Violação por encomenda (II)

A semana passada, analisámos o caso do cidadão francês que drogava a mulher até à inconsciência desde 2011, fazendo posteriormente com que fosse violada por mais de 70 homens. Porque estes acontecimentos tiveram lugar ao longo de muito tempo, a polícia só conseguiu identificar, para além do marido, 50 dos violadores. O principal suspeito acabou por ser condenado a 20 anos de prisão. Embora os outros 50 acusados tivessem alegado que julgavam estar a participar num jogo sexual consensual organizado pelo casal, o argumento não foi aceite pelo tribunal e foram condenados a penas ente os 3 e os 15 anos de prisão.

A mulher começou por pedir o divórcio e depois compareceu em tribunal tendo pedido que fossem exibidos perante a audiência os vídeos que provavam que tinha sido violada repetidas vezes.

Este caso também levou o Governo francês a rever a legislação sobre o crime de violação acrescentando à definição original a expressão “princípio de consentimento sexual”. As relações sexuais só devem acontecer quando as partes envolvidas dão o seu consentimento. Esta revisão tem duas consequências. Primeiro, se, em qualquer momento, a mulher expressa vontade de interromper a relação, o parceiro deve respeitar essa vontade. Caso contrário, estará a violar o princípio do consentimento sexual e a praticar uma violação. Segundo, a lei revista estipula que as mulheres devem consentir na relação sexual, caso contrário esta não pode ocorrer. Desta forma, o marido não tem o direito de dar o consentimento em nome da mulher. Neste caso, o argumento dos cúmplices – que o marido tinha consentido nas violações – deixa de ser válido. Assim sendo, a legislação francesa a este respeito fica mais clara e mais justa e a protecção legal dada ás mulheres aumenta. Claro que é responsabilidade da lei tratar as pessoas de forma justa e equitativa.

Um grupo de mulheres intitulado “As Guerreiras de Avignon” aplaudiu a esposa sempre que ela saía do tribunal e veio a público apoiar a sua causa. Blandine DeFrances, a fundadora do grupo, afirmou: “Esta mulher demonstrou grande dignidade e coragem. Optou por falar perante todos, incluindo os violadores, o que foi uma dádiva para as mulheres francesas.” Simultaneamente, a BBC considerou que ela fazia parte da lista do “Top 100 das Mulheres mais Inspiradoras e Influenciadoras do Mundo” em 2024. Estas homenagens demonstram o respeito que granjeou por ter tornado pública a sua história e por lutar pelos direitos das mulheres.

Mas este não foi o caso mais grave de violação. Ocorreu na mesma altura um outro que teve lugar em Singapura. No caso de Singapura, os crimes ocorreram entre 2010 e 2018. O suspeito, que aqui designaremos por “J”, fazia parte de um fórum de troca de casais e de partilha de fétiches sexuais. Posteriormente, drogou a mulher para que esta adormecesse, vendou-a e contactou outros membros do fórum para que fossem a sua casa violá-la. Depois disso, os agressores passaram a usar o mesmo método e também drogavam as mulheres e contactavam-se uns aos outros para as irem violar satisfazendo assim os seus perversos apetites sexuais. Também instalaram camaras escondidas de forma a que os membros do grupo que não estavam presentes pudessem ver as violações. As pobres mulheres ficavam em coma, sem qualquer noção do que se estava a passar. Foi só na véspera do Ano Novo de 2020 que a mulher de “J” descobriu acidentalmente registos de conversas e fotos indecentes no telemóvel do marido e posteriormente expôs o caso publicamente.

Todos os réus acabaram por ser condenados. “J” foi condenado a 29 anos de prisão e a 24 chicotadas. Os outros réus receberam penas que variaram entre os 3 e os 22 anos de cadeia e 3 deles também foram vergastados. As chicotadas são um castigo físico aplicado aos criminosos em Singapura. Informações disponíveis na internet mostram que, após ser chicoteado 24 vezes, as nádegas do criminoso ficaram cobertas com marcas do chicote. Os ferimentos foram muito profundos e não só sangraram, como também expuseram várias camadas de pele e de músculo. O réu não tratou o ferimento e apenas cobriu as nádegas com uma toalha. Não vai poder sentar-se, terá de estar sempre em pé. Quem testemunhou este castigo quase desmaiou.

No caso francês, o marido não violou as mulheres dos cúmplices. O seu comportamento destinava-se a satisfazer as suas necessidades psicológicas inapropriadas. Mas no caso de Singapura, o principal suspeito e os seus cúmplices violavam as mulheres uns dos outros. É absolutamente apropriado considerar este caso ” extremamente grave”.

Depois do julgamento, que teve lugar no passado dia 19 de Dezembro, a mulher declarou: “Espero que a partir do início deste julgamento que ocorreu a 2 de Setembro, a sociedade se possa aperceber do que se está a passar. Nunca me arrependi da minha decisão. Agora, tenho confiança absoluta na eficácia dos nossos esforços conjuntos. Acredito que unidos podemos criar um futuro, para que todos – mulheres e homens – possam viver em harmonia, com respeito e mútuo entendimento.”

A violação é um acto criminoso que vai contra a vontade da vítima. Se todas as vítimas estiverem dispostas a testemunhar contra o agressor, o número de violações diminuirá bastante. A sociedade harmoniosa, respeitadora e compreensiva que a mulher de Singapura ambiciona pode estar ao nosso alcance.

Na próxima semana, abordaremos outro tópico.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.

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