VozesAguentai-vos! Carlos Coutinho - 27 Nov 2024 TODA a gente sabe que, se as taxas alfandegárias de Trump prevalecerem, a economia europeia, já de si estagnada por causa das despesas com a guerra da Crimeia e com a perda do petróleo e do gás russos a baixo preço, vai ser ainda mais duramente atingida. O risco de uma crise levar ao fracasso e à desagregação do bando dos 27 existe e até o chanceler alemão Scholz já o percebeu. Assim como o próximo xerife-mor ianque que, para já, escolheu sabiamente para liderar o Departamento da Energia um grande empresário do petróleo, para a Saúde um ativista antivacinas e para a Educação um gorila que, além do mais, é empresário de wrestling, aquela tão norte-americana luta em ringue com cordas e árbitro. Como escreve o colunista do britânico “The Guardian”, Simon Tisdal, afinal, a União Europeia não passa de um guloso sem escrúpulos “discutindo tostões sobre quem fica com os assentos acolchoados da Comissão, como se isso fosse decisivo num mundo caótico e predador” e até Macron considera que “a Europa é uma frágil ovelha rodeada de lobos”. É notório que Trump, o “lobo” menos que rasca e mais que apalhaçado da “América Primeiro”, representa uma certa rutura na alcateia da política externa norte-americana desde o pós-guerra, para a qual a Europa não está preparada- As escolhas da sua próxima administração provocam calafrios e são a prova provada da sua intenção de aplicar os planos que anunciou durante a campanha eleitoral, desde aplicar à Ucrânia uma “solução para o fim da guerra” até ao agravamento radical de uma guerra comercial com a Europa. “Os bárbaros estão à porta”, avisa o mesmo Tisdal que escreve com sotaque hebraico. * DEPOIS de um périplo quase à sorrelfa, por todas as capitais da União Europeia, durante outubro e novembro, António Costa que acaba de ser rotulado por Ursula von Leyen como indivíduo pertencente a uma minoria étnica, vai assumir formalmente o cargo de presidente do Conselho Europeu, um cargo de penacho que sempre foi entreque a rafeiritos cautelosos sem propensão para fazer ondas. Sai das mãos do belga Charles Michel, um careca muito alto e extrovertido, mas ultra obediente a quem de facto manda na coisa. Além de provar as ideias que têm condimentado o apresigo da União, Costa tem tido como objetivo imediato escabichar as prioridades de cada chefe de Estado e de Governo, no bando dos 27, e começar a explanar também as prioridades do seu mandato de dois anos e meio. À cabeça dessa lista está religiosamente a manutenção do apoio incondicional à Ucrânia, nem que tenha de lhe enviar um saco de fisgas e outro de mocas de Rio Maior, assim como o alargamento da EU com foguetório de potência global. Há duas semanas o Charles belga disse ter a certeza de que o seu sucessor vai ser um indefectível “guardião de unidade” entre os Estados membros, sobretudo quando a EU enfrenta grandes desafios económicos e geopolíticos. A presidência a dar na sexta-feira ao filho de Maria Antónia Pala, que é meio irmão de Ricardo Costa, coincide, assim, com a presidência da loira e donairosa maltesa Roberta Metsola no Parlamento Europeu e com a liderança de outra loira ainda mais loira, a tal von Leyen na liderança da Comissão Europeia. Mas a última palavra pertencerá sempre a Donald Trump, nem que seja através de um megafone instalado no cadeirão mais apropriado da NATO. “Quem tem fome não tem escolha. O seu espírito não vem de onde ele gostaria, mas da fome”, assim falava, não Zaratustra, mas o grande escritor suíço que também era arquiteto, Max Frisch, e nos deixou obras primas como “Biedermann e os Incendiários” e “Andorra”. * Mariano José Pereira da Fonseca, filósofo, escritor e primeiro Marquês de Maricá, viveu entre 18 de maio de 1848, no Rio de Janeiro, deixando escrito: “A vitória de uma fação política é ordinariamente o princípio da sua decadência pelos abusos que a acompanham.” Talvez isto baste para que percebamos as razões por que o território mundial em guerra aumentou dois terços nos últimos três anos, ou seja, passou de 2,8% da superfície do planeta em 2021 para os 4,6 em 2024. Claro que foi em tempos imemoriais, mas, perante isto, Gonçalo M. Tavares apenas conseguiu dizer: “Catar pulgas seria, então, um ato físico que permitiria que os primatas se aproximassem uns dos outros, em tom amigável, e assim começassem a comunicar.” Mas não foi o que aconteceu e até a Albânia tem há onze anos um primeiro-ministro de tez acobreada, bigode farto e calvície absoluta que se chama Edi Rama e deixou os EUA transformarem o seu pequeno país balcânico na maior base militar na Europa que agora têm na têm na Europa. Edi é também chefe do PS albanês e quere agora entrar para a NATO e seguidamente para a União Europeia, onde os neofascistas já fazem parte de vários governos, como acontece na vizinha Itália, na Bélgica, Holanda, na Suécia, na Noruega e na Finlândia. Pensando em tudo isto, dei-me a recordar um Walt Whitman ainda condoído pela morte, assassinado, de Abraham Lincoln, entrando por uma elegia que começa com os versos: “A última vez que os lilases floriram no jardim junto da porta E, à noite, o grande astro se inclinou a ocidente no céu, Lamentei e hei-de lamentar o regresso eterno da primavera. Regresso eterno da primavera, trazes-me sempre esta mesma trindade, O perpétuo florescer do lilás, o astro que se inclina a ocidente E o pensamento daquele que amo.” Fernando Pessoa, atingido profundamente pelo célebre poema do autor das “Flores de Erva”, gritou para a outra banda do Atlântico: “De aqui, de Portugal, todas as épocas no meu cérebro, Saúdo-te, Walt, saúdo-te meu irmão em Universo, Ó sempre moderno e eterno, cantor dos concretos absolutos, Concubina fogosa do universo disperso, Grande pederasta roçando-te contra a diversidade das coisas Sexualizado pelas pedras, pelas árvores, pelas pessoas, pelas profissões, Cio das passagens, dos encontros casuais, das meras observações, Meu entusiasta pelo conteúdo de tudo, Meu grande herói entrando pela Morte dentro aos pinotes, E aos urros, e aos guinchos, e aos berros saudando Deus.” Claro que Pessoa não era uma pessoa qualquer e até conseguia lavrar horóscopos e haver tido um tempo em que também fazia anos, mas eu não ignoro serem muitas as almas aguerridas que apoiam incondicionalmente os norte-americanos, mesmo que tal nos ponha a todos muito perto de uma III Guerra Mundial. Grande azar, sermos nós a escrever as derradeiras palavras da história dos primatas, ou seja, a catar pulgas a alguém. Aguentai-vos!