Estudo | Alunos de línguas estrangeiras usam cada vez mais a IA

Um estudo de académicos da Universidade Politécnica de Macau conclui que 80 por cento de uma amostra de 25 alunos de português “usa regularmente” a inteligência artificial como ferramenta de estudo. Os autores do estudo alertam para a necessidade de conjugação com métodos tradicionais de ensino e de formação de docentes

 

Até que ponto a inteligência artificial (IA) está a ser usada por alunos chineses para aprender idiomas estrangeiros, e de que forma é feita esse uso? Um estudo desenvolvido pelos académicos e docentes da Universidade Politécnica de Macau (UPM) Vanessa Amaro e Manuel Pires conclui que o uso é crescente.

O trabalho, intitulado “Artificial e Natural: Interligências e Equilíbrios em PLE”, publicado na revista científica “Millenium – Journal of Education, Technologies and Health”, conclui que, de uma amostra de 25 estudantes da licenciatura em português da UPM, “80 por cento utiliza regularmente à IA. Os restantes recorrem a estas ferramentas de forma pontual, como para preparar apresentações ou na pesquisa de informações culturais sobre países lusófonos”.

Os estudantes em causa frequentam o terceiro e quarto ano do curso e foram escolhidos por possuírem “um nível mais avançado de domínio da língua portuguesa e maior experiência com diferentes abordagens pedagógicas, incluindo o uso de tecnologias no ensino”.

Além disso, “a maioria dos participantes tinha idades compreendidas entre 21 e 24 anos, oriunda de diversas províncias do Interior da China (cerca de 70 por cento) e de Macau”, sendo que “possuíam experiência prévia no uso de ferramentas de IA para a aprendizagem linguística”.

Em termos gerais, o trabalho destaca que a IA é cada vez mais importante “na aprendizagem de PLE [português como língua estrangeira]”, e que “a análise das interacções dos estudantes com a IA para a aprendizagem de línguas estrangeira é fundamental para garantir que as soluções tecnológicas sejam trabalhadas com base nas suas necessidades e expectativas”.

Refere-se ainda que os 25 alunos entrevistados assumem “uma atitude positiva em relação à integração da IA na aprendizagem do português, reconhecendo tanto as suas vantagens significativas quanto as suas limitações”. “Um tema recorrente foi a necessidade de manter o equilíbrio entre a utilização da IA e a interacção humana, destacando-se a vontade de um ensino de línguas aberto às novas tecnologias, mas sem comprometer os benefícios das relações interpessoais”, apontam os autores.

Dar à língua

Se 80 por cento dos alunos recorre frequentemente à IA, quais as finalidades desse uso? O estudo destaca que a IA consegue dar apoio “ao treino da pronúncia, especialmente no contexto da aprendizagem autónoma”. “Muitos destacaram a neutralidade das vozes geradas, que evita influências regionais, como um recurso eficaz para desenvolver hábitos correctos na produção oral.” Um estudante referiu aos autores do estudo que “a voz da IA é ajustada, não tem sotaque de qualquer região e, por isso, é bom para os alunos treinarem a compreensão oral com diversos tipos de textos para além dos materiais dados pelo professor na aula”.

Além do treino da pronúncia, as ferramentas de IA são também bastante utilizadas para a pesquisa de informações sobre os países de língua portuguesa. “Os estudantes reconheceram que estas ferramentas poupam tempo e permitem um acesso mais directo a conteúdos relevantes”, refere o trabalho, que destaca a resposta de um aluno: “ajuda-me a buscar informações sobre as tendências actuais no Brasil ou em Portugal, porque os livros e informações na internet estão dispersas e requerem várias buscas e muito mais tempo dispensado.”

Porém, é salientado, com base na experiência dos dois docentes, “que o uso excessivo de ferramentas de IA tem contribuído para a redução significativa no desenvolvimento de competências críticas entre os estudantes”.

“Cada vez mais trabalhos, tanto escritos como orais, carecem de profundidade analítica, apresentando estruturas lexicais e gramaticais avançadas que não correspondem ao nível real de proficiência dos alunos. Este desfasamento sugere uma relação superficial com os materiais de estudo, onde o esforço reflexivo e o pensamento autónomo são frequentemente substituídos pelas respostas geradas automaticamente pela IA”, conclui-se.

Complementaridade precisa-se

Segundo Vanessa Amaro e Manuel Pires, o estudo permite concluir que “a integração da IA no ensino de línguas estrangeiras é uma tendência irreversível, mas que requer uma abordagem pedagógica estruturada e cuidadosa”.

“A maioria dos estudantes [entrevistados] reconheceu a importância de adaptar o ensino de línguas à realidade tecnológica actual, salientando a necessidade de incorporar a IA de forma planeada nos currículos. O equilíbrio entre os métodos tradicionais e o uso das novas tecnologias é fundamental para garantir uma aprendizagem eficaz”, é concluído.

Um dos alunos defendeu mesmo ser “necessário haver um equilíbrio entre a IA e os métodos tradicionais”, pois “a aprendizagem de línguas pode ser melhor e mais interessante através da IA, mas falta-lhe a capacidade de criar ideias e imaginação, além dos aspectos interculturais da aprendizagem de línguas”.

Assim, para os alunos inquiridos, “a presença do professor, enquanto mediador do conhecimento, é vista como essencial, sobretudo no contexto específico de Macau, onde não ocorre uma imersão linguística durante o processo de aprendizagem do português”.

Por interacção humana entende-se, além da “transmissão de conteúdos linguísticos, a capacidade de interpretar aspectos culturais, sociais e emocionais, algo que a IA, apesar da sua eficiência técnica, não consegue replicar”.

Vanessa Amaro e Manuel Pires destacam ainda o facto de “os desafios éticos e pedagógicos da IA no ensino serem complexos e multifacetados”. Isto porque “a privacidade dos dados é uma preocupação central, pois muitas ferramentas de IA coleccionam informações pessoais que poderão ser utilizadas para fins que os usuários desconhecem”. Além disso, “o risco de viés algorítmico pode ser uma questão pertinente, pois se os algoritmos produzirem resultados que são sistematicamente incorrectos, tendenciosos ou injustos, tal pode acentuar dificuldades e desigualdades na aprendizagem e requerer redobrados cuidados na sua utilização e regulação”, é indicado.

Os autores consideram ainda que “a dependência excessiva da IA pode comprometer a interação humana, essencial para o desenvolvimento de competências sociais e culturais presentes nos processos educativos”.

Tendo em conta que “no ensino de línguas estrangeiras parecem existir diversas velocidades na integração da IA, havendo instituições de ensino superior que o fazem mais paulatinamente e ainda com bastantes reservas, assim como as que são mais desenvoltas e proactivas na forma como abraçam estas tecnologias”, cabe “fomentar o diálogo e a cooperação entre os diversos agentes de ensino para compreender o potencial da IA”.

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