ARTM | Defendidas alternativas a prisão para consumidores de drogas

O presidente da Associação de Reabilitação dos Toxicodependentes de Macau reiterou que pesadas penas de prisão não são respostas eficazes na luta contra a droga. Por sua vez, a directora executiva da Agência das Nações Unidas para os Assuntos de Droga e de Crime defendeu uma postura “equilibrada” para lidar com a toxicodependência

Com agência Lusa 

 

O presidente da Associação de Reabilitação dos Toxicodependentes de Macau (ARTM) defendeu na sexta-feira que devia existir uma “maior vontade” de quem julga casos relacionados com droga em Macau de encontrar alternativas à prisão. Deveria haver “maior vontade de quem sentencia, de dar oportunidade às pessoas para entrarem para o tratamento, sem ter que enviar para a prisão”, disse Augusto Nogueira, rejeitando, no entanto, necessidade de mexidas legislativas.

O consumo de droga em Macau é criminalizado e punido com pena de prisão até um ano ou até 240 dias de multa, mas desde 2009, a legislação prevê, em alguns casos, a suspensão da pena a quem se sujeite voluntariamente a tratamento ou internamento.

“Qualquer lei que coloca as pessoas que consomem drogas na prisão é uma lei dura, porque não há necessidade, pode haver sempre outras alternativas para as pessoas que consomem drogas”, constatou. Questionado sobre a possível descriminalização do consumo, à semelhança do que acontece em Portugal desde 2001, Augusto Nogueira disse não “haver uma necessidade actualmente em Macau”, visto serem contextos diferentes.

“Portugal fê-lo porque estava numa situação diferente nessa altura. No final dos anos 1980 e nos anos 1990 era uma situação pandémica, em que quase todas as famílias tinham pessoas a consumir drogas. Era uma situação muito complicada, o número de pessoas que consomem drogas é completamente diferente do número em Macau”, considerou.

Em 2023, no território de cerca de 680 mil habitantes, foram contabilizados 119 consumidores, mais 34 do que no ano anterior e menos 112 do que em 2021, de acordo com o Sistema de Registo Central dos Toxicodependentes de Macau. Importa realçar que este registo apenas contabiliza as pessoas que estão em tratamento ou a contas com a justiça por terem sido apanhadas pelas autoridades a consumir estupefacientes.

No entanto, apesar de indicar uma “situação bastante estável” no consumo local, Nogueira admite haver “casos escondidos” e considera imperativo persistir nos trabalhos de prevenção e de proximidade para incentivar ao tratamento: “Quando existe uma lei que criminaliza as pessoas, obviamente tem que haver, as pessoas consomem drogas às escondidas”, realçou.

O responsável da ARTM falava aos jornalistas à margem de um encontro com a directora executiva da Agência das Nações Unidas para os Assuntos de Droga e de Crime (UNODC), Ghada Waly.

De frisar que, recentemente, foi publicado na revista académica Asian Journal of Addictions (AJA) o estudo de uma técnica superior da Polícia Judiciária de Macau, Connie Lok Cheng, que defende precisamente o contrário, ou seja, o aumento das penas para os crimes de relacionados com drogas, além da reabilitação obrigatória. O trabalho intitula-se “Research on Optimization of Adolescent Drug Abuse Prevention Policies in Macao” [Investigação sobre a Optimização das Políticas de Prevenção da Toxicodependência na Adolescência em Macau], que cita os exemplos mais duros, em matéria de legislação anti-droga, do mundo, nomeadamente a aplicação da pena de morte na China ou Singapura.

“Na perspectiva da prevenção da toxicodependência entre adolescentes, é necessário reforçar as penas para o tráfico, transporte e fabrico de drogas, de forma a reduzir a oferta de drogas no mercado e, assim, diminuir o risco de os adolescentes entrarem em contacto com as drogas”, lê-se.

A autora escreveu ainda que “em comparação com as regiões vizinhas, as penas para os crimes de droga são mais leves”, sendo referido os casos do Interior da China, Taiwan ou Singapura onde “a pena máxima para o tráfico de droga é a pena de morte”. Pelo contrário, destaca a autora, “em Macau há apenas uma pena de prisão de duração determinada”.

Connie Lok Cheng defendeu também que uma reabilitação opcional contribui para reduzir “a severidade e a gravidade das penas”, dando como exemplo o de Hong Kong e China, onde se aplica “um modelo obrigatório de reabilitação de toxicodependentes para aumentar a severidade das penas”.

Assim, a técnica da PJ sugere, no referido estudo, “um modelo de reabilitação faseada se a reabilitação voluntária não mostrar eficácia dentro de um determinado período, e depois fazer a transição para a reabilitação obrigatória para reforçar os efeitos do tratamento e da dissuasão”.

Equilíbrio precisa-se

Em Macau apenas por umas horas para conhecer o trabalho da organização não-governamental, Ghada Waly indicou, em conferência de imprensa, a importância de uma visão equilibrada por parte dos governos no controlo da droga.

“A minha mensagem para os governos é que tenham sempre uma abordagem equilibrada, em que observem as convenções, onde haja espaço para o tratamento, para tratar a dependência da droga como um desafio da saúde pública, mas também olharem para como o sistema judicial pode ser mais eficiente”, disse.

Waly notou que o facto de as autoridades financiarem uma organização como a ARTM, “a trabalhar simultaneamente na prevenção, tratamento, reabilitação e formação profissional, ” é um “passo positivo”.

Natural do Egipto, Ghada Waly é a primeira mulher a liderar este organismo da ONU e conta com 28 anos de experiência na área do alívio da pobreza e protecção social. Antes de ocupar o cargo na ONU Ghada Waly foi Ministra da Solidariedade Social do Egipto.

A Agência das Nações Unidas para os Assuntos de Droga e de Crime (UNODC) foi criada em 1997, mas desde 1946 que a ONU tem em funcionamento a Comissão de Estupefacientes, um dos principais organismos desta entidade para lidar, a nível global, com os fenómenos de consumo e tráfico de droga.

Em Março deste ano decorreu a 67ª sessão desta comissão, tendo sido abordado, segundo o website oficial da ONU, um “cenário cada vez mais complexo” que passa pela existência de “redes de tráfico de droga, uma oferta recorde de drogas ilícitas e opções limitadas de tratamento para os consumidores de droga”, descreveu a UNODC.

Nesta ocasião, Ghada Waly destacou o facto de os “desafios relacionados com as drogas estarem a evoluir rapidamente”, devido à rápida entrada e dissimulação das drogas sintéticas no mercado. “As redes de tráfico têm evoluído no que diz respeito aos modelos de negócio, além de que os mercados ilícitos se sobrepõem aos conflitos e instabilidade”, declarou a directora-executiva da UNODC.

Ghada Waly apelou à Comissão de Estupefacientes que sejam encontradas “respostas equilibradas que protejam as nossas comunidades, promovam a saúde pública e defendam os direitos humanos”, defendendo que “nenhuma medida de policiamento e aplicação da lei vai acabar com o mercado de drogas ilícitas enquanto houver uma enorme procura”.

Além disso, acrescentou que “nenhuma medida de prevenção, tratamento e redução de danos irá acabar com a dependência e distúrbios generalizados enquanto substâncias perigosas continuarem a inundar as comunidades”. Lembrando a crescente tendência do tráfico de droga transfronteiriço, Ghada Waly destacou que “nenhum país pode proteger as suas fronteiras e cidadãos sozinho”.

Destaque ainda para o facto de a ARTM ter sido uma das 130 signatárias de uma carta aberta a Ghada Waly aquando da realização da 66ª Comissão de Estupefacientes, no ano passado, enviada pela Federação Mundial contra as Drogas [World Federation Against Drugs].

Nesta carta aberta foi lançado um apelo “para a promoção de serviços de saúde que não sejam discriminatórios, baseados em provas, informações sobre o trauma” e que sejam também “sensíveis ao género, à cultura e idade” de consumidores. Foi salientada “a necessidade de continuar a promover a prevenção baseada em provas, o acesso a tratamento e recuperação”, bem como o incentivo “à monitorização e avaliação com dados separados por género”.

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