O fogareiro de bambu de Wu Kuan

Tang Yin (1470-1523), o pintor de Suzhou que usou o nome Bohu, o «Tio tigre», que confessava a dificuldade em domesticar o seu carácter livre, como acontece muitas vezes, prezava por outro lado os laços de amizade com aqueles que se dispunham a acolher a inépcia na expressão do seu coração puro.

Num rolo de pintura conhecido alternativamente como Bebendo chá sob a árvore wutong, ou O fogareiro de bambu (tinta e cor sobre papel, 116,6 x 23,8 cm, no Instituto de Arte de Chicago) ele evoca o amigo pintor Wu Kuan (1435-1504) que falecera cinco anos antes. Na simplicidade da cena, comum entre letrados da dinastia Ming, representando um encontro ao ar livre de um literato com um monge budista, reconhecíveis nas suas vestes, ambos com uma taça de chá na mão, pequenos detalhes denunciam a sofisticação do momento.

No início do rolo, onde não há qualquer referência a uma habitação, à direita um criado inclina-se sobre um ribeiro recolhendo a sua água pristina para, vê-se depois, ser fervida por outro criado num fogareiro portátil de forma cúbica com uma chaleira circular, as figuras convencionais do céu sobre a terra.

Essa forma criada no início do séc. XIV por um artesão de Huzhou (Zhejiang) que trabalhava o bambu e que o monge Pu Zhen do Monte Hui (Wuxi), lugar onde se apreciava o chá, encontrou na estrada, numa viagem, distingue o rolo dedicado ao ausente Wu Kuan de outras pinturas de Tang Yin em que a apreciação do chá é pretexto para um encontro. Como o rolo horizontal Shiming tu (tinta e cor sobre papel, 105,8 x 31,1 cm, no Museu do Palácio em Pequim) em que evoca o amigo Chen Shiming, numa situação mais usual de hospitalidade em que um convidado vem chegando por uma ponte. Pormenores, na pintura para Wu Kuan, como o nome wutong, da árvore que acompanha o encontro e onde há uma homofonia com a palavra tong que significa «partilhar», aludem à afinidade que Tang Yin tinha com o amigo, com quem saboreava o chá.

Wu Kuan fora autor do poema Aicha ge, Canção de Amor ao chá:

Eu, o ancião que ferve a água,

amo o chá como amo o vinho,

Três ou cinquenta taças, não as contarei.

Começo na sala do chá,

onde não há coisas desnecessárias:

Apenas um fogareiro sob um almofariz.

Aqui não há nada para fazer, excepto ferver o chá.

O dia inteiro a taça nunca deixa os meus lábios,

Assistirá ao encontro de hoje, um único bule.

Da porta vem um convidado,

um verdadeiro amigo do chá,

Para expressar o agradecimento

e imitar o poema de Lu Tong,

Ferver o chá e seguir a ode de Huang Jiu.

A sequela do Livro do chá,

não empresto a ninguém,

A adenda ao chá,

deixo escorregar-me da mão.

Não quero ter nada a ver

com a vulgar plantação do chá,

Conheço apenas alguns hectares

do jardim de chá em baixo desta montanha.

Há pessoas que sonham

em percorrer o país do chá,

Mas, aqui e agora,

eu não quero fazer outra coisa.

Subscrever
Notifique-me de
guest
0 Comentários
Mais Antigo
Mais Recente Mais Votado
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários