Mais fácil atar o nó que desatá-lo II

A semana passada analisámos as alterações ao Regulamento do Registo Matrimonial contidas na Proposta de Lei apresentada pelo Governo Central da China. As duas alterações que chamaram mais à atenção foram o período de 30 dias de reflexão antes da efectivação do divórcio e a obrigação de informar o futuro cônjuge de qualquer doença grave, antes do casamento. Nas menos significativas estão incluídas a eliminação da necessidade de um registo do agregado familiar para o certificado de casamento e a obtenção do “acesso a nível nacional”, ou seja, o registo de casamento pode ser feito em qualquer local da China continental.

O objectivo da criação dos “30 dias de reflexão” é muito claro. Dá uma oportunidade aos cônjuges para reflectirem e comunicarem entre si. Durante este processo, podem ambos rever os bons momentos que passaram juntos, pensar sobre os problemas do seu casamento e tentar encontrar uma solução.

A outra alteração importante contida na Proposta de Lei é a notificação de doenças graves. Segundo o Artigo 12 da Proposta de Lei, alguém que sofra de uma doença grave tem de informar o futuro cônjuge da situação antes do casamento. Se isto não se verificar, pode ser requerida a anulação do matrimónio. A introdução desta clausula não só reforça o direito de ambas as partes à informação, como aumenta a transparência e a equidade no casamento.

Esta alteração parece simples, mas existem vários aspectos que devem ser considerados.

Primeiro, a julgar apenas pelas disposições da Proposta de Lei, se um homem for infértil, tem obrigação de informar a mulher antes do casamento, e sobre ele recai o ónus da prova caso venha a ter lugar um processo jurídico. Portanto, em tribunal, se o homem quiser demonstrar que cumpriu a lei, tem de provar que informou a mulher da sua infertilidade, antes do casamento. Nesse caso, como é que ele pode provar que informou a mulher atempadamente? A mulher tem de assinar um documento que o comprove? Terá o homem de gravar o momento em que informa a mulher da sua infertilidade? Ou precisará de uma testemunha?

Segundo, a Proposta de Lei não define claramente o conceito de “doença grave”. Não são facultados padrões específicos para a definição de “doença grave”. Hoje em dia, a prática jurídica na China continental remete para os tribunais a decisão de classificar uma doença como “grave” e essa decisão é baseada na “Lei de Cuidados Materno Infantis da República Popular da China”. No entanto, devido a limitações das disposições da Lei dos Cuidados Materno Infantis quanto ao âmbito dos exames de despistagem de doenças pré-natais a nível da saúde mental, apenas são referidas a “esquizofrenia, a psicose maníaco-depressiva e outras doenças mentais graves”, mas não existe regulação sobre o distúrbio de ansiedade e depressão, a mania da perseguição e outras doenças que podem ter um impacto negativo no cônjuge. Existem algumas dúvidas sobre se estas últimas perturbações são consideradas como doenças graves na Proposta de Lei.

De acordo com os objectivos da Proposta de Lei, é esperado que os futuros esposos estejam a par da condição física e mental um do outro, antes de casarem. Segundo esta perspectiva, qualquer doença que possa afectar a vida a dois deve ser revelada antecipadamente à outra parte. No entanto, a interpretação da lei pode estar sujeita a diferentes análises e interpretar a Proposta de Lei à luz do seu objectivo original é apenas uma das formas de o fazer. Na medida em que existem várias formas de interpretar a lei, se o devemos ou não fazer de acordo com o propósito original já é outra questão.

Algumas pessoas sugerem que deveriam ser listadas todas as doenças consideradas “graves”; outras acreditam que devido à sua enorme variedade e às complexas e variadas situações, é difícil fornecer um padrão unificado. Ambos os argumentos têm o seu mérito. Aparentemente, será apenas através da prática jurídica que este sistema será gradualmente clarificado e aperfeiçoado.

Terceiro, na China continental, desde 2003, os exames de saúde pré-nupciais deixaram de ser obrigatórios. Em certa medida, a exigência destes exames resolveria o problema. Mas como este sistema já não está implementado, vai depender do casal encontrar outras formas de o solucionar. Em nenhuma das duas Regiões Administrativas Especiais de Hong Kong e de Macau existem disposições que obriguem os futuros esposos a informar a outra parte, antes do casamento, de qualquer “doença grave”, nem são exigidos exames médicos pré-nupciais. É questionável se nestas regiões se pode pedir a anulação do casamento se alguém só vier a saber que o cônjuge sofre de uma doença grave depois do casamento.

Nas outras alterações estão incluídas a eliminação da necessidade de um registo do agregado familiar para o certificado de casamento e a obtenção do livre “acesso a nível nacional”. O propósito é claramente facilitar o casamento. Antigamente, o casamento tinha de ser registado no local de origem. À luz da Proposta de Lei, os casamentos podem ser agora celebrados em qualquer localidade da China continental. Se compararmos com a necessidade dos 30 dias de reflexão antes do divórcio, não admira que os internautas acreditem que uma das funções da Proposta de Lei é ajudar as pessoas a manter os seus casamentos. Não deixa de ser verdade dizer que o casamento é mais fácil do que o divórcio.

A lei estabelece a necessidade de informar o futuro cônjuge de qualquer doença grave de que se padeça, mas é difícil regular a franqueza e a confiança. Num casamento, devem ser ambos honestos um com o outro. Quem está doente informa do seu problema e ao outro cabe aceitá-lo. Isto é um sinal de confiança. A franqueza e a confiança são elementos essenciais num casamento bem-sucedido e são também uma solução eficaz para o problema da obrigação de “notificar a outra parte de uma doença grave”.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

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