Via do MeioO Exílio Criativo de Mi Wanzhong Paulo Maia e Carmo - 2 Dez 2024 Wei Zhongxian (1588-1627), o famigerado eunuco da corte que dirigiu os destinos do Império durante o breve reino do diminuído imperador Tianqi (1620-27), tomou uma quantidade de decisões arbitrárias de consolidação do seu poder pessoal e ilegítimo que afectariam a vida de inúmeros súbditos. Entre as centenas de prejudicados durante esse período de deterioração do poder Ming pelas acções de Wei Zhongxian, encontrou-se um funcionário oriundo de Pequim que estava destacado como inspector judicial na administração de Nanquim. Mi Wanzhong (1570-1628) viu-se obrigado a regressar à sua quinta nos arredores de Pequim. Mas esse exílio obrigado tornar-se-ia uma oportunidade de estudo e reencontro com as raízes das artes do pincel, a caligrafia, a pintura e a poesia. Assumindo a antiga posição social do eremita retirado, que não era necessariamente um corte de relações interpessoais indo viver para as montanhas mas um estado de espírito, uma perspectiva sobre a sociedade, preservando a integridade moral e a vida simples fora das cidades. Essa fértil via do eremita contou ao longo da História com diversos e notáveis exemplos como Sun Deng (activo entre 230-260) que desenvolveu o changxiao, o «assobio transcendental» e que era um diligente tocador do qin, o instrumento dos letrados, de onde «retirava oito notas a partir de um única corda», ou o poeta Tao Yuanming (365-427) que descreveu a utopia da Nascente das flores de pessegueiro. Assuntos, entre outros, que podiam ser debatidos em encontros desses literatos livres de compromissos oficiais, nas chamadas qingtan, as «puras conversações». Mas para Mi Wanzhong esse reencontro fez-se logo a partir do seu próprio nome, Mi, em que reclamava uma ligação de parentesco com o egrégio pintor, poeta e calígrafo dos Song do Norte, Mi Fu (1051-1107). Tê-lo-ia em mente ao escolher Youshi, o «amigo das pedras» como um dos seus nomes de pincel. Mi Wanzhong concebeu um desses desejados lugares de acolhimento de literatos no rolo horizontal Moradas de eremitas nas montanhas de Outono (tinta e cor sobre papel, 23,5 x 186,4 cm, no Instituto de Arte de Chicago). Na arte da caligrafia onde se pode perceber o carácter do autor, desenvolveu o seu estilo na complementaridade dos estilos de Yan Zhenqing (709-785) com a firmeza do traço que se aprecia nos textos gravados em pedras e ravinas, moya shike . Num poema que escreveu alude à vida descontraída de um amigo que morava no Jardim para celebrar a falta de jeito, uma virtude para os eremitas eruditos que se queriam simples e não sofisticados. «Preguiçosamente deixa crescer ervas e trepadeiras no caminho para o seu portão,/ E não permite que rodas ou cascos estraguem o musgo antigo./ Porquê então esses pássaros escondidos tão agitados?/ Em cadências, através do bosque, ecoam os seus gritos: acaba de chegar um amigo para beber.»