Políticas locais não ajudam a atrair talentos, dizem especialistas

Especialistas disseram à Lusa que o programa de captação de quadros qualificados de Macau tem critérios mais apertados do que outras jurisdições e oferece vistos demasiado curtos para atrair talentos necessários para diversificar a economia.

O programa entrou em vigor em Julho de 2023 e procura captar para a região, nomeadamente com benefícios fiscais, quadros do sector financeiro e das áreas de investigação e desenvolvimento científico e tecnológico, entre eles Prémio Nobel.

Mas “o Governo de Macau não fez um bom trabalho” ao elaborar regras “muito estranhas” para um programa “de uma qualidade terrível”, disse Leon Ieong Meng U à Lusa. “Nunca ouvi falar de outros programas em outros sítios que tenham a nota média do bacharelato como um dos critérios”, sublinhou o investigador da Universidade de Macau.

Além disso, “os níveis de exigência são excessivamente elevados, mais altos do que em Hong Kong ou Singapura”, apontou Leon Ieong. O analista da consultora de jogo IGamix Ben Lee também apontou à Lusa a região de Hong Kong como um exemplo.

“Eles têm um sistema de migração qualificada que aceita de braços abertos qualquer pessoa com experiência (…) que faça falta. Macau é o oposto”, lamentou o consultor. Um candidato ao programa de Macau “precisa de ser um medalhado de ouro olímpico ou laureado com o Prémio Nobel para obter um visto de mais de um ano”, sublinhou Ben Lee.

Palavras de um Nobel

O Prémio Nobel da Medicina em 1991, Erwin Neher, admitiu à Lusa que é difícil atrair para Macau mesmo “jovens investigadores que demonstraram ter potencial para se tornarem figuras de destaque”, porque não lhes é concedido o estatuto de residente.

Muitos investigadores esperam quatro anos por um apartamento no campus ou para colocar os filhos num jardim de infância, lamentou o alemão de 80 anos, que lidera o Laboratório de Biofísica e Medicamentos Inovadores da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau.

“As pessoas quando vêm não querem a incerteza de um visto anual, que não sabem se será renovado ou não”, explicou o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa, Carlos Cid Álvares. “Eu não digo que querem ser residentes de Macau, mas se calhar terem o visto por três ou quatro anos, que é para trazerem as suas famílias”, defendeu o presidente do Banco Nacional Ultramarino.

No final de Outubro, o secretário-geral da Comissão de Desenvolvimento de Talentos disse que Macau aprovou 464 das mais de mil candidaturas ao programa. Chao Chong Hang admitiu que a esmagadora maioria destes quadros vem da China continental (80%) ou de Hong Kong (10%), mas sublinhou que 47% tem “experiência de trabalho ou de estudo no estrangeiro”.

Apesar do desemprego estar há cinco meses num mínimo histórico de 1,7%, mesmo a indústria dominante de Macau enfrenta dificuldades. “Temos executivos seniores no topo dos operadores de casinos a serem rejeitados e a não receber mais do que um ‘blue card’”, disse Ben Lee.

Em Outubro, Chao Chong Hang prometeu “criar melhores condições para internacionalizar” a captação de quadros, mas não revelou quantas candidaturas tinham vindo dos países de língua portuguesa. A aposta nos serviços comerciais e financeiros entre a China e os mercados lusófonos consta do plano de diversificação da economia de Macau até 2028, “a mais importante missão” dada por Pequim, recordou Leon Ieong.

O programa de captação de talentos é “uma peça complementar muito importante” para a diversificação, acrescentou o especialista em política da região. Mas “a diversificação não se faz de um dia para o outro, se calhar vai demorar 20 anos a acontecer e a base disto tudo são as pessoas”, alertou Carlos Cid Álvares.

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