Lisboa | Ana Jacinto Nunes com nova mostra na galeria Belard

“Numa Cadeira: Um Ganso ao Colo, um Cão aos Pés” é a nova exposição de Ana Jacinto Nunes, ex-residente de Macau, que pode ser vista até Novembro na galeria Belard, em Lisboa. Através de pinturas, esculturas e desenhos, a artista revela o seu mundo interior contado de forma visual, sujeito a várias leituras, por não serem necessárias palavras

 

Catarina Mantero, pintora e fundadora da galeria Belard, em Lisboa, entrou um dia na casa de Ana Jacinto Nunes, artista e ex-residente de Macau, e deixou-se fascinar por aquilo a que chama o “mundo mágico de Ana”, cheio de detalhes, histórias e elementos que, gradualmente, se vão descobrindo. Há cadeiras, cães, gansos ao colo e, desde a pandemia, uns óculos de mergulho que remetem para a necessidade de respirar. As formas vão aparecendo e ganhando um ritmo próprio nas suas obras.

Depois desta visita, nasceu a vontade de realizar uma exposição individual de Ana Jacinto Nunes que foi inaugurada esta quarta-feira, e que fica patente até Novembro. Nesta entrevista, a artista prefere transferir para Catarina Mantero, curadora, a explicação da sua arte, que transmite a ideia de casa e do mundo específico da artista.

A mostra “Numa Cadeira: Um Ganso ao Colo, um Cão aos Pés” é o resultado de peças escolhidas por Catarina Mantero que fazem uma espécie de retrospectiva da carreira da artista que já viveu em muitos lugares, mas que considera ainda Macau um pouco como a sua casa.

“A minha vida vai mudando e o meu trabalho também vai mudando com ela. Ando sempre à volta das mesmas questões, que não sei muito bem quais são, mas são da minha vida. Só posso trabalhar sobre o que sinto e o que anda comigo, e entusiasmo-me mais com determinada técnica a certa altura. Em cada técnica tenho, se calhar, uma resposta diferente, embora seja a mesma mão. Podem surgir coisas mais pesadas ou mais leves. Às vezes temos de respeitar o caminho que os materiais ou os pincéis fazem”, descreveu ao HM Ana Jacinto Nunes.

A cada pergunta, a resposta acaba por recair em Catarina Mantero. Para a artista, a explicação é simples, recorrendo à literatura. “Um escritor escreve um livro. E depois perguntam sobre o que é. A resposta é: ‘leiam’. A tinta é toda igual. Costumo dizer: ‘Queres saber como se faz? Ensino-te’. Não é a técnica que faz o artista. Há imensos segredos.”

Assim sendo, o objectivo é que, na galeria Belard, as obras expostas falem por si, numa comunicação visual e não verbal. “Tenho de respeitar esta postura da Ana, porque o que ela diz é que, se quisesse escrever, escrevia um romance. Demos este nome a esta exposição por ser uma experiência, um convite a entrar no mundo da Ana, colocando perguntas a fim de deixar as pessoas sentirem a experiência destas obras. Isso vai ser o reflexo de cada um: vão ver um sofá, um banco, um ganso, uma senhora, muitos elementos reconhecíveis, mas depois cada um constrói uma narrativa, que vai ter uma parte da projecção da Ana, incluindo o lado de quem estar a observar”, descreve a curadora.

O nome da exposição é, assim, “bastante invasivo, transmite-nos uma imagem, mas não nos diz nada de concreto, abrindo-se, assim, a porta para algo sensorial que não seja imediatamente inteligível”. “É um nome com muitos símbolos, que se repetem na obra da Ana, e que lança uma pergunta: porquê tantas cadeiras, cães, o ganso ao colo, que é uma coisa invulgar?”, acrescentou.

Para Catarina Mantero, “a Ana é pintora, escultora, desenha, e tenho muito interesse nessas várias vertentes dela como artista, não só enquanto galerista e artista, mas também como observadora e consumidora de arte”. “A Ana está sempre a questionar a técnica que usa para narrar aquilo que tem cá dentro. O que ela tem a dizer sai-lhe pelas mãos”, referiu ainda.

Dois anos de galeria

Ana Jacinto Nunes tem o atelier em casa e juntos compõem o seu mundo muito próprio, que está cheio de trabalhos que se apresentam nesta mostra, mas nem todos são novos. “Vemos as influências de vários momentos no seu percurso artístico, mas o que queria trazer é este fascínio que sinto cada vez que vou visitar a Ana a casa e ao atelier. É o mundo mágico de Ana. É uma coisa tão particular de se viver que esta mostra é só uma alusão a esse mundo. É importante esta experiência do mundo interior da artista para se compreender outra camada deste trabalho.”

Ana Jacinto Nunes confessa que Catarina Mantero escolheu as “obras mais difíceis”, mas a curadora discorda. “Não acho que tenha escolhido as obras mais difíceis, escolhi aquelas que tinham mais a ver comigo, em que veja um factor de qualidade acrescido. Nesta criação da Ana revela-se quase uma compulsão, a forma dela de ver o mundo.”

O que permanece sempre é uma “sensibilidade” da artista pelos materiais, e mais uma vez entra a ligação que Ana Jacinto Nunes tem com a China e com Macau, onde viveu alguns anos. “As coisas mais ricas que tenho vieram da China, os pincéis, a tinta da China”, apontou.

Catarina Mantero destaca, assim, “a sensibilidade que ela tem com os materiais e as coisas que, se calhar, alguém simplesmente define como um simples papel”. “Isso é mágico e vê-se em cada trabalho da Ana, essa sensibilidade com os materiais e a sua crueza. Daí abraçar o que tem defeito, o que está partido ou amarrotado, porque tem um amor e fascínio pela imperfeição.”

O projecto da galeria Belard nasceu há dois anos depois de Catarina Mantero, ela própria pintora, ter decidido estudar arte em Nova Iorque, onde aprendeu técnicas e todo o processo de negócio associado à arte, ganhando uma visão global da área.

A galeria Belard assume o foco na arte figurativa, por querer mostrar algo diferente. “Estava saturada da arte conceptual pura queria apresentar neste espaço artistas que estivessem profundamente embebidos no léxico no qual comunicam, que passam a vida a aprimorar técnicas ao serviço de uma história que querem contar. Apresento aqui a técnica ao serviço do conceito”, descreve Catarina Mantero.

A curadora queria trazer para Lisboa artistas nova-iorquinos, até que percebeu que era “hipócrita” não ter também artistas portugueses e lisboetas. Foi assim que surgiu a ligação ao trabalho de Ana Jacinto Nunes. “Sempre que a visito no atelier é como se entrasse, literalmente, na sua casa, porque ela não gosta de falar do seu trabalho, diz que não sabe, mas sabe perfeitamente o que faz”, remata.

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