Via do MeioFang Wanyi e a Importância da Flor do Loto Branco Paulo Maia e Carmo - 26 Mai 2025 Luo Ping (1733-1799), o inclassificável pintor de Yangzhou, no fim da sua vida já viúvo, monge budista e envelhecido, fez-se retratar segurando na mão uma flor branca de um loto. Nessa altura vivendo num mosteiro, ele já assinaria pinturas com o nome Huazhisi seng, «o monge do templo das flores». E de todas as flores foi o loto branco, bailian que o acompanhou como se fora um veículo que lhe abria a capacidade de se comover com a beleza das coisas do Mundo, com as pessoas. Porque Bailian era o nome de pincel da mulher com quem se casara aos dezanove anos. Zhu Shuzhen, a poeta do século doze escrevendo sobre a trágica história da concubina Yang Guifei, falou desse olhar iluminado sobre a beleza que é uma fresta para o espírito: «Flautas e instrumentos de cordas faziam levantar por momentos a sua saia de brocados,/ O seu corpo cheio e leve ao mesmo tempo revelava suas pernas prontas para voar./ E se o luminoso imperador Minghuang a tivesse visto nessse dia,/ Os bárbaros não teriam sido capazes de matar Yang Guifei.» Um olhar iluminado terá sido o que Fang Wanyi (1732-1779), com o seu nome Bailian, terá dado a Luo Ping, o que se viu nas suas ousadas pinturas. Ela era, como ele, poeta e pintora e os dois fizeram muitas pinturas em comum. Nas pinturas que ela fez sozinha destacava-se como motivo preferido a flor meihua, da árvore prunus mume traduzida habitualmente como ameixieira que, porque florescem ainda no fim do Inverno, era um exemplo de longanimidade. De resto, toda a família, o casal e os três filhos se dedicaram à pintura dessa outra flor branca. Fang Wanyi e o seu marido Luo Ping participavam nos habituais encontros sociais entre pintores, poetas e escritores com os ricos mercadores de sal de Yangzhou. Foi o caso de uma festa que ocorreu na Primavera de 1775 na propriedade do comerciante Ye Yongting. O nome escolhido para a sua residência Shuizhuang, «a quinta de alguém», possuía o carácter de uma pergunta e uma alusão à doutrina budista. Como o dono escreve numa nota autobiográfica, queria colocar em evidência a constância do espaço da quinta com a impermanência do seu ocupante. Dessa reunião seria feita uma memória escrita que neste caso resultou em dois álbuns com vinte pinturas e trinta e oito caligrafias de vários convidados e entre eles Luo Ping e Fang Wanyi (tinta e cor sobre papel, 19 x 24,5 cm cada um, vendidos na plataforma Bonhams). Alguns dos que escreveram, reforçando a ideia de transitoriedade expressa pelo anfitrião, usaram a expressão canghai sangtian, «mar azul tornando-se um campo de amoreiras», o provérbio que alude às grandes mudanças que ocorrem no decurso do tempo. Quem sabe se foi aquilo que permanece no tempo que levou Luo Ping a segurar na mão uma flor de loto branca ou foi ele que quis distinguir a palavra que na vida breve lhe iluminou o olhar.