As andorinhas suspensas no ramo frágil de Li Shan

Liu Yuxi (772-842), o poeta de Luoyang (Henan), contemplando os céus reparou em certos pássaros que gostavam de habitar junto das famílias e indiciavam uma permanência dentro da constante mudança das estações. Observando os hábitos das andorinhas e a decadência das classes altas em Jinling, escreveu nos dois últimos versos do poema A rua das mansões das vestes negras:

Sob os beirais dos poderosos Wang e Xie

antes encontravam-se andorinhas,

Agora voando, buscam tantas vezes

as nossas humildes moradas.

Há muito que era reconhecida essa proximidade de que fala, por exemplo, a lenda fundadora da primeira dinastia de que há registos escritos e que está na origem da linhagem dos Shang (c. 1500-1050 a. C.) com a capital em Yin (actual Anyang, Henan).

Aí, segundo o historiador Sima Qian, uma mulher chamada Jiandi teria comido um ovo de andorinha (yan), antes chamada simplesmente xuanniao, «pássaro negro», dando depois à luz um varão chamado Xie, que foi o antepassado dos fundadores da dinastia. Ao longo do tempo, em diversas artes como a arquitectura, a pintura ou a poesia, desdobraram-se repetidas referências a essa relação de percebida amizade com os pássaros negros.

Em tempos de inquietação, como os que se seguiram à transição dinástica Ming-Qing em que pintores identificados com os perdedores e pertencentes à anterior família reinante, como Zhu Da (1626-1705) conhecido como Bada Shanren, encontraram novas, expressivas, formas de representação aproveitando a fluidez do traço do pincel caligráfico apurado ao longo das dinastias Tang e Song e que nos Ming Dong Qichang tornaria um ideal.

No epítome da sua velocidade, esse traço era designado feiba, o «branco voador», o que deixava no papel apenas os vestígios da passagem do pincel. Um pintor de Xinghua (Yangzhou, Jiangsu) admirador de Bada Shanren mostrou em várias pinturas a mesma atitude independente de cânones que levaria a que fosse considerado como um dos Yangzhou baguai, «os oito excêntricos de Yangzhou».

Li Shan (1686- c.1756) que usaria o nome artístico Futang, que se pode traduzir como «recuperador de relações familiares», no rolo vertical Andorinhas (tinta e cor sobre papel, 134,9 x 33 cm, no Metmuseum) pintou devagar, com cuidado duas andorinhas pousadas num ramo feito com a espontaneidade da rapidez do traço usado para escrever com o pincel.

E tal como em muitas pinturas de Bada Shanren, as palavras que nele estão escritas operam em harmonia com a figuração, e tal como as andorinhas no ramo dependem uma da outra. Neste rolo Li Shan escreveu: «Assim que chega o Outono os salgueirais começam a murchar, cruelmente,/ Como é que eles se comparam à brisa primaveril e ao canto das andorinhas?/ Não irei pintar de novo a dor das andorinhas pelo regresso do Outono;/ Neste mundo as separações e as partidas são o mais dificíl.»

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