Corrupção | Relatório alerta para lacunas em Hong Kong e Singapura

O Índice de Percepção da Corrupção 2024 apresenta Singapura como a terceira jurisdição mais limpa de corrupção a nível mundial, de um total de 180 países e regiões. Hong Kong está em 17º lugar no ranking, mas o relatório deixa um alerta: os centros financeiros mundiais continuam vulneráveis à corrupção

 

Foi divulgado, esta terça-feira, o Índice de Percepção da Corrupção (CPI, na sigla inglesa), que analisa a corrupção no sector público de 180 países e regiões, da responsabilidade da organização não-governamental Transparência Internacional.

No caso da China, o CPI revela que não houve uma mudança significativa. Se 100 pontos significa um país praticamente isento de corrupção, e 0 pontos um país altamente corrupto, a China registou, no ano passado, 43 pontos em 100, subindo uma posição em relação a 2023, ocupando a 76ª posição do ranking.

O CPI olha também para a situação de Hong Kong, que obteve 67 pontos em 100, ocupando a 17ª posição em 180 países e regiões de todo o mundo. Taiwan, está actualmente em 25ª posição no ranking dos 180 países, não se tendo registada qualquer mudança de posicionamento face ao CPI de 2023.

De registar a presença de um país asiático na lista dos quatro menos corruptos. É o caso de Singapura, em terceiro lugar com 84 pontos em 100, a seguir à Finlândia (2º) e Dinamarca (1º). A lista dos quatro melhores termina com a Nova Zelândia.

Segundo os dados oficiais do CPI, os países e regiões que são considerados “democracias plenas” têm uma média de 73 pontos, enquanto aqueles que têm sistemas políticos em que vigoram as “democracias com falhas” têm 47 pontos. Segundo o índice, os regimes não-democráticos recebem apenas, em média, 33 pontos.

O CPI analisa a corrupção em 180 países com base em fontes como estudos ou especialistas, medindo a corrupção apenas no sector público. São, contudo, assumidas limitações nesta contagem, pois o ranking não inclui “a corrupção de empresas privados, o secretismo financeiro ou a corrupção transnacional”.

Se a pontuação representa “o nível de percepção da corrupção do sector público numa escala de 0-100”, a posição do país no ranking é apenas a comparação com outros países, sendo que estas listas “podem mudar meramente se o número de países se alterar”.

Olhando para o cenário global, o relatório destaca que “mais uma vez que as economias desenvolvidas dominam o top do ranking CPI de 2024”, tratando-se de países que “beneficiam há bastante tempo de um Estado de Direito forte, do funcionamento de instituições governamentais e estabilidade política – factores que contribuem para uma percepção de baixos níveis de corrupção a nível interno”. Porém, “estes atributos fazem destes países alvos principais dos actores corruptos para lavagem de dinheiro e protecção dos ganhos ilícitos”.

O rasto do dinheiro

Segundo o relatório, o facto de economias desenvolvidas dominarem o CPI pode dar uma falsa ideia de que estes países “estão a combater a corrupção de forma efectiva e que se mantém intocados”. “Esta ideia não podia estar mais longe da verdade. Em particular, as nações que constituem grandes centros financeiros estão mais vulneráveis aos fluxos financeiros da corrupção. Enquanto as suas fortes instituições transmitem uma ideia de integridade, os sectores financeiros e quadros regulatórios providenciam, muitas vezes, oportunidades para explorar lacunas, diminuindo os esforços globais anti-corrupção”, é ainda descrito.

A este respeito são apresentados os exemplos de Hong Kong e de outros territórios associados a jurisdições offshore, onde nem sempre é possível determinar o rasto do dinheiro. “Centros financeiros ocidentais como a Suíça, Luxemburgo ou Reino Unido têm um histórico de escrutínio da facilitação das movimentações da lavagem de dinheiro. Contudo, os centros não ocidentais, como Hong Kong, Singapura e os Emirados Árabes Unidos progressivamente têm desempenhado papéis semelhantes e requerem uma análise semelhante.”

“Tal como os homólogos ocidentais, eles ostentam a existência de um forte Estado de Direito e instituições com um bom funcionamento, ainda que as leis bancárias, estruturas corporativas e provisões secretas permitem casos de lavagem de fundos e desvio de regulações, evitando-se a detecção” de casos menos legais, é ainda descrito.

Refere-se o caso da transferência de fundos africanos para centros financeiros, como é o caso de Carlos São Vicente, antigo CEO de uma empresa estatal angolana que transferiu cerca de 1.2 mil milhões de dólares americanos para empresas registadas nas Bermudas, e que posteriormente transferiu tranches de dinheiro para contas em Singapura e Suíça. Só para uma conta registada em Singapura foram transferidos 558 milhões de dólares americanos.

Opacidade aqui ao lado

No que diz respeito a Hong Kong, é revelado que em 2023 o território “impôs multas a quatro bancos no total de 3.2 milhões de dólares americanos, uns negligentes 0,0085 por cento dos lucros reportados por esses mesmos bancos nesse ano”.

Ainda no tocante à RAEHK, é revelado que “não existe um sistema central de registo sobre a posse de beneficiários – simplesmente é exigido às empresas que mantenham essa informação para si”. “Alguns tipos de fundos de investimento estão ainda isentos de manter registos dos seus proprietários. Com mais de 1,4 milhões de empresas registadas em 2023, manter o cumprimento da monitorização destas regras é um enorme desafio, criando-se lacunas que actores na sombra podem facilmente explorar”, descreve-se ainda.

Refere-se também que “a opacidade é ainda pior no que diz respeito a fundos de investimento”, com Hong Kong, Singapura e os Emirados Árabes Unidos “a não terem qualquer forma de registo dos beneficiários dos fundos”. “Como resultado, mesmo as autoridades não têm forma de saber quantos fundos existem e como operam nos seus países, deixando sozinhos os activos adjacentes a esses fundos. Nos casos em que há suspeita de ilegalidades, as autoridades confiam nos beneficiários para providenciarem informação: um processo que consome muito tempo e não é eficiente”, acrescenta-se.

Dinheiro e clima

Em termos gerais, o relatório do CPI destaca que, na região da Ásia-Pacífico, “os líderes têm falhado em travar a corrupção no meio da escalada de uma crise climática”. Numa nota assinada por Ilham Mohamed, Yuambari Haihuie e Urantsetseg Ulziikhuu, conselheiros regionais da Transparência Internacional, consideram que “os governos em toda a região da Ásia-Pacífico continuam a falhar nas promessas anti-corrupção”, chamando a atenção para o facto da região enfrentar muitos desastres naturais e ser “casa de um terço da população mundial, com o segundo maior número de população jovem” do mundo.

“Sem esforços concertados para combater a corrupção agora, a primeira geração que está a enfrentar a extrema alteração climática vai enfrentar consequências desastrosas”, é descrito.

“A corrupção obstrui políticas ambientais, trava financiamentos climáticos e impede o avanço em regulamentos e políticas, deixando mais vulneráveis aqueles que têm menos recursos”, descreve-se no relatório, que aponta para o facto de a corrupção travar “o uso efectivo do dinheiro” no combate às alterações climáticas.

É mencionado o Paquistão, “que sofreu vulnerabilidades climáticas sem precedentes nos últimos anos, com falhas sistémicas de governação e barreiras na implementação de políticas – incluindo atrasos na implementação de regulações e estabelecimento de instituições no âmbito da ‘Climate Change Act 2017’ – tenham deixado o contexto de financiamento muito aquém dos 348 mil milhões de dólares americanos projectados para finais de 2030”.

Destaca-se ainda o caso do Vietname, que teve 32 projectos de energia solar e eólica sob investigação devido a “abuso de poder”. O relatório descreve “que a falta de espaço cívico para uma fiscalização efectiva, bem como um número limitado de mecanismos para um apoio efectivo de sistemas de queixas – como a protecção de informadores – tem ameaçado estes programas fundamentais”.

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