China-Portugal | Presidente da APN reúne com figuras do Estado português

Multilateralismo e cooperação económica foram alguns dos pontos discutidos na visita de Zhao Leji a Portugal. O presidente da Assembleia Popular Nacional reuniu com José Aguiar-Branco, Luís Montenegro, e Marcelo Rebelo de Sousa. A visita do político chinês à Europa é uma “operação de charme” e um passo para a “normalização de relações”, dizem analistas

 

Zhao Leji, que preside ao Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional (APN) da República Popular da China, visitou Portugal entre quinta-feira e sábado.

Trata-se de uma viagem realizada no âmbito de um périplo de nove dias pelo sul da Europa, com o político, oficialmente o número dois da hierarquia política chinesa, a deslocar-se também a Espanha e à Grécia.

O presidente da APN foi recebido, na sexta-feira, por José Aguiar-Branco. Os presidentes dos parlamentos de Portugal e China tiveram depois um encontro a sós, antes da reunião que juntou as delegações dos dois países. A visita de Zhao Leji ao parlamento português terminou com uma fotografia oficial tirada na Sala do Senado da Assembleia da República (AR). Durante a visita do “número dois” da hierarquia política chinesa, não houve declarações aos jornalistas.

Na quinta-feira, Zhao Leiji foi recebido em São Bento pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro. No final da visita, na rede social X (antigo Twitter), Luís Montenegro escreveu que “Portugal e a China possuem uma relação de amizade com raízes sólidas, que passam também por Macau”. “Abordei com o presidente do Comité Permanente da Assembleia Popular da República Popular da China, Zhao Leji, oportunidades para o reforço da nossa cooperação bilateral e multilateral em domínios de interesse comum”, adiantou o líder do Executivo português.

Na Xinhua descrevem-se mais detalhes sobre estes encontros. Ao reunir com Luís Montenegro, Zhao Leji “disse que a China sempre encarou e desenvolveu os laços com Portugal numa perspectiva estratégica e de longo prazo”, estando pronta “a trabalhar com Portugal para apoiar firmemente os interesses fundamentais e as principais preocupações de cada um, e para cimentar a confiança política mútua”.

A China espera assim, com Portugal, “uma cooperação mais estreita em domínios como a inteligência artificial, as energias limpas, a inovação tecnológica, a formação de pessoal e os intercâmbios culturais e interpessoais, encorajando as empresas dos dois países a expandir o investimento e a cooperação”.

O primeiro-ministro português terá observado, segundo a Xinhua, que “Portugal adere sempre ao princípio de uma só China”, tendo Montenegro “elogiado a prática de ‘Um País, Dois Sistemas’ na RAEM”.

“Sublinhando que a China é um parceiro económico importante para Portugal e que o seu país atribui importância à atracção de investimentos chineses, o primeiro-ministro português espera mais intercâmbios e cooperação com a China nos domínios da ciência e tecnologia, da economia marítima, da cultura e do desporto”, lê-se na Xinhua.

AR e APN mais juntas

A China tornou-se, na última década, o quarto maior investidor directo estrangeiro em Portugal. Empresas chinesas, estatais e privadas, detêm uma posição global avaliada em 11,2 mil milhões de euros na economia portuguesa, segundo o Banco de Portugal.

A Xinhua escreve ainda que, no encontro com o presidente da Assembleia da República portuguesa, Zhao Leji “afirmou que a APN está pronta a reforçar o intercâmbio de experiências em matéria de legislação e supervisão, a fim de fornecer garantias jurídicas para promover a cooperação bilateral em vários domínios e criar um ambiente empresarial justo, equitativo e não discriminatório”.

O presidente da APN “também expressou a esperança de que os legisladores portugueses no Parlamento Europeu continuem a apoiar a cooperação amigável entre a China e a UE”, sem esquecer “os progressos notáveis” relativamente a Macau nos últimos 25 anos com a prática de “Um País, Dois Sistemas”.

Zhao Leji indicou que Pequim “irá continuar a aplicar de forma plena, fiel e inabalável, o princípio de ‘Um País, Dois Sistemas’, segundo o qual o povo de Macau administra Macau com um elevado grau de autonomia”, apoiando “Macau na integração no desenvolvimento nacional”.

Aguiar-Branco terá afirmado que “os dois países respeitam-se mutuamente, aderindo à ideia de abertura e cooperação vantajosa para ambas as partes, tendo alcançado resultados positivos na cooperação em vários domínios”, referiu Aguiar-Branco.

Uma normalidade

Para a académica Cátia Miriam Costa, investigadora e professora auxiliar convidada do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, a visita de Zhao Leji a Portugal “constitui uma reafirmação de normalidade diplomática entre os dois países”.

“Apesar de ser uma visita de uma alta figura do Estado chinês, tratando-se do representante de um alto cargo chinês, presidência da Comissão Permanente da Assembleia Nacional Popular, é normal que passe despercebida aos meios de comunicação social que se focam em geral em visitas de representantes do poder executivo. Claro que esta visita representa uma oportunidade para reforçar laços, sobretudo, no que toca a aspectos da relação diplomática bilateral.”

Uma vez que a visita decorreu pouco tempo depois da vitória de Donald Trump, Cátia Miriam Costa defende que, neste período, “espera-se alguma mudança na política norte-americana”. Porém, “poderá incrementar o interesse desta visita, nomeadamente, através da tentativa de manutenção de alguns projectos de cooperação comuns ou de reciprocidade de procedimentos como acontece com a ausência de necessidade de vistos para curtas estadas de cidadãos portugueses em território chinês”.

Recorde-se que foi anunciado, na sexta-feira, por Pequim a extensão de 15 para 30 dias do período de estadia sem visto para cidadãos de países com isenção de visto em vigor, uma lista na qual Portugal foi integrado.

Uma “operação de charme”

Para Tiago André Lopes, professor de Relações Internacionais da Universidade Lusíada do Porto, a visita de Zhao Leji a Portugal, Espanha e Grécia “ocorre num tempo muito inteligente, do ponto de vista diplomático”. Trata-se de uma “clara operação de charme para acautelar os interesses económicos da China na Europa” após a vitória de Trump.

“Parece-me que a preocupação de Pequim é compreender as razões pelas quais a União Europeia decidiu assumir uma postura economicamente defensiva face à China, com a discussão política em sede de Comissão Europeia sobre política concreta para a desacoplagem económica da Europa face à China. Ao mesmo tempo, Zhao Leji trará a argumentação de Pequim sobre as vantagens económica de fortalecer os fluxos comerciais dos países do Sul da Europa, com a China”.

Tiago André Lopes destaca também algumas “preocupações” de Pequim no final deste ano, nomeadamente “a discussão, mais no Parlamento Europeu do que na Comissão, sobre a necessidade de ‘punir’ a China pela percepção de apoio, não apenas diplomático, à Rússia na incursão na Ucrânia”.

Neste ponto, o académico crê que Zhao Leji “irá, seguramente, tentar recolher informação sobre que tipo de punição referem os oficiais europeus e se os líderes portugueses, espanhóis e gregos estão dispostos a travar essas medidas, bloqueando-as no Conselho Europeu”.

“Não seria a primeira vez que Lisboa, ou Atenas, usariam o seu poder de veto para trancar decisões europeias avessas aos interesses de Pequim”, acrescentou.

O regresso de Donal Trump à Casa Branca estará também na agenda do presidente da APN. “A equipa de Donald Trump tem vários ‘Falcões Orientais’ que parecem desejar uma confrontação, pelo menos diplomática, com a China. Ora, nesse sentido, é importante aferir se Lisboa, Madrid e Atenas irão seguir e dar respaldo a essa estratégia, ou se o ‘afastamento cauteloso’ com relação à Administração Trump permite uma aproximação a Pequim.”

Destaque ainda para o posicionamento da iniciativa “Faixa e Rota” e os esforços da China de uma “maior inclusão do Sul da Europa”, tema que também estará na agenda de Zhao Leji.

Chá com Marcelo

Além dos encontros com Aguiar-Branco e Montenegro, a passagem de Zhao Leji por Lisboa incluiu uma reunião na quinta-feira com Marcelo Rebelo de Sousa. Na nota oficial deixada no portal da Presidência da República portuguesa, nada é adiantado sobre o conteúdo discutido, mas segundo a agência estatal chinesa Xinhua, Zhao Leji terá dito ao presidente português “que nos últimos anos, sob orientação dos dois chefes de Estado, a parceria estratégica abrangente China-Portugal tem vindo a aprofundar-se e a progredir solidamente, registando progressos constantes na cooperação ‘Uma Faixa, Uma Rota’, bem como ricos intercâmbios culturais e interpessoais.”

No encontro de quinta-feira foi referido que a China “aprecia a longa adesão de Portugal ao princípio de “uma só China” e está disposta a dialogar com Portugal com base no respeito mútuo e na igualdade, reforçando os seus laços como bons amigos que se respeitam e confiam um no outro, parceiros fiáveis para o desenvolvimento comum e companheiros próximos na aprendizagem mútua entre civilizações”.

Zhao Leji terá ainda indicado a Marcelo Rebelo de Sousa esperar que Portugal “continue a desempenhar um papel activo na União Europeia (UE) e a injectar mais energia positiva no desenvolvimento das relações China-UE”.

A agência oficial chinesa refere que Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que “Portugal e a China são bons amigos, com compreensão e afecto mútuos”, e que este ano “se assinala o 45.º aniversário do estabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países e o 25.º aniversário do regresso de Macau à pátria chinesa”. Marcelo disse estar disposto “a reforçar os intercâmbios de alto nível com a China, aprofundar as trocas amistosas e fortalecer a cooperação em domínios como o comércio, as novas energias, a economia marítima e a economia digital”.

“Portugal adere firmemente ao multilateralismo, salvaguarda o papel da Organização das Nações Unidas (ONU) e a autoridade do direito internacional. É muito importante que a Europa e a China reforcem o diálogo, e Portugal está disposto a desempenhar um papel activo nesse sentido”, afirmou o presidente português.

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