Grande Plano MancheteDiplomacia | Plataforma de Macau vista no contexto da política externa chinesa Andreia Sofia Silva - 19 Fev 2025 Em “Paradiplomacia na China: O papel de Macau nas relações entre os países de língua sino-portuguesa”, Xu Heng Wang conclui que o papel de plataforma com a lusofonia “pode ser visto com extensão da política externa da China”. Porém, a RAEM apresenta as suas próprias ideias, sem uma “completa obediência ao Governo Central”, indica a académica O papel diplomático de Macau no relacionamento com a China e os países de língua portuguesa foi o foco da tese de doutoramento de Xu Heng Wang defendida em Janeiro na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (UC). Em “Paradiplomacia na China: O papel de Macau nas relações entre os países de língua sino-portuguesa”, a autora defende que, no tocante ao papel de plataforma económica e comercial da RAEM na ligação de Pequim e os países de língua portuguesa, há uma certa extensão da política externa chinesa, mas, ao mesmo tempo, ideias próprias das autoridades locais. “Embora o papel de Macau como plataforma económica e comercial possa ser visto como uma extensão da política externa da China, tal não significa que Macau esteja num estado de completa obediência ao Governo central”, é referido no trabalho de investigação. Embora seja salientado que “é difícil discernir a vontade de Macau em se desenvolver, deve ser mencionado que Macau tem as suas próprias ideias sobre o rumo do seu desenvolvimento”, nomeadamente em relação ao jogo e toda a estrutura económica. “Há muito que Macau previu que a estrutura da sua economia seria desequilibrada e que o jogo seria dominante. As autoridades e os académicos têm também realizado muitos debates sobre a questão do desenvolvimento insustentável assente na indústria do jogo. Em simultâneo, Macau está também muito consciente das suas vantagens em termos de integração cultural, tendo levado a cabo a construção de uma cidade histórica e cultural, transformando-se numa atracção turística.” Entre as ideias próprias e o que está definido em matéria de política externa por Pequim, existe “uma direcção do desenvolvimento de Macau que, basicamente, é consistente com o papel que o Governo central concebeu para Macau”. Neste contexto, a autora conclui que “os interesses de Macau e do Governo central são basicamente os mesmos”, sendo “um caso especial de paradiplomacia na China”, em virtude da implementação da política “Um País, Dois Sistemas” no território e do elevado grau de autonomia que lhe proporciona em diversas áreas. O papel do Fórum Macau Xu Heng Wang fez uma abordagem diferente sobre esta questão, não recorrendo a teorias tradicionais da área das relações internacionais, pelo facto de “as interacções em Macau envolverem tanto actores estatais como não-estatais”, pelo que essas teorias “não fornecem uma explicação precisa do papel de Macau”. Desta forma, e para compreender o papel de Macau nas relações entre a China e os países de língua portuguesa, foi combinada a ideia de paradiplomacia com a teoria do Guanxi, termo usado para descrever relações sociais, económicas ou políticas que podem potenciar negócios ou outros benefícios. Assim, é referido que “a criação do Fórum Macau pode ser considerada uma das actividades paradiplomáticas em destaque”, com “Macau a desempenhar um papel que mistura o seu desenvolvimento com os objectivos estratégicos do Governo Central chinês, especialmente no que concerne aos países de língua portuguesa”. Entende-se que “Macau tem desempenhado algumas actividades relevantes nas relações entre a China e os países de língua portuguesa”, embora se assuma que “os resultados tenham sido limitados até agora”. A académica refere que estas actividades são “concentradas principalmente nos campos da economia, educação, turismo, cultura e tecnologia, com efeitos políticos que ainda não são tão evidentes”. Além disso, é apontado que “a influência de Macau nas relações entre a China e os diferentes países de língua portuguesa tem variado em intensidade”. Ainda assim, “grande parte da interacção e cooperação entre Macau, China e os países de língua portuguesa ocorreu através do Fórum Macau”. Ajuda com objectivos Em termos gerais, a “paradiplomacia de Macau é um processo complexo e fluído”, sendo que o território “mostra a sua identidade como um centro mundial de turismo e lazer e um centro financeiro característico com actividades internacionais”, com o objectivo de “melhorar a estrutura económica” e fazer uma diversificação além jogo. A autora destaca áreas fundamentais como os serviços para pequenas e médias empresas, intercâmbio-cultural e formação de talentos bilingues. Além disso, é explicado que “o Governo Central presta apoio político a Macau com base nas suas necessidades de política externa, com o reforço da cooperação” com os países de língua portuguesa. Nestas acções, incluem-se o projecto da Grande Baía, bem como a ideia do estabelecimento de Macau como centro de compensação do renminbi (RMB). “Por um lado, o Governo Central proporciona conveniências a Macau e ajuda [o território] a estabelecer a sua identidade, ‘apoiada pelo mercado da China continental’. Por outro, ajuda Macau a desenvolver a actividade de centro de compensação em RMB para as transacções que ocorrem na plataforma de negociação de Macau.” Assim, denota a autora, “o papel de Macau na paradiplomacia, mas como auxiliar da implementação da política externa central, é também evidente”. Porém, “a paradiplomacia de Macau não reflecte apenas o objectivo diplomático de ajudar o Governo chinês a estabelecer relações com os países de língua portuguesa, mas também a melhoria da própria influência internacional de Macau”. A tese de doutoramento apresenta também uma análise de casos práticos do relacionamento de Macau com os países de língua portuguesa mais marcantes na relação económica com a China, nomeadamente Angola e Brasil. “Para Angola, Macau tem desempenhado um papel de aproximação à China”, uma vez que o país africano necessita de “investimento estrangeiro para o sector da energia hidroelétrica, infra-estruturas e agricultura”. Desta forma, o eixo de ligação faz-se no Fórum Macau, onde “Angola pode estabelecer relações com o Governo Central chinês e cooperar em matéria de investimentos, além do sector petrolífero”. Além disso, “a maior parte do investimento da China em Angola provém de grandes empresas, enquanto as pequenas e médias empresas ainda dependem principalmente de Macau para a cooperação comercial”. No caso do Brasil a situação é ligeiramente diferente, pois “nas relações sino-brasileiras, o papel de Macau não é óbvio”, mais “centrada em torno dos BRICS”, grupo de economias emergentes inicialmente fundado pelo Brasil, Rússia, Índia e China, e que hoje conta com dez países membros. “Embora a primeira reunião ministerial do Fórum de Macau (2003) tenha precedido a primeira reunião dos líderes dos BRICS (2009), o impacto do Fórum de Macau nas relações sino-brasileiras não é obviamente tão bom como a influência estabelecida através de reuniões directas. Por conseguinte, nos primeiros tempos do estabelecimento de relações diplomáticas entre a China e o Brasil, as relações entre os dois países desenvolveram-se mais a nível nacional.” É destacado ainda que “embora o papel que Macau tem na abertura de uma porta para o mercado da China continental tenha sido estabelecido aos olhos do Brasil, o impacto de Macau nas relações sino-brasileiras ainda não se tornou óbvio”. É certo, porém, que nos últimos anos “o desenvolvimento contínuo do Fórum de Macau e a melhoria contínua das actividades organizacionais, a sua atracção pelo Brasil tornou-se cada vez mais evidente”. “À medida que o Brasil tenta expandir o comércio, a cooperação comercial e o investimento com a China deixarão de estar concentrados apenas nos gigantes empresariais nacionais e serão cada vez mais direcionados para as empresas privadas”, é ainda concluído. Em relação a Portugal, a “atitude é muito positiva”, à conta da ligação histórica existente. “Em muitos memorandos e declarações assinados com a China, foi afirmado que Macau está a desempenhar um papel cada vez mais importante como elo de ligação entre a China e Portugal. Portugal e a China têm uma grande cooperação técnica nos domínios das novas energias, da indústria aeroespacial e de outras inovações tecnológicas. Existe também uma profunda relação de cooperação no domínio da educação.” Destaca-se ainda que Portugal “não só assinou acordos de cooperação no domínio do ensino com universidades do Interior da China, como também assinou vários acordos de cooperação e intercâmbio com as principais universidades de Macau”.