São Tomé e Príncipe | Relação com China é discreta, mas estratégica

Celebraram-se no sábado 50 anos da independência de São Tomé e Príncipe. O futuro avança ao ritmo das relações diplomáticas com os outros países falantes de português. Para a académica Cátia Miriam Costa, o país africano e a China são parceiros estratégicos, apesar da descrição pautar as relações entre ambos

 

A investigadora Cátia Miriam Costa considera que a relação entre São Tomé e Príncipe e a China mantém-se discreta, apesar de estar quase a celebrar uma década, com crescente interesse estratégico de Pequim na posição do arquipélago no Atlântico Sul.

“Como nem um país nem outro fala muito sobre o assunto, acabamos por não perceber bem a profundidade da relação. Mas creio que não é ainda uma relação muito profunda”, observou à agência Lusa a investigadora do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa.

A posição geoestratégica do arquipélago, situado no Golfo da Guiné, alimenta, no entanto, o interesse de Pequim, nomeadamente no contexto da aposta chinesa na expansão de corredores logísticos e marítimos no Atlântico Sul.

“São Tomé, se não é um porto muito importante em termos logísticos, é um porto relevante para controlo, por exemplo, de pirataria, de ameaças. Portanto, essa posição também de certeza que foi reflectida por Pequim”, explicou.

O restabelecimento de laços formais em 2016, após duas décadas de reconhecimento de Taiwan por parte de São Tomé, foi uma decisão “pragmática” do país africano, e um trunfo para a diplomacia de Pequim, que manteve sempre “canais abertos”, mesmo durante o período de afastamento, explicou Cátia Miriam Costa.

“A relação com a China é mais frutífera porque traz outras contrapartidas”, explicou a investigadora. “Também foi por essas contrapartidas, que [em 1997] São Tomé trocou a República Popular da China por Taiwan, porque nessa altura a República Popular da China era um país em desenvolvimento. Portanto, não tinha para oferecer aquilo que Taiwan tinha, que estava perfeitamente integrado no mercado internacional”, contou.

Um volte-face

Em Dezembro de 2016, São Tomé anunciou oficialmente o estabelecimento de relações com a República Popular da China, pondo fim ao reconhecimento de Taiwan.

A decisão provocou o cancelamento imediato das bolsas de estudo oferecidas por Taiwan a estudantes são-tomenses, muitos dos quais acabaram por ser integrados nas restantes universidades chinesas. A China tornou-se rapidamente um dos principais parceiros de cooperação de São Tomé, com promessas de investimento e apoio em áreas como a educação, formação técnica, agricultura e infra-estruturas.

A investigadora recordou que, mesmo antes de haver relações formais, Pequim nunca rompeu completamente com São Tomé, mantendo o país envolvido nas actividades do Fórum de Macau, ainda que apenas como observador, estratégia que considera “típica da diplomacia chinesa”. “A China não fecha totalmente as portas. Pode suspender relações, mas se for algo do interesse nacional, normalmente volta a ser renegociado”, afirmou.

“Resultados limitados”

Apesar disso, Cátia Miriam Costa reconheceu que os resultados concretos da cooperação ainda são limitados. “Há mais projectos no papel do que propriamente obras em curso”, apontou, atribuindo parte da responsabilidade à fraca capacidade institucional de São Tomé, que só recentemente começou a criar estruturas para atrair e negociar investimento externo.

Entre os sectores com potencial para o aprofundamento da cooperação, a investigadora destacou as pescas, os recursos marinhos e, eventualmente, o cacau. Já a exploração petrolífera levanta “riscos elevados”, tanto pela complexidade técnica como pelas limitações ambientais.

“A China tem interesse na região, mas não é por São Tomé ser um mercado atractivo – porque não é -, é, sim, pela sua localização, estabilidade e capacidade de integração num projecto regional mais amplo”, afirmou.

A investigadora salientou ainda o investimento chinês no ensino da língua chinesa em São Tomé, que visa também “criar uma rede de pessoas com domínio da língua, familiarizadas com a cultura e potencialmente úteis para o futuro das relações bilaterais”. “A China mantém um interesse estratégico na relação, mesmo que não o expresse com grande visibilidade. E para um país como São Tomé, qualquer pequena ajuda pode ter um impacto significativo”, concluiu.

Relatos de quatro são-tomenses que seguiram cursos na China

Denise, Lucineidy, Reginaldo e Aithysa cresceram sob o signo de uma aliança com Taiwan, até que a vida e o trajecto académico acabaram redefinidos pela ruptura dos laços diplomáticos entre São Tomé e Taipé, em 2016.

Denise Aragão Fortes ainda se lembra de apertar a mão a Tsai Ing-wen. Era Novembro de 2016, celebrava-se, com meses de atraso, o dia de África em Taiwan, e a responsável marcava presença na ocasião.

É muito provável que nos bastidores se esboçasse já o fim da diplomacia entre Taiwan e São Tomé e Príncipe, mas para esta estudante de Relações Internacionais da Universidade de Ming Chuan, em Taoyuan, norte taiwanês, a notícia, que chegou um mês depois dessas celebrações, em 21 de Dezembro, foi uma surpresa.

“Não havia rumores, nada”, recorda à agência Lusa Denise, hoje com 29 anos, a trabalhar em marketing e a viver em Almada, Portugal.

Quando terminou o secundário, também os laços entre a ilha e a nação africana, acordados em 1997, tinham alcançado há pouco a maioridade. Havia “muita proximidade” entre as partes, com amizades taiwanesas no seio familiar.

Normalidade abalada nesse Dezembro de 2016. A estudarem com uma bolsa concedida por Taipé, a Denise e a outros alunos são-tomenses em Taiwan foi dada a opção de aí prosseguirem os estudos, sem assistência financeira, ou serem transferidos para a China como bolseiros. Por se encontrar no final do percurso académico, Denise permaneceu em Taoyuan. A maioria, porém, mudou de geografia, de universidade e de vida.

País “cheio de oportunidades”

Lucineidy Almeida, hoje com 28, viu a chegada a Tianjin, norte da China, como “um novo recomeço” num “país cheio de oportunidades”. A frequentar o segundo ano de Biotecnologia em Taichung, esta natural de Santo António sentia alguma dificuldade em acompanhar a licenciatura em mandarim. Uma limitação que eventualmente ultrapassaria, avalia hoje, mas, na China, teve a possibilidade de estudar em inglês Ciências Farmacêuticas.

Diz que soube da ruptura diplomática através das redes sociais e, à semelhança de todos os estudantes que falaram à Lusa, deixou críticas à condução do processo, com “muitas incertezas”, informações dadas “em cima da hora”, “um sentimento de desrespeito”, e, pelo meio, a suspensão das bolsas.

Dois meses após o anúncio, aterrou em Hong Kong, onde tratou do visto, embora ainda sem saber qual o destino final. Só à chegada a Pequim foi-lhe dito que ia para Tianjin, recorda Lucineidy, a viver hoje também em Portugal, no Cacém, e a trabalhar como intérprete de inglês e português na área médica.

Sobre a interrupção diplomática, nota que “pelo que se percebeu na altura”, tratou-se de “uma questão monetária”: “No sentido em que a China ofereceu mais [a São Tomé] do que Taiwan na altura poderia proporcionar”.

O primeiro-ministro são-tomense de então, Patrice Trovoada, considerou a ruptura unilateral das relações como “a mais acertada”, tendo em conta a visão das autoridades para o desenvolvimento do país. “Decidimos o princípio de aderir a uma só China e ao aderir implica o corte das relações com Taiwan. O cenário internacional, há 20 anos, não é o mesmo de hoje”, acrescentou.

Mas a nova ordem política não demoveu os estudantes de avançarem na carreira académica. Aithysa Ramos, 32 anos, ainda hoje está em Pequim, onde, após deixar Taiwan, concluiu o mestrado em Gestão de Empresas.

Se naquela manhã de 2016, a história não tivesse tomado este rumo, provavelmente teria ficado em Taiwan, onde já vivia há sete anos. Na altura, lembra agora a professora de inglês do ensino infantil, ficou “devastada e revoltada”: “Era como se fosse a minha segunda casa, passei aí [parte da] minha adolescência, fases de crescimento”.

Reginaldo encontrava-se no segundo ano de Gestão de Empresas, na Universidade de Yuan Ze, em Taoyuan, quando ficou ao corrente das notícias. Percebeu que “não tinha poder” para alterar o curso da história.

O choque inicial, assume hoje, foi mesmo o frio. Apesar de admitir ter “sido um processo sempre de dúvidas”, a China, para onde se mudou dois meses após o corte de relações, “foi uma surpresa para melhor”. “Pelo facto de ainda estar aqui, de não ter voltado, posso dizer que sim, foi a melhor coisa que aconteceu”, diz.

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