VozesA borboleta de Edward Lorenz Olavo Rasquinho - 9 Jan 2025 Há algumas dezenas de anos a previsão meteorológica era feita apenas para um ou dois dias. Os meteorologistas traçavam manualmente as cartas meteorológicas de superfície, de seis em seis horas, e de altitude a vários níveis, de 12 em 12 horas, baseados em observações efetuadas nas estações meteorológicas nas chamadas horas sinóticas. Estas cartas abrangiam áreas muito vastas que se estendiam por regiões continentais e oceânicas. Recorrendo às últimas cartas e a sequências de cartas anteriores, os meteorologistas deduziam a evolução espácio-temporal dos sistemas de pressão e das frentes, traçando cartas de prognóstico. Tudo isto era feito manualmente, não sendo possível, nessa altura, proceder a cálculos baseados nas equações que regulam o comportamento da atmosfera. Claro que os meteorologistas, baseados em conhecimentos físico-matemáticos e na experiência, associavam os centros de ação (anticiclones e depressões), as massas de ar e as frentes a determinadas características de tempo. As equações que traduzem o comportamento da atmosfera já eram bem conhecidas nessa altura, mas a lentidão dos computadores e o fraco poder de cálculo não permitiam ainda produzir cartas de prognóstico com base nas quais se poderiam extrair, em tempo útil, as previsões em linguagem clara. De nada serviria uma previsão que só estivesse pronta depois do período de validade. Claro que isto se fez durante algum tempo, para testar os primeiros modelos de previsão matemática1 do tempo que então ainda eram bastante rudimentares. As primeiras tentativas de previsão numérica do tempo, levadas a cabo por Lewis Fry Richardson2 (1881-1953), foram completamente falhadas. Richardson chegou mesmo a ser ridicularizado pelo facto das suas previsões só estarem prontas bastante tempo depois do período de validade. Os cálculos eram então feitos à mão por colaboradores seus, para regiões restritas. Com o advento dos computadores, nos anos quarenta, as suas experiências começaram a fazer algum sentido, mas ainda longe de resultados satisfatórios. Só em 1950 foi alcançada a primeira previsão matemática do tempo relativamente bem-sucedida, com recurso a um computador eletrónico. A experiência foi levada a cabo com base no trabalho de Richardson. Assim, em 8 de março de 1950, usando o computador “Electronic Numerical Integrator and Computer” (ENIAC), a equipa composta, entre outros, pelo matemático John von Neumann e pelos meteorologistas Jule Charney e Ragnar Fjørtoft, terminou com êxito uma previsão para um dia, mas que demorou cerca de 24 horas a estar disponível. A previsão numérica do tempo progrediu grandemente na década de sessenta, devido ao advento dos satélites meteorológicos e aos modelos de previsão do tempo cada vez mais aperfeiçoados. Computadores com maior poder de cálculo permitiram a resolução rápida das equações complexas que regulam o comportamento da atmosfera, tendo como resultado previsões com maior fiabilidade e para períodos mais longos. Em 1975 foi criado, na Europa, o Centro Europeu de Previsão do Tempo a Médio Prazo (“European Centre for Medium-Range Weather Forecasts” – ECMWF). Nos Estados Unidos da América, o “Global Forecast System” (GFS) começou a operar na década de 1980. O ECMWF fazia inicialmente previsões para 5 dias, mais tarde para 7 a 10 dias e, desde 1992, para 15 dias. No que se refere ao GFS, o período de validade era inicialmente de 5 a 7 dias, aumentando para 10 dias e, no final da década de 1990, passou para 16 dias. Entre os numerosos produtos destes centros contam-se cartas meteorológicas de 6 em 6 horas, além de produtos para áreas específicas, como navegação aérea e marítima, agricultura, índices de incêndios florestais e de qualidade do ar, etc. Todo este progresso foi devido ao aumento do poder de cálculo dos computadores e a assimilação de dados mais eficiente, obtidos com recurso a estações meteorológicas terrestres e oceânicas, balões meteorológicos, satélites, aviões, navios e boias oceânicas. Há um certo consenso, por parte dos meteorologistas operacionais, que as previsões do ECMWF são mais fiáveis. Estão, no entanto, apenas disponíveis para os países membros. Os Serviços Meteorológicos e Geofísicos de Macau, por exemplo, quando a RAEM estava sob administração portuguesa, recebia produtos do ECMWF, o que deixou de acontecer a partir da transição para a administração chinesa. Os americanos disponibilizam as suas previsões sem essas restrições. Poder-se-á perguntar “por que não se fazem previsões para períodos mais longos?”. O determinismo, sendo uma teoria filosófica que sustenta que todos os acontecimentos são causados por eventos anteriores, pode-se aplicar às previsões meteorológicas, na medida em que, uma vez conhecidos os parâmetros que caracterizam o tempo num determinado momento (ou seja, as condições iniciais do estado da atmosfera), a evolução das condições meteorológicas poder-se-ia prever sem quaisquer barreiras. Acontece, porém, que a atmosfera é um sistema caótico, o que implica que, se os valores observados estiverem imbuídos de alguma imprecisão, os erros se repercutem, aumentando em função do tempo (“tempo” aqui refere-se a tempo cronológico). Também as pequenas perturbações na atmosfera, parecendo insignificantes, podem contribuir para grandes alterações no seu comportamento futuro. Daí o meteorologista Edward Lorenz (1917 – 2008) se ter referido a que uma pequena perturbação na atmosfera, como a causada pelo bater das asas de uma borboleta, poder, potencialmente, influenciar o tempo num lugar distante, algum tempo depois. Lorenz introduziu o conceito “efeito borboleta” na apresentação “Predictability: does the flap of a butterfly’s wings in Brasil set off a tornado in Texas?”, realizada em Washington D.C., em 1972. Trata-se de uma metáfora para enfatizar que pequenas alterações nos parâmetros meteorológicos (e.g., temperatura ou pressão atmosférica), podem influenciar eventos futuros num sistema caótico como a atmosfera. Nesta palestra, Edward Lorenz destacou a realidade de que a fiabilidade das previsões tem limites devido ao sistema complexo que é a atmosfera e ao seu caracter caótico. Pequenas alterações nas condições meteorológicas iniciais nos modelos de previsão como, por exemplo, o arredondar dos valores da temperatura, podem induzir alterações nos resultados da previsão. Para tornar as previsões mais fiáveis, os grandes centros mundiais de previsão do tempo recorrem também, além das previsões determinísticas, às previsões “ensemble” (previsões de conjunto), fazendo correr o mesmo modelo de previsão numérica várias vezes, mas com as condições inicias ligeiramente alteradas. O conjunto de resultados permite concluir, em termos probabilísticos, qual o tempo mais provável que ocorrerá num determinado local e num determinado período. Há, portanto, a necessidade de combinar modelos determinísticos com modelos probabilísticos, a fim de que se possa lidar com a incerteza inerente ao sistema atmosférico. As previsões tipo “ensemble” são de grande utilidade para gerir a incerteza sobre a evolução de certas situações meteorológicas. Os resultados destas previsões, que abrangem todo o globo, são disponibilizados aos centros nacionais de previsão do tempo a fim de que os meteorologistas locais as adaptem para as respetivas regiões. Com o avanço da ciência e da tecnologia, poder-se-á perguntar qual o papel que a Inteligência Artificial (IA) terá para melhorar a previsão do tempo. Será que contribuirá significativamente para obstar as dificuldades inerentes ao caos que caracteriza a atmosfera? Entretanto já decorrem estudos sobre a aplicação da IA na tentativa de aumentar o período de validade e a fiabilidade das previsões determinísticas e do tipo “ensemble”. Combinando IA com modelos de previsão do tempo já em uso, e com os avanços no que se convencionou chamar “machine learning”4, espera-se que, num futuro não muito longínquo, se possam detetar de maneira mais eficiente sinais precoces de eventos meteorológicos extremos como, entre outros, ondas de calor, furacões, tufões e tornados. No entanto, a atmosfera nunca deixará de ser um sistema caótico… Meteorologista Referências: Previsão matemática do tempo – também designada por “previsão numérica do tempo”. Lewis Fry Richardson (1881-1950) – Matemático, físico e meteorologista inglês que se salientou por ter sido um dos pioneiros na aplicação da matemática à previsão do tempo. Richardson foi também conhecido como pacifista. Segundo o seu neto, Thomas Körner, Professor de matemática na Universidade de Cambridge, o facto do seu avô ter sido ativista contra a guerra, fez com que destruísse estudos seus que pudessem ser utilizados para maior eficiência de armas químicas, usadas na primeira guerra mundial. Edward Lorenz: Matemático e meteorologista americano.Foi um dos fundadores da moderna teoria do caos, que consiste num ramo da matemática que estuda o comportamento de sistemas dinâmicos altamente sensíveis às condições iniciais. O conceito de “efeito borboleta” tem sido aplicado a muitas situações fora do contexto da meteorologia para ilustrar que uma pequena alteração num determinado comportamento, pode, eventualmente, ser a causa de consequências maiores. “Machine learning” (Aprendizagem automática) – trata-se de um subsistema da IA cujos algoritmos, em vez de seguirem instruções predefinidas, utilizam dados para identificar padrões, construir modelos e melhorar o seu desempenho ao longo do tempo. “Machine learning” (Aprendizagem automática) – trata-se de um subsistema da IA cujos algoritmos, em vez de seguirem instruções predefinidas, utilizam dados para identificar padrões, construir modelos e melhorar o seu desempenho ao longo do tempo.