Serpente, o animal astral chinês de 2025

Ana Cristina Alves,
Coordenadora do Serviço Educativo do CCCM
10.1.2025

 

O Ano de 2025 será comandado pela Serpente de Madeira Yin (乙巳蛇Yǐ sì shé), quer dizer, do sexto ramo terrestre, do elemento Madeira ligado ao princípio feminino, portanto à força lunar, misteriosa e intuitiva. Começa, em termos oficiais do calendário lunissolar, a 29 de janeiro de 2025 e termina a 16 de fevereiro de 2026, mas para a geomancia ou fengshui (风水 fēngshuǐ) o ano só inaugura a 3 de fevereiro na primeira primavera, lichun (立春lìchūn). Este ano, do ponto de vista das bênçãos telúricas, será particularmente agraciado porque terá duas primaveras, contando com uma segunda lichun a 4 de fevereiro de 2026.

E como para os Descendentes do Dragão “as coisas boas vêm aos pares” (好事成双 hǎo shì chéng shuāng), promete boa agricultura e fertilidade, sendo igualmente propício à meditação e ao contacto com a natureza, mas também aos contactos sociais, porque a Serpente de Madeira, dado o seu elemento, é a mais comunicativa, criativa, amigável e favorável aos relacionamentos entre estes répteis. Além disso, este tipo de Madeira define-se por ser trabalhador, honesto e popular, nem sempre é logo reconhecido, pelo que traz como aliada a virtude da perseverança, que lhe dá o reconhecimento dos seus esforços ao longo do tempo.

Ela é “a serpente que sai do buraco” (Kwok, 1997, 67). Pertence-lhe o período horário entre as 9h e as 11h da manhã. Embora o seu elemento fixo seja o fogo, como por exemplo, a madeira o é do tigre, e a sua cor constante seja, de acordo com o elemento, o vermelho, em 2025 predominará o verde, associado à Madeira.

A serpente é o símbolo sexual mais forte e, por isso, nas filosofias yóguicas indianas da linha tântrica, que se estendem por toda a Ásia e, em particular pelo sudeste asiático, ela é kundalini, como bem chamou a atenção C.G. Jung em The Psychology of Kundalini Yoga. Notes to a Seminar Given in 1932.

Como se relacionam os chineses com a força vital da serpente? De início eram bastante espontâneos, tinham uma filosofia animista que evoluiu para o taoismo popular, mas é preciso não esquecer que também desde muito cedo, a partir de Confúcio e do estabelecimento do Confucionismo, e de uma maneira sistemática desde os tempos Han, tem havido nesta cultura uma grande determinação para se controlarem as energias naturais. Esta tendência redobrou com a aceitação da filosofia budista, inicialmente muito distante das vivências naturais e tântricas.

Durante os tempos da última dinastia Qing, as vivências religiosas ligadas ao Budismo intensificaram-se e, como tal, o conflito entre as forças naturais e espirituais tornou-se manifesto, abrindo uma guerra semelhante à que assistimos no Cristianismo, com Eva e Adão a serem expulsos do Paraíso por causa de uma supostamente famigerada serpente.

A guerra aberta entre as forças naturais e da religião formal ficaria registada ainda na literatura chinesa, numa das histórias de amor mais pungentes, intitulada A Serpente Branca (《白蛇传》Bái Shé Zhuàn), também conhecida pelo nome dos seus protagonistas Xu Xian (许仙Xǔ Xiān) e Bai Niangzi(白娘子Bái Niángzi), que atingiu o apogeu da poularidade durante a dinastia Qing.

Nela os amantes são irremediavelmente perseguidos por um bonzo budista, que lhes destrói a felicidade ao insistir para que Xu Xian (许仙) se afaste da Bai Niangzi (白娘子), já que ela era uma serpente encantada.

Omitido pelo bonzo ficaria o esforço de meditação que levou a serpente a transfigurar-se em forma humana.
O que o bonzo budista não via, como ainda muitos religiosos cristãos não conseguem perceber, é que na face exterior do que parece ser transgressão se esconde uma força natural e espontânea estreitamente ligada à mente de quem lida com ela. Para uma mente pura, a força natural nada tem de impuro, para uma mente turva, a força é, na versão ocidental, pecado, e na oriental poder negativo e demoníaco.

A força da serpente é completa em si própria. Nada há a acrescentar-lhe. A atestar a sua perfeita completude, há uma história proverbial muito contada, Desenhar Pés à Serpente (畫/画蛇添足Huà Shé Tiān Zú) , frequentemente encurtada na expressão Os Pés da Serpente (Shé Zú蛇足).

古时候,楚国有一家人,祭完祖之后,准备将祭祀用的一壶酒,赏给帮忙办事的人喝。帮忙办事的人很多,这壶酒如果大家都喝是不够的,若是让一个人喝,那能喝得有余。这一壶酒到底怎么分呢?大家都安静下来,这时有人建议:每个人在地上画一条蛇,谁画得快,这壶酒就归他喝。大家都认为这个方法好,都同意这样做。于是,在地上画起蛇来。
有个人画得很快,一转眼最先画好了,他就端起酒壶要喝酒。但是他回头看看别人,还都没有画好呢。心里想:他们画得真慢。他洋洋得意地说:“你们画得好慢啊!我再给蛇画几只脚也不算晚呢!”于是,他便左手提着酒壶,右手给蛇画起脚来。正在他一边给蛇画脚,一边说话的时候,另外一个人已经画好了。那个人马上把酒壶从他手里夺过去,说:“你见过蛇吗?蛇是没有脚的,你为什么要给它添上脚呢?所以第一个画好蛇的人不是你,而是我了!”那个人说罢就仰起头来,咕咚咕咚把酒喝下去了。

Eis a minha tradução:

Nos tempos antigos, no Reino Chu (楚國/国Chǔ Guó), havia um Senhor feudal que após ter prestado as devidas libações rituais aos antepassados, ainda lhe sobrou um jarro de vinho, que pensou distribuir pelos empregados. Mas como estes eram muitos, o vinho não chegava para todos, porém para um seria mais do que suficiente. Afinal como havia de ser partilhado? Para que se acalmassem um deles sugeriu: “cada um vai desenhar uma serpente no chão, o que terminar primeiro, obterá o jarro de vinho.” Todos concordaram com a ideia e assim começaram a desenhar. Havia um que estava cheio de vontade de o beber, por isso despachou o desenho num abrir e fechar de olhos.

Ao olhar para os outros, viu que ainda não tinham acabado, pelo que pensou que eram muito vagarosos e disse triunfalmente: “Vocês são tão lentos que até tenho tempo para acrescentar pés à serpente!” Então, enquanto agarrava com a mão esquerda no jarro, com a direita acrescentou os pés ao réptil. Na altura em que estava a desenhar-lhe os pés e a falar, um outro terminou o seu desenho; arrebatando-lhe o jarro da mão, disse: “já viste alguma serpente? Se não têm pés por que lhos acrescentaste?!Por isso, o primeiro a desenhar uma serpente não és tu, mas sim eu.” Ao acabar de falar, levantou a cabeça e gluglu emborcou o vinho.

Num equivalente estilístico para Português, o primeiro vencedor tinha borrado a pintura. Numa leitura ontológica, nada há a acrescentar a uma força completa em si mesma. Logo, este dito é usado para mostrar alguém a fazer algo de supérfluo.

Quando a serpente pretende ser outra, tem aberto o caminho da metamorfose, semelhante ao do bicho da seda e da borboleta.

Os chineses estão bem conscientes do poder da Serpente (shé 蛇), cuja leitura etimológica é o verme radicalmente outro, o bicho, a força antitética da civilizada. Esta energia natural imensa foi rebatizada como Pequeno Dragão (小龙 Xiǎo Lóng) para dar espaço ao réptil a se cultivar e exercitar na via espiritual, num percurso interior do corpo à mente, sem, contudo, perder as suas raízes telúricas. A serpente rasteja na terra, se conseguir erguer-se aos céus como um dragão voador, realiza a união das duas forças primordiais do universo, a do Céu e a da Terra, no interior do corpo humano e no exterior do corpo cósmico.

Referências bibliográficas

Baidu. 2025.“画蛇添足” Baidu. Baike. Disponível em: https://baike.baidu.com/item/%E7%94%BB%E8%9B%87%E6%B7%BB%E8%B6%B3/463357, acedido a 10 de janeiro de 2025.
Jung C.G. 1932. The Psychology of Kundalini Yoga. Notes to a Seminar Given in 1932. Ed. Sonu Shamdasani, Princeton: Princeton University Press.
Kwok, Man-Ho. 1997. Chinese Astrology. Forecast your Future from your Chinese Horoscope. Singapura: Asiapac Books.
Revista Circuito (Redação). “2025 é o Ano da Serpente no Calendário Chinês. A Energia Predominante será a da Madeira Yin”. Revista Circuito. Disponível em: https://www.revistacircuitcom/2025-e-o-ano-da-serpente-no-calendario-chines/, 10 de janeiro de 2025, acedido nesta data.
Wang Suoying, Ana Cristina Alves. 2009. “A História da Serpente Branca”, in Mitos e Lendas da Terra do Dragão, Lisboa: Caminho.
Zhao Qingge (赵清阁) .1998. The Legend of White Snake. Beijing (北京): New World Press (新世界出版社)

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