Alopen e Yuchi Yiseng: Estrangeiros em Chang’an

Li Shimin (598-649), que reinou como o imperador Tang Taizong, (r.626-649) numa magnimidade disponível, recebeu na sua capital Chang’an as mais exóticas personalidades, com quem partilhou a elevação do seu espírito. Nessa cordialidade para com os estranhos, que correspondia a uma calculada opção estratégica e cultural de posicionar o seu reino como guanzhong, uma terra «entre desfiladeiros», recebeu um dia um missionário oriundo de uma terra longínqua que veio caminhando ao longo da grande via continental hoje conhecida como a «Rota da Seda».

De acordo com a inscrição numa estela encontrada no século XVII em Xian (Shaanxi), a antiga Chang’an, ele vinha de Daqin (o Império Bizantino) «descobrindo por entre o azul e as nuvens, trazendo os verdadeiros e sagrados livros; contemplando a direcção dos ventos, enfrentando dificuldades e perigos», e lá chegou no ano 635.

Diz nessa inscrição que se chamava Alopen (Aluoben) e enunciava a religião de Jesus de Nazaré. Ouvindo falar o estrangeiro, Taizong não só o acolheu como permitiu que criasse uma igreja e continuasse a sua missão, que não viu muito diferente dos seus já conhecidos heróis daoístas ou sábios confucionistas, promovendo o convívio de todos.

Até quase ao fim da dinastia Tang foi permitido aos missionários, os que vieram com o cristão assírio Alopen e depois deles, a estadia no Império. Até que foram expulsos, só regressando trezentos anos depois. É possível que o carácter «portátil» da religião de Alopen, necessitando de escassos meios para se mostrar; palavras, uma cruz, pequenas figuras pintadas ou esculpidas, facilitasse o procedimento de fazer esquecer a nova religião.

Algo diferente sucedeu com a religião de Buda Sakyamuni, para a qual a existência de pinturas murais é parte integral do espaço construído dos seus templos para elucidação dos crentes e perplexidade dos visitantes. Na era de Taizong também chegou a Chang’an um artista budista cuja memória permaneceria nos tratados da pintura.

Yuchi Yisang (Visa Irasanga, activo no século VII) veio do Reino de Khotan, na Ásia central (actual Xinjiang) para servir como guarda do palácio imperial, mas logo se notabilizou na decoração de templos budistas e daoístas nas regiões de Chang’an e depois de Luoyang.

Sobre ele Zhu Jingxuan, escrevendo no fim dos Tang, a meio do século IX disse: «Os temas estrangeiros na pintura, figuras de fantasmas e formas exóticas, todos praticados por Yuchi Yiseng, foram quase completamente descontinuados.» (em Tangchao Mighua lu, «Sobre pinturas famosas do período Tang»).

Da sua obra restam escassos exemplos e de difícil autenticação, entre eles, as figuras de duas mulheres do reino de Kusha, pintadas a tinta e cor sobre seda (Villa I Tatti, Florença). O seu corpo, a primeira fronteira da expressão do espírito, move-se em harmonia numa dança.

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Lopo Albuquerque
Lopo Albuquerque
15 Jul 2024 02:21

Parabéns pela sua investigação, e agradeço-lhe o trabalho e divulgação destas pérolas da cultura chinesa, com a qual tantas vezes nós portugueses felizmente nos cruzámos.