A hipocrisia na suspensão das férias

As férias são designadas como o período de descanso a que têm direito os trabalhadores, funcionários públicos, estudantes e demais profissões. Provém do latim ‘feria, -ae’ que significava entre os antigos romanos, o dia em que, por prescrição religiosa, não se trabalhava.

Hoje em dia, as férias são algo que transmite felicidade, descanso, alegria, tristeza e problemas. Tristeza, porque nem todos os cidadãos podem ter uns dias de descanso e são tão pobres que são obrigados a trabalhar os 365 dias do ano. Conhecemos uma senhora que trabalha em limpeza de residências e de escritórios que nunca teve férias. O ripanço inerente às férias é merecido para todos quantos passam o ano a trabalhar arduamente. Institucionalizou-se, por maioria, que as férias fossem gozadas no mês de Agosto, talvez por ser o mais quente e as famílias poderem levar a pequenada a banhos pelas praias do país ou do estrangeiro. Famílias, que muitas vezes, são as férias que lhes criam problemas graves no futuro. Acontece que decidem ir conhecer Punta Cana ou Bali e, para isso, contraem um empréstimo bancário e depois é que são elas, porque o crédito fica difícil de ser pago por uma ou outra razão, especialmente se algum membro do casal, entretanto, ficou desempregado. Há muita gente que consegue mensalmente pôr de parte uma certa quantia para que no mês em que decide ter férias, o dinheiro não é problema para que o corpo e a mente possam descansar das dificuldades laborais durante o ano.

Em Portugal, as férias têm um outro lado da moeda. Os funcionários públicos vão quase todos em debandada e os serviços ressentem-se de tal forma que nos tribunais, hospitais, segurança social e finanças, quase tudo fica por decidir em Setembro. Neste sentido, existe uma classe que também não falha ao seu gozo de férias: os políticos. Os destinos são os mais variados e como o rendimento é bom podem escolher um hotel no Algarve topo de gama. O nosso principal político, o Presidente da República, não dispensa o Algarve. Todavia, o que mais detesto na política é a hipocrisia, a mentira e a propaganda. Marcelo rebelo de Sousa estava feliz e contente a banhos algarvios e, de repente, suspendeu as férias para se deslocar a Lisboa a fim de vir, a convite do primeiro-ministro, assistir à abertura de uma maternidade no Hospital de Santa Maria que, risivelmente, está fechada…

A atitude do Presidente Marcelo roçou o ridículo e o povinho ficou a pensar que daqui para a frente todas as obras que Luís Montenegro venha a inaugurar irá ter o Presidente a dar a sua bênção.

Mas, a maternidade no Hospital de Santa Maria tem história. Na cerimónia que decorreu na passada quinta-feira o Presidente Marcelo e o primeiro-ministro foram recebidos pela ministra da Saúde, Ana Paula Martins, precisamente a mesma pessoa que encerrou a maternidade no hospital quando era gestora do mesmo e quando pediu a demissão a António Costa, porque não conseguia comandar um barco quase a naufragar. Com a ministra lá estiveram alguns médicos e outros profissionais afectos ao PSD e ao CDS a receber as mais altas individualidades que foram inaugurar a abertura de uma maternidade fechada por falta de médicos e enfermeiros. E agora coloca-se outro problema, o qual diz respeito ao funcionamento futuro da maternidade que foi alvo de obras. Referimo-nos aos médicos e enfermeiros que têm de ser requisitados ao barreiro, a Almada, a Setúbal e a outros hospitais. A ministra deu-lhe para discursar e salientar que se tratava de uma obra “histórica”, quando não passa de um mamarracho de cimento fora do contexto arquitectónico da monumental fachada do principal hospital português. A ministra referiu que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) estava a melhorar em todos os aspectos, mas esqueceu-se de mostrar aos ilustres convidados o caos que reina mesmo por baixo da nova maternidade, onde no Centro de Colheitas, o povinho sofre pela sua hora de atendimento, e como se trata de análises clínicas, há pessoas diabéticas que estão ali quase a desmaiar por estarem em jejum há mais de quatro horas. A ministra esqueceu-se igualmente que, à mesma hora que discursava, encontravam-se vários serviços de urgência de obstetrícia e ginecologia encerradas pelo país e onde muitas grávidas interrogavam-se onde ter os partos. Já não referindo o caso tristíssimo e grave de negligência médica que se verificou nas Caldas da Rainha onde uma mulher, por duas vezes, foi-lhe negada a assistência médica e veio a abortar e a morrer. A hipocrisia de se suspender férias para nada, a mentira de se anunciar a abertura de algo que continua encerrado e a propaganda de afirmar que o Governo está cada vez a trabalhar melhor que o anterior são temas que levam os portugueses normais e atentos ao que se passa à sua volta a pensar que Portugal irá continuar na mesma: um país que não passa da cepa torta.

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