais importante ainda, como é que uma visão mais aberta e consciente do sexo poderá permitir as mudanças tão desejadas na forma como nos relacionamos uns com os outros? É no espaço entre a vulnerabilidade e a libertação do sexo que encontramos talvez a melhor metáfora do que é ser humano.

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