VozesNo aniversário de Bergman Amélia Vieira - 25 Jul 2025 O grande director de cinema sueco nasceu a 14 de Julho de 1918 e marcaria as nossas vidas como nenhum outro quando olhado do ângulo mais puro de uma intimidade que imprime códigos de decifração e de iniciação, olhamo-lo como se olham os espelhos- no outro lado- e sem dúvida que o formalismo quase religioso, ritualístico, enigmático, e quantas vezes indecifrável, foi nos seus filmes a única liturgia conhecida em duas gerações. O seu legado em nós permanece, o seu sentido estético era mais do que poderíamos ter exigido num mundo em que muito deste conceito estava desvanecente nas prioridades sociais, mas Bergman, foi uma espécie de fronteira que precisámos observar enquanto ritmo quase litúrgico. Só que o feérico Bergman seria bem mais do que isso, viveu bastante, morreria em 2007 e o seu lado de morcego não nos impede jamais de lhe prestarmos sincera gratidão. E, o que pode haver nele de tão negro? A sua circunstância e a época onde desenvolveu paixão grandiosa por Hitler, talvez pela influência familiar, ou não, nunca se sabe, mas suponhamos que sim, e como jovem musculado nas Olimpíadas de Berlim, Bergman exultou até ao último momento, apenas quebrando diante da realidade daquilo que foram os campos de concentração. Uma inquietante pergunta se nos impõe: devemos nós julgar os seres de forma moralista, ou exultar neles a dádiva do seu legado? Neste caso, e abertamente, o último parece o mais justo e recompensador, que o homem no seu instante histórico pode propor-se a coisas abomináveis, mas quando ultrapassado, pode transmutar-se e ser agente de grandes feitos. O ser moral não coincide com o génio, o talentoso ser pode ser de certa forma amoral e não lhe pedimos confessionalismos que magoem a sua fonte criativa, e é isso que nunca devemos esquecer. É bem evidente que nem todos aqueles que deram a mão à desgraça amanheceram transfigurados, mudados e mais humanos: não! a maioria seguiu o curso dos tempos e multiplicou-se reverberando um adágio alucinante que desaguou nesta colmeia de parasitas infelizes, a extrema- direita europeia. Entre os nacionalistas armilados, congregações de capa e espada, delírios hermenêuticos e cavalarias descalças, eles nunca levantaram mais nada para além do ridículo malsão que teima em se afirmar como lembrança desnecessária. É perigoso não saber discernir o local onde a beleza mora, e onde o ritmo civilizador se desvanece. É neste Verão que os «Morangos Silvestres» sabem bem como todos os frutos que nascem da seiva natural, e em seu memorável, frutuoso, e lendário legado, havia que enumerar dezenas de outros “frutos” onde a própria natureza não se vê. Há um além terrestre que o povoa e vai na direção de identidades ontológicas, onde sabemos que ir a Fátima a pé é muito mais perto que alcançar o milagre da sua iniciação. Manuel de Oliveira andou ligeiramente perto deste registo mas sem a componente translúcida e sequencial dos discursos, e muito aquém da refinada esquematização de imagem que requer um brilho que uma máquina parada nunca saberá devolver, porém, vamos encontrar nele reflexos escondidos do mestre da quase perfeição. Os políticos são sombras ao lado dos artistas, e o que eles fazem só a Deus pertence, onde suas faltam nada significam ao lado do significado que lhes dão. A sombra da soberba inquisitiva não pode culpabilizar os mestres que têm direito a falhas tão humanas quanto os demais, mas onde há um hiato que convém sempre salvaguardar, a própria excelsitude. O professor António de Macedo sabia bem do que falava nas suas quase homilias cinematográficas acerca da obra do grande cineasta. Parabéns aos dois.