Manchete SociedadeEPM | Pedido a docentes efectivos que assinem contratos a termo João Santos Filipe - 25 Set 2024 A assinatura dos novos contratos levanta dúvidas legais. Se os novos vínculos forem considerados válidos, os docentes podem perder vários direitos, como a indemnização por despedimento ou gozo de dias de férias. A direcção garante que vai assumir “todas as responsabilidades” A direcção da Escola Portuguesa de Macau (EPM) está a pedir a vários professores residentes efectivos que assinem novos contratos, que terminam no final do ano lectivo. Os pedidos de assinatura começaram a ser feitos no início do mês, e de acordo com as minutas a que o HM teve acesso, consta nas propostas de contrato que os vínculos laborais se extinguem a 31 de Agosto de 2025. A medida está a causar polémica na instituição entre os docentes, que temem pelo seu futuro, apesar de alguns professores terem assinado os novos vínculos. Segundo alguns docentes ouvidos pelo HM, que pediram para permanecer anónimos, a renovação contratual é encarada como a preparação de um futuro despedimento, em que a EPM tentar “apagar” a antiguidade dos trabalhadores, para não ter de pagar as compensações exigidas por lei. A legislação actual define que as compensações por despedimento nos contratos sem prazo são feitas de acordo com a antiguidade dos trabalhadores, até um limite máximo de 252 mil patacas. Nos contratos a prazo não é devida qualquer compensação, quando se atinge a data do final do contrato. O HM contactou o director da EPM, para perceber os motivos que levaram a direcção a avançar com as propostas de novos contratos com termo para os docentes dos quadros. Neste aspecto, Acácio de Brito considerou que não houve alterações face ao ano passado: “Estamos a fazer o que foi feito nos anos anteriores. Sabemos que há uma interpretação que ao final de dois ou três anos os residentes locais passam a contrato sem termo, mas isso, naturalmente, não significa que não possamos fazer um contrato individual de trabalho, com as alterações que são necessárias fazer”, afirmou Acácio de Brito. “Nós temos um modelo de contrato individual de trabalho […] Se houver outro entendimento será dirimido pelos nossos serviços jurídicos e assumiremos todas as responsabilidades”, garantiu. O director da EPM afirmou também que no ano passado se registou uma situação de despedimento e que a instituição respeitou “as indemnizações previstas na lei”. Acácio de Brito reconheceu ainda que os novos contratos são assinados pelo presidente da Federação da Escola Portuguesa de Macau, Neto Valente, quando no passado eram assinados pela direcção da EPM. Divisões na fundação Ao HM, Miguel de Senna Fernandes, vice-presidente da Fundação Escola Portuguesa e advogado, afirmou não concordar com as novas propostas laborais, e explicou que os novos vínculos não podem ser entendidos como um novo contrato que apagam os direitos adquiridos pelos trabalhadores até agora. “A escola não pode fazer isto, as coisas não funcionam assim”, lamentou Senna Fernandes. “Há que contar sempre com os direitos anteriores, porque já existe uma relação contratual anterior a este contrato. Os novos contratos não apagam o que está no passado”, afirmou. O vice-presidente da FEPM reconheceu também estar informado sobre o assunto, porque recebeu uma queixa de um docente. Contudo, ressalvou que no seio da fundação não houve qualquer reunião a informar os membros sobre a oferta de novos contratos. “Em Agosto houve uma reunião, depois disso não houve mais nada. Não sabemos de nada. Desde que existe o Conselho de Administração da Escola, a Fundação não é informada de nada…”, lamentou. “Mas as coisas são o que são, o ministro [da Educação, Ciência e Inovação de Portugal, Fernando Alexandre] é que tem de saber destas coisas”, acrescentou. O HM contactou igualmente a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) para perceber a legalidade e os efeitos jurídicos da assinatura de contratos, quando existe um contrato sem termo. Até ao fecho da edição não foi recebida uma resposta. Impacto abrangente Também uma fonte conhecedora da legislação local explicou ao HM que os novos vínculos a termo não têm efeito: “Esses contratos novos são todos nulos, porque não se pode passar de um contrato sem termo para um contrato a termo. A legislação de Macau não admite isso”, foi indicado. “As entidades patronais até podem dizer que o contrato antigo acabou e que agora vigora o novo. Mas se os trabalhadores se queixarem nos tribunais, as entidades patronais vão perder, porque não é possível apagar os anos de trabalho anteriores”, vincou. A mesma fonte explicou que o contrato a termo está previsto na lei para situações muito específicas, de excepção, dado que a legislação atribui preferência nas relações laborais com residentes aos contratos sem termo. Apesar disto, é aconselhado que os docentes não assinem os vínculos: “Os trabalhadores não devem assinar esses contratos, mas mesmo que tenham assinado, não faz sentido entender que abdicaram dos seus direitos anteriores. As pessoas são residentes de Macau, e este procedimento é apenas uma forma de tentar contornar a lei”, opinou. Todavia, o facto de o contrato ser nulo não quer dizer que não tenha impacto na vida dos docentes. “A vida das pessoas não é só trabalho. Vamos imaginar que estas pessoas agora assinam um contrato a termo, mas antes tinham um empréstimo para a habitação. Quando os bancos perceberem que uma pessoa que pediu um empréstimo deixou de ter um contrato sem termo, as condições do empréstimo vão ser agravadas. Há uma diferença grande entre ser efectivo ou estar a prazo”, explicou.