Grande Plano MancheteCheques pecuniários | Ex-beneficiários defendem melhores critérios de atribuição Andreia Sofia Silva - 9 Jun 2025 Tendo em conta as mudanças ao plano de comparticipação pecuniária, o HM ouviu três residentes permanentes que vão deixar de receber o cheque por não residirem permanentemente em Macau, incluindo uma macaense que nasceu no território. Arnaldo Gonçalves, académico e ex-beneficiário, defende uma melhor distribuição do apoio consoante os rendimentos das famílias As regras para a atribuição dos cheques pecuniários vão mudar e agora é mesmo necessário estar 183 dias por ano no território. As excepções são algumas e prendem-se com estudantes de Macau que estejam a frequentar cursos no estrangeiro ou residentes a trabalhar remotamente para Macau e que estejam inscritos no Fundo de Segurança Social, entre outras situações. Porém, muitas pessoas vão ficar de fora, ainda que tenham residido durante várias décadas no território ou mesmo macaenses nascidos no em Macau, ou seja, muitos dos membros da diáspora macaense. No caso de Arnaldo Gonçalves, residente permanente a residir em Lisboa, viveu várias décadas em Macau, tendo trabalhado para o Governo e sido professor universitário na área da ciência política. Há seis anos voltou a Portugal, estando reformado, e contou ao HM que já estava à espera do dia em que ia deixar de receber as dez mil patacas anuais. “Essa medida visa, no fundo, dar uma contrapartida às pessoas, dadas as dificuldades existentes no consumo e as características de vida. Já não vivo em Macau, e acho que do ponto de vista da equidade, o Governo nunca conseguiu fazer um regime mais justo do ponto de vista distributivo, pois não há um sistema de atribuição pelos rendimentos, e no fundo há multimilionários que ganham o subsídio, tal como os pensionistas, é tudo igual”, lamentou. É isso que Arnaldo Gonçalves diz “lamentar”. “Dá trabalho fazer uma avaliação das posses económicas das pessoas, e assim todos recebem por igual e assim é mais prático em termos administrativos”, frisou. Maria João Ferreira, macaense de gema, filha do famoso poeta Adé, também vai deixar de receber o cheque pecuniário. Diz compreender, mas também critica as posições do Executivo. “Já estava à espera e aceito com toda a tranquilidade. É justo, uma vez que não moro lá nem tenho hipótese de estar os 183 dias. Agradeço o tempo de cheques que me foi dispensado. Morei em Macau até aos meus 16 anos, mas nasci lá, estudei lá e ainda tenho lá família. Até à pandemia ia lá todos os anos de férias. Penso que sempre devia ter havido uma distinção entre os nascidos em Macau e os que apenas trabalharam lá algum tempo”, referiu. Maria João Ferreira, actualmente na direcção da Casa de Macau em Lisboa, diz ter ficado “chocada” com um caso muito concreto. “Há uns anos, quando estava a fazer o doutoramento, soube de um funcionário público que fez duas comissões de serviço em Macau e viu-se contemplado com o dinheiro do BIR e até contou, não apenas a mim, que achava engraçado como é que ele, tendo estado lá tão pouco tempo, tinha direito a uma benesse dessas”, frisou. “Isso é que eu acho mal. Uma coisa é alguém ir fazer uma comissão de serviço na Administração Pública, ou duas ou três, mas nunca foi, de facto, residente. É, por assim dizer, um imigrante, pois vai apenas trabalhar. É assim que vejo as coisas”, acrescentou. Patacas amealhadas Para Arnaldo Gonçalves, as dez mil patacas anuais serviam como “fundo de maneio” para viagens ao território, onde ainda tem família e para onde viaja com frequência. “Nunca usei esse dinheiro para fins pessoais, sabe? Mas penso que estas mudanças se tratam de uma boa medida, justificável, e até acho egoísta da minha parte, que estou há tantos anos fora, dizer que tinha direito a esse apoio. Há outras pessoas que precisam”, salientou. No caso de Maria João Ferreira, o dinheiro do cheque pecuniário era usado também para as despesas em Macau e com as viagens para o território. “Tenho conta em Macau, e quando ia lá, se fosse preciso comprar o bilhete de avião, a minha irmã adiantava-me o dinheiro cá, ou então esse dinheiro servia para custear a minha estadia em Macau”, explicou. Sofia Mota, residente permanente e ex-moradora em Macau, lamenta a ausência de explicações para estas mudanças. “Depende para que serve o cheque pecuniário, se é uma forma de distribuir a riqueza ou os lucros dos casinos pelas pessoas que fazem parte do território, ou que já fizeram; ou se é uma condição para fazer parte do território. Não percebo a premissa na qual a medida do cheque pecuniário está assente, e consoante a premissa estas alterações podem ser mais ou menos aceitáveis.” A professora considera que “não faz sentido que quem contribui para a segurança social por iniciativa própria, como é o meu caso, não esteja abrangido”. “Parece que há um sistema de segurança social de primeira e um de segunda. Pessoas que venham a Portugal para prestar cuidados familiares parecem não estar abrangidas e, no entanto, estão fora do território por motivos de força maior. O que se entende por prestar subsistência a familiares, é prestar cuidados? Não se percebe qual a função do cheque e a coerência das excepções”, adiantou. Sofia Mota confessa que também usava o dinheiro para “um fundo de maneio para ir a Macau, ou para investir em formação”. As primeiras reacções As alterações ao programa de comparticipação pecuniário foram apresentadas no final de Maio e referem que três grupos vão ficar isentos da obrigatoriedade de ficar 183 dias por ano em Macau e, assim, receber o cheque. São eles os residentes com menos de 22 anos em 2024 e em que um dos pais cumpre os requisitos para receber o cheque; os beneficiários da pensão de invalidez e os beneficiários do subsídio de invalidez. Há outras oito situações em que os residentes podem ter acesso ao cheque. É o que acontece quando os residentes frequentam o ensino superior fora do território; quando estão internados num hospital fora da RAEM, quem têm mais de 65 anos e vive no Interior da China ou, mesmo tendo menos de 65 anos, apresentam razões de saúde que justifiquem a permanência no Interior da China. Estão ainda abrangidos pelas excepções os residentes que trabalham fora de Macau para um empregador registado no Fundo de Segurança Social da RAEM e os residentes fora da RAEM que sejam responsáveis pela subsistência do agregado familiar. A estas juntam-se ainda o exercício de funções oficiais fora de Macau; o registo do domicílio, trabalho ou estudo na Zona de Cooperação Aprofundada; e ainda o trabalho prestado nas cidades de Grande Baía, à excepção de Hong Kong que é deixada de fora. O deputado Pereira Coutinho manifestou-se contra as alterações ao cheque pecuniário referindo que violam a Lei Básica de Macau, nomeadamente no artigo 25, que garante a igualdade dos residentes de Macau perante a lei e proíbe discriminações. O artigo determina que “os residentes de Macau são iguais perante a lei, sem discriminação em razão de nacionalidade, ascendência, raça, sexo, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução e situação económica ou condição social”. Mais recentemente, a Associação Sinergia de Macau declarou publicamente que as alterações ao Plano de Comparticipação Pecuniária no Desenvolvimento Económico não estão de acordo com os anseios da população. Ron Lam ainda criticou o Executivo por ter aplicado as mudanças “à pressa” o que só veio causar mais polémica: “O Governo estava com pressa e aplicou uma medida brusca, sem fazer qualquer consulta pública, havendo apenas movimentações de bastidores o que leva a população a questionar a governação”, atirou. “As consultas com as associações locais foram simuladas, o que apenas gerou mais críticas e provocou mais polémicas desnecessárias”, acrescentou.