Via do MeioO Imperador que Outorgava Palavras Como Presentes Paulo Maia e Carmo - 16 Set 2025 Li Shimin (626-649), o imperador Taizong, o segundo da dinastia Tang, tinha em altissíma consideração as palavras, que valorizava mais que pedras preciosas, ouro ou qualquer outra riqueza material transaccionável, nelas reconhecendo a sua capacidade única como instrumento do espírito para actuar no mundo físico. Acarinhou algumas palavras em especial. Uma delas designa uma árvore, ziwei, a «murta de crepe» (lagerstroemia indica) que além da beleza das suas flores de textura enrugada como o papel crepe e uma coloração que vai do branco ao rosado, do malva ao púrpura, tem outras raras características como a de florescer no Verão e no Outono, donde o seu nome alternativo bairi hong, «cem dias vermelha». Mas também funcionava como uma homofonia na expressão ziwei leng, «humilde servidor da estrela púrpura» (o imperador) uma forma de designar um posto oficial no Grande secretariado do governo de Taizong cujo império enaltecia a fidelidade, como se vê no título da era do seu reinado Zhenguan, «Observando a lealdade». O poeta Bai Juyi (772-846), que foi um leal funcionário imperial, chegando a ser governador de Hangzhou e Luoyang, aproveitaria o duplo sentido da palavra num poema que se pode traduzir como: No Pavilhão dos Fios, onde se escrevem éditos, nada urgente para escrever. O tambor do relógio soa na torre, mas o tempo alonga-se na clepsidra. Sentado ao crepúsculo, quem me fará companhia? Só as flores da murta (ziweihua) respondem ao funcionário de serviço à estrela púrpura. O florescimento outonal da árvore fazia dela uma metáfora ajustada para letrados que viviam na esperança de um dia deixar os deveres oficiais, uma utopia que tinha o poeta Tao Qian (365-427), o «escondido», como modelo, para se dedicarem apenas às artes do pincel. Destas, a da pintura figurou muitas vezes as delicadas flores que teimavam em prolongar o Verão, impressionando pintores que se dedicavam ao género niaohua, de «pássaros e flores». Zhou Zhimian (1570-1606), um pintor de Changshu (Jiangsu), distinguiu-se nessa especialidade, usando em alguns casos uma combinação de processos para mostrar a longanimidade das flores de seis pétalas que enfrentam os primeiros frios. Numa pintura feita no formato de um leque dobrável (tinta e cor sobre papel dourado, 17,2 x 47 cm, vendida na Christies) ele usou o método mogu fa da pintura «sem ossos» em que a tinta ou a cor são usadas sem contornos, «manchando» o papel para figurar pétalas e ramos mas também a precisão do traço para delinear rebentos. De modo obscuro, o método adequa-se às flores ziweihua que partilham com o imperador a palavra zi, «púrpura» e «estrela do Norte», a morada terrestre do imperador celeste que Taizong, atento a palavras, usava na forma de poemas para criar laços ou elogiar comportamentos.