Arte pública | Estudo aponta desenvolvimento “tardio” e falta de “políticas claras”

Um estudo académico publicado na revista E3S Web of Conferences conclui que a arte pública em Macau está numa fase inicial de desenvolvimento, carecendo de público e de uma “política clara” de fomento. Destaca-se ainda o facto de o processo de decisões estar centralizado no Executivo, o que dificulta a conexão com o público

 

Macau tem ainda um longo caminho a percorrer no que diz respeito ao desenvolvimento da arte pública urbana, pois não só são poucos os projectos erguidos na malha urbana como apresentam pouca ligação com quem cá vive e com turistas.

Esta é a conclusão do estudo “Research on Public Art Planning in Macao from the Perspective of Urban Cultural Communication” [Investigação sobre o Planeamento da Arte Pública em Macau na Perspectiva da Comunicação Cultural Urbana], publicado em Abril na publicação académica “ERS Web of Conferences”. Os autores do estudo são Zhu Hui, do Departamento de Arquitectura da Universidade de Soochow, em Suzhou, China; António Cadeias, do Departamento de Química da Universidade de Évora; e Marcello Pelillo, da área de ciências computacionais da Ca’ Foscari – Universidade de Veneza.

O estudo nasceu de uma apresentação feita na “International Conference on Urban Construction and Transportation” em Janeiro deste ano, na cidade de Harbin, China.

O trabalho realizado pela equipa de académicos destaca que “Macau ainda se encontra numa fase relativamente inicial do desenvolvimento da arte pública”, devendo este “ser combinado com as próprias características” do território e com “o modo de desenvolvimento das regiões” vizinhas.

Para os três académicos, a arte pública em Macau apresenta como problemas a existência de “menos obras de artistas locais, o insuficiente sentido de participação pública” ou ainda “a falta de planeamento global [da parte do Governo]”, sem esquecer “apoio jurídico e político” para o desenvolvimento de actividades culturais deste tipo.

Além disso, a arte pública sofre de “insuficiente manutenção e gestão numa fase posterior”, além de que é necessário apresentar determinadas características, como “singularidade, funcionalidade, historicidade e interactividade”, sem esquecer a publicidade dos projectos, para que haja uma difusão “da cultura urbana e se estabeleça a imagem da cidade”.

Relativamente à participação do público, os autores destacam que “o Governo é o principal responsável pelo planeamento, construção e gestão da arte pública em Macau, e que o público apenas pode visitá-la, sem ter um poder de decisão efectivo”. Desta forma, “sem a participação do público, a arte pública carece também da sua natureza básica de ‘publicidade'”, além de que a sua localização “também afecta o sentido da participação do público”.

Tendo em conta a pequena dimensão do território nas zonas mais antigas, nomeadamente na península, os autores do estudo referem que “muitas obras de arte pública são colocadas em faixas à beira da estrada, e que o público apenas as pode apreciar de pé ou junto à estrada”.

No que diz respeito à ausência de planeamento do Executivo, o estudo destaca que “a distribuição da arte pública na cidade é desigual e o seu desenvolvimento é lento”, sendo que “a distribuição da arte pública nas novas zonas urbanas, como a Taipa e o Cotai, é menor, o que contrasta claramente com a Península de Macau”.

Um início tardio

Os académicos dividem a evolução da arte pública urbana de Macau em três fases, com a transferência de administração portuguesa de Macau para a China a representar o ponto intermédio. Em termos gerais, a expressão da arte pública urbana no território “começou tarde”, sendo que “a verdadeira arte pública apareceu [graças] aos monumentos de amizade sino-portuguesa construídos pelo Governo português de Macau após a década de 1990”. Antes dessa década, “as principais obras de arte pública urbana eram sobretudo esculturas religiosas e decorações arquitectónicas de importância histórica na cidade”, é referido.

A ligação da arte pública com a religião, bastante visível na Macau do período pré-transição, é semelhante “ao desenvolvimento da arte pública no [período] da Idade Média, no Ocidente”. Trata-se de “um rico património histórico e cultural que simbolizam o espírito de Macau”, situando-se “nas atracções históricas mais importantes de Macau”, pelo que “a maioria não pode ser deslocada”.

O estudo refere vários monumentos públicos que fazem referência às relações bilaterais históricas entre chineses e portugueses, num total de dez trabalhos, como é o caso das Portas do Entendimento, junto à Torre de Macau e da autoria do escultor Charters de Almeida, ou ainda o Arco do Oriente, na zona do NAPE.

“Este tipo de obras de arte pública é instalado, sobretudo, em praças e nós de tráfego importantes”, cuja instalação é “relativamente bem feita, mas há problemas, como o volume demasiado grande das obras, o facto de serem abstractas”, ou seja, “difíceis de compreender”, além de ser “controverso o seu significado”.

Se a religião e a diplomacia pautaram a arte pública feita antes da transição, após a liberalização do jogo surgiram novos projectos em zonas como o Cotai, com estilos diversos e que “realçam o luxo destes grandes empreendimentos [de jogo] e que atraem turistas”. Porém, nestas obras, “a história e cultura locais de Macau raramente são mostradas”.

A importância dos festivais

O estudo em questão destaca também o facto de a arte pública que se vê em Macau nos dias de hoje estar dependente de festivais que, na sua maioria, são organizados pelo Governo, nomeadamente o Instituto Cultural ou a Direcção dos Serviços de Turismo.

“Uma grande parte da arte pública de Macau está relacionada com eventos festivos importantes”, sendo a sua expressão “inovadora e tradicional em simultâneo”.

“Sempre que há uma variedade de festivais tradicionais chineses e ocidentais, o mais atractivo é a grande instalação de iluminações artísticas em frente à sede do Governo” [junto ao lago Nam Van], assim como “luzes decorativas em estradas importantes e nós paisagísticos da cidade”, bem como a realização de actividades e espectáculos. O estudo destaca ainda a organização anual de eventos como o Festival da Luz, mais recente, ou o Festival Fringe, que acontece há vários anos, que vieram “injectar uma nova vitalidade na cultura urbana”.

Embelezar e educar

Entre os problemas enunciados no estudo, os autores defendem que, mais do que embelezar a cidade, “a arte pública de Macau deve ligar os comunicadores a vários públicos no processo de comunicação cultural urbana”, sempre numa ligação próxima à cidade, reparando “o contexto urbano e reforçando o seu posicionamento”. Além disso, a arte pública urbana possui também a função de “reforço das funções educativas, sociais e práticas”, contribuindo para “melhorar a impressão negativa que a arte pública causa a Macau”.

Os académicos recordam que o pequeno enclave foi o primeiro local, em território chinês, onde a cultura ocidental entrou, fazendo com que Macau tenha hoje “um encanto cultural único e uma coexistência harmoniosa das culturas chinesa e ocidental”.

Desta forma, “o desenvolvimento da arte pública urbana não é apenas um meio de divulgar a longa história e cultura de Macau, mas também uma forma eficaz de Macau se transformar num centro mundial de turismo e lazer” e “uma base de intercâmbio e cooperação com a cultura chinesa”. Estas ideias vão de encontro à “corrente principal, de coexistência multicultural”, patentes no projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, ressalva o estudo.

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