Gastronomia | “Receita di Casa”, de Antonieta Manhão, lançado amanhã

Antonieta Manhão, figura incontornável da gastronomia macaense, lança amanhã um livro de receitas, estreando-se nas lides editoriais. “Receita di Casa – Homemade Macanese Cuisine” é uma obra trilingue feita para as bancadas da cozinha e para tornar mais prática uma gastronomia única

 

Chama-se “Receita di Casa – Homemade Macanese Cuisine” e, tal como o nome indica, é o livro que quer ensinar qualquer pessoa, com pouca ou muita experiência na cozinha, a fazer pratos macaenses. A obra, lançada amanhã com o apoio do Instituto Internacional de Macau (IIM), é a primeira incursão da chef Antonieta Manhão, a “Chef Neta”, nas lides editoriais na área da gastronomia.

A obra contém 19 receitas da casa da “Chef Neta”, nomeadamente o tradicional “Minchi”, talvez o mais conhecido de todos os pratos macaenses, o “Tacho”, a “Capela”, petiscos variados, como o pão recheado ou chamuças, e ainda o “Balichão Tamarindo”. Ao HM, Antonieta Manhão explicou que a escolha destas receitas recaiu no facto de serem as “mais conhecidas dentro e fora de Macau”, além de estarem bastante presentes nos cursos que ministra na Universidade de Turismo de Macau (UTM) aos alunos de cozinha e hotelaria.

Para a chef, “era necessário lançar mais um livro de comida macaense”, sendo que este lançamento foi adiado devido à pandemia. “Trata-se de uma obra para ser utilizada e para não ter apenas na estante, é mesmo um livro para ficar sujo e para que se veja como se faz a comida macaense, não é como outros livros de culinária que se colocam na estante e não são usados. Contém as informações que dou nas aulas e serve para as pessoas apreciarem verdadeiramente as receitas. Não são receitas fáceis, mas a preparação é razoável em termos de grau de dificuldade”, explicou.

A obra está à venda a partir de sábado. “Espero que as pessoas comprem o livro e possam aprender a comida macaense aos poucos. É uma obra para qualquer pessoa, coloco as horas de preparação e todas as instruções para se fazer a receita.”

No meio de tantos pratos, cheiros e paladares variados, uma receita sobressai como a preferida de Antonieta Manhão, que lhe foi transmitida por um tio, que já faleceu. O prato, que denominou como “Bacalhau à Zeca”, é um autêntico legado à mesa. “É uma receita de bacalhau ligeiramente diferente. Sempre que há festas em casa, como no Natal, faço este bacalhau.”

Apesar de estar há muito tempo ligada a tachos e panelas, e na promoção da comida macaense, a “Chef Neta” entrou tarde numa cozinha. “Na minha infância nunca entrei na cozinha, porque a minha avó não deixava, achava que era perigoso deixar entrar as crianças na cozinha. Quando cresci, após o falecimento de várias pessoas, sempre tive tias que queriam manter as receitas e recordar a preparação dessas comidas. Havia certos pratos que tinham de estar sempre na mesa, e no Natal sempre preparámos todos estes pratos.”

A autora estreante referiu ainda que outro dos motivos para editar o “Receitas di Casa” é o facto de “em Macau os pratos que estão no livro estarem a desaparecer aos poucos”. “Quero que as pessoas consigam manter as memórias antigas que têm destes pratos”, acrescentou.

Aulas para turistas

Tendo em conta o risco que existe do desaparecimento, ou diluição noutras gastronomias, da comida macaense, Antonieta Manhão lamenta que “há cada vez menos restaurantes em Macau onde se consegue comer comida verdadeiramente macaense, porque não há chefes ou macaenses que consigam dar aulas ou apoio na cozinha”.

“Temos pessoas com idade que não conseguem estar mais de 10 horas numa cozinha. Temos de ensinar os jovens para que aprendam mais sobre a gastronomia macaense, para que possam ser chefes deste tipo de cozinha”, disse.

Para evitar o total desaparecimento deste tipo de gastronomia, a chef sugere a criação de aulas culinárias para turistas. “Tanto o Governo como nós, chefes, temos de promover mais a nossa gastronomia fora de Macau, para que as pessoas saibam o que se come cá. São necessárias mais aulas para os turistas, como se faz na Tailândia. As pessoas gostam de aprender dessa forma. Também podemos dar formações nas escolas secundárias e ensino superior, para que os alunos saibam que Macau teve administração portuguesa e que a comunidade macaense tem este tipo de gastronomia. Nas promoções lá fora, deve-se levar mais a comida macaense para que as pessoas provem.”

No caso das aulas que dá na UTM, há cinco anos, Antonieta Manhão diz que “há muita procura” pela aprendizagem da comida macaense. “As minhas aulas de comida macaense estão sempre cheias, não tenho falta de alunos. Penso que os alunos querem muito aprender sobre a nossa comida macaense, por um único motivo. Antes os jovens comiam pratos uma ou duas vezes porque ainda tinham familiares que cozinhavam, e agora querem aprender por uma questão de memória, para se recordar desses momentos em família.”

“Iron Chef” foi uma “aventura”

Desde que participou no programa de culinária “Iron Chef”, na Tailândia, que a carreira de Antonieta Manhão deu um grande salto, dedicando-se não só a ensinar como se fazem pratos macaenses, mas também a promover este tipo de gastronomia no estrangeiro, muitas vezes com o apoio da Direcção dos Serviços de Turismo.

Uma das últimas iniciativas decorreu em Novembro do ano passado numa escola de hotelaria e turismo em Guangzhou, onde ensinou alguns pratos de comida macaense a 43 alunos.

Há cinco anos, a “Chef Neta” foi mesmo uma das convidadas do programa matinal da TVI, “Você na TV”, transmitido em Portugal, onde deu a conhecer ao público de Portugal as receitas de “Pão Recheado” e “Capela”, feitos com carne de porco.

“Há pessoas que conhecem Macau com ligação ao jogo, mas quase ninguém conhece a comida macaense e foi por isso que fui ao ‘Iron Chef’. Foi uma aventura, porque a gastronomia macaense nunca tinha estado neste tipo de competições. Fiz um prato de bacalhau, e muitos outros, mesmo para as pessoas ficarem a conhecer”, contou.

Antonieta Manhão, que está também ligada à Confraria da Gastronomia Macaense, participou no programa por convite, competindo com outro chef residente do concurso. Tendo em conta que cada chef tinha de introduzir um ingrediente secreto, a “Chef Neta” levou ostras, que juntou à receita de bacalhau.

Porém, hoje em dia, a chef diz ser difícil criar novos pratos macaenses, por haver o risco de se desviar daquilo que é verdadeiramente tradicional neste tipo de cozinha de fusão, onde a comida portuguesa casa com a chinesa e, muitas vezes, com iguarias do Sudeste Asiático. Muitas vezes os molhos e temperos são semelhantes, mas combinados de forma diferente. A chef explica que há ingredientes como o louro ou açafrão usados na comida portuguesa e macaense, por exemplo.

“É difícil modificar as receitas existentes e criar novas, pois assim deixa de ser a comida macaense. A única coisa que se pode fazer é adaptar e melhorar alguns pratos com novos ingredientes, usando carne de porco preto, por exemplo. Muitos desses ingredientes não se usavam antes porque não havia”, rematou.

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