Dar a vida pelos outros

No passado dia 13, em Melbourne, Austrália, uma professora morreu ao tentar salvar os seus alunos.

O incidente ocorreu porque o condutor de um camião que transportava um depósito de água se sentiu mal pelo que o veículo se despistou e embateu contra as instalações de um jardim infantil. Bryant, uma terapeuta da fala de 43 anos, ignorando a sua segurança fez todos os possíveis para afastar as crianças da trajectória do camião, mas acabou por ser atingida e teve morte imediata.

A polícia declarou que se Bryant não se tivesse sacrificado, muito mais crianças teriam morrido ou ficado feridas.

Toda a comunidade teve rapidamente conhecimento da acção heroica de Bryant e os residentes locais deslocaram-se à cena do acidente para depositar flores e expressar a sua admiração infinita e as suas condolências. Bryant deixou um marido que a amava profundamente, um filho de 11 anos e uma filha de 9 anos. A família ficou destroçada.

Em contrapartida, registou-se um caso oposto com o professor Fan. No terramoto de 2008 em Wenchuan, na província de Sichuan, China, este professor foi o primeiro a sair da aula quando se apercebeu do abalo. Só depois é que os estudantes evacuaram a sala, um atrás do outro. O professor Fan disse à comunicação social: “Escolhi viver, só me sacrificaria pela minha filha. Mesmo que a minha mãe estivesse em perigo, não queria saber, porque não consigo transportar um adulto. Em momentos de crise, só se pode salvar uma pessoa de cada vez.” Estes comentários causaram indignação na Internet e o professor foi alcunhado de “Fan Run Run” (“Corre, corre, Fan”).

O Ministro da Educação chinês reviu subsequentemente o “Código de Ética Profissional dos Professores do Ensino Primário e Secundário” de forma a incluir disposições para a “protecção da segurança dos estudantes.” Presentemente, o Código estipula que os professores devem “cultivar sentimentos nobres.” Posteriormente, o professor Fan pediu desculpa pelas suas declarações à imprensa. Mas anos mais tarde, ainda afirmava que faria o mesmo se voltasse a haver um incidente idêntico. Não tem remorsos porque sabe que era incapaz de salvar todos os alunos. Diz que admira heróis, mas que não é um deles. Aprecia sobretudo a própria vida.

Confrontados com duas opções completamente diferentes, qual devemos escolher? Como devemos avaliar? Talvez uma história Budista nos possa ajudar a encontrar a resposta.

Havia na floresta um elefante com seis presas. Era gentil, forte e diligente. Certo dia, salvou um caçador seriamente ferido e levou-o para a aldeia. Depois de o caçador recuperar dos ferimentos, viu um édito do rei, que dizia: Quem caçar um elefante de seis presas e me trouxer como tributo o marfim será recompensado. O caçador ficou ganancioso, disfarçou-se de médico bondoso, entrou sorrateiramente na floresta, aproximou-se e atingiu o elefante com setas venenosas.

O elefante das seis presas caiu ao chão por causa do veneno. Os outros elefantes cercaram rapidamente o caçador, mas o elefante das seis presas pôs as patas dianteiras em torno do caçador para o proteger e para dar sinal aos outros para se retirarem.

O elefante das seis presas perguntou ao caçador: “Porque é que me feriste?”

O caçador ficou envergonhado e contou-lhe a verdade. O elefante partiu as suas presas e deu-as ao caçador, dizendo-lhe: “Com este donativo, podes entender o lado glorioso da vida. Se eu me tornar um Buda, voltarei para te salvar e retirar as três setas venenosas do teu coração: a ganância, o ódio e o engano.”

Esta fábula ilustra o verdadeiro significado do amor. O amor e a bondade do elefante das seis presas são incondicionais, tal como o amor de muitas mães pelos seus filhos, que se sacrificam para os proteger em alturas difíceis. O amor de Bryant pelos seus alunos, como o amor maternal, aquece os corações, ajuda as crianças a crescerem harmoniosamente e faz a escola brilhar.

Assim sendo, os professores têm a obrigação de se sacrificarem pelos seus alunos? Na perspectiva de Fan Run Run a profissão de professor não implica sacrificar a vida. Mas, em certas circunstâncias, o cumprimento do dever do professor pode custar-lhe a vida. Professores que arriscam a vida para salvar os alunos praticam actos heroicos e demonstram ter os mais altos padrões morais. Mas também devemos compreender que os professores não têm obrigação de sacrificar a vida. Uma das principais prioridades dos professores é a protecção da vida dos seus alunos, mas isso não significa que tenham de se sacrificar.

Como optar? As escolhas das pessoas baseiam-se nos seus valores e experiência de vida, por isso deixo ao leitor a capacidade de julgar. Mas prestemos aqui a mais alta homenagem à dedicação de Bryant que sacrificou a vida para salvar e iluminar os seus alunos. Amamo-la e sentimos a sua falta. A sua família está extremamente orgulhosa dela.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

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