Rota das Letras | Valério Romão apresenta “Mais uma Desilusão” este domingo

“Mais uma Desilusão – Primeira incursão de um novelista na criação poética” é o nome do evento em que Valério Romão, escritor e tradutor, apresenta o seu novo e primeiro livro de poesia, ou escrita poética. “Mais uma Desilusão” é um livro que reflecte sobre o Portugal de hoje, um país com várias crises, da económica à existencial, em que o autor se estreia numa nova forma de escrita. A apresentação começa às 16h no Antigo Matadouro, na Barra

 

Valério Romão gosta de Portugal, mas já não sabe muito bem porquê. Não entende o sentimento por um país que está permanentemente em crise, seja política ou económica, desde há vários anos, e que 50 anos depois do 25 de Abril de 1974, quando caiu a ditadura do Estado Novo, ainda está à procura de se encontrar.

A identidade do português nem sempre é a mais optimista, e falta estratégia ao país para se encontrar e ter uma existência mais saudável.

Todas estas ideias podem ser encontradas no novo livro de poesia de Valério Romão, “Mais uma Desilusão”, recentemente lançado em Portugal com a chancela da Abysmo e que será apresentado este domingo no âmbito do festival literário Rota das Letras, no Antigo Matadouro, na Barra.

Macau não é uma novidade para Valério Romão, por ser um território que o acolheu para uma residência literária, ou para anteriores participações no Rota das Letras. Apesar disso, o regresso faz-se sempre com curiosidade.

“Espero poder falar do meu mais recente livro, e como é um festival internacional, com forte presença de escritores chineses, quero conhecer o trabalho dos outros e alargar um pouco os horizontes”, confessou ao HM.

“Não sei se a cultura chinesa tem uma influência declarada no meu trabalho, mas certamente tem uma influência devida. Os escritores são, normalmente, produto das suas experiências, do que colheram e viveram. Nesse sentido, a cultura chinesa tornou-se central, na medida em que mostra uma forma de pensar diferente, estranha e às vezes incompreensível. Mas estimula-me sempre uma curiosidade tremenda”, adiantou.

Novos territórios

Voltando ao livro, Valério Romão assume que “quis explorar um novo mundo na escrita, sobretudo na forma”, depois de ter brindado os leitores com romances onde a família é tema central, como “Autismo” ou “O da Joana”, que pertencem a uma trilogia.

“As ideias andavam na minha cabeça há algum tempo, mas essa forma de escrita, que algumas pessoas chamam de poesia e outras, prosa poética, sim, foi uma novidade. Despir a pele de romancista foi algo natural, porque mesmo na minha escrita em prosa utilizo muito a metáfora, a comparação e figuras de estilo, e a ironia também. Muito do que está em ‘Mais uma Desilusão’ pode ser visto nos meus romances e contos anteriores, nessa prosa, mesmo que de forma embrionária”, confessou.

País em chamas

Valério Romão mostra, na escrita, a desilusão para com Portugal. “Não acho que ofereça grandes condições de vida. Estamos a recondicionar o país nos serviços, numa espécie de ‘tailandização’ para explorar tudo o que possamos dos turistas que vêm cá, mas depois não há apostas estratégicas. Não vejo grande liderança nacional que nos possa conduzir, nem sinto que haja ideias que, daqui a uns anos, nos possam levar para outro sítio. Se estivermos noutro sítio, e melhores, daqui a 30 anos, será mais por carolice e desenrascanço, que são tipicamente portugueses, do que propriamente por planeamento”, defendeu.

O autor entende que os portugueses são pessimistas, com pouca auto-estima, e com uma maior tendência para a melancolia do que para outro tipo de sentimentos mais alegres. “Só conseguimos olhar-nos ao espelho se alguém nos colocar o espelho à frente. E é importante [que essa análise] seja feita por historiadores, escritores, poetas, músicos. Temos a tendência a achar que somos os melhores e, ao mesmo tempo, os piores do universo, tendo uma auto-estima frágil e uma imagem distorcida, para o bem e para o mal, de nós próprios”.

Com “Mais uma Desilusão”, Valério Romão não quer “fazer um exercício de reflexão nacional”, tratando-se apenas de um “exercício de reflexão privada”. “Espero que contribua para mais conversas e reflexões”, aponta.

Sobre a identidade do português, “é demasiado tudo, é muito mediterrânico, mas ao mesmo tempo tem o Fado nos genes, então mais depressa vai para o Fado do que para o Samba”.

Portugal está na cauda da Europa em termos geográficos e, para Valério Romão, esse pode ser um dos factores para a crise existencial do país. “A classe política é um reflexo da nossa população e tem de melhorar quando nós, como país e portugueses, melhorarmos também. Isso tem a ver com os anos da ditadura, com o estarmos entre o Atlântico e a Europa central, com o estatuto periférico da Europa. Essa recuperação não se consegue em 50 anos [de democracia], talvez em 100, mas falta a educação também.”

O autor, que considera que, actualmente, “é pouco sexy falar de educação, por parecer haver uma ditadura da opinião pouco esclarecida”, mas, para si, “a educação é mesmo o elevador do indivíduo e dos povos”.

“As pessoas têm dificuldades económicas e até existenciais. Nos anos 90 toda a gente queria enviar os filhos para a faculdade, porque achavam que isso dava garantia de um futuro garantido, mas nesta altura percebemos que essa garantia não existe.”

O autor frisou ainda que “estamos numa altura em que existe um sentimento anti-ciência, anti-academia, em que se suspeita de tudo o que vem da academia”. “Estamos no paradoxo, em que achamos que a tecnologia nos dá acesso à árvore das patacas e em que, por outro lado, considerarmos que a ciência não serve para nada, sobretudo as ciências sociais”, disse ainda.

Em “Mais uma Desilusão”, Valério Romão confessou não ter sentido “grande diferença enquanto autor na escrita deste livro”. “Segui o roteiro que estava a ser imposto, a forma estava a adequar-se ao conteúdo, e vice-versa. Sou bastante livre quando escrevo um livro, no sentido em que acabo por não ter grandes regras antes de o começar, e não tenho grandes regras quando o estou a escrever”, rematou.

Subscrever
Notifique-me de
guest
0 Comentários
Mais Antigo
Mais Recente Mais Votado
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários