Imobiliárias políticas, Limitada

Eu estava num miradouro serrano para onde os meus pais e avós me levavam há cinquenta anos, quando tinha 10 anos de idade, para admirar a paisagem linda, olhando para cima, a serra cheia de neve e para baixo a globalidade da minha terra, a Covilhã. Resolvi sentar-me e escrever no caderno as primeiras linhas desta crónica sobre o que tinha acabado de ver e sobre as últimas notícias chocantes da semana passada.

Há cinquenta anos, a Covilhã era um conjunto de casarios admiráveis sem quaisquer arranha-céus. Hoje, a cidade serrana é tão horrível cheia de prédios por todo o lado da urbe. Prédios de vários andares são infindáveis. Fiquei a pensar como é grandioso o negócio das imobiliárias. Deve ser um negócio melhor que os mais lucrativos do mundo, os gelados, as pizzas e o café. Uma vez, fui uma semana a Lisboa visitar uns familiares e numa só avenida contei dez imobiliárias.

Os portugueses sabem que raramente conseguem comprar ou arrendar uma casa sem que seja através de uma imobiliária e que as comissões dessas empresas dão um lucro grandioso. E que se pretenderem adquirir um terreno, o ideal será que toda a papelada seja tratada por uma imobiliária, esteja o terreno perto de uma cidade, de uma vila ou mesmo num interior rústico. As imobiliárias tratam de tudo e as pessoas sujeitam-se ao que está definido no negócio deste tipo de intermediação no que respeita a imóveis, terrenos e ao que se tem de pagar às imobiliárias.

Pois bem, na semana passada a discussão política andou à volta de imobiliárias. Chamar-lhes-ei imobiliárias políticas. Porquê? Porque depois de um secretário de Estado do actual Governo se ter demitido quando veio a lume que era proprietário de uma imobiliária e simultaneamente estava a participar na alteração à Lei dos Solos, a comunicação social trouxe à colação que o primeiro-ministro Luís Montenegro tinha uma imobiliária e que afirmou ter vendido, imagine-se, a sua quota à mulher e filhos. O assunto foi à baila na Assembleia da República e os deputados da oposição não ficaram satisfeitos com as explicações, sobre o tema, apresentadas pelo chefe do Executivo.

Quanto a nós, Luís Montenegro não teve transparência ao ser interrogado sobre quem eram os clientes da sua empresa familiar. Era importante que se soubesse quem eram os parceiros de negócio, porquanto ficará sempre a suspeição de que esses clientes poderão vir a usufruir de benesses governamentais. Inclusivamente o semanário Expresso, na sua edição da passada sexta-feira, denunciou que os casinos ‘Solverde´ pagam 4.500 euro por mês à empresa de Montenegro. Depois, bem, depois tem sido um chorrilho de notícias sobre imobiliárias detidas por membros do Governo.

O ministro da Coesão Territorial, Castro Almeida, que tem a tutela das alterações à Lei dos Solos, também tinha uma imobiliária e veio dizer que já tinha vendido a sua parte, mas só depois da “bronca” com o primeiro-ministro. No entanto, posição diferente foi assumida pela ministra da Justiça, Rita Júdice, que veio a público afirmar que “não tem qualquer intenção de se desfazer do seu património pessoal, constituído com o seu trabalho e dos seus familiares”, nomeadamente as quatro sociedades com negócios imobiliários de que é sócia.

A verdade é que da Cultura ao Trabalho, passando pela Defesa e Presidência do Conselho de Ministros, vários Ministérios empregam actuais e antigos sócios de empresas do sector imobiliário. No Ministério do Trabalho, já é público que a própria ministra Maria do Rosário Palma Ramalho inclui a gestão de património imobiliário na sua empresa ‘Palma Ramalho, Lda’. Mas não é a única: o secretário de Estado do Trabalho, Adriano Rafael Moreira, também inclui no oblecto da sua empresa de consultoria a “gestão de património, podendo para o efeito, alienar, adquirir e arrendar imóveis e proceder à revenda dos adquiridos”.

A empresa chama-se agora ‘Orbis Terra – Consultoria e Gestão, Lda’, um nome mais discreto do que o anterior no que diz respeito à ligação ao imobiliário e o governante é sócio único. Mas o apetite pelos negócios imobiliários no Executivo de Luís Montenegro não se esgota nestes governantes e até a responsável pela pasta da Habitação no Ministério de Miguel Pinto Luz foi sócia de uma empresa que se dedica à compra e venda de bens imobiliários. Trata-se da ‘Promobuilding – Serviços Imobiliários Lda’.

A empresa onde Patrícia Gonçalves da Costa foi gerente entre 2010 e 2015 e sócia minoritária até 2019 detém ainda 50 por cento da ‘Urbanquestion, Lda’, outra empresa criada em 2023 com o mesmo objecto que inclui a compra e venda de imóveis, construção de empreendimentos próprios para comercialização e promoção de estudos de urbanização. No Ministério da Defesa, o antigo deputado do CDS Álvaro Castelo Branco, agora secretário de Estado Adjunto, é sócio da ‘Rent 4 You – Sociedade Imobiliária, Lda’. Desta sociedade também faz parte o antigo deputado do PSD e actual membro do Conselho de Administração do AICEP Paulo Rios de Oliveira.

O historial de actividades empresariais do ramo imobiliário estende-se ao Ministério da Cultura. O recém-nomeado secretário de Estado Alberto Santos deteve 90 por cento da sociedade ‘Villa Gallaecia – Mediação Imobiliária, Lda’, dedicada à mediação e angariação imobiliária, mas também à avaliação de imóveis e consultadorias várias.

E a própria ministra Dalila Rodrigues teve quota numa empresa da família: trata-se da ‘Rita Aguiar Rodrigues Arquitectos Lda’, que como o nome indica presta serviços de arquitectura, mas também inclui no seu objecto a construção e remodelação de edifícios e a compra, venda e revenda de bens imóveis. Em comunicado divulgado na noite de terça-feira passada, tanto a ministra como o secretário de Estado confirmaram que detiveram aquelas quotas em sociedades, mas que as cederam antes de tomarem posse no Governo. E na Assembleia da República? Bem, não fiquem de boca aberta.

No Parlamento, também não faltam deputados com empresas no ramo imobiliário. Além dos quatro parlamentares do Chega, o partido que viabilizou e tem adiado a votação que pode chumbar as alterações à Lei dos Solos, encontram-se muitos exemplos nas bancadas do PS e sobretudo do PSD. A dar o exemplo de empreendedorismo imobiliário num país onde o preço das casas e das rendas é incomportável para quem vive com salários baixos está o próprio presidente da Assembleia da República.

José Pedro Aguiar Branco é sócio da ‘Portocovi – Gestão e Administração de Bens Lda’, que tem por objecto a compra e venda de bens móveis e imóveis, arrendamento, gestão e administração de bens próprios ou alheios e prestação de serviços. Confrontado com a divulgação pública sobre a sua empresa, Aguiar-Branco respondeu aos jornalistas queixando-se de “voyeurismo” sobre os titulares de cargos políticos, onde “tudo é escarrapachado: o seu património, a sua situação do ponto de vista financeiro, tudo o que tem a ver com um acervo particular, ainda que não exista alguma suspeita”.

E o que queria Aguiar-Branco? Que os jornalistas fossem uns “macaquinhos” a silenciar, a não ouvir e a não ver? O mais importante é que tudo isto vem a público porque o Governo resolveu alterar a Lei dos Solos e na qual, futuramente, todas estas imobiliárias políticas poderão vir a usufruir de avultados rendimentos…

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