Ai Portugal VozesAcabaram os direitos dos trabalhadores André Namora - 17 Nov 2025 O futuro dos trabalhadores portugueses vai ser muito negro. A maioria dos direitos conquistados com muita luta após o 25 de Abril de 1974 tem vindo a perder-se e agora poderá levar uma machadada forte. O Governo de Montenegro prepara-se, com o apoio do Chega, para apresentar aos deputados da Assembleia da República legislação que fere indubitavelmente os principais direitos adquiridos pelos trabalhadores. Um exemplo? Os patrões poderão despedir sem justa causa quando lhes apetecer. Em 24 de Julho, o Governo anunciou com inusitado entusiasmo na reunião do Conselho de Ministros a aprovação de uma vasta revisão da legislação laboral com a designação de Lei Trabalho XXI, destinada a destruir quase por inteiro a Agenda para o Trabalho Digno aprovada em 2023.Não se tratava de uma mera reforma. Tinha sido aprovado um ante-projecto de diploma com alterações profundas, que mexem em cerca de uma centena de artigos do Código de Trabalho. Não se tratava de algo leve e a matéria em causa foi logo entregue para discussão aos parceiros sociais. Estes, ao tomarem conhecimento das intenções do Governo, ficaram de tal modo perplexos que andaram estes meses todos a estudar artigo por artigo e concluíram que o caso era de tal forma grave que há muitos anos que não se juntavam as centrais sindicais UGT e CGTP para uma greve geral, a qual está marcada para 11 de Dezembro. Entretanto, os comentadores televisivos afectos à governação tendencialmente para o neofascismo, vieram logo em defesa de que algo teria de mudar na lei laboral porque as empresas não aguentavam a situação económica degradante em que estavam a caminhar. Nunca se ouviu um comentador dessa estirpe falar nas centenas de empresas que obtém milhões de euros de lucro. Os debates televisivos tinham uma intenção: era distrair as atenções dos aspectos mais relevantes da proposta governamental, enquanto o ritual do diálogo social era praticado em pleno Verão com a concertação social em serviços mínimos e o País a banhos olhando de soslaio para as notícias sobre o descontrolo dos incêndios e as urgências fechadas nos hospitais. Por seu lado, as confederações patronais manifestavam um júbilo previsível sobre as propostas do Governo. Mas, assim que a UGT e a CGTP anunciaram a greve geral eis que o primeiro-ministro veio logo a público com audição repetida em mais de dois dias, para divulgar o patético. Luís Montenegro descarrilou de imediato ao associar o protesto sindical a intuitos partidários colocando no mesmo saco a relação da UGT com o PS e a da CGTP com o PCP. Marcelo Rebelo de Sousa foi sibilinamente incorrecto como sabe ser quando pretende ser parcial e partidário sem despir a casaca presidencial. Veio dizer que a greve é precipitada por não existir sequer uma proposta legislativa. Presidente chico-esperto é outra coisa. Não há uma proposta de lei apresentada na Assembleia da República, mas está no site do Governo desde Julho um longo articulado com inúmeras propostas controversas tais como: fim da obrigatoriedade de reintegração do trabalhador em caso de despedimento julgado como ilegal pelos tribunais; possibilidade de contratação imediata de trabalhadores em outsorcing para substituir trabalhadores despedidos em caso de reestruturação empresarial; flexibilização das condições de despedimento sem justa causa; regresso do “banco de horas” individual, até 50 horas semanais ou 150 anuais, com base na ficção de igualdade negocial entre patrão e trabalhador; autorização para a contratação a prazo até três anos (termo certo) ou cinco anos (termo incerto); as mulheres serão severamente penalizadas com mais horas de trabalho e menor remuneração; eliminação da dispensa de trabalho nocturno e ao fim de semana de trabalhadores com filhos até aos 12 anos; tornar quase impossível o reconhecimento como contrato de trabalho das actividades de distribuidores de refeições ou motoristas da TVDE, que são considerados profissionais liberais; alargamento substancial das áreas sujeitas a serviços mínimos em caso de greve; as regras dos contratos colectivos deixam de se aplicar aos trabalhadores em regime de outsorcing e a lista quase não tem fim. Tudo em prejuízo dos direitos dos trabalhadores. Já há quem diga que este Governo de Montenegro é pior que o de Passos Coelho, de má memória. Em bom rigor, o anúncio da greve geral dá um precioso mês, tanto ao Governo como aos parceiros patronais, para clarificarem qual a evolução possível para que se possam distinguir na abertura e espírito negocial de imposição unilateral. O quadro de apresentação desta vaga de enfraquecimento dos direitos laborais e de criação de instabilidade adicional, sobretudo afectando as famílias e os jovens trabalhadores, surge numa altura em que o mercado de trabalho está no nível mais alto de sempre, com 5,3 milhões de trabalhadores activos e o desemprego está ao nível mais baixo desde a crise financeira internacional de 2008. Mesmo assim, o que se constata é que existe uma falta de trabalhadores, e que se tem acentuado com as restrições à contratação de estrangeiros, pelo que esta cruzada ideológica pela desregulação do mercado de trabalho é inimiga das famílias que trabalham. Concluindo: os trabalhadores no futuro vão enfrentar imensas dificuldades porque, infelizmente, o regime político está a virar para uma política quase antidemocrática e, quem sabe, se um dia não teremos legislação que proíba uma greve…