Via do MeioA Lua e a sepultura de flores que tocaram Gu Luo Paulo Maia e Carmo - 10 Fev 2025 Bai Juyi (772-846), o preclaro poeta dos Tang que conheceu a separação da família desde os dez anos de idade, enviado para o Norte para escapar a uma guerra, e depois na sua instável vida de funcionário ziguezagueando no Império ocupando postos governamentais em distantes cidades, celebrou em muitos dos seus mais singulares poemas, encontros que teve. Como a inolvidável impressão que lhe causou a jovem na margem do rio Changjiang, tangendo as cordas do instrumento musical que tem uma base de madeira em forma de pêra chamado pipa, «cordas fortes tilintando como respingos de chuva,/ Suaves cordas murmurando como palavras sussurradas». Sobre a afinidade que nela percebeu, escreveu: «Nós os dois caídos em desgraça, vagueando nos confins do Mundo, não pecisamos de ser velhos conhecidos para nos encontrarmos por acaso.» Muitas vezes única testemunha silenciosa desses encontros ao acaso ou outros igualmente dilectos, apenas o intrigante brilho da lua que perdura como fiel consolação, restaurando a memória de tantos momentos felizes ou a presença de perdidos entes queridos. Recordações que, nas palavras «inundadas pelo luar» do poeta dos Tang, haveriam de reviver no espírito dos seus leitores. Como sucedeu muitos anos depois, já na dinastia Qing, quando um pintor e poeta nascido em Qiantang, actual Hangzhou, onde Bai Juyi foi governador, e no seu Lago do Oeste mandou erigir um dique que perdura até hoje, se inspirou em três circunstâncias características dos poemas do vate. Numa folha de álbum (tinta e cor sobre papel, 23,5 x 32 cm, no Metmuseum) numa pintura de Gu Luo (1763-1837) está escrito que esta resulta de um pedido, celebrando o luto por uma pessoa querida, lembrando palavras de Xiangshan jushi, o «eremita da Colina Perfumada», nome que Bai Juyi escolheu para si quando nos seus últimos anos viveu numa parte do mosteiro budista de Longmen na Colina Perfumada. Essas palavras referiam três situações: «A lua fria, o aposento vazio, uma pessoa partiu.» Gu Luo figurou nessa pintura, admirando a lua num aposento vazio, um letrado sentado com o seu filho ao lado, numa varanda, entre altos bambus e salgueiros numa atmosfera enevoda. Em outras três situações inspiradoras do poeta e romancista Cao Xueqin (1710-1765) se poderá ler a origem da pintura em rolo vertical Sepultando flores caídas (tinta e cor sobre papel, 86,7 x 30,5 cm, numa colecção particular, à venda na Christies). Palavras que o poeta atribui à sua personagem Lin Dayu do romance Honglou meng, «Sonho dos apartamentos vermelhos»: «Flores murcham, flores esvoaçam, flores enchem o céu». Para Gu Luo esses versos pareciam ressoar como o assombro do shimo, o «demónio da poesia», com quem lutava Bai Juyi. A sua forma de resistir ao angustiante e inquietante reino do imperador Daoguang (r. 1820-50) tornando ausências presentes.